Resumo

O estudo dessa pesquisa tem como intuito a análise do instituto da legítima defesa de forma a verificar a sua ocorrência nos fatos concretos, de maneira que beneficie o defensor do bem tutelado, especificamente, nas situações onde há morte do autor da agressão injusta devido à atuação dos profissionais de segurança pública, além disso, convém fazer uma análise do instituto de estrito cumprimento do dever legal, tendo em vista a sua aplicação destinada ao policial, quando agindo por força de lei para se fazer cumprir as normas impostas pelo ordenamento jurídico àqueles que cometem fato típico e antijurídico. Dessa forma, ambos os institutos são tipificados no Código Penal Brasileiro, as quais são causas de justificação, isto é, o agente que defende direito ameaçado ou atacado injustamente, no caso de legítima defesa, ou no caso de estrito cumprimento de dever legal, que o agente pratica ato ilícito que viola norma ou princípio devido à obrigação legal e funcional, quando se refere ao agente de polícia.

Palavras-chave: Excludente. Ilicitude. Legítima. Defesa.  Policial.

Abstract

The study of this research is aimed at the analysis of the institution of legitimate defense in order to verify its occurrence in the concrete facts, in a way that benefits the defendant of the tutored property, specifically, in situations where the death of the author of the unfair aggression occurs due to the action of public security professionals, moreover, it is appropriate to make an analysis of the institution of strict compliance of the legal duty, in view of its application intended to the police, when acting by law to enforce the rules imposed by the legal system to those who commit the typical and unlawful fact. Thus, both institutions are typified in the Brazilian Penal Code and are grounds for justification, that is, for the agent that defends the threatened or unjustly attacked right, in the case of legitimate defense, or in the case of strict compliance of legal duty, that the agent practices an illicit act that violates the rule or principle due to the legal and functional obligation when referring to the police officer.

Keywords: Excluding. Illegality. Legitimate. Defense. Police officer.

Introdução

            A presente pesquisa, tem como objetivo central evidenciar a possibilidade de configuração da legítima defesa em favor do policial, este que atuando em ação (de serviço) ou mesmo de folga. De fato, em nosso Código Penal pátrio há casos descriminantes, ou seja, casos em que agente age de forma ilícita, mas que é isento de penalidade, pois a conduta está pautada em uma excludente de ilicitude.

Nessa pesquisa, se levará em consideração a condição funcional do agente de polícia, este que muitas das vezes, está em situação de risco dentro e fora de serviço, podendo ser mais facilmente alvo de uma agressão injusta e, consequentemente, deverá agir em favor próprio de terceiro.

Assim, se faz presente e necessário neste artigo, detalhar quais os pressupostos que qualifica este instituto, as suas espécies e peculiaridades que são levantadas pelos juristas, além disso, a admissibilidade pelo ordenamento jurídico, para tanto, é indispensável a exposição doutrinária e alguns fatos concretos a respeito do tema.

Destaca-se, que além do instituto da legítima defesa, será abordado nessa pesquisa a justificativa de estrito cumprimento de dever legal, também tipificada no âmbito penal, por se julga a necessidade de realçar a sua importância para o agente de polícia na sua atuação, pois, no serviço funcional, está totalmente amparado, ressalvado o cometimento de excesso pelo policial, que é punível. Observa-se que será objeto de estudo o âmbito penal comum, não sendo abordado o direito penal castrense.

            Busca-se com a abordagem desse tema, uma visão ampla a respeito dessas duas justificativas, para compreender a sua caracterização em relação ao policial que atua como representante do Estado, mas não deixa de ser um cidadão, dotado de bens indisponíveis, como a vida e integridade física e que deve ter direito a defender-se de forma legítima.

1. Causas de Excludente de Ilicitude

O direito está em constante evolução; com o passar do tempo, observando sempre os avanços da sociedade, da cultura, do ético-moral e da situação econômica do país onde será aplicado. De fato, alguns direitos que existiam no século passado não são mais válidos nos tempos modernos. De outro lado, alguns direitos basilares tendem a se prolongarem no decorrer do tempo, sendo utilizados até hoje de forma ativa, exemplo disso são as excludentes de ilicitude.

Esses institutos têm acompanhado a evolução histórica e humana, e passando de tão-somente um instinto natural do homem para um princípio e um direito adquirido daquele que o invoca para resguardar bem jurídico que esteja sendo ameaçado ou atacado.

É fato que todos os institutos merecem ser analisados, mas para atingir o objetivo principal da pesquisa, será analisado aqui o instituto da legítima defesa, e de modo subsidiário, o instituto do estrito cumprimento de dever legal.

2. O Instituto da Legítima Defesa

A legítima defesa é o instituto que o Estado disponibiliza a qualquer pessoa como forma de proteção de bem jurídico, sendo próprio ou de terceiro. De acordo com Hungria (1978), o instituto da legítima defesa não é somente algo relacionado as origens primitivas, mas sim um instinto de conservação onde se possibilita a repulsa de violência com violência equivalente que possa cessar uma agressão ilícita.

            De fato, o Estado não consegue estar a todo momento em todos os lugares para defender o cidadão, pensando nisso, o legislador criou a legítima defesa como uma exceção à regra. Sobre isso, discorreu Hungria,

Ela nasceu quando o Estado deixou de se conformar com a instintiva e ilimitada oposição força contra a força. Chamando a si o poder de proteção aos direitos individuais, o Estado teve de abrir uma exceção, permitindo que o indivíduo o substituísse quando a debelação do injusto ataque aos direitos assegurados exigisse reação in continenti. (1978, p. 281, grifo do autor)

            Ainda sobre essa temática, Jesus, reitera a ideia de qual foi a motivação do legislador ao criar esse instituto,

A noção jurídica da legítima defesa somente surgiu quando o Estado reclamou para si o castigo do autor em face da prática de uma ofensa pública ou privada. Somente aí é que se iniciou o processo evolutivo do direito de punir e do direito de liberdade: de um lado, o magistério estatal punitivo como forma de repressão ao delito; de outro, a legítima defesa exercida por qualquer particular injustamente vítima de agressão. (2011, p. 426)

Se vê que o legislador quis então atribuir o poder e a responsabilidade ao Estado para punir as ofensas entre as pessoas, mas mesmo assim, não podendo defender totalmente a sociedade de ataques injustificados, criou-se a legítima defesa como forma de resguardar aquele que exerce o seu direito de autodefesa ou em prol de outrem quando o Estado não pode fazer isso por ele.

Assim, a legitimidade para repulsar ataques injustificados é necessário, pois, é preciso uma resposta imediata contra qualquer violência atual ou iminente, mas que seja proporcional para cessar aquela violência.

Deveras, para se estabelecer a legítima defesa, é imprescindível alguns elementos acerca desse instituto para ser utilizado como respaldo jurídico por aquele que se utilizou desse modo para repulsar uma agressão.

2.1 Elementos Objetivos da Legítima Defesa

A legítima defesa está fundamentada no Código Penal, em seu artigo 25, da seguinte forma: Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

A partir da interpretação literal, é possível identificar os elementos suficientes para a legitimação de defesa. A doutrina classifica de várias formas (palavras) diferentes, mas que tem o mesmo sentido, assim, de acordo com Nucci, “[...] a) relativos à agressão: a.1) injustiça; a.2) atualidade ou iminência; a.3) contra direito próprio ou de terceiro; b) relativos à repulsa: b.1) utilização de meios necessários; b.2) moderação”. (2016, p. 246)

Além dessa forma de classificar os elementos, pode ser classificada de uma forma mais simplória, conforme Jesus (2011), é uma agressão injusta, atual ou iminente, que busca resguardar o direito agredido seu ou de terceiro, atacado ou com ameaça de sê-lo, que se utiliza dos meios necessários para repulsar moderadamente a agressão injustificada a qual tem conhecimento e deseja defender-se.

2.1.1 Agressão Injustificada

Quando se fala em agressão injusta, é facilmente previsível que se trata de uma agressão a qual não se deu causa, ou seja, tal violência não tem embasamento justificável por aquele que a desfere, então, trata-se de uma conduta humana contra um bem jurídico alheio. Assim, visto que a agressão a qual se trata no instituto da legítima defesa deve ser sempre uma ação ou omissão de um terceiro, um ser humano, nunca sendo admitida uma agressão de um animal neste caso, pois, está se trata de estado de necessidade.  De fato, deve ser injustificada, ou seja, contraditória ao direito, não sendo apenas uma infração penal, mas podendo ser também um ato em desacordo com o direito civil, por exemplo. (QUEIROZ, 2008)

Outrossim, pode ser considerada injusta apenas para o agredido, mesmo não sendo uma violência contrária ao ordenamento jurídico, mas sim injusta para aquele que é alvo da agressão, conforme entendimento de Reale (apud NUCCI, 2016, p. 247, grifo nosso), “[...] a agressão não precisa ser considerada antijurídica, bastando que seja injusta sob o prisma do agredido, e não do agressor”. De qualquer forma, para melhor análise nessa pesquisa, se considerará o primeiro posicionamento, o qual a injustiça de um ato agressivo é contrário ao ordenamento jurídico.

Vale ressaltar, que meras provocações não são assistidas por esse instituto, pois não se trata de uma agressão suficiente que viola bem jurídico tutelado.

Assim, a agressão injusta praticada, independe de inimputabilidade do agente, isto é, caso seja praticada por um inimputável, aquele sofredor da agressão tem o direito de agir em defesa de direito lesado, ressalvando a hipótese de conhecimento do autor de tal situação, nisso, “[...] se conhecida do agredido, impõe a este maior diligência no evitar, e maior moderação em repelir o ataque”. (MASSON, 2014, p 421)

              

2.1.2 Atualidade ou Iminência

Outro fator determinante, é que a agressão injusta seja atual ou iminente. Ou seja, ato violento ao direito que esteja acontecendo, no presente, está em andamento, assim sendo, não pode haver lapso temporal da agressão, para a resposta, e se assim acontecer, a legítima defesa perde seu eixo de aceitação. E de outra forma, iminente, é aquele ato que pode acontecer num momento muito próximo, que tudo indica a sua ocorrência.

Sobre isso, assevera Bitencourt, “Atual é a agressão que está acontecendo, isto é, que ainda não foi concluída; iminente é a que está prestes a acontecer, que não admite nenhuma demora para a repulsa” (2012, p. 359). Da mesma forma, discorre Hungria, “[...] basta a presença concreta do perigo para que surja, sem qualquer outra indagação, a necessidade de defesa” (1978, p. 288). Em suma, o perigo de lesão a direito próprio ou de outrem deve ser naquele momento exato onde se está sofrendo ato lesivo a bem jurídico, ou que esteja a ponto de acontecer, em futuro imediato, onde é previsível e certo a ameaça e iminentemente o ataque de bem jurídico, necessitando então uma contrapartida imediata. Relembrando que esta resposta imediata é em síntese para afastar também o perigo iminente, e não dar cabo da vida do agressor, algo bem comum de se entender como legítima defesa, a ideia da excludente é afastar, impedir, não deixar progredir a violência propagada, neste aspecto, e somente neste, é que se encaixa o instituto.

Assim, pode-se afirmar que não é aceitável uma repulsa a agressão passada, pois estaria caracterizando vingança, nem mesmo em caso de uma agressão futura, no qual há tempo suficiente para buscar auxílio em favor de proteger o direito que poderá posteriormente ser ameaçado.

2.1.3 Direito Próprio ou de Terceiro

Para a aplicação do instituto, deve ser uma violência injustificada na atualidade ou em iminência e, além disso, o direito próprio ou de terceiro deve estar ameaçado, ou sendo atacado. Segundo Nucci (2016, p 249), “[...] somente pode invocar a legítima defesa quem estiver defendendo bem ou interesse juridicamente protegido”. Portanto, aquele que está defendendo seus direitos ou de outrem são os legítimos que podem ser beneficiados por essa excludente de antijuricidade.

Cumpre firmar que “injustificada” é aquela agressão ou violência que tenha em seu nascente motivo fútil, que não se justifique se quer uma discussão, não é uma defesa, é, ao contrário, a agressão pela agressão. Nesta orla, é bom lembrar que boa parte da violência é “injustificada”, uma vez que se pode escolher uma via alternativa, a que não leve a violência.

Nesse sentido, pode-se dividir de duas formas, como sendo uma legítima defesa própria, quando o agente defende bem jurídico seu, próprio e pessoal, ou também podendo ser, legítima defesa de terceiro, quando um agente defende bem jurídico indisponível de outrem, ameaçado ou atacado. (BITENCOURT, 2012)

Quando se tratar de bem disponível, é necessário o consentimento daquele ofendido para que outro indivíduo possa agir em favor dele, assim, “[...] o patrimônio ou mesmo a integridade física, quando se tratar de lesões leves, parece-nos importante conseguir o consentimento da vítima, caso seja possível”. (NUCCI, 2016, p. 250)

Na defesa de direito de terceiro, pode ser tanto pessoa física quanto jurídica, pois, esta não pode agir sozinha, além disso, pode-se proteger também o direito do feto e do cadáver, esses que estão em condições especiais, mas que possuem sua proteção no ordenamento jurídico. (NUCCI, 2016)

2.1.4 Meios Necessários

Deveras, para constituir a legítima defesa, quanto a repulsa da agressão injusta sofrida, deve-se utilizar de meios necessários, no intuito de cessar a violência que venha sofrendo. Isso é, utilizar-se de meios disponíveis naquele momento e que repelem de modo menos gravoso ao agressor quando possível. Assim, Jesus afirma:

A medida da repulsa deve ser encontrada pela natureza da agressão em face do valor do bem atacado ou ameaçado, circunstâncias em que se comporta o agente e meios à sua disposição para repelir o ataque. O meio escolhido deixará de ser necessário quando se encontrarem à sua disposição outros meios menos lesivos. O sujeito que repele a agressão deve optar pelo meio produtor do menor dano. Se não resta nenhuma alternativa, será necessário o meio empregado. (2011, p. 432).

            De fato, conforme esse raciocínio, é necessário que o contra-ataque com intenção de defender-se, deve ser razoável em face à agressão e o mínimo danoso ao agressor, somente sendo suficiente para findar a violência contra direito. Data vênia, de modo diverso disso, discursa Roxin (apud NUCCI, 2016, p. 255),

[...] a necessidade da defesa não está vinculada à proporcionalidade entre o dano causado e o impedido. Assim, pois, quem somente pode escapar de uma surra apunhalando o agressor, exerce a defesa necessária e está justificado pela legítima defesa ainda que a lesão do bem jurídico causado pelo homicídio seja muito mais grave do que a que teria sido produzida pela surra.

            Nessa ótica, pode-se analisar que os meios para reprimir uma agressão, podem ser os mais diversos possíveis, desde o menos gravoso até o mais danoso para o agressor, pois a intenção principal é cessar a agressão injusta a qualquer custo, já que aquele que partiu para uma violência sem justificativa está lesando um bem jurídico de alguém.

Entretanto, trazendo para a realidade do direito penal brasileiro, é essencial a moderação no emprego dos meios que forem utilizados para repelir uma agressão injusta, não podendo o indivíduo agir de forma desproporcional alegando defender bem jurídico. Mas, é extremamente importante que seja analisado com cuidado e de modo flexível o caso concreto, e os meios disponíveis naquele momento e sua utilização proporcional, posto que o agente está agindo em autodefesa de seu direito ou de outrem, desse modo, tendo como base os ensinamentos de Hungria, “Já não há cogitar da rigorosa adequação ou proporção entre os meios da reação e os da agressão, mas da necessidade e moderação dos meios empregados pelo defensor”. (1978, p. 289, grifo do autor)

2.1.5 Moderação na Repulsa

A moderação a qual o instituto da legítima defesa trata, pode ser exemplificada dessa forma, se um indivíduo A está de posse de uma arma de fogo, e o agressor B também de posse de uma arma de fogo, com a intenção de roubá-lo, aquele no intuito de cessar ou evitar a lesão a seu bem jurídico sendo o patrimônio e, ou até mesmo a vida, desfere um disparo, neutralizando o agressor B, está amparado pela legítima defesa. No entanto, se o indivíduo A efetuar mais disparos, já estando o agressor B inerte, não será beneficiado pelos efeitos da excludente de antijuricidade, sobre isso, elucida Nucci (2016, p. 257), “Se o meio fundamentar-se, por exemplo, no emprego de arma de fogo, a moderação basear-se-á no número de tiros necessários para deter a agressão”. Desta feita é próprio afirmar que a excludente protege a moderação, o bom senso que deve prevalecer, afinal, não se pode buscar refúgio no direito penal, esquecendo que ele é a última ratio, não a primeira a ser utilizada. Em análise, é preciso ser comparado o caso concreto, a intensidade do uso dos meios para aferir a moderação na autodefesa, sobre essa temática, expressa Hungria,

Não se trata de pesagem em balança de farmácia, mas de uma aferição ajustada às condições de fato do caso vertente. Não se pode exigir uma perfeita equação entre o quantum da reação e a intensidade da agressão, desde que o necessário meio empregado tinha de acarretar, por si mesmo, inevitavelmente, o rompimento da dita equação. (1978, p. 302, grifo do autor)

Ainda sobre a aferição da moderação na repulsa, é bom enfocar que a própria palavra moderação conduz ao entendimento de medir, de ponderar, e não ao contrário de ataque de qualquer forma, para tanto destacasse o entendimento de Masson sobre o assunto,

Utilizar-se o perfil do homem médio, ou seja, para aferir a moderação dos meios necessários o magistrado compara o comportamento do agredido com aquele que, em situação semelhante, seria adotado por um ser humano de inteligência e prudência comuns à maioria da sociedade.

[..] levando em conta a natureza e a gravidade da agressão, a relevância do bem ameaçado, o perfil de cada um dos envolvidos e as características dos meios empreendidos para a defesa. (2014, p. 425).

            Ou seja, é preciso ser moderado na defesa do bem tutelado, não podendo exceder os limites. Limites esses que devem ser pautados pela necessidade e moderação para defesa do bem jurídico, conforme afirmar Hungria (1978) e Bitencourt (2012). Fora desses limites, o agente incorre em excesso na conduta, consequentemente, descaracterizando a legitimidade da ação em defesa do seu direito ou de terceiro.

          Outrossim, limite é o mesmo que estabelecer um marco, de forma arrazoada, uma linha divisora em que se possa estar sem ultrapassar a medida necessária.

           

2.2 Elemento Subjetivo da Legítima Defesa

No que tange aos elementos subjetivos, já se teve muitas controversas a respeito da subjetividade no instituto da legítima defesa. Assim, é questionável pelos doutrinadores se há uma vontade do sujeito de defender-se ou não, sendo só impulsivamente o ato de defesa.

            Há juristas que defendem que a legítima defesa é exclusivamente objetiva, não possuindo nenhum elemento subjetivo, um deles, é Nelson Hungria,

A legítima defesa, por isso mesmo que é uma causa objetiva de exclusão de injuricidade, só pode existir objetivamente, isto é, quando ocorrem, efetivamente, os seus pressupostos objetivos. Nada tem estes a ver com a opinião ou crença do agredido, ou do agressor. Devem ser reconhecidos de um ponto de vista estritamente objetivo. (1978, p. 289, grifo o autor)

            Nessa ótica, outro doutrinador que defende a legítima defesa como uma causa de excludente objetiva, é E. Magalhães Noronha,

É causa objetiva excludente da antijuridicidade. “Objetiva” porque se reduz à apreciação “do fato”, qualquer que seja o estado subjetivo do agente, qualquer que seja sua convicção. Ainda que pense estar praticando um crime, se a “situação de fato” for de legítima defesa, esta não desaparecerá. O que está no psiquismo do agente não pode mudar o que se encontra na realidade do acontecido. A convicção errônea de praticar um delito não impede, fatal e necessariamente, a tutela de fato de um direito. (2004, p. 196)

Data vênia, quanto a inexistência do requisito subjetivo, alguns doutrinadores asseveram que deve haver a vontade de defesa da injusta agressão a qual um indivíduo está sofrendo ou sendo ameaçado, ou seja, o elemento subjetivo. Como afirma Jesus,

[...] a legítima defesa exige requisitos de ordem subjetiva é preciso que o sujeito tenha conhecimento da situação de agressão injusta e da necessidade da repulsa. Assim, a repulsa legítima deve ser objetivamente necessária e subjetivamente conduzida pela vontade de se defender. (2011, p. 434)

            Entendimento similar da necessidade de ânimo de defesa, é de Welzel (apud BITENCOURT, 2003, p. 269), “A ação de defesa é aquela executada com o propósito de defender-se da agressão. Aquele que se defende tem de conhecer a agressão atual e ter a vontade de defender-se”.

            Nesse sentido, “A vontade de defesa será o elemento subjetivo da justificação. A falta de requisitos de ordem subjetiva exclui a legítima defesa”. (MORAIS, 2017, p. 46)

De fato, é necessário analisar bem a subjetividade na conduta do indivíduo em ato de defesa, pois ai está caracterizado o animus defendendi, ou seja, a intenção daquele que possa ser ou estar sendo agredido e quer interromper a violência injusta sofrida, por meio de repulsa, assim, é visto que o agredido deve ter a consciência de que está agindo em defesa de direito seu, ou de terceiro, por meio do instituto da legítima defesa e seu amparo.

            Observa-se que o elemento subjetivo do indivíduo deve ser estritamente a sua vontade, consciente do perigo atual ou iminente, de repelir os ataques a bem jurídico próprio ou de terceiro, ainda assim, é preciso que o ataque ou ameaça de ataque não seja ilícita e contrária ao ordenamento jurídico, ou seja, não poderá aquele que repele um ato legalmente lícito alegar legitimidade em sua ação como forma de defesa, por exemplo, O sujeito atira em um ladrão que está a porta de sua casa, supondo trata-se de um agente policial que vai cumprir o mandado de prisão expedido contra o autor do disparo, neste caso, inexiste legítima defesa (MIRABETE, 2009). Em suma, “Não é preciso qualquer sentido ético à conduta defensiva, bastando o ânimo de se defender – ou defender terceira pessoa”. (NUCCI, 2016, p. 240)

2.3 Excesso

Ao validar de forma legislativa um instinto de sobrevivência humana, o legislador teve muito cuidado para que não houvesse extrapolação de limites, violência desenfreada e desproporcional, ou até mesmo uso de meio desnecessário em desfavor daquele que iniciou uma violência injusta, assim, todo o excesso na conduta é punível. Ao se referir a excesso o legislador tratou de oferecer uma regulação mínima para não se defrontar com possibilidade de justificar-se quaisquer atos, de todas as formas e, por motivos diversos. Reafirma-se, o direito penal, não se apregoa a vingança e muito menos o ódio. Em suma, conforme Jesus,

É de grande importância observar que o excesso consiste na intensificação da conduta. Para reconhecer que há excesso é preciso admitir que se encontram presentes as condições básicas da legítima defesa e que uma delas, a proporcionalidade, encontra-se hipertrofiada. (2011, p. 435)

Ou seja, o excesso é punível, “[...] quando o sujeito repele a agressão excedendo-se na repulsa, seja valendo-se de meios superiores aos necessários, seja não os utilizando com moderação. Tal excesso é punível, na forma do parágrafo único do art. 23 do CP” (DELMANTO, 2002, p. 49). Reza o parágrafo único que, o agente, em qualquer das hipóteses do caput (das excludentes de ilicitude), responde pelo excesso doloso ou culposo.

A partir desse ensinamento, o excesso pode ser dividido em doloso e culposo, “Se o excesso foi doloso, o sujeito responde pelo que se excedeu, a título de dolo; se foi culposo, a título de culpa, caso o excesso constitua, em si, delito culposo”. (DELMANTO, 2002, p. 49)

Acerca do excesso doloso, é de fácil compreensão que o agredido inicialmente estava amparado pelos efeitos da defesa legitimada, mas mesmo após o agressor já estar incapacitado, o agredido continua a conduta desproporcional e/ou imoderadamente, feito isso consciente de sua ação ou omissão. É importante esclarecer, que punibilidade é caracterizada a partir do excesso, como explica Jesus que “O excesso doloso exclui a legítima defesa a partir do momento em que o agente pratica a conduta constitutiva do excesso, pois antes disso se encontrava acobertado pela descriminante”. (2011, p. 436)

            Dessa forma, o agredido responderá pelos atos após repelir a injusta agressão. Conclui-se, de forma exemplificada pelo o mesmo autor,

Ex.: para repelir a injusta agressão o sujeito causa lesão corporal grave no agressor, presentes os requisitos da necessidade e da proporcionalidade. Já prostrado o agressor, o agente continua a feri-lo, causando, nesta segunda fase, lesões corporais leves. Se o excesso doloso excluísse a legítima defesa, deveria responder por crime de lesão corporal grave. Ocorre que o agente causou a lesão grave quando se encontrava em legítima defesa. Logo, deve responder pelo fato praticado durante o excesso: lesão corporal leve (dolosa). (JESUS, 2011, p. 436)

            Por outro lado, há o cometimento de excesso culposamente, de forma sucinta, seria o erro de cálculo do agredido na repulsa de agressão injustificada, ou seja, o indivíduo ameaçado ou agredido exerce conduta consciente no intuito de defesa, no entanto, o resultado ocorre de forma impensada e não prevista de forma calculada. Assim, o excesso culposo ocorre quando “[...] o indivíduo ao ultrapassar os seus limites não tem consciência e nem a previsão, mas esse excesso seja decorrente de um erro de cálculo e acreditando que ainda persista a agressão ou que ainda se encontre em situação de perigo” (MORAIS, 2017, p. 56). Sobre a temática, o autor ainda complementa,

O denominado excesso culposo se caracteriza quando o agredido responde a agressão e por imperícia, imprudência ou negligência, acaba por responder em excesso lesionando ou até matando o agressor. Neste caso o agredido responderá apenas pelos atos praticados proporcionalmente a sua culpa. (MORAIS, 2017, p. 68)

A conduta culposa, se subdivide em duas formas, o erro escusável, invencível e o erro inescusável, vencível. Em analise, trata-se de erro escusável, invencível, os erros que podem ser cometidos por qualquer homem médio diante de determinadas circunstâncias, nisso, ficando isento de pena por ausência de dolo e culpa, denominada legítima defesa subjetiva (JESUS, 2011). Tal erro, está previsto no texto legal, artigo 20, parágrafo 1°, em sua primeira parte, do Código Penal, “§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima.” (Torna-se Legítima Defesa Real), sendo então um erro de tipo.

Ele supõe, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, que incide sobre o cálculo quanto à gravidade do ataque ou quanto ao modo da repulsa, encontrar-se ainda na situação de necessidade de reagir. Há erro de tipo escusável, excludente de dolo e culpa. (JESUS, 2011, p 436)

            De outro modo, o erro inescusável, vencível, é quando há a exclusão do dolo na conduta, mas persiste a culpa. Respondendo o agente pelas ações ou omissões as quais ele deveria ter se atentado. Ou seja, ocorre quando “[...] o homem equilibrado não deveria cometer, advindo de imponderação, desatenção, o agente responde por crime culposo, se prevista a modalidade culposa para o fato, surgindo o excesso culposo” (JESUS, 2011, p. 436). Assim, o resultado desejado é alcançado, entretanto, o excesso não era querido pelo indivíduo, em consequência, não caracteriza o dolo na conduta, mas a culpa permanece. Portanto, enquadra-se a segunda parte do artigo 20, parágrafo 1°, do Código Penal, pertinente ao erro culposo, “Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo”. Tal erro também conhecido como culpa imprópria.

            Superado as questões de erro, parte-se para análise de algumas espécies de legítima defesa e suas diferenças, as quais são de maior importância para a compreensão do assunto.

2.4 Espécies de Legítima Defesa

Há algumas espécies (denominações e interações) do instituto da legítima defesa que são apresentadas por doutrinadores. Ao apresentar algumas das principais delas nessa pesquisa, tem-se o intuito de melhor entendimento dessa causa de justificação e como ela é aplicada.

2.4.1 Legítima Defesa Real

            A legítima defesa real é quando existe todos os requisitos fixados pelo artigo 25 do Código Penal. Ou seja, é a legítima defesa plena, completa, com todos os efeitos de exclusão de ilicitude do fato, conforme artigo disciplinado pelo artigo 23, inciso II, do Código Penal. Em outras palavras a legítima defesa lato senso.

2.4.2 Legítima Defesa Putativa

            Há legítima defesa putativa, também chamada de legítima defesa imaginária, quando o indivíduo crê, erroneamente, que está sofrendo uma agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de terceiro, e repele tal agressão. Por exemplo,

[...] agente que, em rua mal iluminada, se depara com um inimigo que lhe aponta um objeto brilhante e, pensando estar na iminência de uma agressão, lesa o desafeto. Verificando-se que o inimigo não iria atingi-lo, não há legítima defesa real por não ter ocorrido a agressão que a justificaria, mas a excludente da culpabilidade por erro plenamente justificado pelas circunstâncias. (MIRABETE, 2009, p. 173)

            Tal ato frente agressão injusta imaginária, pode ser qualificada como “[...] erro de tipo ou de proibição plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe encontrar-se em face de agressão injusta (arts. 20, § 1.º, 1.ª parte, e 21)” (JESUS, 2011, p. 438). Assim,

Equiparar a defesa putativa com a legítima defesa supõe confundir justificação com inculpabilidade. Para que o erro fundamente a exclusão da responsabilidade, a título de defesa putativa, deve existir um paralelismo entre o imaginário e o real, que não significa equivalência, pois o imaginário originará a exclusão da culpabilidade. (MAYRINK DA COSTA, 2005, p. 1032)

            Isto é, a legítima defesa putativa é o erro quanto a existência de causa de justificação, assim, conforme Bitencourt,

Se o autor supõe erroneamente a ocorrência de uma causa de justificação – independentemente de o erro referir-se aos pressupostos objetivos da causa justificante ou à sua antijuridicidade –, a conduta continuará sendo antijurídica. No entanto, se esse erro, nas circunstâncias, era inevitável, exculpará o autor; se era evitável diminuirá a pena, na medida de sua evitabilidade. (2009, p. 270)

           

Conclui-se, que a defesa putativa, pode-se excluir não a ilicitude, mas sim, em certos casos concretos, poderá ser uma excludente de culpabilidade, isso, devido à o erro do autor diante da situação fática.

2.4.3 Legítima Defesa Recíproca

Um dos requisitos essenciais da legítima defesa é que haja primeiramente uma agressão injusta, assim, não há de se falar em legítima defesa recíproca, pois um dos ofendidos será o agressor. Nesse sentido, elucida Nucci, “Não existe tal possibilidade, pois a agressão não pode ser injusta, ao mesmo tempo, para duas partes distintas e opostas”. (2016, p. 261-262)

Do mesmo modo, ensina Mirabete, “Um dos contentores (ou ambos, no caso de duelo) estará agindo ilicitamente quando tomar a iniciativa da agressão” (2009. p. 172). Porém, pode-se, caso comprovado, caracterizar legítima defesa real oposta à legítima defesa putativa, sendo que,

[...] a primeira é reação contra agressão verdadeiramente injusta e a segunda é uma reação a uma agressão imaginária, embora na mente da pessoa que se defende ela exista. No primeiro caso, exclui-se a antijuridicidade; no segundo, afasta-se a culpabilidade. (NUCCI, 2016, p. 262)

            Outra possiblidade, é a absolvição de ambos os envolvidos. Nesse caso, ocorre quando não é possível identificar quem iniciou a agressão ilícita, nem tampouco provar as alegações de ambos terem agido em legítima defesa. No entanto, não é reconhecido a legítima defesa, mas somente é proporcionado a absolvição por motivo de insuficiência de provas. (NUCCI, 2016, p. 262)

            Em suma, tal modalidade não é admissível pelo ordenamento jurídico pátrio, pois, para que alguém seja beneficiado pelos efeitos do instituto da legítima defesa, é necessário que haja primordialmente uma agressão injusta a bem jurídico. Desse modo, um dos indivíduos estará agindo injustamente em desfavor do outro, mas nunca será possível que ambos tenham seus direitos agredidos simultâneo e injustamente, ou seja, legítima defesa contra legítima defesa, onde pelo menos um dos contendores incorrerá em erro. (BITENCOUT, 2009)

2.4.4 Legítima Defesa Subjetiva

            É caracterizada pelo o excesso nos limites da legítima defesa configurando um erro de tipo escusável. Diferente da legítima defesa putativa, a agressão injusta aqui é real, mas o indivíduo, erroneamente, excede os limites agindo imoderadamente e/ou desnecessariamente, elucida Hungria,

Costuma-se falar em legítima defesa subjetiva, mas o que se designa com este nome não é outra coisa senão o excesso de legítima defesa por erro escusável, e, em tal caso, já não se trata de causa elidente de injuricidade, mas de causa de excludente de culpabilidade (insuperável erro de fato). (1978, p. 289, grifo do autor)

            Acerca do assunto, Damásio de Jesus afirma que inicialmente o agente está em legítima defesa, mas acaba deixando essa condição por erro, por achar ainda estar em situação de perigo ou reação diversa da adequada.

Legítima defesa subjetiva é o excesso por erro de tipo escusável, que exclui o dolo e a culpa (CP, art. 20, § 1.º, 1.ª parte). Encontrando-se inicialmente em legítima defesa, o agente, por erro quanto à gravidade do perigo ou quanto ao modo da reação, plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe ainda encontrar-se em situação de defesa. (2011, p. 438)

            Em síntese, a legítima defesa subjetiva, também chamada de excessiva ou excesso acidental, é o excesso na conduta do agredido após já ter repulsado a agressão injusta, e este continua há agredir aquele agressor, por ainda achar que está em situação de perigo. Desse modo, não responderá pelo o excesso, por ser de caráter acidental. (MASSON, 2014)

2.4.5 Legítima Defesa Sucessiva

            Essa espécie, de forma contrária, ocorre quando o agente reage diante do excesso na legítima defesa. Conforme Bitencourt,

Haverá legítima defesa sucessiva na hipótese de excesso, que permite a defesa legítima do agressor inicial. Verifica-se quando, por exemplo, o agredido, exercendo a defesa legítima, excede-se na repulsa. Nessa hipótese, o agressor inicial, contra o qual se realiza a legítima defesa, tem o direito de defender-se do excesso, já que o agredido, pelo excesso, transforma-se em agressor injusto. (2012, p. 362)

            No mesmo contexto, tem-se como caso hipotético, “Ex.:A, defendendo-se de agressão injusta praticada por B, comete excesso. Então, de defendente passa a agressor injusto, permitindo a defesa legítima de B” (JESUS, 2011, p. 438). Em síntese, dá o direito aquele que antes era o agressor inicial, de repelir injusta agressão sofrida excessivamente, praticada pelo o agredido.

2.4.6 Legítima Defesa Contra Multidão

            Partindo da premissa de que é necessário que a agressão injusta seja praticada por ação ou omissão humana, é notório que é admissível a legitimidade de defender-se de uma multidão. Conforme ensina Nucci, “É admissível, pois o que se exige é uma agressão injusta, proveniente de seres humanos, pouco interessando sejam eles individualizados ou não”. (2016, p. 263)

            Porém, há doutrinadores que entendendo o contrário como Vincenzo (apud MASSON, p. 429), “[...] para quem o comportamento de defesa contra a multidão configura estado de necessidade”.

2.4.7 Legítima Defesa Contra Inimputáveis

            É admissível em nosso ordenamento, pois, conforme texto legal, não há qualquer referência a inimputabilidade, mas sim a agressão injustificada de alguém a outrem, que necessita de uma repulsa com intenção de defesa. Diferente desse entendimento, é a doutrina de Nelson Hungria, ele acreditava que não poderia ser considerado legítima defesa contra o ataque de inimputável, mas seria adequado nesse caso, o instituto de estado de necessidade, afirmando que “sua inclusão na órbita da legítima defesa importaria uma quebra dos princípios que a esta inspiram e regem”. (1978, p. 296)

Sendo assim, atualmente, com o entendimento de novos doutrinadores, é reconhecida e cabível a legítima defesa contra inimputável, “[...] pois, a lei exige apenas a existência de agressão injusta e as pessoas inimputáveis podem agir voluntária e ilicitamente, embora não sejam culpáveis”. (NUCCI, 2016, p. 262)

            No entanto, se possível, é necessário que o ato de defesa contra tais, seja, feita com maior cautela, devido a possibilidade de não terem o conhecimento da ilicitude do fato. (NUCCI, 2016)

2.4.8 Legítima Defesa e Aberratio Ictus

            Em caso do agente repelir agressão injustificada, atual ou iminente, que ameaça ou está atacando direito seu, ou de outrem, e por erro atinge terceiro inocente, poderá se valer da legítima defesa. Assim é o entendimento de Noronha, “Pode, na repulsa legítima, o defendente atingir outra pessoa (aberratio ictus). O fato, consoante a regra do art. 20, $ 3. °, deve ser considerado como se praticado fora contra o agressor”. (2004, p. 198, grifo do autor)

            Outrora, com pensamento divergente de muitos doutrinadores, Nélson Hungria opinava que,

No ato de defesa, pode ser atingida pessoa diversa da do agressor, ou por aberratio ictus, ou por erro in persona: em qualquer dos casos não se pode reconhecer a legítima defesa, pois esta inexiste fora de suas condições objetivas, entre as quais a de que a repulsa seja exercida contra o injusto agressor; mas aplica-se a regra sobre o erro de fato, isto é, o agente não responderá, sequer, a título de culpa, se o erro for escusável. (1978, p. 297, grifo do autor)

            Também há aquele com o entendimento de que tal caso seria de estado de necessidade. Como é o caso do jurista Aníbal Bruno (apud JESUS, 2011, p. 433) que afirmava que se trata de estado de necessidade e não de legítima defesa, pois falta a violação, o caráter de reação contra agressão injusta.

            No entanto, se crê que a razão sobre essa modalidade está com Noronha e também, em sentido semelhante, Masson,

Se repelindo uma agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, o agente atinge pessoa inocente, por erro no emprego dos meios de execução, subsiste em seu favor a legítima defesa. [...]Incidirá ainda a justificativa se o agente atingir a pessoa almejada e também pessoa inocente. (2014, p. 430)

            Além disso, para melhor compreensão, ao ler o artigo 73 do Código Penal Brasileiro, se vê que aquele que por acidente atinge pessoa diversa daquela pretendida, responderá como se tivesse atingido aquele almejado. Analisa-se,

Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.

            Em suma, de forma interpretativa, aquele que por erro, acaba atingindo e lesando pessoa inocente no curso de sua repulsa, tinha nada mais que a intenção de atingir seu agressor, agindo por instinto de defesa, sendo amparado pela causa de justificação, legítima defesa.

2.4.9 Legítima Defesa Contra Provocação, Duelo e Desafio

            Tal espécie não é admissível no ordenamento jurídico, levando em consideração que há outros meios para reagir a insultos e ofensas, desafio ou duelo. Ou seja, “É inadmissível, pois a provocação (insulto, ofensa ou desafio) não é suficiente para gerar o requisito legal, que é a agressão”. (NUCCI, 2016, p. 263)

            Do mesmo modo, é afirmado por Mirabete, quanto ao Desafio e o duelo,

Não age em legítima defesa aquele que aceita o desafio para luta. O duelo não é permitido pela legislação brasileira e os contentores responderão pelos ilícitos que praticarem, já que o desafio não cria a necessidade irremovível de delinquir. Também, com maior razão, não há legítima defesa na conduta do agente que procura o desafeto para pedir satisfações, agredindo-o. (2009, p. 173)

            Vale ressaltar, que é preciso analisar cada caso, pois se há uma provocação insistente, pode tornar-se uma agressão, justificando a reação do provocado, respeitando o requisito da moderação na repulsa. (NUCCI, 2016)

            No entanto, deve-se observar que se houver indícios de que a provocação, feita pelo provocador, tem por objetivo desencadear uma agressão por parte do provocado, para que posteriormente possa aquele alegar legítima defesa, não estará amparado por esse instituto. (MIRABETE, 2009)

2.4.10 Legítima Defesa da Honra

            Ao fazer a leitura do artigo referente ao instituto em comento (art. 25, CP), não há distinção de bens e direitos que podem ser alcançados e defendidos legitimamente. Assim, a legítima defesa da honra é cabível, tendo em vista que é um direito fundamental, e é considerada inviolável, conforme Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, inciso X.

            Entretanto, é necessário analisar pormenores o contexto em relação à honra, pois ela se subdivide em três aspectos diferentes, os quais são o respeito pessoal, liberdade sexual e infidelidade conjugal. (MASSON, 2014)

            Quanto ao respeito pessoal, são aquelas ofensas que podem ferir o decoro e/ou a dignidade, essa honra pessoal que são tipificados como crimes, sendo a injúria, a calúnia e também a difamação. Dessa forma, pode-se para sua tutela, usar de maneira moderada e necessária, o emprego de força física para impedir a ofensa. (MASSON, 2014)

            No aspecto de liberdade sexual, é possível a legítima defesa em caso de evitar, por exemplo, um estupro, onde a pessoa causa lesão ou até mata para evitar a consumação. Pois, o intuito é a de proteção da dignidade sexual do indivíduo.

            A infidelidade conjugal, como dito por Masson, é a maior celeuma em relação a defesa da honra, pois há muitas disparidades na doutrina sobre o assunto. Mas, prevalece o entendimento de que o adultério não é causa para a aplicação de legítima defesa por aquele traído, pois há outras formas menos danosas as partes para resolver esse impasse, como por exemplo, o caso de divórcio, na seara cível.

            Sobre o tema, Masson pondera, “Deveras, se não se admite sequer a responsabilidade penal de quem trai o seu cônjuge, com maior razão infere-se que o Direito Penal não autoriza a legítima defesa da honra, principalmente com o derramamento de sangue do traidor” (2014, p. 428). Também opina sobre o tema, Celso Delmanto,

Não há legítima defesa na conduta do marido ou da mulher que agride o cônjuge, o amante ou a amante, ou ambos, pois a honra — bem personalíssimo —, que foi atingida não é a do cônjuge traído, mas a daquele que traiu, podendo ser reconhecida em favor do primeiro, dependendo das circunstâncias do caso concreto, a atenuante da violenta emoção ou do relevante valor moral ou social (CP, art. 65, III, c, última parte, ou a). (2016, p. 214)

            Conclui-se que é inadmissível a defesa legitimada desse derradeiro aspecto da honra, tal entendimento leva em consideração a evolução social e também os direitos da mulher, sendo que a humilhação, como disse o doutrinador supracitado, atinge somente o traidor.

2.4.11 Legítima Defesa e Estado de Necessidade

            Ambos são institutos de causa de antijuridicidade, tem em comum o perigo do bem jurídico, podendo ser próprio ou de terceiro. Mas há algumas diferenças entre tais causas de justificação. Bitencourt leciona que a legítima defesa seria uma última instância do instituto de estado de necessidade, e específica as diferenças da seguinte forma,

a) No estado de necessidade há conflito de interesses legítimos: a sobrevivência de um significará o perecimento do outro; na legítima defesa o conflito ocorre entre interesses lícitos, de um lado, e ilícitos, de outro.

b) Na legítima defesa a preservação do interesse ameaçado se faz através de defesa, enquanto no estado de necessidade essa preservação ocorre através de ataque.

c) No estado de necessidade existe ação e na legítima defesa reação. (2003, p. 270, grifo do autor)

            Deveras, é possível que coexista ambos os institutos, em uma situação de fato, como caso hipotético mostrado por Mirabete (2009), seria o caso do agente que quebra uma estatueta de terceiro (estado de necessidade) para defender-se de uma agressão (legítima defesa).

2.4.12 Legítima Defesa de Terceiro e Consentimento do Ofendido

            Já fora explanado em tópico anterior a respeito da possibilidade de defesa legitimada de direito de terceiro, mais especificamente, por direito indisponível, como a vida, onde é prescindível o consentimento do ofendido. A questão em comento, é quanto a direito disponível, onde é preciso a aprovação daquele que está tendo seu direito lesado.

            Porém, quando houver reação em defesa de bem jurídico de terceiro, mesmo sem o assentimento do ofendido, poderá o agente estar amparado por legítima defesa putativa. (MASSON, 2014)

3. O Instituto do Estrito Cumprimento de Dever Legal

            Para que se possa haver uma maior compreensão do assunto e que, principalmente, se possa alcançar os objetivos com essa pesquisa, é imprescindível a análise desse instituto, tendo em vista, que tal excludente de ilicitude é destinada em ênfase a agentes da segurança pública.

3.1 Conceito e Natureza Jurídica

A previsão legal do estrito cumprimento de dever legal está no artigo 23, inciso III do Código Penal: “Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: III - em estrito cumprimento de dever legal [...]”. Logoz (apud HUNGRIA, FRAGOSO, 1978, p. 309, grifo do autor), outrora, pondera que se trata de, “[...] uma advertência ao juiz, para que tenha em conta todas as regras de direito, mesmo extrapenais, que, no caso vertente, podem ter por efeito a excepcional legitimidade do fato incriminado”.

Diferente das excludentes de ilicitudes, como a legítima defesa e estado de necessidade, o Código Penal pátrio não traz o conceito, nem os elementos para sua constituição no texto da lei. Mas, conforme a doutrina, pode-se conceituar como sendo uma causa de exclusão de ilicitude, no qual consiste na prática de um fato típico, praticado por agente que é obrigado por lei a cumprir tal fato, podendo ser de natureza penal ou não. (MASSON, 2014)

Em relação às obrigações de natureza social, moral ou religiosa, essas que não existe determinação legal, não se incluem na justificativa, vale ressaltar a elucidação de Bitencourt a respeito do assunto,

Quem pratica uma ação em cumprimento de um dever imposto por lei não comete crime. Há situações em que a lei impõe determinada conduta e, em face das quais, embora típica, não será ilícita, ainda que cause lesão a bem juridicamente tutelado. Assim, não são crimes a ação do carrasco que executa a sentença de morte, do carcereiro que encarcera o criminoso, do policial que prende o infrator em flagrante etc. (2012, p. 342, grifo do autor)

            Tendo o conceito, há de se falar a respeito da natureza jurídica. No próprio texto legal, tem-se a expressão “Não há crime” e por ser tratada como “excludente de ilicitude” no Código Penal, é óbvio que se trata de causa de exclusão da ilicitude de fato típico.

3.2 Requisitos do Estrito Cumprimento de Dever Legal

            Assim como as demais causas de exclusão de antijuridicidade, aqui também há alguns requisitos a serem observados para que enseje os efeitos de justificativa. Segundo Bitencourt, os requisitos podem ser examinados separadamente da seguinte forma, “a) Estrito cumprimento — somente os atos rigorosamente necessários justificam o comportamento permitido; b) de dever legal — é indispensável que o dever seja legal, isto é, decorra de lei [...]”. (2012, p. 342, grifo do autor)

            Na mesma ótica, leciona Barros, fazendo somente a diferenciação de requisito objetivo e subjetivo. “Objetivo. Cumprimento estrito, regular, isto é, nos limites do dever imposto pela norma, sendo punível todo excesso ou abuso de direito. Subjetivo. Conhecimento do dever e vontade de cumpri-los, nos exatos termos da lei”. (2006, p. 136)

3.3 Destinatários da Excludente de Ilicitude

            Como dito no início, os principais destinatários dessa excludente são os agentes de segurança pública. Porém, poderá ser aquele que exercer uma função pública temporária, como mesário, jurado de tribunal de júri ou até mesmo perito, ou seja, que tem um vínculo com o Estado. De fato, o que define a possibilidade de um indivíduo ser o destinatário dessa excludente é o agir por imposição da lei, decreto, regulamentos, decisões judiciais e etc. (MIRABETE, 2009)

            A doutrina também entende o reconhecimento da extensividade dessa justificativa para o particular, este que esteja atuando de forma a cumprir uma obrigação imposta por lei. Exemplos, “[...] não há crime de falso testemunho na conduta do advogado que se recusa a depor sobre fatos que tomou conhecimento no exercício da sua função, acobertados pelo sigilo profissional (Lei 8.906/1994 – Estatuto da OAB, arts. 2º, § 3. °, e 7.º, XIX)” (MASSON, 2014, p. 441), e também, “o dever que têm os pais de guarda, vigilância e educação dos filhos (art. 231, IV, do CC)”. (BITENCOURT, 2003, p. 272, grifo do autor)

3.4 Limites Permissivos da Excludente

            Para que o agente seja beneficiado pelos efeitos dessa justificativa, deve-se praticar somente os atos que estão pautados dentro da lei, há um limite legal para ser seguido, sendo inaceitável o exercício arbitrário alegando o cumprimento de um dever imposto por norma legal. Nesse sentido, ilustra Masson, “Fora dos limites traçados pela lei, surge o excesso ou o abuso de autoridade. O fato torna-se ilícito, e, além de livrar do cumprimento aquele a quem se dirigia a ordem, abre-lhe ainda espaço para a utilização da legítima defesa”. (2014, p. 441)

            Destaca-se que mesmo com o caráter permissivo do artigo 292 do Código de Processo Penal pátrio, não poderá agir como bem entende aquele que está representando o Estado (agentes), não autoriza então a matar ou ferir pessoas somente pelo fato de serem delinquentes, ou estarem agindo em desacordo com a lei penal. (BITENCOURT, 2012)

3.5 Excesso da Excludente

            Assim, se há um limite a ser respeitado, aquele que não o segue e o ultrapassa, obviamente incorre em excesso. Dessa forma, conforme artigo 23, em seu parágrafo único, já citado anteriormente, prevê a responsabilidade por excesso tanto culposo como o doloso, em qualquer das causas de justificação, inclusive nesta justificativa em comento. Mas claro, deve-se analisar o caso concreto e o tipo de excesso cometido pelo agente, para que se possa atribuir o grau de responsabilidade aquele que agiu de tal forma.

            Em síntese, assim como ocorre nas demais excludentes, o excesso pode ocorrer quando o agente, inicialmente, está agindo em estrito cumprimento de dever legal, mas acaba cometendo algum tipo de abuso, isto posto, é o que ensina Bitencourt,

Em outros termos, o limite do lícito termina necessariamente onde começa o abuso, pois aí o dever deixa de ser cumprido estritamente no âmbito da legalidade, para mostrar-se abusivo, excessivo e impróprio, caracterizando sua ilicitude. Exatamente assim configurasse o excesso, pois, embora o “cumprimento do dever” se tenha iniciado dentro dos limites do estritamente legal, o agente, pelo seu procedimento ou condução inadequada, acaba indo além do estritamente permitido, excedendo-se, por conseguinte. (2012, p. 344, grifo do autor)

            Da mesma maneira das demais causas de justificação, o excesso pode caracterizar-se por dolo ou culpa. No dolo, o agente intencionalmente exagera em seu dever imposto por lei, indo além do necessário. Consequentemente, caso configurado o dolo, o agente responde, podendo ter como atenuante o artigo 65, inciso III, alínea c, do Código Penal.

            No caso em que o agente comete excesso culposamente, por ato involuntário, havendo uma avaliação errônea da situação, onde se era possível uma avaliação adequada, pode incorrer em erro de tipo inevitável ou em erro de proibição evitável. (BITENCOURT, 2012)

3.6 Comunicabilidade da Excludente

            O doutrinador Cleber Masson, leciona a respeito da comunicabilidade dessa justificativa, assim, se julga importante o seu esclarecimento. Tem-se a ideia de que, em caso de um agente agindo em estrito cumprimento de dever legal, juntamente com outras pessoas (concurso de pessoas), a excludente de justificação estende-se aos demais que estão envolvidos em situação determinada. Isto é,É evidente que um fato típico não pode ser lícito para um dos agentes, e simultaneamente, ilícito para os demais”. (MASSON, 2014, p. 442)

4. O Instituto da Legítima Defesa e Estrito Cumprimento de Dever Legal na Atuação Policial

            Enfim, se inicia o foco principal dessa pesquisa, o qual é possibilidade da aplicação do instituto da legítima defesa nos casos de atuação policial, que muitas vezes ocasionam a morte do agressor. Assim, se faz presente algumas questões.

            É possível que os dois institutos comentados nessa pesquisa, que possuem suas diferenças, coexistam em determinadas situações?

            Há possibilidade de um agente de segurança pública, os policiais das mais diversas áreas, ser beneficiado pelo instituto da legítima defesa quando atuar pela preservação da ordem e proteção de sua vida e das pessoas da sociedade, em situações que o injusto agressor venha a morte? 

            Ademais, poderá se valer dos dois institutos para respaldar-se juridicamente quando em exercício de sua atividade ou fora dela, e devido a sua repulsa, matar o injusto agressor?

            Se buscará responder a seguir essas e outras questões no decorrer deste tópico, procurando esclarecer as divergências acerca desse assunto e a sua provável aplicação no âmbito jurídico.

4.1 Da Atividade e Dever Policial

            A Constituição Federal Brasileira, teve o cuidado de estabelecer as funções e atribuições para as polícias do nosso país. Estão compreendidas no artigo 144, onde se encontram os deveres basilares em que os policiais devem se atentar. Em suma, se percebe que o dever policial é ser garantidor da preservação da ordem pública por meio de imposição de lei, agindo sempre que possível, com proporcionalidade e necessidade, observando sempre os direitos fundamentais do povo, podendo ser por meio preventivo ou repressivo, ou seja, compreende tanto as formas ostensivas quanto as formas de apuração de crimes cometidos.

            Para melhor compreensão, pode se analisar o conceito que define muito bem a atividade policial, dado por Manuel Monteiro Guedes Valente,

[...] actividade de natureza executiva – ordem e tranquilidade públicas e administrativa -, dotada de natureza judiciária no quadro de coadjuvação e de prossecução de actos próprios no âmbito do processo penal – cuja função jurídico-constitucional se manifesta na concreção da defesa da legalidade democrática, da garantia de segurança interna e da defesa e garantia dos direitos do cidadão e da prevenção criminal quer por vigilância quer por prevenção criminal stricto sensu, podendo para cumprimento daquelas funções fazer uso da força – coacção – dentro dos limites do estritamente necessário e no respeito pelo Direito e pela pessoa humana. (apud ESCALINHA, 2014, p. 56, grifo do autor)

            Porquanto, nota-se que as responsabilidades atribuídas às diferentes polícias devem se pautar em sua atuação entre o dever de imposição legal de manter a ordem e reprimir a violação de bens tutelados, não podendo descuidar-se de resguardar os direitos fundamentais da sociedade, mesmo em conflito com as normas legais. Não obsta-se ressaltar, que todo o agente de polícia é ensinado e deve ter a consciência de agir de forma a utilizar o uso progressivo da força, visando resolver os conflitos na sociedade, regrando-se de modo a não utilizar força imoderada e/ou desnecessária.

4.2 Policial como Cidadão

            Para que se possa atingir o resultado dessa pesquisa, deve-se esclarecer que, assim como todos os brasileiros, o policial, mesmo tendo uma obrigação funcional bem peculiar das demais, ele também é um cidadão brasileiro, e deve ter todos os direito e garantias, ainda que em atividade de dever policial. Isso é algo que deve ser bem colocado, pois é expressivo na nossa Constituição Cidadã a igualdade de direito, “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança [...]”.

            Portanto, a condição de agente de segurança pública, não anula os direitos emanados de nossa Carta Magna, em destaque, a igualdade de tratamento jurídico e o direito maior e indispensável à vida.

Enfim, o agente de segurança pública é tão detentor de direitos quanto os demais cidadãos sem tamanha responsabilidade nas mãos, de certa forma, convém citar uma frase de Marechal Osório, “A farda não abafa o cidadão no peito do soldado”. Assim, pode-se compreender que os policiais, devem ter o direito a todo o respaldo jurídico quando atuando de forma eficiente no exercício de sua função em favor da defesa dos direitos da sociedade, inclusive seus próprios direitos.

4.3 A Legítima Defesa na Atuação Policial

Como já explicado nessa pesquisa, a legítima defesa tem vários pressupostos a serem observados, entre eles, o mais essencial, obviamente, não desmerecendo os demais, é a primazia da agressão injustificada. A partir dessa agressão ilícita, aquele agredido tem o direito a se defender, para cessar a violência, ou no caso de iminente agressão, para não ser atacado.

            Já o estrito cumprimento de dever legal, pauta-se no cumprimento imposto por lei. Ou seja, aquele que comete algum ilícito penal ou civil, por imposição legal, assim, o policial em exercício de sua função, caso seja necessário, deve fazê-lo na intenção de preservar ou restabelecer a ordem e proteger a sociedade.

            Porém, pode-se afirmar que há possibilidade de coexistência de ambas causas de justificação. Como, por exemplo, em que um policial, ao tentar cumprir o seu dever e preservação da ordem pública, contra um delinquente, e este estando de posse de arma de fogo, resiste e atira contra o policial, e diante dessa atitude ilícita e hostil do agente, o policial mesmo usando moderadamente os meios, atingindo-o com disparos de arma de fogo, causando-lhe lesão ou a morte, poderá estar amparado por ambos os institutos. Nota-se, que ao iniciar uma ação policial no intuito de prender ou até mesmo preservar ordem no meio social (estrito cumprimento do dever legal), aquele que estava delinquindo toma uma certa resistência contra o agente de segurança pública, que naquele momento, estando de serviço é a personificação do Estado, diante da injusta agressão iniciada pelo delinquente (pressuposto da legítima defesa), o policial teve de agir revidando e neutralizando a ameaça existente, temendo pela sua vida e das demais pessoa que poderiam ser atingidas.

            Sobre essa hipótese, pode-se vislumbrar o ensinamento de Bitencourt, onde traz essa possibilidade da legítima defesa na atuação policial,

Se a resistência — ilegítima — constituir-se de violência ou grave ameaça ao exercício legal da atividade de autoridades públicas, configura-se uma situação de legítima defesa, permitindo a reação dessas autoridades, desde que empreguem moderadamente os meios necessários para impedir ou repelir a agressão. (2012, p. 342, grifo do autor)

            No mesmo sentido, o doutrinador E. Magalhães Noronha expressa sobre a possibilidade de existência simultânea de ambas causas de excludente de ilicitude,

É obvio, entretanto, que as duas excludentes de ilicitude podem coexistir: se um soldado fere um criminoso, pego em flagrante, não só para efetivar a prisão como para repelir a agressão por ele praticada, não há negar a coexistência das duas descriminantes. (2004, p. 205)

            Conclui-se, que dependendo do caso concreto, poderá a autoridade pública se valer da legítima defesa, mesmo tendo agido inicialmente no estrito cumprimento de dever legal, ambas o ampararam juridicamente. Para melhor entendimento, vale citar o julgado de recurso do Tribunal de Justiça de São Paulo, concedendo absolvição sumária aos agentes de segurança pública por se verificar a existência das excludentes em comentário,

JÚRI - Absolvição sumária - Policiais militares em perseguição a agentes de roubo em fuga e resistência armada - Vítima, roubador, morto com nove tiros - Acusação calcada no laudo de exame necroscópico - Sede das lesões mostra que a vítima foi alvejada, por disparos efetuados à distância, durante movimento em que se voltava para os milicianos, atirava e tornava a correr - Comprovação através de laudo - Mesmo os orifícios de entrada pelas costas indicam essa dinâmica - Número de projéteis que atingiram o ofendido não chama a atenção diante da natureza da ação e a participação de vários policiais - À evidência que os policiais, no estrito cumprimento do dever legal, atuaram em legítima defesa própria e de terceiro - A circunstância de não ter sido a viatura ou qualquer policial atingido no episódio não afasta a tese de legítima defesa - Recurso provido para absolver sumariamente os acusados. (Recurso em Sentido Estrito n. 0000627-72.2005.8.26.0052 - São Paulo - 13ª Câmara de Direito Criminal - Relator: Luiz Augusto de Siqueira - 01/09/2011 - 8976 - Unânime)

           

É imprescindível citar, casos em que ocorre legítima defesa contra multidão, pois na atividade policial, é corriqueiro tais situações acontecerem, exigindo conduta policial sobre os fundamentos de utilização dos meios necessários e usá-los moderadamente. Analisa-se, o julgado do Recurso de Apelação Criminal, interposto por policial militar, no Tribunal de Justiça de Goiás,

APELAÇÃO CRIMINAL. DISPARO DE ARMA DE FOGO EM LOCAL HABITADO. POLICIAL MILITAR. RECONHECIMENTO DAS EXCLUDENTES DA ILICITUDE DO ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL E LEGÍTIMA DEFESA. ABSOLVIÇÃO. Devem ser reconhecidas as excludentes absolutórias do estrito cumprimento do dever legal e legítima defesa, na conduta do agente que utiliza os meios necessários e moderados para repelir injusta agressão no momento em que agia em estrito cumprimento do dever legal, ao efetuar disparo no intuito de dispersar um grupo de populares descontentes com a ação policial. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. (TJ-GO - APR: 03883257620088090160, Relator: DR(A). FABIO CRISTOVAO DE CAMPOS FARIA, Data de Julgamento: 21/08/2018, 2A CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: DJ 2582 de 05/09/2018)

Pode-se expor ainda, a possibilidade de configuração de legítima defesa em casos de ação de agente de polícia, que no ato de reação contra agressão injusta, involuntariamente, atinge outrem inocente envolvido no cenário de crime (aberratio ictus), assim, foi o entendimento do Tribunal de Justiça do Amazonas ao julga desprovido Recurso de Apelação Criminal interposto pelo Ministério Público, conhecendo a legitimidade na reação,

APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA ACUSAÇÃO. DUPLO HOMICÍDIO COMETIDO POR POLICIAL MILITAR CONTRA CIVIS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. DOLO EXISTENTE. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. LEGÍTIMA DEFESA PRÓPRIA COM ABERRATIO ICTUS SEGUIDA DE LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIRO. COMPROVAÇÃO INEQUÍVOCA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Tratando-se de crime doloso contra a vida de civil, praticado por militar, o julgamento da causa escapa da competência da Justiça Castrense, incumbindo à Justiça Criminal Comum, por meio da vara do Tribunal do Júri do local onde o crime foi praticado. 2. Nos termos do art. 415, inciso IV, do Código de Processo Penal, o juiz deverá absolvê-lo, desde logo, quando demonstrada causa de exclusão do crime – a exemplo da legítima defesa, a qual elide a antijuridicidade do delito. 3. Entretanto, essa absolvição sumária, quando fundada na legítima defesa, somente é possível de ser decretada se a indigitada excludente restar comprovada nos autos de forma clara, inconteste, sendo estreme de dúvidas, situação ocorrida na hipótese dos autos. 4. In casu, do acurado exame da prova testemunhal colhida no judicium accusationis, ressoa inquestionável que o réu, no exercício de sua função de policial militar, utilizou, moderadamente, dos meios necessários tanto para repelir os disparos efetuados contra si por um criminoso, quanto para salvaguardar a vida de terceiro, posteriormente feito de refém durante a perseguição. 5. O fato do acusado, para proteger sua vida, ter atingido com um disparo uma jovem inocente, caracteriza hipótese de aberratio ictus, não afastando a excludente de ilicitude da legítima defesa, por força do art. 73 do Código Penal. 6. Em relação ao infrator que veio a óbito, indubitável que a conduta do policial militar se revelou como o único meio eficaz para fazer cessar o iminente risco à incolumidade da vítima mantida como refém na ocasião. (TJ-AM - APL: 02291012520148040001 AM 0229101-25.2014.8.04.0001, Relator: Jomar Ricardo Saunders Fernandes, Data de Julgamento: 03/09/2018, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: 03/09/2018)

A maior problemática que deve ser abordada e é parte fundamental do assunto em tela; quanto a possibilidade de uma autoridade policial, mesmo estando fora da sua função (dever legal), poderá alegar a ocorrência de legítima defesa em uma determinada repressão? É preciso analisar com grande atenção quanto a esse tema, de fato, como exposto, pode ser amparado pelo instituto de legítima defesa, aquele que está diante de uma agressão injusta ou ao tempo iminente de vê-la acontecer contra direito seu, ou de terceiro; e a repele de forma moderada e necessária; tal dispositivo legal não faz nenhuma menção a condição de ser ou não policial, ou cidadão comum, mas sim, é apenas um respaldo para todos aqueles que, por instinto, estão defendendo a si ou a outrem por meio de uma repressão.

            Ademais, se tem visto atualmente vários casos concretos, o que muitas vezes são alvos incessantes da mídia brasileira e estrangeira, onde há uma reação imediata de policias quando a paisana, de folga, frente a um assalto a mão armada e grave ameaça, muita das vezes, delito este, que põe não só a vida do agente de segurança pública em risco, mas também, todos aqueles que estão no cenário do crime. De fato, pode-se notar que a intervenção de um profissional preparado emocional e psicologicamente, mesmo de folga, é necessária e de grande urgência, tendo em vista, que tal reação é benéfica e minimizadora de perigo a todos os inocentes envolvidos naquele momento crítico.

            É notório, que é uma condição de dedicação total, o que se subentende que aquele investido em cargo e função policial, é garantidor da ordem pública, mesmo não estando a serviço. E assim, deve agir, mas ressalta-se, que o dever legal imposto, de maneira algum, obriga a neutralizar ou matar um delinquente que esteja ameaçando a integridade física e a vida dos demais, poderia simplesmente, após o fato criminoso ou no decorrer deste, dar informações precisas a respeito das características, ou como se deu a consumação do fato típico aos demais policiais ora que estão de serviço, com isso, não estaria incorrendo em omissão.

            Assim, é essencial perceber que repressão feita por policiais, por instinto de conservação, diante de uma violência injustificada de determinado agente, pode configurar uma legítima defesa tanto própria, como em favor de terceiro. Não obsta, porém, que seja cumulado a causa de justificação de estrito cumprimento de dever legal, levando em consideração o fato de ser uma condição primária do agente de polícia.

            Pode-se analisar essa tese, trazendo à tona um caso bastante emblemático e de grande repercussão acontecido este ano, no mês de maio, onde a Cabo Policial Militar, ao aguardar sua filha em frente à escola, é surpreendida por Elivelton Neves Moreira de posse de arma de fogo, com o intuito de cometer um assalto contra ela e os demais pais que estavam em frente à escola, momento em que agiu em legítima defesa evitando o fato delituoso e qualquer ofensa à vida de todos os envolvidos. Conforme avalia o jurista Wálter Maierovitch, entrevistado por Guilherme Azevedo, em matéria do site de notícias UOL,

O jurista e desembargador (juiz de segunda instância) aposentado Wálter Maierovitch avalia o caso da mãe PM que matou a tiros um assaltante em frente à escola da filha como, "a princípio", reação em legítima defesa. Essa condição é "excludente de ilicitude", como diz o Código Penal Brasileiro, e portanto não se configura crime e não há pena.

O caso envolvendo a cabo da PM (Polícia Militar) Kátia da Silva Sastre, 42, e o homem identificado como Elivelton Neves Moreira, 21, ocorreu no sábado (12), na entrada do colégio particular Ferreira Master, em Suzano (Grande São Paulo). Pais e mães aguardavam com filhos o início das festividades pelo Dia das Mães. A PM estava com a filha de 7 anos.

Moreira, com um revólver de calibre 38 em punho, teria tentado assaltar os presentes, provocando a reação de Sastre, que estava de folga e sem farda. Na versão apresentada pela policial, o homem teria atirado primeiro, efetuando dois disparos. Ela teria atirado três vezes no homem, em seguida.

O rapaz foi socorrido e morreu no hospital local. O caso foi registrado na delegacia geral de Suzano.

Maierovitch afirma que o primeiro passo é "saber exatamente o que aconteceu" no local. Isso, por meio de abertura de inquérito policial e coleta de provas, a cargo da equipe de policiais civis da delegacia de Suzano. Uma das principais evidências deve ser um vídeo gravado por uma câmera de segurança que mostra o momento do crime.

"A princípio, essa é uma situação de legítima defesa. Ela [policial] não estava lá para matar ninguém. Aconteceu o assalto, ela reagiu em defesa e não em ataque", diz ele.

Uma das condições para a caracterização de um caso como legítima defesa é a observação do uso dos meios necessários e da moderação da reação, isto é, a inexistência de excessos, afirma o jurista.

Para ele, sempre ressalvando a necessidade da presença de provas para o correto julgamento, aparentemente a PM agiu com correção.

"Ele dá dois tiros, ela dá três. Isso está dentro do limite da legítima defesa. Se os três tiros eram necessários, tudo bem. O que podemos dizer é que ela não provocou a situação. Era a escola da filha. Estava lá como mãe numa escola, tudo está mostrando que é legítima defesa."

Sobre a policial estar portando arma de fogo em dia de folga, fora de serviço, Maierovitch diz considerar isso "legítimo" [...]. (UOL NOTÍCIAS, 2018, grifo nosso)

            É notável, que senão houvesse a reação da policial, as consequências seriam drásticas, devido a intenção do agressor, por ter muitas pessoas no local, e o emprego de arma de fogo, isso poderia vitimar não só a agente da repulsa, mas também as demais pessoas para ter-se a consumação do roubo.

Pode-se destacar, para melhor compreensão, jurisprudência de julgamento de Recurso em Sentido Estrito de policial à paisana, que agiu em legítima defesa, tendo recurso provido e absolvição sumária de acordo com o Tribunal de Justiça da Bahia,

EMENTA - PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – TEMPESTIVO. ART. 121, CAPUT, DO CP. PRONÚNCIA. AUTORIA E MATERIALIDADE - COMPROVADAS. EXCLUDENTE DE ILICITUDE - LEGÍTIMA DEFESA - ART. 25, DO CP. CARACTERIZADA. DEPOIMENTO DO RÉU CORROBORADO COM A PROVA TESTEMUNHAL. PROVA SEGURA, INCONTROVERSA, PLENA E ESCOIMADA DE QUALQUER DÚVIDA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. RECURSO PROVIDO. 1. Do exame dos fólios, constata-se que o denunciado foi intimado do decisum que o submeteu a júri popular em 24/05/2011 e o Defensor Público, Bel. Rodrigo Ferreira Lima, nomeado pelo magistrado a quo para defender o denunciado em 08/08/2011, sendo, portanto, tempestivo o recurso interposto em 09/08/2011 (fls. 79/84). Assim, conheço do Recurso em Sentido Estrito ante o preenchimento dos pressupostos recursais de admissibilidade exigidos. 2. Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por Roberto Ferreira da Silva, contra a decisão de fls. 68/69, que o pronunciou como incurso nas sanções do art. 121, caput, do CP, pelo homicídio simples praticado contra a vítima Valdomiro Dias de Oliveira. Alega o recorrente, em suas razões de fls. 79/84, que agiu em legítima defesa, razão pela qual pugna pela absorção da imputação e subsidiariamente que se reconheça a ocorrência da excludente de ilicitude, estatuída no art. 25, do Código Penal. 3. A ação penal teve início com a denúncia do Ministério Público, fls. 03/04, em desfavor do acusado Roberto Ferreira da Silva, enquadrando-o nas sanções do artigo 121, caput, do Código Penal, por ter na noite do dia 07/06/1985, desferido 04 (quatro) tiros de revólver que atingiram a vítima Valdomiro Dias de Oliveira, que veio a falecer em seguida. Consta, ainda, da preambular que naquela noite se realizava uma festa na casa comercial de propriedade da Srª Anita Gomes dos Reis, quando a vítima entrou no recinto e começou a proferir palavras de baixo calão. Tratando-se de ambiente familiar, a proprietária do estabelecimento ao ver o denunciado passando pelo local à paisana, chamou-o, a fim de que o mesmo conversasse com Valdomiro, o que de fato ocorreu, pois juntamente com outras pessoas convenceram aquele senhor a sair do estabelecimento. Decorridos alguns minutos, Valdomiro retornou à festa, portando uma faca tipo peixeira e uma arma de fogo, as quais estavam escondidas numa capa que usava. Inopinadamente, sacou a arma e desferiu 01 (um) tiro no denunciado, atingindo-lhe a cabeça, consoante laudo de exame de corpo de delito (fl. 04). O denunciado, por sua vez, que também se encontrava armado, sacou seu revólver e descarregou na vítima, sendo que 04 (quatro) balas lhe atingiram, vindo a óbito em seguida, conforme laudo de exame cadavérico (fl. 03). 4. A materialidade delitiva restou cabalmente comprovada por meio do auto de exame cadavérico de fl. 07, e no que concerne à autoria recai sobre a pessoa do acusado, apurados no seu interrogatório, na fase investigatória (fls. 12/13), e em juízo (fls.30/32), além dos depoimentos testemunhais de fls. 47/52, tanto é verdade que a própria defesa não se insurgiu contra esse aspecto no recurso em tela, apenas relatou que o denunciado agiu em legítima defesa. 5. Permitem o auto de exame de corpo de delito (fl. 08) e auto de apreensão, fl. 09, constatar que, de fato, o denunciado foi atingido por arma de fogo na região "mastoidianar esquerda, de mais ou menos 13 cm de extensão, atingindo plano ósseo". E o laudo de exame cadavérico de fl. 07, atesta que a vítima sofreu perfurações por arma de fogo nas seguintes regiões:“região cervical direita, omoplata direita, punho direito, de saída com orifícios”, resultando em óbito, em face aos disparos efetuados pelo réu. 6. A alegação de legítima defesa merece acolhida, porquanto depreende-se dos autos que, no dia do delito, o réu atuou em defesa própria quando, após ser alvejado pelas costas, se viu diante de uma arma que seria novamente disparada em sua direção pela vítima, momento em que repeliu a agressão injusta valendo-se de forma moderada dos instrumentos necessários e disponíveis que possuía na ocasião. Todo esse panorama nasce do caderno processual em apreço, especialmente dos testemunhos coletados. 7. Conclui-se, portanto, que os depoimentos coletados estão harmonizados e correlatos entre si, emprestando convicção segura de que houve exercício de legítima defesa na atuação do acusado. Entende-se por excludente de antijuridicidade caracterizada no art. 25 (legítima defesa), do Código Penal quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, pelo que deve ser reconhecida a existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, consoante prescreve o inciso IV, do art. 415, do Código de Processo Penal. 8. Muito embora nesta fase processual não prevaleça a máxima "in dúbio pro reo", mas sim,"in dúbio pro societate", revelam os autos, de forma inequívoca e cristalina, a excludente da ilicitude já que o acusado estava repelindo uma injusta agressão a direito seu, como bem enfatizou a douta Procuradoria-Geral de Justiça, às fls. 92/97. 9.Portanto, uma vez caracterizada a legítima defesa própria, excludente de ilicitude, deve ser reconhecida a existência de circunstância que exclui o crime ou isente o réu da pena, consoante prescreve o inciso IV, do art. 415, do Código de Processo Penal. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-BA - RSE: 00001543719888050256 BA 0000154-37.1988.8.05.0256, Relator: Nágila Maria Sales Brito, Data de Julgamento: 03/05/2012, Segunda Camara Criminal - Segunda Turma, Data de Publicação: 16/11/2012). (grifo nosso)

Nota-se que a reação do agente de polícia foi primordial para a manutenção da sua vida e das demais pessoas no ambiente da ocorrência dos fatos narrados no julgado supracitado. Isto é, caso não agisse em defesa após ter sofrido agressão ilícita, teria sido vítima fatal do agressor.

            Assim, apesar do dever imposto por lei, haverá situações nas quais o direito à vida e a integridade física se sobressairá, isto posto, que mesmo que tenha uma lei preexistente que impõe ao policial agir em prol da sociedade e da ordem pública diante de situações de risco, a partir da ocorrência de agressão injustificada, deverá sempre que possível, garantir a preservação da vida, e nisso, agir em defesa legítima própria e dos demais envolvidos, reagindo por instinto e tirocínio policial.

Considerações Finais

            É notável, que se pode configurar a legítima defesa em favor do policial que atua na sua atividade funcional, e também fora de serviço, como visto em julgados e análise dos fatos. Se vê que o agente de segurança pública, deve agir conforme estrito cumprimento de dever legal, principalmente em prol da sociedade e da ordem pública, no entanto, deve-se atentar que mesmo cumprindo seu dever, em casos como a resistência de agente e, posteriormente, uma agressão injusta, poderá o agente de polícia também ser amparado por legítima defesa de bem próprio ou de outrem, sendo assim, cumulativo as descriminantes.

            Por fim, também surge a possibilidade da ocorrência apenas da legítima defesa, como apontado nessa pesquisa, pois o direito à vida é essencial a todos, e assim como os demais cidadãos, mesmo o policial tendo como função precípua o cumprimento da legalidade, age por instinto humano primitivo, em repressão a violência injustificada, apesar de não ser objetivo do policial, mas que em muitas das vezes finda na morte do injusto agressor, isso, deve-se levar em conta o preparo profissional e a reação correta e precisa do policial diante da situação crítica.

Referências

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Data da conclusão/última revisão: 22/11/2018

 

Como citar o texto:

SILVA, Marcos Antonio Duarte; BERNARDO, Elian Max Fonseca..O instituto da legítima defesa como causa de excludente de ilicitude nos casos de morte do agressor. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 30, nº 1577. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/4260/o-instituto-legitima-defesa-como-causa-excludente-ilicitude-casos-morte-agressor. Acesso em 23 nov. 2018.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.