A teoria monista determina que o Direito é único tanto nas relações do Estado para com a sociedade, quanto nas relações entre Estados. Esta teoria ainda divide-se em duas correntes. A denominada Monismo internacionalista prevê que, existindo dúvida entre a aplicação de normas do Direito Internacional face o Direito Interno a norma internacional prevalecerá sobre a interna. A outra, chamada de Monismo nacionalista defende que nesta mesma situação, a primazia será do direito Interno sobre o Direito Internacional.

Para os defensores da teoria monista, o direito é unitário, quer se apresente nas relações de um estado, quer nas relações internacionais, sendo assim, as normas internacionais e internas são partes integrantes de um mesmo ordenamento.

A jurisprudência internacional reconhece invariavelmente a primazia do direito internacional sobre o direito interno quando ocorrer conflito entres ambos. Esse caráter de preeminência do direito internacional foi declarado em parecer pela Corte Permanente de Justiça Internacional, em 1930, nos seguintes termos “É princípio geralmente reconhecido, do direito internacional, que, nas relações entre potências contratantes de tratado, as disposições de lei interna não podem prevalecer sobre o tratado”.

A Convenção de Viena sobre o direito dos tratados destaca no seu artigo 27 que “Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”.

A teoria dualista prega que o Direito Internacional e o Direito Interno são dois sistemas jurídicos distintos e independentes, regulando o último as relações entre os Estados e, por conseguinte, não originando obrigações para os indivíduos.

O dualismo radical prega que a internalização dos tratados internacionais deve ocorrer por meio de lei; já o dualismo moderado considera que a internalização de uma norma internacional pode ocorrer por meio de ato infralegal, como um decreto presidencial.

A Constituição Federal é silente quanto à teoria adotada pelo Brasil. O Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido da aplicação da Teoria Dualista Moderada, conforme demonstraremos abaixo.

O posicionamento do Supremo Tribunal Federal

A Constituição brasileira de 1988 não apresenta nenhum dispositivo que expressamente determine a posição dos tratados internacionais perante o direito interno.

Com base no artigo 102, inciso III, alínea “b” da Constituição Federal que determina que o Supremo Tribunal Federal tem competência para julgar, mediante recurso extraordinário, “as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”, a jurisprudência e a doutrina brasileira acolheram a tese de que os tratados internacionais e as leis federais possuem a mesma hierarquia jurídica, ou seja, os tratados internacionais são incorporado no ordenamento jurídica brasileiro como norma infraconstitucional.

O conflito entre tratados internacionais e normas internas

Diante de um conflito entre um tratado internacional e a Constituição, considera-se a primazia desta última visando a preservação da autoridade da Lei Fundamental do Estado, ainda que isto resulte na prática de um ilícito internacional.

Tal primado da Constituição não está expresso diretamente na Constituição brasileira, mas pode ser apreendido dos artigos que determinam que os tratados, assim como as demais normas infraconstitucionais, encontram-se sujeitos ao controle de constitucionalidade.

As maiores discussões surgem dos conflitos entre tratados e leis internas infraconstitucionais. Nessa situação específica, muitos países como França e Argentina, por exemplo, garantem a prevalência dos tratados.

No caso brasileiro, havendo conflito entre um tratado e uma lei infraconstitucional, levando em consideração que ambos estão no mesmo nível hierárquico, adota-se a regra da ‘lei posterior derroga a anterior’.

Sendo assim, havendo um conflito entre uma lei anterior à promulgação do tratado e o próprio tratado, prevalece o tratado. Na situação inversa, qual seja, um conflito entre tratado e lei posterior, prevalece a lei posterior, independentemente das consequências pelo descumprimento do tratado no plano internacional.

Esse sistema paritário que equipara juridicamente o tratado à lei federal vigora na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) desde 1977, quando do julgamento pelo Supremo do Recurso Extraordinário 8004.

É possível falar em verdadeiro retrocesso nesse posicionamento adotado pelo Supremo, uma vez que modificou a tese anterior de primado do Direito Internacional frente ao Direito interno sem levar em consideração que os tratados internacionais possuem uma forma própria de revogação (a denúncia), nem o fato de que o descumprimento interno de um compromisso assumido externamente acarreta a responsabilidade internacional do Estado, além de outras graves consequências no plano político internacional.

Na doutrina brasileira existem juristas que defendem o status supralegal dos tratados e outros que defendem a supra constitucionalidade dos mesmos alegando que os tratados possuem força obrigatória e vinculante e só podem ser retirados do ordenamento interno por meio da denúncia – ato que implica na retirada do Estado de determinado tratado internacional.

A jurisprudência, todavia, adota a teoria da paridade entre tratado internacional e a legislação federal. Com relação aos tratados internacionais de direitos humanos as discussões acerca da sua hierarquia no ordenamento jurídico brasileiro são ainda maiores.

Os tratados internacionais de direitos humanos e a recente decisão do Supremo Tribunal Federal

Ainda existem controvérsias doutrinárias acerca da forma de integração e eficácia dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico interno.

O artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição brasileira de 1988 determina que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

A interpretação dada por muitos autores ao disposto neste artigo, levando em consideração uma interpretação sistemática e teleológica da Constituição brasileira, foi a de atribuir aos direitos garantidos nos tratados de direitos humanos devidamente ratificados pelo Estado brasileiro uma natureza especial e diferenciada, qual seja, a natureza de norma constitucional.

O referido artigo ao expressamente determinar que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem direitos decorrentes dos tratados internacionais estaria assim, incluindo no catálogo dos direitos protegidos constitucionalmente, aqueles direitos enunciados nos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte.

Outra parte da doutrina vai ainda mais além defendendo o status supraconstitucional dos tratados de proteção dos direitos humanos, ou seja, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos estariam localizados acima da própria Constituição.

Diante das controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema e buscando resolver a questão da hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento brasileiro, a Emenda Constitucional no 45 de dezembro de 2004 acrescentou um 3º parágrafo ao artigo 5º determinando que: os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes à emenda constitucional.

Antes da emenda 45/2004 os tratados internacionais de direitos humanos eram aprovados por meio de decreto legislativo, por maioria simples, conforme artigo 49, inciso I da Constituição de 1988 e, posteriormente, eram ratificados pelo Presidente da República. Tal forma de recepção dos tratados, idêntica à forma de recepção dos tratados que não versam sobre direitos humanos, gerou diversas controvérsias sobre a aparente hierarquia infraconstitucional, ou seja, nível de normas ordinárias dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento brasileiro.

Com o advento da emenda 45/2004 os tratados sobre direitos humanos passariam a ser equivalentes às emendas constitucionais. Todavia, as dúvidas e discussões não cessaram: apenas os tratados aprovados conforme o rito das emendas constitucionais teria valor hierárquico de norma constitucional e aqueles que não obtivessem o quórum qualificado passariam a ter o valor de norma infraconstitucional? O que aconteceria com os tratados ratificados pelo Brasil antes da entrada em vigor da emenda 45 – perderiam o status de normas constitucionais que aparentemente era garantido pelo parágrafo 2º do artigo 5º da CF no caso de não serem aprovados pelo quórum o parágrafo 3º do artigo 5º?

Para os autores que defendem que os tratados internacionais sobre direitos humanos possuem hierarquia constitucional, estes tratados já possuem status de norma constitucional, nos termos art. 5º, parágrafo 2º da CF; sendo assim, independentemente de serem posteriormente aprovados pela maioria qualificada do parágrafo 3º do art. 5º da CF, os tratados já são materialmente constitucionais.

O parágrafo 3º do art. 5º da CF traz apenas a possibilidade de os tratados, além de materialmente constitucionais, serem ainda formalmente constitucionais, ou seja, equivalentes a emendas constitucionais, desde que, a qualquer momento, depois de sua entrada em vigor, sejam aprovados pelo quórum do parágrafo 3º do mesmo art. 5º da CF.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 466.343- SP, em dezembro de 2008, modificou o seu posicionamento acerca da hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos. O Supremo entendeu, majoritariamente, que esses tratados, antes equiparados às normas ordinárias federais, apresentam status de norma supralegal, isto é, estão acima da legislação ordinária, mas abaixo da Constituição. Tal posicionamento admite a hipótese de tais tratados adquirirem hierarquia constitucional, desde observado o procedimento previsto no parágrafo 3º, artigo 5º da CF, acrescentado pela Emenda Constitucional no 45/2004.

A partir desse novo entendimento do Supremo, sendo aprovado um tratado internacional de direitos humanos o tratado passa a ter hierarquia superior a lei ordinária (supralegal ou constitucional), ocorrendo a revogação das normas contrárias por antinomia das leis.

Com a nova posição do Supremo a configuração da pirâmide jurídica do ordenamento brasileiro foi modificada: na parte inferior encontra-se a lei; na parte intermediária encontram os tratados de direitos humanos – aprovados sem o quórum qualificado do artigo 5º, parágrafo 3º da CF – e no topo encontra-se a Constituição.

A nova posição do Supremo, apesar de não adotar a tese doutrinária majoritária defendida pelo Ministro Celso de Mello que defende que as normas dos tratados internacionais de direitos humanos possuem status constitucional independentemente da forma de sua ratificação, representa um grande avanço para o ordenamento jurídico brasileiro que durante vários anos considerou a paridade entre os tratados de direitos humanos e as leis ordinárias.

O entendimento pacificado da jurisprudência em virtudes de diversos julgados de acordo com o Supremo Tribunal Federal, aproxima-se mais, de que o ordenamento jurídico brasileiro, tendo por base a maneira, método adotado para nacionalização do acordo/tratado a Constituição Federal de 1988 em vigor, é pelo entendimento da corrente dualista moderado.

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Data da conclusão/última revisão: 15/9/2019

 

Como citar o texto:

NOVO, Benigno Núñez..A teoria monista determina que o Direito é único tanto nas relações do Estado para com a sociedade,quanto nas relações entre Estados. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1653. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-internacional/4542/a-teoria-monista-determina-direito-unico-tanto-nas-relacoes-estado-com-sociedade-quanto-nas-relacoes-entre-estados. Acesso em 23 set. 2019.

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