RESUMO: É uníssono que a internet permitiu grandes avanços na sociedade. Mas, se por um lado a era digital interligou os quatros cantos do mundo, também trouxe inúmeros problemas, que precisam ser combatidos. Dentre esses problemas, encontra-se o uso indevido da internet para propagar calúnias, difamações e injúrias. Quase sempre quem os pratica acha que não será responsabilizado por seus atos, por estar camuflado atrás de um computador ou celular, isso quando não se utiliza de perfis fakes para denegrirem a honra de terceiros. Assim, tornou-se necessário verificar se há e quais são as consequências jurídicas advindas do cometimento dos crimes contra a honra praticados em ambiente virtual e a extensão da responsabilização civil e criminal para aqueles que “curtem” e “compartilham” informações que não sabem ser verdadeiras. Para tanto, foram utilizadas as mais diversas fontes de pesquisas bibliográficas, como doutrinas, leis, jurisprudências, artigos científicos e quaisquer outros materiais de fonte fidedigna que versassem sobre o tema, no escopo de enriquecer o estudo com as análises e possibilidades do ordenamento jurídico. Foi desenvolvido com uma abordagem qualitativa. Com isso, foi possível verificar que, apesar de não haver leis específicas tratando da temática das fake news, os agentes causadores de ofensa a honra de terceiros poderão ser chamados a responder por seus atos, tanto na seara civil, quanto na penal. Ademais, restou demonstrado, no decorrer do trabalho, que está sendo iniciado um movimento no judiciário no sentido de estender a responsabilização àqueles que compartilham informações que não sabem ser verdadeiras.

Palavras-chave: Responsabilização. Crimes. Honra. Internet.

ALCANCE DE LOS CRÍMENES RESPONSABILIDAD CONTRA EL HONOR COMPROMETIDO EN EL ENTORNO VIRTUAL

ABSTRACT:

Es unísono que Internet ha avanzado mucho en la sociedad. Pero aunque, por un lado, la era digital ha interconectado los cuatro rincones del mundo, también ha traído numerosos problemas que deben abordarse. Entre estos problemas está el mal uso de Internet para difundir calumnias, difamaciones y lesiones. Casi siempre, quienes los practican sienten que no serán responsables de sus acciones, porque están camuflados detrás de una computadora o teléfono móvil, cuando no usan perfiles falsos para denigrar el honor de los demás. Por lo tanto, se hizo necesario verificar si existen y cuáles son las consecuencias legales de cometer crímenes contra el honor cometidos en un entorno virtual y la extensión de la responsabilidad civil y penal para aquellos a quienes "les gusta" y "comparten" información que no saben que es. Cierto. Con este fin, se utilizaron las fuentes más diversas de investigación bibliográfica, como doctrinas, leyes, jurisprudencia, artículos científicos y cualquier otro material de fuente confiable que tratara el tema, con el fin de enriquecer el estudio con los análisis y las posibilidades del sistema legal. Fue desarrollado con un enfoque cualitativo. Por lo tanto, fue posible verificar que, aunque no existen leyes específicas que traten el tema de las noticias falsas, los agentes que ofenden en honor a terceros pueden ser llamados a responder por sus acciones, tanto en asuntos civiles como penales. Además, se ha demostrado a lo largo del trabajo que hay un movimiento en marcha en el poder judicial para extender la responsabilidad a aquellos que comparten información que no saben que es cierta.

Keywords: Responsabilidad. Crímenes Honor. Internet

 

Introdução

Em tempos em que a tecnologia digital está à mão de qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, verifica-se que nem só de maravilhas tem-se criado tal rede. Muitas vezes, o ambiente virtual tem se demonstrado muito hostil, principalmente, quando é usado para expor pessoas, denegrir imagens ou, quando não, destruir vidas. Como se verifica de inúmeros casos, noticiados pela grande mídia, de pessoas que tiram a própria vida quando veem expostas suas intimidades.

Ainda, como se não bastasse a tamanha exposição sofrida, devido ao grande alcance do que é divulgado na internet, inúmeras vezes a vítima se depara com divulgações feitas através do uso de perfis fakes ou de forma a priori anônimas, o que dificulta muito mais a retirada do teor ofensivo do ar e a responsabilização do autor do mesmo.

A legislação brasileira tipifica tais condutas que, segundo os artigos 138,139 e 140 do código penal, são denominados crimes contra à honra, os quais se subdividem em calúnia, difamação e injúria.

Ocorre que, nos casos de divulgação de notícias ofensivas à honra de terceiros por meio da internet, há um sujeito pouco mencionado quando da busca pela responsabilização pelos danos causados, que é aquele que, independente de saber se tal noticia é verdadeira ou não, continua a disseminando para mais além, por meio do instrumento de compartilhamento de que dispõe nas redes sociais, contribuindo para a majoração da extensão do dano causado à vítima de tais notícias.

Verifica-se que, muitas vezes, essa pessoa que continua compartilhando tais notícias não tem noção do mal que está fazendo, principalmente que pode estar causando danos irreparáveis como a prisão de um inocente ou mesmo sua morte.

Ademais, essas pessoas não sabem que podem ser chamadas a responder por tais atos, tanto na seara cível, quanto na penal.

Diante disso, faz-se necessária uma discussão mais aprofundada sobre o problema em questão, mais precisamente sobre a temática da responsabilização daqueles que, sem buscar saber a veracidade de informações continuam as repassando como verdades absolutas sem se importar com os danos que porventura possam causar em decorrência do compartilhamento de tais notícias falsas.

De acordo com o cenário até aqui apresentado, o presente estudo estabelece como problema de pesquisa: quais as possíveis consequências jurídicas advindas do cometimento dos crimes de calúnia, difamação e injúria praticados em ambiente virtual e a extensão da responsabilização civil e criminal para aqueles que “curtem” e “compartilham” informações que não sabem ser verdadeiras? Assim, o objetivo geral passa a ser analisar as possíveis consequências jurídicas e responsabilização cível e penal para aqueles que compartilham fake News e, para tanto, será analisado o impacto da divulgação de “fake News” na vida de quem teve seu nome afetado pela divulgação da notícia falsa, bem como a aplicabilidade da responsabilidade civil e penal dos crimes contra a honra comuns, tipificados no código penal, aos atos de divulgação e compartilhamento de notícias falsas na internet.

Para a realização do estudo proposto serão utilizadas as mais diversas fontes de pesquisas bibliográficas, como doutrinas, leis, jurisprudências, artigos científicos e quaisquer outros materiais de fonte fidedigna que verse sobre o tema, no escopo de enriquecer o estudo com as análises e possibilidades do ordenamento jurídico. Será desenvolvida com uma abordagem qualitativa.

 

1. DOS CRIMES CONTRA A HONRA

1.1. Conceito de crime

Conforme os ensinamentos de Fernando Capez (2013, p. 47) “[...] crime é todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social. ”

Já para Guilherme de Souza Nucci (2014, p.106) crime é “[...] a conduta que ofende um bem juridicamente tutelado, ameaçada de pena. ”

Mas, ambos autores deixam claro que não há uma definição única para crime, pois este envolve uma análise material, formal e analítica para sua conceituação. Sob o aspecto material do que seja crime, Nucci (2014, p.106) ensina que a sociedade é quem define quais condutas devem ser consideradas criminosas e quais não devem sê-la.

Após a sociedade definir quais condutas ilícitas são mais gravosas e merecedoras de um maior rigor punitivo, caberá ao Estado criar leis que transformem esta conduta em tipo penal e determine a pena para aqueles que as praticarem.

É possível inferir que, para tudo aquilo que é considerado crime, tipificado em lei, antes houve um clamor social no qual ficou estabelecido que aquela conduta feria algum direito fundamental e que por isso deveria ser reprimida e, no caso de praticada, deveria haver punição para o agente que a realizou.

Dentre as diversas condutas consideradas crime pelo ordenamento jurídico brasileiro, há os crimes contra a honra, que se encontram no capítulo V, do título I da parte especial do código penal vigente, quais sejam: calúnia, difamação e injúria. Mas antes de adentrar à análise desses tipos penais, cumpre esclarecer o que vem a ser honra.

 

1.2. Conceito de honra

Conforme Andréa Neves Gonzaga Marques, honra significa “[...] a própria dignidade de uma pessoa, que vive com honestidade e probidade, pautando seu modo de vida nos ditames da moral. ”

Ainda, conforme Guilherme de Souza Nucci, (2017, p. 498) “é uma faculdade de opinião ou o senso que se faz sobre a autoridade moral de uma pessoa, na sua honestidade, no seu bom comportamento, na sua respeitabilidade no seio social, na sua correção moral; enfim, na sua postura calcada nos bons costumes. ”

Ensina ainda esse doutrinador que a apreciação da honra se desenvolve sempre de aspectos positivos ou virtudes do fazer ser humano, não sendo compatível com qualquer tipo de defeito que implique má conduta perante seus pares e sociedade.

E que, por esse motivo, “[...] o direito garante e protege à honra, visto que, sem ela, os homens estariam desguarnecidos de amor-próprio, tornando-se vítimas frágeis dos comportamentos desregrados e desonestos, passíveis de romper qualquer tipo de tranquilidade social. ” (NUCCI, 2017, p. 499).

Ao buscar o berço normativo do instituto honra, verifica-se que o direito à proteção da honra já se encontrava disciplinado na Declaração Universal Dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo 12. O qual dispõe que ninguém se sujeitará a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Pois, a lei deveria proteger a todos contra tais interferências ou ataques. (Assembleia Geral da ONU, 1948).

Posteriormente, em 1969, o direito de proteção à honra também foi reafirmado na convenção americana dos direitos humanos, que veio assegurando que “Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade” e que “Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação”, tal como dispôs a Declaração Universal de 1948.

Já no Brasil, a Constituição Federal de 1988 cuidou do tema em seu artigo 5°, que trata dos direitos fundamentais, mais precisamente em seu inciso X, que asseverava: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Conclui-se que é dever do Estado proteger a honra de seus cidadãos, além de que deve criar instrumentos que resguardem tal direito, de forma que, aquele que ofender a honra de outrem, deverá ser responsabilizado.

Nesse interim, o código penal veio tipificando algumas condutas que, se praticadas, poderão implicar em responsabilização criminal do agente infrator. Consoante o artigo 138,139 e 140 desse diploma legal, os atos atentatórios contra a honra subdividem-se em calúnia, difamação e injúria.

 

1.3. Injúria, difamação e calúnia

Conforme os ensinamentos do professor Guilherme de Souza Nucci (2017, pg. 500), “caluniar é fazer uma acusação falsa, tirando a credibilidade de uma pessoa no seio social”, mas não qualquer acusação falsa, posto que, se não, seria facilmente confundida com difamação. Segundo ele, as duas se diferem, pois, no caso da calúnia ocorre uma “difamação qualificada”, já que a ofensa “atinge a honra objetiva da pessoa, atribuindo-lhe o agente um fato desairoso, no caso particular, um fato falso definido como crime”.

Como dito, fato tipificado como calúnia difere do tipo difamação porque em relação a este, basta que haja uma acusação falsa para sua configuração, pois ensina o autor supracitado que “difamar significa desacreditar publicamente uma pessoa, maculando-lhe a reputação”.

Já a injúria difere-se das outras espécies já citadas, posto que neste caso há uma ofensa ou insulto à pessoa, de tal forma que ela se sentirá maculada em sua honra subjetiva.

Como ensina o professor Guilherme de Souza Nucci (2017), não basta que haja os insultos ou ofensas, é necessário que a ofensa atinja a dignidade (respeitabilidade ou amor-próprio) ou o decoro (correção moral ou compostura) de alguém. Pois, a injúria é um insulto que macula a honra subjetiva, arranhando o conceito que a vítima faz de si mesma. 

Verifica-se que, para configuração deste tipo penal, deve haver imputação de fato determinado, o qual formule juízo de valor de forma a externar qualidades negativas que maculem e ultrajem a honra de alguém.

Infere-se até aqui que calúnia é a imputação falsa de crime a alguém, a difamação é a imputação de ato ofensivo a alguém e a injúria nada mais é do que a ofensa a honra subjetiva do ofendido.

É mister esclarecer que nos casos da difamação e da calúnia o que é ofendido é a honra objetiva da pessoa, ou seja, a imagem construída por ela perante terceiros. Traz implicações ao juízo de valor que a sociedade faz de alguém. Já a calúnia atinge a honra subjetiva do ofendido, a imagem e o juízo de valor que a pessoa tem de si mesma.

Quando ocorre qualquer um desses tipos penais, nasce a responsabilização para o ofensor. Essa responsabilização pode ser penal ou civil, ou mesmo ambas para o mesmo agente ofensor.

Em sede de responsabilidade civil, o causador da ofensa à honra de terceiros responderá pelos danos morais causados à imagem e à honra do ofendido, conforme preceitua o artigo 186 e 927 do código civil de 2002. Já na seara penal, o código penal dispõe que as penas podem ser de multa e/ou detenção que varia de um mês a dois anos, dependendo de qual crime tenha sido praticado, se calúnia, difamação ou injúria, podendo tais penas serem aplicadas isoladas ou cumulativamente.

Ocorre que os crimes contra honra não possuem fronteiras e inúmeras vezes são praticados no ambiente virtual da internet.

 

2. Crimes contra honra cometidos no ambiente virtual

É uníssono que a internet permitiu grandes avanços na sociedade. Possibilitando que uma pessoa que vive no Japão consiga falar em tempo real com outra que está do outro lado do planeta.

Mas, se por um lado a era digital interligou os quatros cantos do mundo, também trouxe inúmeros problemas, que precisam ser combatidos. Dentre esses problemas, fruto da globalização virtual, encontra-se o uso indevido da internet para propagar calúnias, difamações e injúrias.

Conforme definição trazida pelo dicionário informal, ambiente virtual “são espaços coletivos na Internet, como fóruns ou redes sociais. ” Ao se buscar a definição para o termo rede social tem-se que por rede entende-se um ponto de partida e um encontro de informações em uma encruzilhada virtual, no qual pessoas tem acesso a informações transmitidas por terceiros. (COSTA, 2005).

Já social quer dizer que essa informação é disponibilizada dentro de um grupo no qual reúnem-se pessoas que possuem algum tipo de interesse em comum, como maiores exemplos desses tipos de rede têm-se o Facebook, Instagram, Linkedin, dentre outros. (COSTA, 2005).

Infelizmente, o ordenamento jurídico brasileiro ainda não dispõe de uma lei específica para tratar dos crimes contra a honra cometidos através da rede mundial de computadores, a internet. Além da falta de lei sobre o tema, as vítimas se deparam com outras dificuldades na hora de requerer a responsabilização pelos crimes praticados: dificuldade em descobrir a origem das mensagens, quem as compartilhou e dimensionamento da extensão do alcance das mesmas e seus reflexos práticos na vida das vítimas.

Tal dificuldade reflete diretamente na responsabilização cível e penal dos envolvidos, incluindo aí aqueles que iniciaram com a ilicitude e aqueles que continuaram as propagando. Além disso, aqueles que praticam esses crimes virtuais acham que não serão responsabilizados por seus atos, por estar camuflados atrás de um computador ou celular, isso quando não se utilizam de perfis fakes para denegrirem a honra de terceiros.

 

2.1. Fake News

A terminologia fake News tem sua origem na língua inglesa e numa tradução livre significa “notícias falsas”.

E, conforme Porcello e Brites (2018, p. 06), “[...] as fake news não são notícias distorcidas, erradas ou mal apuradas. Elas são notícias falsas criadas propositalmente para enganar visando alguma vantagem sobre isso. ”

Esse também é o entendimento do Ministério Público Federal, que, através de artigo publicado por membros do grupo de combate a crimes cibernéticos, asseveram que “normalmente, as notícias falsas são criadas intencionalmente por algum motivo seja ele político, econômico ou ideológico. ” (OLIVEIRA e GOÉS, 2018, p. 02).

Nota-se que quem cria as notícias falsas tem o objetivo de angariar alguma vantagem. E, trazendo para a temática do presente trabalho, é possível inferir que aquele que divulga uma notícia que sabe não ser verdadeira sobre outra pessoa deseja ganhar alguma vantagem sobre a mesma.

Com o advento das redes sociais, nem só notícias passaram a ser divulgadas falsamente. Mas, também se passou a acusar pessoas sem maiores preocupações das implicações que poderiam advir tanto para a vítima da acusação quanto para o acusador.

Além disso, as pessoas possuem o hábito de compartilharem as informações recebidas através das redes sociais sem se atentarem sobre a veracidade das mesmas. Isadora Forgiarini Balem (2017, p. 04) ratifica essa conclusão ao afirmar que “[...] se observa que a leitura das manchetes muitas vezes é suficiente para que os usuários se sintam atraídos a compartilhá-las, sem se preocuparem com a verificação da fonte e a veracidade da informação que ajudam a disseminar. ”

Com isso, as redes sociais passaram a ser verdadeiras armas silenciosas nas mãos de quem quer ferir a honra e a dignidade de outrem.

 

2.2. Exemplos de fake news e suas consequências práticas para a vítima

Os estragos que a propagação irresponsável de uma notícia falsa pode provocar na vida de uma pessoa são imensuráveis, podendo provocar desde um desgaste emocional até a perda da liberdade ou mesmo podendo levar a morte da vítima do ato criminoso.

Pode-se citar como exemplo o caso de uma senhora por nome de Fabiane Maria de Jesus que foi morta em um linchamento coletivo em 2014, na cidade de são Paulo, apenas por ter tido seu rosto divulgado em um boato espalhado por uma rede social, o qual afirmava que a mulher em questão se tratava de uma sequestradora de crianças. 

Outro exemplo é o caso de uma mãe que enfartou e veio a óbito após receber uma notícia falsa de que a escola na qual seus filhos estudavam seria alvo de um massacre. O boato começou a ser divulgado por meio do aplicativo de conversas whatsapp. Ana Lucia Cardoso da Silva, a mãe, recebeu a notícia juntamente com os demais membros da comunidade de Limeira, no interior do Espirito Santo, após começou a passar mal e não resistiu, vindo a óbito.

Outro caso que demonstra como a propagação de notícia falsa pode destruir vidas é o caso de um homem de 37 anos que foi acusado de estupro por sua amante, uma universitária de 25 anos.

De acordo com o jornal local Correio do Estado, Jéssica Fernanda de abreu ficou com medo que a família descobrisse seu envolvimento com o acusado, que era casado, e por isso alegou ter sido estuprada por ele.

Após 37 dias preso, Flávio Maury de Souza foi solto após a polícia desconfiar da versão de Jéssica, que acabou confessando a falsa acusação.

Segundo o site de notícias o Correio do Estado, devido à grande repercussão do caso, a imagem de Flávio ficou associada ao fato, tendo sua imagem e seu nome veiculado Brasil afora como estuprador e, por isso, sofrera diversas ameaças tanto por parte de presos, quanto por pessoas de fora da prisão.

Além desses exemplos, existem dezenas de outros, fruto da propagação de notícias falsas. Ao se fazer uma rápida pesquisa por algum buscador da internet utilizando-se de palavras-chave como “notícia falsa, consequência, rede social”, tem-se como resultado diversos casos de pessoas que perderam seus empregos, sofreram agressões físicas ou verbais, e outras que tiraram a própria vida em decorrência de ter seu nome e sua imagem associados a algum evento criado por alguém e propagado através da internet.

 

3. Da responsabilização de quem compartilha fake News

Na propagação de notícias falsas que podem atingir a honra de uma pessoa, seja ela física ou jurídica, existem três personagens principais: a vítima, aquele que cria a notícia e aquele que continua repassando a notícia adiante.

Quando há a ofensa à honra, seja pela difamação, pela calúnia ou pela injúria, nasce o dever de responsabilização para o causador do ato danoso. Essa responsabilização pode ser civil ou penal, ou ambas, cumulativamente.

Mas, o que vem a ser responsabilização? A definição dicionarizada do vocábulo responsabilidade é “obrigação de responder pelas ações próprias ou dos outros”, e, ainda, “a palavra responsabilidade está relacionada com a palavra em latim respondere, que significa ‘responder, prometer em troca’. ”

Conforme os ensinamentos do professor Paulo Nader (2017), não há uma definição única para o termo, posto que não está ligado exclusivamente com o mundo jurídico, mas também possui suas raízes na moral, na religião e nas regras de trato social. Apesar disso, segundo ele, há ideias que estão intrinsicamente ligadas ao termo, como a ideia de dever, o estado de vigilância, atenção e zelo na conduta.

Já Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2017, p. 854) asseveram que “a acepção que se faz de responsabilidade, portanto, está ligada ao surgimento de uma obrigação derivada, ou seja, um dever jurídico sucessivo, em função da ocorrência de um fato jurídico lato sensu. ”

O que se tem em comum entre a responsabilidade em sentido amplo e a aplicável ao meio jurídico é que ambas nascem de uma conduta comissiva ou omissiva do causador do dano ou de terceiros ou coisas, e tem como princípio fundamental a proibição de ofender, a ideia de que não se deve lesar (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2017).

Ainda, de acordo com esses autores, o dever de reparar possui duas vertentes, a penal e a cível. O que as duas tem em comum é o dever de reparar um dano causado a outrem. De diferente, tem-se que na responsabilidade penal “o interesse afetado é restrito à pessoa lesada”, já na responsabilidade civil “a ação constrange a sociedade como um todo”.

Além disso, para a configuração do dever de reparar na seara penal deve haver o dolo, enquanto na seara cível, muitas vezes nem a culpa é preciso comprovar, bastando apenas o dano e o nexo causal. 

 

3.1. Responsabilidade penal

Como já mencionado, no Brasil não há uma legislação específica que trata dos crimes cometidos no âmbito da internet, mas isso não significa que não haverá responsabilização para aqueles que criam e propagam notícias de terceiros com o intuito de atingir sua honra, aplica-se nesses casos o Código Penal Brasileiro.

O Código Penal Brasileiro dispõe de um capítulo próprio para tratar dos crimes cometidos em face da honra de alguém. Trata-se dos crimes de calúnia, injúria e difamação.

Ao se buscar o entendimento dos tribunais sobre a aplicação dos tipos penais dos artigos 138, 139 e 140 do código penal aos crimes cometidos pela internet, verifica-se que o judiciário brasileiro tem se valido do art. 141, III para tipificação dos crimes contra a honra cometidos em ambiente virtual, pois este artigo dispõe que os crimes contra a honra cometidos na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite sua divulgação ensejará num aumento da pena penal em mais um terço. Esse é o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio grande do Sul.

QUEIXA-CRIME. CRIMES CONTRA A HONRA. DIFAMAÇÃO. 1. A queixa-crime descreve conduta criminosa de difamação, em tese, em detrimento de pessoas distintas, praticada pelo querelado em concurso formal, conforme art. 703, segunda parte, do Código Penal. 2. Incide-se na espécie delitiva a agravante da pena prevista no artigo 141, III, do Código Penal, tendo em vista que perpetrado por meio que facilitou a sua divulgação, qual seja a internet. 3. A fixação da competência decorre da soma das penas máximas abstratamente cominadas aos delitos apontados, o que ultrapassa o limite fixado no artigo 61, da Lei nº 9099 /95. Precedentes. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA IMPROCEDENTE. (Conflito de Jurisdição Nº 70074323429, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rinez da Trindade, Julgado em 27/09/2017). (Grifos nosso)

Verifica-se que é perfeitamente cabível tal aplicação, posto que uma das características da internet é a propagação de notícia a várias pessoas ao mesmo tempo, seja pelo envio do fato delituoso a várias pessoas ou pela simples disponibilidade da ofensa no meio virtual, que por si só já possibilita esse longo alcance.

Ainda, em relação a responsabilização penal pelo cometimento de crimes contra a honra em ambiente virtual, o judiciário depara-se com outra questão: competência para julgar estes crimes devido ao grande alcance das redes. Pois, o agente comete o crime em um lugar e a vítima reside em outro, além do alcance do ato criminoso que pode superar barreiras do país, inclusive.

Nesses casos, os tribunais brasileiros ainda não firmaram um consenso a respeito da competência, alguns entender se o local onde a vítima tomou conhecimento do fato criminoso, já outros entendem ser o local de domicilio do réu. Esse é o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, como se verifica do seguinte julgamento.

TJ-SP - Conflito de Jurisdição CJ 00604565720168260000 SP 0060456- 57.2016.8.26.0000 (TJ-SP) Jurisprudência • Data de publicação: 29/03/2017. Conflito de Jurisdição - difamação - artigo 139, caput, c.c. artigo 141, III, por duas vezes, na forma do artigo 71, todos do Código Penal – [...] "CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. Queixa-crime. Crime de injúria supostamente praticado por meio eletrônico, via internet. Desconhecimento do local da consumação do delito, que ocorre com o conhecimento da ofensa pelo ofendido. Competência que deve ser fixada pelo domicílio do réu. Incidência da regra prevista pelo artigo 72, caput, do Código de Processo Penal. CONFLITO PROCEDENTE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITANTE". (Conflito de Competência nº 0035718-73.2014.8.26.0000, Relator Camargo Aranha Filho, j. em 08/09/2014. (Grifos nosso)

Já o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem se manifestado no sentido de a competência ser fixada no local em que se consuma o ato delituoso, qual seja: onde tomou-se conhecimento do mesmo.

TJ-RJ - APELAÇÃO CRIMINAL APR 00598120920168190001 RIO DE JANEIRO CAPITAL III JUI ESP CRIM (TJ-RJ) Jurisprudência • Data de publicação: 26/01/2018 EMENTA Relatora: Juíza Rosana Navega Chagas [...]. Os crimes contra a honra teriam, em tese, sido praticados no seio de uma publicação, em um blog - local virtual encontrado na internet - de titularidade do querelado. Certo é que os diplomas legais, na seara penal, não acompanharam de forma desejável todos os avanços tecnológicos empreendidos nos últimos anos. Neste sentido, o critério de xação de competência em razão de crimes cometidos por meio da internet não encontrou especial disciplina no Código de Processo Penal. O artigo 70 do CPP recepcionou a Teoria do Resultado, determinando que a competência, em regra, será fixada no local em que se consumar a infração penal. (Grifos nosso)

Também é esse o entendimento do superior tribunal de justiça, in verbis

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIMES CONTRA HONRA PRATICADOS PELA INTERNET. COMPETÊNCIA. VEICULAÇÃO DO CONTEÚDO OFENSIVO. FIXAÇÃO NO LOCAL DO TITULAR DO PRÓPRIO DOMÍNIO E QUE CRIOU A HOME PAGE ONDE É ABASTECIDO SEU CONTEÚDO. 1. Tratando-se de crimes contra a honra praticados pela internet, a competência deve ser firmar de acordo com a regra do art. 70 do Código de Processo Penal, segundo o qual "A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução". Isso porque constituem-se crimes formais e, portanto, consumam-se no momento de sua prática, independentemente da ocorrência de resultado naturalístico. Assim, a simples divulgação do conteúdo supostamente ofensivo na internet já é suficiente para delimitação da competência. [...] (STJ - CC 136700 / SP 2014/0274368-9 RELATOR: MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (1158), data do julgamento: 23 de setembro de 2015.) (grifos nosso)

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA MAJORADAS. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA INICIAL. FALTA DE INDICAÇÃO DO LOCAL DOS FATOS. INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL. PRECLUSÃO. EQUÍVOCO NA CAPITULAÇÃO JURÍDICA. NÃO OCORRÊNCIA. RÉU SE DEFENDE DOS FATOS. INVIABILIDADE DE INCURSÃO NO ACERVO PROBATÓRIO. NULIDADES. PRECLUSÃO PARA APRESENTAR RESPOSTA À ACUSAÇÃO. INOCORRÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR AD HOC SEM ANUÊNCIA DA PARTE. NÃO VERIFICAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 44, DO CPC/1973. MATÉRIAS JÁ EXAMINADAS. REITERAÇÃO DE PEDIDO. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. I - Os crimes contra a honra praticados pela internet são classificados como formais, ou seja, a consumação se dá no momento de sua prática, independente da ocorrência de resultado naturalístico, de forma que a competência deve se firmar de acordo com a regra do art. 70 do CPP - "A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução". II - A simples divulgação do conteúdo supostamente ofensivo na internet já é suficiente para delimitação da competência, sendo aquela do lugar em que as informações são alimentadas nas redes sociais, irrelevante o local do provedor. Precedentes. (STJ - AgRg no RE no RHC 77692 RELATOR: MINISTRO FELIX FISCHER, data do julgamento: 10 de outubro de 2017.) (grifos nosso)

Vê-se que, alguns tribunais brasileiros entendem pela definição da competência nos moldes do artigo 70 do código de processo penal e outros pelos moldes do artigo 72 de mesmo diploma legal. Mas, ficou demonstrado que o STJ já vem sedimentando entendimento pela competência ser definida pelo local da consumação do fato delituoso, no caso, o local onde a vítima tomou conhecimento do mesmo, conforme a teoria do resultado.

Ainda, em relação a responsabilização penal há um questionamento mormente realizado pelas vítimas: quem poderá ser chamado a responder pelo ato delituoso?

Nesses tipos de crimes ocorridos em âmbito virtual, há vários personagens envolvidos: a vítima, o agente que criou e divulgou a ofensa, e aquelas outras pessoas que se utilizam de mecanismos disponibilizados pelas redes sociais para curtir, comentar (ratificando o ato) e aqueles que continuam propagando tal noticia por meio do compartilhamento com outras pessoas.

Já restou demonstrado que o agente que criou a notícia, mensagem ou outro tipo de mídia ofensiva será responsabilizado por tal ato, de acordo com o Código Penal. Mas, em relação aos outros envolvidos não se tem um posicionamento firmado sobre sua responsabilização, se há ou não.

Ao pesquisar nos diplomas legislativos atuais, como também na doutrina clássica, não se encontra resposta para tal celeuma, até porque é um fato novo que ainda carece de muitas reflexos e buscas pelo melhor caminho no intuito de inibir a propagação de notícias falsas que objetivam ofender a honra de alguém.

Há discussões que defendem a criminalização do ato de compartilhar fake News. Segundo seus defensores, o temor da responsabilização inibiria o compartilhamento irresponsável de tudo que é produzido e jogado na rede mundial de computadores, além de defender que quem recebe a informação tem o dever social de verificar sua procedência e veracidade.

Já para o grupo que vai de encontro a ideia da criminalização para aqueles que compartilham notícias ou qualquer informação sobre outrem sem saber sua procedência, a responsabilização traria uma responsabilidade muito grande para si, o dever de averiguar cada noticia, atrás de suas fontes a fim de certificá-la antes de levá-la adiante.

Ademais, esse grupo também argumenta que no campo da responsabilização criminal dos crimes contra a honra, há três tipificações penais, dentre elas a difamação, que se consuma com a simples publicidade a terceiros de uma conduta verdadeira cometida por uma pessoa, desde que essa propagação ofenda sua honra objetiva.

Para eles, de toda forma aquele que compartilha será responsabilizado: se o fato compartilhado for falso, o agente responderá pela injúria ou calúnia. Se, verdadeiro, responderá pela difamação.

Para corroborar com esse posicionamento, o professor Luiz Augusto Filizzola DUrso (2017, p. 02) assevera que “não seria fácil identificar o autor para puni-lo, muito mais complexo seria identificar aqueles que compartilharam. ” Pois, segundo ele,

Após a viralização, com milhares de compartilhamentos, seria muito difícil ter certeza da origem e autoria desta notícia falsa, até porque ela poderia ter sido alterada diversas vezes, durante os milhares de compartilhamentos. Seria muito complexo, também, identificar e punir todos aqueles que compartilharam a falsa notícia de má-fé.

Outra questão que deve ser levantada para a configuração do dever punitivo para aqueles que compartilham notícias que não sabem ser verdadeiras é a comprovação do dolo, já que no direito penal os crimes contra a honra precisam da comprovação do elemento subjetivo do tipo, qual seja: o dolo.

Nas palavras do professor Guilherme de Souza Nucci (2014, p. 667) “pune-se o crime quando o agente agir dolosamente. Não há a forma culposa. Entretanto, exige-se, majoritariamente, o elemento subjetivo do tipo específico, que é a especial intenção de ofender, magoar, macular a honra alheia. ”

Para resolver a omissão a respeito da conduta praticada por quem compartilha notícias sem se preocupar com sua procedência e veracidade, o Senador Ciro Nogueira elaborou o projeto de lei n. 473/2017.

Dentre outras coisas, o referido projeto dispõe que aquele que, se utilizando da internet, divulgar notícia falsa que possa distorcer, alterar ou corromper a verdade sobre áreas que afetem o interesse público relevante responderá penalmente sobre o ato, podendo sofrer uma pena de reclusão de um a três anos e multa. Isso se o fato não constitui crime mais grave.

Já em relação as famosas curtidas e comentários em posts compartilhados nas redes sociais, não há nenhuma legislação que trate da temática em si, até pelo menor potencial lesivo do ato e pela dificuldade em identificar e dimensionar a prática.

Nesses casos, a melhor saída é trabalhar a conscientização das pessoas sobre a responsabilidade de seus atos e as implicações que o mesmo pode ter na vida de outras pessoas.

Isso não isenta o agente que fizer um comentário em uma publicação de responder por tal ato, se comprovado que no próprio comentário resta configurado os tipos penais de injúria, difamação ou calúnia.

 

3.2. Responsabilidade civil

Além da responsabilidade penal a que o autor da ofensa estará sujeito, o mesmo também poderá responder civilmente, sendo chamado a indenizar a vítima da calúnia, injúria ou difamação, conforme o caso.

O ordenamento jurídico brasileiro protege a honra das pessoas desde a Constituição Federal (CRFB/88), por meio de seu artigo 5°, incisos V e X, que asseveram que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. ”

Além disso, o Código Civil Brasileiro (lei nº 10.406/2002) também trata da temática. O artigo 186 deste códex assegura que Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. ” E o artigo 927 do mesmo diploma legal assevera que “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. ”

Para a configuração do dever de indenizar, a doutrina pátria ensina que deverão ser preenchidos 03 requisitos: o dano, o nexo causal e a culpa. Restando demonstrado tais requisitos, nasce para o agente causador do dano o dever de indenizar o ofendido.

Conforme os ensinamentos do professor Paulo Nader (2016, p. 36), a responsabilidade civil “refere-se à situação jurídica de quem descumpriu determinado dever jurídico, causando dano material ou moral a ser reparado. ”

É o que se infere do seguinte acórdão do STJ:

O dever de respeito ao direito do outro conduz ao de responder nos casos em que, mesmo no exercício de direito legitimamente posto no sistema jurídico, se exorbite causando dano a terceiro. Quem informa e divulga informação responde por eventual excesso, apurado por critério que demonstre dano decorrente da circunstância de ter sido ultrapassada esfera garantida de direito do outro. (STJ - REsp 1.582.069/RJ 2003/0229868-0, Ministro relator: Marco Buzzi, quarta turma, data de julgamento: 29/03/2017).

Quando ao dever de indenizar, o agente causador do dano poderá ser chamado a reparar os danos materiais e os danos morais sofridos pela vítima. Por danos matérias, entende-se todos aqueles prejuízos que a vítima tenha sofrido, por exemplo, a perca de um emprego, a perca de um bem ou mesmo de dinheiro. Já os danos morais estão ligados a honra subjetiva e a honra objetiva da vítima.

Honra subjetiva está ligada aos valores que a própria pessoa tem de si, já a honra objetiva está ligada aos valores que outras pessoas têm da vítima, é o olhar da sociedade para a vítima, como ela era vista e como passa a ser vista a partir do episódio divulgado.

No caso da responsabilidade civil o agente causador do dano será chamado a responsabilizar pelos danos, e a punição se dá de forma pecuniária. Paga-se um valor como forma de punição, de reparação e, também, como forma de desestimular o agente a não praticar novos atos atentatórios à honra de terceiros.

 

4. Identificação do agente

Há casos em que o perfil que propagou a injúria, difamação ou calúnia não possui um usuário legítimo, tratando-se dos famosos “perfis fakes”. São perfis criados por pessoas que não querem expor sua identidade, com o intuito de se manterem escondidas e também de não serem encontradas em casos de responsabilização.

Mas, o que muitos não sabem é que, apesar de estarem escondidos atrás de um perfil falso, há um endereço que não tem como ser modificado, trata-se do endereço IP que se conectou à internet.

Em meio às discussões a respeito da necessidade de identificação do agente infrator, em 2014, foi criada a lei 12.965, que ficou conhecida como Marco Civil da Internet. A qual dispõe da definição do que seja endereço IP, qual seja: “é o código atribuído a um terminal de uma rede para permitir sua identificação, definido segundo parâmetros internacionais. ”

Ainda, esta lei estabelece em seu artigo 10, §1.º que o provedor responsável pela guarda de dados pessoais deverá disponibilizá-los mediante ordem judicial.

Significa dizer, que hoje a legislação brasileira dispõe de lei que obriga o provedor de internet a disponibilizar, por meio de ordem judicial, o endereço IP responsável pela propagação de notícia ofensiva à honra do ofendido.

A referida lei, em seu artigo 12, elenca um rol de sanções, que variam de advertência até a proibição de exercer suas atividades no país, a serem aplicadas caso a ordem judicial não seja cumprida dentro do prazo.

O noticiário mostra, diuturnamente, pessoas que se utilizavam dessas artimanhas para a prática de crimes e que foram descobertos e levados a responder criminalmente e civilmente pelo ato cometido, como ocorreu no caso “Carolina Dickman”, dentre outros.

 

5. Projetos de lei que tratam da temática

Objetivando resolver o problema da falta de leis específicas que tratam da temática da propagação de notícias falsas e daquelas ofensivas à honra das pessoas, alguns parlamentares têm protocolado diversos projetos de leis, tanto na Câmara, quanto no Senado Federal.

Pedro Grigori (2018, p. 01) enumera pelo menos 20 projetos de leis que atualmente estão em fase de tramitação no congresso nacional com esse objetivo. Segundo ele, só nos primeiros 05 meses do ano de 2018, 10 projetos de leis foram propostos por deputados federais, motivados, principalmente, pelo período eleitoral que se aproximava.

As proposições buscam penalizar os atos que vão desde criação de boatos falsos e jogados na internet até publicação em sites e outros meios de caráter jornalísticos.

Ainda, segundo Grigori, os projetos visam alterar desde o Código de Defesa do Consumidor até a Lei de Segurança Nacional, através das inserções punitivas das fake News nesses sistemas normativos.

Nesse contexto, no início de 2019, foi aprovada a lei 1.978/11, que trata da criminalização de fake News criadas e propagadas com o intuito de comprometer a lisura do processo eleitoral, seja através de mentiras sobre candidatos ou mesmo sobre o próprio processo eleitoral em si.

A partir de sua vigência, a divulgação de notícias falsas, denegrindo a imagem de pessoas com finalidade de causar-lhes prejuízos eleitorais, ensejará ao autor uma pena que variará de 02 a 08 anos de reclusão. Busca-se evitar o que se viu nas eleições de 2018: uma enxurrada de fake News criadas com o único objetivo de destruir a imagem pública de candidatos perante seu eleitorado.

 

6. Entendimentos jurisprudenciais sobre a temática

Os tribunais brasileiros têm sido instados a se manifestar sobre a temática das fake News, principalmente depois que a terminologia se tornou mais conhecida do público em geral.

Nesse interim, há diversos julgados que confirmam a preocupação dos tribunais superiores em combater tal prática, principalmente, visando ponderar os princípios da liberdade de expressão e da proteção à honra e a vida privada das pessoas. É o que se infere dos julgados a seguir:

FAKE NEWS. EXTRAPOLAÇÃO DA LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. PEDIDO LIMINAR. DEFERIDO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Divulgação de notícia falsa na internet, que excede o direito de liberdade de expressão, 2. Conteúdo veiculado em 2018, que datam às eleições 2014. Fake news, inexistência de processo judicial ou investigação destinada a apurá-las. 3. Liberdade de expressão se vê limitada por restrições necessárias, em uma sociedade democrática, de proteger a reputação e os direitos de outras pessoas, não se estendendo à divulgação de notícias inverídicas ou ofensivas à honra de terceiros. 4. Provimento da Representação. Manutenção da medida liminar, para referendo do Pleno. (TRE-PE - Representação RP 060037894 RECIFE - PE, relator: Stenio José de Souza Neiva Coelho, data de julgamento:01/10/2018). (grifos nosso)

FAKE NEWS. CARACTERIZAÇÃO. PEDIDO LIMINAR. CONCEDIDO. 1. Divulgação de fatos sabidamente inverídicos, enseja suspensão de veiculação de vídeo combatido. 2. Existência de notícia comprovadamente falsa, que degrada o candidato representante. 3. Deferimento do pedido liminar. (TRE-PE - Representação RP 060290094 RECIFE PE, relator: Stenio José de Souza Neiva Coelho, data de julgamento:04/10/2018). (grifos nosso)

Busca-se uma convivência harmoniosa entre dois direitos constitucionais tão importantes à democracia brasileira.

Ao se fazer uma rápida pesquisa nos buscadores da internet, é possível verificar diversas notícias relacionadas a condenações de pessoas por propagação de conteúdo ofensivo à honra através das redes sociais. Como exemplo tem-se o caso divulgado pelo canal de notícias “G1”, que noticia a condenação de uma servidora pública pelo Tribunal de justiça do estado de São Paulo por ter compartilhado um post no facebook que denegria a imagem profissional de um médico veterinário.

Ementa:

Responsabilidade civil – ação de indenização por danos morais – rés que divulgaram texto e fizeram comentários na rede social “facebook” sem se certificarem da veracidade dos fatos – atuação das requeridas que evidentemente denegriu a imagem do autor, causando-lhe danos morais que passiveis de indenização – liberdade de expressão das requeridas (art. 5, ix, cf) que deve observar o direito do autor de indenização quando violada a sua à honra e imagem, direito este também constitucionalmente disposto (art. 5, v, x, cf) – valor arbitrado a título de danos morais que deve ser reduzido para fugir do enriquecimento sem causa da parte prejudicada, porém, mantendo o seu caráter educacional a fim de coibir novas condutas ilícitas – sentença parcialmente modificada, para minorar o quantum indenizatório. Recursos parcialmente providos. (grifos nosso)

Resta claro que a jurisprudência pátria vem caminhando para combater os abusos cometidos nas redes sociais, objetivando demonstrar que o usuário que se utiliza das redes para propagar informações, opinar ou comentar de forma ofensiva sobre terceiros estará sujeito sofrer consequências tanto na seara civil e penal, podendo ser condenados pelos abusos cometidos.

 

7. Responsabilização dos provedores das redes sociais por atos cometidos por terceiros

Em relação a responsabilização dos provedores das redes sociais pelas postagens ofensivas a honra de terceiros cometidos pelos usuários de suas plataformas sociais, o artigo 19 da Lei que instituiu o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) traz importante norma referente ao combate e à disseminação de informações falsas:

Art. 19.  Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

Encontra-se regulamentado em lei que o provedor só será responsabilizado se, após ordem judicial determinando a retirada da publicação ofensiva, não cumprir o mandamento judicial. Sendo obedecido o mandamus, a responsabilidade pelo compartilhamento do teor ofensivo será unicamente de quem o propagou.

 

8. Propostas de melhora nesse campo

É certo que a efetividade do combate a propagação de notícias falsas passa pelo esforço de toda sociedade, principalmente no tocante a ter senso crítico ao avaliar o que é postado por terceiros nas redes sociais, além de uma necessária educação digital das pessoas.

Além da educação digital da sociedade, outros segmentos devem trabalhar em conjunto, em frente única para dizimar a propagação das fake news: projetos de leis que criminalizem tais condutas; punição àqueles que criam ou compartilham notícias que não tem conhecimento se são verdadeiras ou não; criação de instrumentos, pelas próprias redes sociais, que permitam a denúncia mais efetiva de conteúdo nitidamente falso; criação de mecanismos mais efetivos de identificação daqueles agentes que se utilizam de perfis falsos para propagar fake news, dentre outras políticas públicas.

Verifica-se que se faz necessária uma mobilização coletiva, que vai desde a conscientização nas escolas, até políticas públicas de educação virtual. Um segmento sozinho não será capaz de combater a propagação de fake News, nem o judiciário, nem o legislativo conseguirão resultados se a sociedade em geral não se educar sobre a necessidade de analisar o que se encontra disponível na rede mundial de computadores.

 

Considerações finais

Quando se iniciou o presente trabalho de pesquisa, constatou-se que muitas pessoas não tinham conhecimento de que poderiam ser responsabilizadas civil e penalmente por divulgar ou compartilhar notícias prejudiciais à imagem e à honra de outras pessoas.

Devido a isso, a discussão sobre o tema da responsabilidade civil e penal pelo cometimento desse tipo de crime justificava-se pela possibilidade de demonstrar que as normas legislativas do código penal também são aplicáveis na prática de crimes e outros ilícitos cometidos pela internet.

O exame da legislação brasileira sobre a conjuntura das fake news demonstrou que não há, no Brasil, leis específicas para tratar do combate às notícias falsas. Também restou demonstrado uma preocupação dos diversos segmentos da sociedade sobre a necessidade de se combater a crescente das notícias falsas que são lastreadas nas redes sociais.

Constata-se que o objetivo geral foi atendido, porque efetivamente o trabalho conseguiu demonstrar que há consequências jurídicas advindas do cometimento dos crimes de calúnia, difamação e injúria praticados em ambiente virtual e que, apesar de não haver leis específicas tratando da temática das fake news, os agentes causadores de ofensa a honra de terceiros poderão ser chamados a responder por seus atos, tanto na seara civil, quanto na penal.

Ademais, restou demonstrado, no decorrer do trabalho, que está se iniciando um movimento no judiciário no sentido de estender a responsabilização àqueles que compartilham informações que não sabem ser verdadeiras.

Ao analisar o impacto da divulgação de “fake News” na vida de quem teve seu nome afetado pela divulgação da notícia falsa, demonstrou-se que as consequências desses atos para as vítimas são muito danosas que vão desde a perda da moral e do bom nome no meio do grupo em que vive até a perda da liberdade, podendo levar, em casos mais estremados, a vítima à morte.

Para chegar a esses resultados, foi realizada uma pesquisa básica, mas de forma estratégica, com vistas a gerar novas reflexões sobre o tema, partindo de teorias que já vinham consolidadas na doutrina e no ordenamento como um todo.

Não se objetivou esvaziar o tema, até porque este é um problema dos tempos modernos e que ensejará inúmeras outras discussões sobre o mesmo com o objetivo de encontrar o melhor denominador comum entre o princípio da liberdade de expressão e o direito fundamental à honra, ambos garantidos pela Constituição Federal de 88.

 

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* Artigo apresentado no curso de Direito do Centro Universitário São Lucas 2019, como pré-requisito para obtenção de grau de Bacharel em Direito, sob orientação do professor Gustavo Wohlfahrt Bohnenberger.

Data da conclusão/última revisão: 24/10/2019

 

Como citar o texto:

MIRANDA, Flielandson Alves; BOHNENBERGER, Gustavo Wohlfahrt..Do alcance da responsabilização por crimes contra a honra cometidos em ambiente virtual. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1665. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/4614/do-alcance-responsabilizacao-crimes-contra-honra-cometidos-ambiente-virtual. Acesso em 7 nov. 2019.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.