Resumo:     Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea.

Palavras-chaves: Direito de Família. Princípio da Pluralidade das Entidades Familiares. Anseios Sociais.

Sumário: 1 Considerações Iniciais: O Aspecto de Mutabilidade da Ciência Jurídica em relevo; 2 A Valoração dos Princípios: A Influência do Pós-Positivismo no Ordenamento Brasileiro; 3 A Afirmação Jurisprudencial do Princípio da Pluralidade das Entidades Familiares: Reflexos dos Anseios Sociais no Reconhecimento das Uniões Homoafetivas

1 Considerações Iniciais: O Aspecto da Mutabilidade da Ciência Jurídica em relevo Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. Com espeque em tais premissas, cuida hastear como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico -Ubi societas, ibi jus-, ou seja, -Onde está a sociedade, está o Direito-, tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém” . Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade. Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza” . Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais. Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação” . Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis. Diante de tais ponderações, ressaltar se faz imperioso que com a inauguração de uma visão civilista, consolidada, maiormente, com a construção e promulgação do Estatuto de 2002, certos valores que, em momento passado, tinham amplo e farto descanso, já que eram a substancialização das características da sociedade dos séculos XIX e XX, não gozam de sedimento para se nutrir nem sustentáculos robustos para justificar sua manutenção. Ao reverso, passaram a ser anacrônicos e dispensáveis, sendo, por extensão, substituídos por uma gama de novos corolários e baldrames, que refletem a realidade vigente, abarcando os aspectos mais proeminentes da coletividade. Neste diapasão, calha sublinhar, com grossos traços, que o Diploma em apreço abarcou tanto premissas de cunho patrimonialista, oriundas do antigo Códex de 1916, como a visão humanitarista e social preconizada e substancialmente valorizada pela Carta Magna, baseando-se nos valores da pessoa humana, da criança, do adolescente, do idoso, do consumidor, do deficiente e da família.  Desta feita, cumpre afirmar que maciças foram as alterações trazidas pela Lei N°. 10.406/2002 que, praticamente, todos os ramos que o constituem sofreram grandes mudanças, dentre os quais está à parte dos Contratos. Denota-se também a relevante valoração de certos mandamentos e preceitos que em outros tempos foram renegados a uma segunda categoria, dentre os quais o princípio da solidariedade familiar, da pluralidade das entidades familiares e da isonomia entre os cônjuges/companheiros, sem olvidar da igualdade entre os filhos.

2 A Valoração dos Princípios: A Influência do Pós-Positivismo no Ordenamento Brasileiro     Ab initio, tendo como pilares de apoio as lições apresentadas por Marquesi  que, com substancial pertinência, dicciona que os postulados e dogmas se afiguram como a gênese, o ponto de partida ou mesmo o primeiro momento da existência de algo. Nesta trilha, há que se gizar, com bastante ênfase, que os princípios se apresentam como verdades fundamentais, que suportam ou asseguram a certeza de uma gama de juízos e valores que norteiam as aplicações das normas diante da situação concreta, adequando o texto frio, abstrato e genérico às nuances e particularidades apresentadas pela interação do ser humano. Objetiva, por conseguinte, com a valoração dos princípios vedar a exacerbação errônea do texto da lei, conferindo-lhe dinamicidade ao apreciar as questões colocadas em análise.     Com supedâneo em tais ideários, salientar se faz patente que os dogmas, valorados pelas linhas do pós-positivismo, são responsáveis por fundar o Ordenamento Jurídico e atuar como normas vinculantes, verdadeiras flâmulas desfraldadas na interpretação do Ordenamento Jurídico. Desta sorte, insta obtemperar que “conhecê-los é penetrar o âmago da realidade jurídica. Toda sociedade politicamente organizada baseia-se numa tábua principiológica, que varia segundo se altera e evolui a cultura e modo de pensar” . Ao lado disso, em razão do aspecto essencial que apresentam, os preceitos podem variar, de maneira robusta, adequando-se a realidade vigorante em cada Estado, ou seja, os corolários são resultantes dos anseios sagrados em cada população. Entrementes, o que assegura a característica fundante dos axiomas é o fato de estarem alicerçados em cânones positivados pelos representantes da nação ou de regra costumeira, que foi democraticamente aderida pela população. Nesta senda, os dogmas que são salvaguardados pela Ciência Jurídica passam a ser erigidos à condição de elementos que compreendem em seu bojo oferta de uma abrangência mais versátil, contemplando, de maneira singular, as múltiplas espécies normativas que integram o ordenamento pátrio. Ao lado do apresentado, com fortes cores e traços grosso, há que se evidenciar que tais mandamentos passam a figurar como super-normas, isto é, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo” . Os corolários passam a figurar como verdadeiros pilares sobre os quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar . Com efeito, essa concepção deve ser estendida a interpretação das normas que integram ao ramo Civilista da Ciência Jurídica, mormente o Direito das Famílias e o aspecto afetivo contido nas relações firmadas entre os indivíduos. Em decorrência de tais lições, destacar é crucial que o Código de 2002 deve ser interpretado a partir de uma luz emanada pelos valores de maciça relevância para a Constituição Federal de 1988. Isto é, cabe ao Arquiteto do Direito observar, de forma imperiosa, a tábua principiológica, considerada como essencial e exaltada como fundamental dentro da Carta Magna do Estado Brasileiro, ao aplicar a legislação abstrata ao caso concreto. A exemplo de tal afirmativa, pode-se citar tábua principiológica que orienta a interpretação das normas atinentes ao Direito das Famílias. Com o alicerce no pontuado, salta aos olhos a necessidade de desnudar tal assunto, com o intento de afasta qualquer possível desmistificação, com o fito primordial de substancializar um entendimento mais robusto acerca do tema.

3 A Afirmação Jurisprudencial do Princípio da Pluralidade das Entidades Familiares: Reflexos dos Anseios Sociais Dentre os dogmas que orientam o Direito das Famílias, cuida salientar, inicialmente, acerca do princípio da pluralidade das entidades familiares, ressoando, de forma determinante, com a realidade contida nas interações sociais. Anote-se, por oportuno, que o Ordenamento Pátrio, até a promulgação da Constituição da República Federativa de 1988, jungido em valores patrimoniais, assentava como núcleo familiar tão somente o constituído pelo vínculo matrimonial, renegando às demais entidades a uma situação de subcategoria, à margem do considerado como aceitável pela sociedade. “O Texto Constitucional alargou o conceito de família, permitindo o reconhecimento de entidades familiares não casamentárias, com a mesma proteção jurídica dedicada ao casamento” . Ao lado disso, cuida salientar que, de maneira expressa, a Carta Cidadã, no caput do artigo 226 consagrou que: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” . Ora, há que se reconhecer que o Constituinte tão somente positivou uma situação que vigorava em milhares de famílias brasileiras, reconhecendo, por via de consequência, que a constituição de um núcleo familiar é algo natural, oriundo das interações afetivas nutridas entre indivíduos. De outra banda, o casamento se afigura como uma solenidade, uma convenção estabelecida pela sociedade. Nesta esteira, com o escopo de adaptar a Ciência Jurídica aos anseios da sociedade, conferindo aos Diplomas Legais congruência com a atmosfera social em que incidem, mister se fez a adequação das normas a um cenário consolidado pela coletividade e que reclamava do Estado a devida proteção. Destarte, conforme se extrai do dispositivo legal supramencionado, Farias e Rosenvald salientam que           “não somente a família originada através do casamento, bem como qualquer outra manifestação afetiva como a união estável e a família monoparental – formada pela comunidade de qualquer dos pais e seus descendentes” . Ao lado disso, cuida evidenciar que a família, em ressonância ao burilado na Carta da República de 1988, deve ser interpretada em um sentido amplo, independentemente do modelo adotado. Assim, seja qual for a espécie, o Poder Público deverá a ela dispensar especial proteção, logo, tanto as células familiares constituídas de maneira solene, a exemplo do casamento, como a oriunda de relações informais, sem a origem solene, como a união estável, reclamarão proteção do Ente Estatal. Trata-se, com efeito, de um rol meramente exemplificativo o contido no artigo 226 da Constituição Federal, sendo, inclusive, tal interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal, o qual considerou como entidade familiar a união constituída entre duas pessoas do mesmo sexo, denominada “união homoafetiva”. Para tanto, à guisa de robustecimento das ponderações acima apresentadas, há que se trazer à colação o seguinte aresto:

Ementa: União Civil entre pessoas do mesmo sexo - Alta relevância social e jurídico-constitucional da questão pertinente às uniões homoafetivas - Legitimidade Constitucional do reconhecimento e qualificação da união estável homoafetiva como entidade familiar: Posição consagrada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADPF 132/RJ e ADI 4.277/DF) - […]  Reconhecimento e qualificação da união homoafetiva como entidade familiar. - O Supremo Tribunal Federal - apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) - reconhece assistir, a qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe, em consequência, verdadeiro estatuto de cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes consequências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares. - A extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais configuram, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente da própria Constituição da República (art. 1º, III, e art. 3º, IV), fundamentos autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à qualificação das conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie do gênero entidade familiar. - Toda pessoa tem o direito fundamental de constituir família, independentemente de sua orientação sexual ou de identidade de gênero. A família resultante da união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas. [...] (Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ RE 477554 AgR/ Relator Ministro Celso de Mello/ Julgado em 16.08.2011/ Publicado no DJe-164/ Divulgado em 25.08.2011/ Publicado em 26.08.2011).

A partir do entendimento jurisprudencial coligido, infere-se que não mais merecem prosperar os debates acalorados existentes nos Tribunais Pátrios, cingidos na discussão da união entre pessoas do mesmo sexo, sendo, por vezes, tal entidade familiar renegada ao direito obrigacional, afastando-a da proteção inserta no Texto Constitucional. Como bem acinzela Rolf Madaleno , com prodigiosa pertinência, não mais é admissível o deslocamento de tal entidade familiar para o direito obrigacional, porquanto a família não se constitui apenas de pai, mãe e prole; ao reverso, é precedida de uma estruturação psíquica em que cada um dos seus integrantes ocupa um lugar determinado, uma função, sem que haja a necessidade de estarem biologicamente atrelados. É verificável, deste modo, a proeminência dos valores atinentes à busca pela felicidade e solidariedade entre os companheiros, os quais passam a figurar como verdadeiro pavilhão norteador das diversas manifestações e concretizações do vocábulo família. O cânone em comento apresenta como núcleo sensível os anseios apresentados pela coletividade, notadamente os decorrentes da própria evolução que permeia os arranjos familiares, conferindo respaldo jurídico às novas estruturas apresentadas. A visão conservadora da família como a composição estática constituída por homem, mulher e sua prole, em decorrência do contemporâneo cenário, sofre maciça mitigação. De outra banda, a mutabilidade que sustenta a Ciência Jurídica impende que haja o abarcamento das manifestações múltiplas dos arranjos familiares, com o escopo de refletir os anseios da sociedade, conferindo, via de extensão, a dinamicidade aos dispositivos legais que constituem o ordenamento jurídico pátrio. Com realce, a realidade inaugurada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, notadamente a robusta tábua principiológica que a influencia, concatenada com os anseios da sociedade, rendeu ensejo a um polimorfismo familiar, manifestado precipuamente no princípio da diversidade das entidades familiares, viabilizando que núcleos familiares distintos gozem do amparo legal e reconhecimento, bem assim especial proteção do Ente Estatal, como instrumento de afirmação dos feixes irradiados pela dignidade da pessoa humana. Não se pode olvidar que os princípios constitucionais concernentes a institutos típicos de direito privados passaram a nortear a própria interpretação a ser conferida à legislação infraconstitucional. O bastião robusto da dignidade da pessoa humana passou a assumir dimensão transcendental e normativa, sendo a Carta de 1988 içada a centro de todo o sistema jurídico, irradiando, por conseguinte, seus múltiplos valores e conferindo-lhe unicidade. No mais, cuida pontuar que o direito é fato, norma e valor, motivo pelo qual a modificação maciça do fato deve, imperiosamente, conduzir uma releitura do fenômeno jurídico, iluminado pelos novos valores hasteados. Destarte, a família é um fenômeno fundamentalmente natural-sociológico, cuja gênese é antecedente a do próprio ente Estatal. Neste alamiré, a família é uma instituição pré-jurídica, surgida nas mais remotas experiências de aglomeração e vinculação pelo parentesco e reciprocidade de afeto, antecedente ao próprio casamento, civil ou religioso. O sexo, entendido como gênero - e, por consequência, a sexualidade, o gênero em uma de suas múltiplas manifestações -, não pode ser fator determinante para a concessão ou cassação de direitos civis, porquanto o ordenamento jurídico explicitamente rechaça esse fator de discriminação, mercê do fato de ser um dos objetivos fundamentais da República - vale dizer, motivo da própria existência do Estado - "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" . Trata-se, com efeito, de conferir concreção ao superprincípio da dignidade da pessoa humana, o qual, de maneira implícita, agasalha a diversidade das entidades familiares e, por extensão, a proteção jurídica conferida, como mecanismos de conformação e desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos . Ora, os arquitetos do Direito, ao interpretarem a incidência das normas, devem fazê-lo sensíveis às modificações apresentadas pela sociedade, a fim de refletir em paradigmáticos julgados a mutabilidade existente na Ciência Jurídica, bem como amparar as necessidades apresentadas pela coletividade contemporânea, dotada de complexidade e nuances singulares. Nesta esteira, é possível trazer à colação os entendimentos jurisprudenciais emanados pelo Superior Tribunal de Justiça:

Ementa: Direito de família. Casamento civil entre pessoas do mesmo sexo (homoafetivo). Interpretação dos arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 do Código Civil de 2002. Inexistência de vedação expressa a que se habilitem para o casamento pessoas do mesmo sexo. Vedação implícita constitucionalmente inaceitável. Orientação principiológica conferida pelo STF no julgamento da ADPF N. 132/RJ e da ADI N. 4.277/DF. 1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião do direito infraconstitucional, no estado atual em que se encontra a evolução do direito privado, vigorante a fase histórica da constitucionalização do direito civil, não é possível ao STJ analisar as celeumas que lhe aportam "de costas" para a Constituição Federal, sob pena de ser entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na Lei Maior. Vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo sua missão de uniformizar o direito infraconstitucional, não pode conferir à lei uma interpretação que não seja constitucionalmente aceita. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. 3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado "família", recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". Assim, é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento - diferentemente do que ocorria com os diplomas superados - deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade. 4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição - explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF - impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos. 5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico chamado família. 6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os "arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto. 7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à auto-afirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias. Em uma palavra: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à diferença. Conclusão diversa também não se mostra consentânea com um ordenamento constitucional que prevê o princípio do livre planejamento familiar (§ 7º do art. 226). E é importante ressaltar, nesse ponto, que o planejamento familiar se faz presente tão logo haja a decisão de duas pessoas em se unir, com escopo de constituir família, e desde esse momento a Constituição lhes franqueia ampla liberdade de escolha pela forma em que se dará a união. 8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar. 9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia mesmo "democraticamente" decretar a perda de direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário, em regra é o Poder Judiciário - e não o Legislativo - que exerce um papel contramajoritário e protetivo de especialíssima importância, exatamente por não ser compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em vista a proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. Dessa forma, ao contrário do que pensam os críticos, a democracia se fortalece, porquanto esta se reafirma como forma de governo, não das maiorias ocasionais, mas de todos. 10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que somente é "democrático" formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima investigação acerca da universalização dos direitos civis. 11. Recurso especial provido. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 1.183.378/RS/ Relator: Ministro Luis Felipe Salomão/ Julgado em 25.10.2011/ Publicado no DJe em 01.02.2012).

Nessa linha de exposição, ainda, há que se obtemperar que a família se apresenta como base da sociedade, como expressamente referência faz o artigo 226 da Constituição Federal , gozando de especial proteção do Estado, eis que cumpre a função que a sociedade contemporânea destinou à entidade, qual seja: transmitir a cultura e formar a pessoa humana. Em razão do pontuado, mister se faz a sua compreensão como sistema democrático, afigurando-se como um espaço aberto ao diálogo entre os seus integrantes, na qual se ambiciona a felicidade e a realização plena. “Ademais, ao reservar -especial proteção do Estado- ao núcleo familiar, o Texto Constitucional deixa antever que o pano de fundo da tutela que lhe foi emprestada é a própria afirmação da dignidade da pessoa humana” .  Convém destacar, neste quadrante, que a proteção do Estado ao ser humano deve ser conferida com a visão orientada ao respeito às diferenças interpessoais, no sentido de vedar comportamentos preconceituosos, discriminatórios e estigmatizantes, sob o robusto broquel dos princípios fundamentais da igualdade, da dignidade e da liberdade do indivíduo . Destarte,a proteção da entidade familiar tem como ponto de alicerce a premissa que aquela se revela como tutela avançada da pessoa humana, substancializando no plano concreto, real, a dignidade erigida de modo abstrato. Trata-se da utilização do núcleo como instrumento apto ao desenvolvimento da personalidade humana, salvaguardando, por conseguinte, a realização plena de seus membros. Igualmente, retira-se o aspecto essencialmente econômico e reprodutivo da entidade familiar, não mais prosperando a aproximação daquela com o ideário de produção, avançando, por extensão, para uma compreensão arrimada em aspectos socioafetivos, nos quais se verifica a formação de uma unidade e de mútua ajuda, logo, é fato que restam materializados novos arranjos familiares. Neste sentido, o Desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl, ao relatoriar a Apelação Cível Nº. 70048452643, destacou que “considerando a ampliação do conceito de entidade familiar, não há como a omissão legislativa servir de fundamento a obstar a conversão da união estável homoafetiva em casamento, na medida em que o ordenamento constitucional confere à família a "especial proteção do Estado” . O casamento, com a nova sistemática consolidada no Texto Constitucional, é descrito como ponto robusto para buscar a proteção e o desenvolvimento da personalidade do indivíduo. A dignidade da pessoa humana, desfraldada como superprincípio do Ordenamento Pátrio, passa a sobrepujar, de forma determinante, os valores simplesmente patrimoniais. A inegável superação de antigos modelos do direito de família tem se operado pela gradativa evanescência da função “procriacional” a definir a entidade familiar, bem como pela dissipação do conteúdo de cunho marcadamente patrimonialista, para dar lugar à comunhão de vida e de interesses pautada no cuidado e na afetividade, tendo como suporte a busca da realização pessoal de seus integrantes . É cediço que o Direito não confere regulamentação aos sentimentos, contudo, define os liames com base neles produzidos, o que obsta que a própria norma, que estabelece a vedação a qualquer espécie de segregação, seja agasalhada por conteúdo discriminatório. Deste modo, o núcleo sensível do sistema jurídico que muito mais assegurar a materialização de liberdades do que estabelecer limitações na órbita pessoal dos seres humanos. Nesta toada, as relações alicerçadas no afeto e na mútua assistência consolidadas entre pessoas do mesmo sexo, têm sido, de maneira gradativa, insertas no âmbito do direito das famílias, mormente pela doutrina e pela jurisprudência, a exemplo dos arestos colacionados. São muitas as facetas com as quais podem se revestir as entidades familiares pós-modernas: além da tradicional, fundada no casamento, ou da representada pela união estável – ambas formadas pelos genitores e sua eventual prole –, bem como a da família monoparental, constituída por apenas um dos genitores e seus filhos, não se pode deixar de mencionar aquela que se faz representar por duas pessoas unidas pelo amor que nutrem entre si e que optaram por não ter filhos. Todas elas, caracterizadas pela ligação afetiva entre seus componentes, fazem jus ao status de família, como entidade a receber a devida proteção do Estado. Ora, a partir das ponderações aventadas, verifica-se que o corolário da diversidade das entidades familiares emerge, neste cenário, como robusto axioma que assegura a manifestação da diversidade da sociedade em suas relações familiares, como instrumentos de afirmação e confirmação da busca pelo afeto e materialização do afeto recíproco, traços caracterizadores da contemporânea célula familiar.

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Elaborado em abril/2013

 

Como citar o texto:

RANGEL, Tauã Lima Verdan..A Afirmação Jurisprudencial do Princípio da Pluralidade das Entidades Familiares: Reflexos dos Anseios Sociais no Reconhecimento das Uniões Homoafetivas. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1129. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/2914/a-afirmacao-jurisprudencial-principio-pluralidade-entidades-familiares-reflexos-anseios-sociais-reconhecimento-unioes-homoafetivas. Acesso em 27 dez. 2013.

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