Resumo: O presente artigo, elaborado mediante análise de livros, artigos, periódicos e legislação aplicada ao assunto, aborda o posicionamento da doutrina brasileira quanto à aplicação da arbitragem nas causas de família. Ademais, serão expostos os conceitos doutrinários de arbitragem como meio alternativo de resolução de conflitos, e sua aplicabilidade nas causas de família. Parte-se do pressuposto que arbitragem como meio alternativo de resolução de conflitos é uma ferramenta paralela à atividade jurisdicional e que permite aos jurisdicionados solucionar os conflitos através de mecanismos extrajudiciais sem a necessidade de levar ao Poder Judiciário sua demanda e que as causas de família podem envolver direitos disponíveis ou indisponíveis. A busca pela solução de conflitos familiares que envolvam direitos disponíveis permite que as partes tenham liberalide de optar por mecanismos extrajudiciais, como é o caso da arbitragem para a resolução de conflitos tendo a mesma eficácia da prestação judicial.

Palavras-Chave: Arbitragem. Jurisdição arbitral. conflitos familiares.

Abstract: This article, prepared through the analysis of books, articles, periodicals and legislation applied to the subject, addresses the position of Brazilian doctrine regarding the application of arbitration in family causes. The doctrinal concepts of arbitration as an alternative means of conflict resolution and its applicability in family causes will be exposed. The arbitration as an alternative means of conflict resolution is assumed to be a parallel tool to jurisdictional activity and allows jurisdictional parties to resolve conflicts through extrajudicial mechanisms without the need to bring their case to the judiciary and that family causes can involve available or unavailable rights. The search for settlement of family disputes involving available rights allows parties to have the freedom to choose extrajudicial mechanisms, such as arbitration for dispute resolution having the same effectiveness as judicial provision.

Keywords: Arbitration. Arbitration jurisdiction. family conflicts.

Sumário: Introdução - 1.  Evolução Histórica da Arbitragem e Família no Ordenamento Jurídico Brasileiro: 1.1 Arbitragem; 1.2 Família. 2. Arbitragem como Meio Alternativo de Resolução de Conflitos: 2.1 Aspectos Gerais da Arbitragem; 2.2 Princípios Norteadores da Arbitragem no Ordenamento Jurídico Pátrio: 2.2.1 Da Imparcialidade; 2.2.2 Do Contraditório e Igualdade entre as partes; 2.3.3 Do Livre Convencimento do Árbitro; 2.3 Convenção de Arbitragem: Cláusula Compromissória e Compromisso Arbitral. 3. Arbitragem Aplicada às Causas de Família: 3.1 Do Cabimento da Arbitragem para Solucionar as Causas de Família. Considerações Finais. Referências.

 

Introdução

Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, e a efetiva implementação dos meios alternativos de resolução de conflitos, a Arbitragem foi regulamentada pela Lei nº 9.307 de 23 de setembro de 1996, e ganhou impulso necessário para sua consolidação no ordenamento jurídico brasileiro.

Outrossim, a arbitragem, instituto tão antigo quanto a própria sociedade, atualmente é compreendida como o mecanismo alternativo, onde um terceiro imparcial, escolhido pelos conflitantes, realiza a prestação jurisdicional de forma célere, sigilosa, oportunizando o contraditório e respeitando o convencionado pelos envolvidos. E que tem a sua aplicação adstrita a questões patrimoniais disponíveis, vez que integra a jurisdição e não contenciosa.

O direito de Família, fortemente influenciado pelo direito romano e com mudanças significativas ao longo do tempo, apresenta-se constitucionalmente como instituição basilar da sociedade. Dada a sua importância e participação em número de ações perante o poder judiciário, a busca por mecanismos que auxiliem a resolução dos conflitos familiares possui grande relevância, vez que impacta diretamente a estrutura basilar da sociedade.

Por meio do presente artigo busca-se apresentar a relevância da jurisdição arbitral no ordenamento jurídico brasileiro, ante a sua aplicabilidade limitada direitos disponíveis e a possibilidade da utilização de tal instituto para solucionar conflitos familiares, bem como compreender como a doutrina brasileira tem tratado a aplicabilidade da arbitragem nas causas de família. Para tanto, utilizou-se de revisão bibliográfica qualitativa e descritiva, por meio de livros, artigos, periódicos e legislação, com metodologia analítica interpretativa, apontando as decisões sobre o assunto.

Ademais, a presente pesquisa será dividida em três capítulos principais, onde será apresentada a evolução histórica da arbitragem e família no ordenamento jurídico brasileiro, a arbitragem como meio alternativo de resolução de conflitos e suas particularidades, e por fim, a aplicabilidade da arbitragem nas causas de família.

Desta forma, o presente estudo procura contribuir com a sociedade, de modo a esclarecer os principais aspectos da arbitragem como meio alternativo de resolução de conflitos, baseado na liberalidade das partes de contratar, e sua aplicabilidade para solucionar conflitos familiares, vez que a doutrina, atualmente apresenta entendimentos diversos sobre o tema.

 

1. Evolução Histórica da Arbitragem e Família no Ordenamento Jurídico Brasileiro

1.1. Arbitragem

Historicamente não é possível traçar uma evolução linear para o instituto da arbitragem, vez que se fez presente no desenvolvimento da sociedade desde as civilizações antigas como egípcios, hebreus e babilônios. Diante do que expõe Carmona (2014, p. 1), “dentre as formas heterocompositivas dos conflitos de interesses está a arbitragem, que teria surgido antes mesmo da jurisdição estatal”.

Nesse diapasão é reconhecido juridicamente que: “[...] o sistema arbitral sempre se constituiu numa possibilidade de interesses, percorrendo longos caminhos desde remotos tempos, uma evolução, com forte influência do Direito Romano em que as civilizações buscavam resolver problemas. No desenvolvimento dessa ideia, a presença marcante de um árbitro para compor litígios, uma forma de realidade de justiça provada, que caminhou para uma Justiça formal, estatal”. (TORRES apud DUTRA, 2018, p.96).

No período da sociedade feudal, a arbitragem e a mediação eram utilizadas amplamente, tanto interna quanto externamente. Assim, destacou-se o papel da Igreja Católica, por meio de seu representante supremo, o Papa, o qual era considerado árbitro supremo, incumbido de solucionar pacificamente os litígios que surgiam.

Ao passo que o Estado assumia responsabilidade frente aos conflitos sociais a arbitragem manteve sua força e conquistou mais espaço, difundindo a solução de conflitos através de caminhos distintos, exigindo-se assim o reconhecimento de tal instituto pelo poder estatal. A difusão da arbitragem permitiu sua aplicação inclusive nos contratos internacionais, abrindo escopo para o seu aperfeiçoamento, evolução e estudo. Tal reconhecimento se fez possível, pois a arbitragem: “[...] tinha como grande vantagem não depender da força e autoridade do Estado: as partes envolvidas no litígio dirigiam-se voluntariamente a um terceiro – normalmente um membro da própria comunidade que lhes inspirasse confiança pela idade, experiência, sabedoria e conduta ilibada – para que este desse solução ao conflito, cumprindo as partes bona fide o preceito ditado pelo árbitro escolhido”. (CARMONA, 2014, p.1, grifo do autor).

Por esse motivo, apesar do cunho de atuação paralela à jurisdição estatal é comum encontrar, em sistemas jurídicos estrangeiros, matérias que devam ser obrigatoriamente submetidas ao juízo arbitral. Carmona (2014, p.1) apresenta como exemplo, o Decreto Lei Português nº 201 de 15 de abril de 1975, o qual determina julgamento arbitral para resolução de questões relativas ao arrendamento rural. Até mesmo no ordenamento jurídico pátrio, já tivemos arbitragem obrigatória, em matéria comercial, abolida pelo Dec. 3.900, de 26.7.1867.

O instituto da arbitragem começou a ser legislado em nosso ordenamento jurídico a partir de 1850, através do regulamento nº 737, o qual abordava a arbitragem submetida à iniciativa privada, tornando-a obrigatória em assuntos comerciais pontuais. Posteriormente, com o advento da Lei nº 1350, de 13 de setembro de 1866, foi revogado o juízo arbitral.

Em agosto 1986, foi aprovada a Lei n. 31, regulamentando a arbitragem voluntária. No mesmo ano também foi aprovado o Decreto Lei n. 425, através do qual o Governo autorizou a criação e funcionamento de centros arbitrais de forma institucionalizada e permanente.

Todavia, a partir da década de 80 começaram a tramitar três anteprojetos de Lei sobre o assunto no Congresso Nacional, ressaltando a apreensão do legislador nacional com as possíveis consequências da arbitragem no ordenamento jurídico pátrio.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e a expressa previsão de tribunais arbitrais no inciso II do artigo 209. O qual asseverava que a submissão a arbitragem será por liberalidade de vontade, sendo função de tal instituição a cooperação com a administração da Justiça no tangente aos direitos desde que patrimoniais disponíveis.

Seguindo a tendência jurídica positivista, ocorreu a elaboração de legislação específica, passando o instituto da arbitragem a ser regulamentado pela lei 9.307 de 23 de setembro de 1996. Esse instrumento normativo proporcionou às partes a resolução de conflitos por meio de um terceiro desinteressado e imparcial, chamado árbitro e despertou novas perspectivas quanto à liberalidade de contratar e a solução de possíveis conflitos.

Dois anos após a criação da lei da arbitragem, no cenário internacional, o Brasil assume perante os Supremos Tribunais de Justiça Ibero-Americanos o compromisso de modernizar a administração da Justiça. Tal comprometimento elevou a importância dos meios alternativos de resolução de conflitos em nosso ordenamento jurídico.

A Lei de Arbitragem sofreu alterações em 26 de maio de 2015, por meio da Lei nº13.129, a qual ampliou o âmbito da aplicação da arbitragem dispondo sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, bem como a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral.

 

1.2 Família

Historicamente, a família é reconhecida como primeira instituição que surgiu no mundo, formada a partir da organização das primeiras civilizações. Tanto cultural, econômica quanto politicamente a família representava o fortalecimento do Estado em aspecto amplo. Ao longo do tempo houve mudança nessa relevância e a família passou a ter escopo de perpetuação da espécie humana. Desta forma, o casamento culminou na finalidade de procriação apenas.

A evolução do comportamento da sociedade acarreta mudanças no Direito de Família, assim como no Direito Civil como um todo. E durante muito tempo, apenas o casamento era considerado como forma legítima de constituir família. Este entendimento foi pautado em dogmas religiosos, os quais integravam o direito romano e consequentemente, chegaram ao ordenamento jurídico pátrio.

A colocação da mulher no mercado de trabalho, que havia sido potencializada pela Revolução Industrial, provocou inúmeras mudanças no âmbito familiar. Assim, a sociedade, que antes era extremamente patriarcal, teve significativas mudanças, em especial quanto à figura da mulher, que migrou de papel secundário, para primordial no seio familiar.

No Brasil, não havia previsão de qualquer proteção ou direitos para união afetiva que não decorresse do casamento. Sebastião de Assis Neto (2017, p. 1623) afirma que “com a evolução da sociedade, especificamente após as décadas de 70 e 80, o conceito de família foi revisto no Brasil, em particular pela Constituição Federal de 1988”.

Somente em 1977, com a Lei nº 6.515, foi legalizada a possibilidade de dissolução do casamento, algo até então considerado impossível, que se deu por intermédio da regularização do divórcio. E a partir disto, muitas famílias, separadas “de fato” puderam regularizar as suas situações.

Nesse diapasão, as novas situações familiares passaram a ser tuteladas legalmente pelo Estado com o advento da Carta Magna em 1988 e em especial a partir de 2002 com a entrada em vigor do Código Civil, regidas pelos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

Através da Carta Magna o legislador constituinte demonstrou preocupação com este instituto, enaltecendo a família e atribuindo o papel de base da sociedade, disciplinando em seu artigo 226 que: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. (BRASIL, 2019).

Neste novo cenário, portanto, a família em seu núcleo não se sujeita apenas ao grau de parentesco, mas prioriza os laços de afetividade. E por meio deste, duas ou mais pessoas se unem com o intuito de colaboração mútua e auxílio, que não se limita apenas ao interesse material, mas se estende ao campo emocional com base no afeto. Ademais, Caio Mário da Silva leciona que: “Desse modo, importa considerar a família em um conceito amplo, como parentesco, ou seja, o conjunto de pessoas unidas por um vínculo jurídico de natureza familiar, porém esse conjunto não recebe tratamento pacífico e uniforme. A ordem jurídica enfoca-a em razão de seus membros, ou de suas relações recíprocas”. (PEREIRA, 2007, p 21).

Desta forma, houve considerável mudança na função do núcleo familiar que não está limitado a formalidades ou regras morais. Nele, podem coexistir o afeto e a consanguinidade, todavia, não há título de obrigatoriedade para que seja considerada família.

Assis Neto (2017, p.1624-25) afirma que, mesmo diante de tamanhas mudanças e abertura na caracterização da família, devem ser preservadas três características consideradas basilares, são elas: a) a socioafetividade, ou seja, vinculação à afetividade, e não a uma legislação positivada; b) o eudemonismo, qual seja, a sua grande função social da realização pessoal e felicidade dos seus membros; e c) o anaparentalismo, que estende o conceito de família para além dos vínculos técnicos e estabelece que a sua formação está atrelada a união de indivíduos que buscam, por meio da afetividade mútua, a felicidade comum.

Atualmente, fala-se em várias espécies de famílias, reconhecendo-se assim as diferentes formas de núcleos familiares e conceitos, tais quais a família matrimonial, natural, homoafetiva, monoparental, anaparental, pluriparental, de um único indivíduo ou mesmos as famílias plurímas.

Cumpre ressaltar que dentre os princípios aplicados ao direito de família destacam-se a prevalência da Dignidade da Pessoa Humana, da solidariedade familiar, da função social da família, da afetividade, da isonomia conjugal, da dissolubilidade do vínculo, da não intervenção ou liberdade, do livre planejamento familiar, da paternidade responsável, do maior interesse da criança, da igualdade jurídica a todos os filhos, e por fim, o princípio da monogamia.

 

2. Arbitragem como Meio Alternativo de Resolução de Conflitos

Com o advento da Emenda Constitucional 45 de 2004 (EC 45/2004) buscou-se simplificar a sistemática processual existente e ampliar a capacidade de outros mecanismos para a resolução de conflitos. Visto que a eficácia dos institutos jurídicos tradicionais frente ao volume de causas submetidas à apreciação jurisdicional burocratizou a efetividade da prestação estatal no ordenamento jurídico pátrio. Deste modo, reformas legislativas substanciais, a exemplo da Emenda Constitucional 45 de 2004, corroboraram para a plenitude do acesso à justiça e a celeridade processual como garantias fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro.

Vislumbrou-se com a entrada em vigor do Código de Processo Civil (CPC 2015), a efetiva implementação dos meios alternativos de resolução de conflitos, chamados atualmente de meios adequados ou diretos de resolução de conflito, em nosso ordenamento jurídico. Os quais visam proporcionar ao jurisdicionado não apenas solução ao conflito, mas também uma prestação adequada para a demanda, além de desabarrotar o sistema judicial.

Considerando a cultura brasileira ser enraizadamente processualista, a mudança positivada pelo CPC 2015 gerou resistência por parte dos profissionais da área. Visão superada aos poucos e na prática visto as diversas vantagens proporcionadas pelos Meios Alternativos de Resolução de Conflitos como a celeridade na resolução dos litígios e a adesão dos jurisdicionados a tais mecanismos.

Destacam-se dentre os Meios Diretos de Resolução de Conflitos a mediação, conciliação e arbitragem. E nas palavras do professor Rinaldo Mouzolas: “Na conciliação, o terceiro (conciliador) sugere soluções para o litígio, sendo-lhe vedado constranger ou intimidar as partes. Já na mediação, as partes chegam a um acordo por induzimento advindo da intervenção de um terceiro (denominado mediador). Ao contrário do que ocorre na conciliação, não há sugestão de solução para o litígio por parte do mediador. Ele apenas auxilia os interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo reestabelecimento da comunicação, identificar por si mesmos, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos”. (MOUZOLAS, 2017, p.86).

Posto isto, como conceito temos que a arbitragem, objeto do presente estudo, consiste em um sistema especial de julgamento dotada de preceitos, técnicas e princípios informativos especiais e que possui força executória reconhecida juridicamente, por meio do qual, duas ou mais pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, de direito privado ou de direito público, envolvidas em um conflito de interesses, escolhem de comum acordo, através de um contrato, um terceiro competente para solucionar o conflito, vinculando os envolvidos à decisão proferida. (BUZAID apud DUTRA, 2018, p.91).

O Instituto de Mediação e Arbitragem (IMA) traz como conceito de arbitragem como sendo “um sistema opcional, paralelo ao Poder Judiciário, de solução de conflitos, que pode ser pactuada por pessoas capazes, físicas ou jurídicas.” Desta feita, trata-se de um “mecanismo privado e extrajudicial de solução de litígios que, uma vez optado, sua decisão deverá ser cumprida pelas partes, como se judicial fosse”. Como bem apresenta Rinaldo Mouzalas que: “Na arbitragem, regulada pela Lei nº 9.307/1996, a solução do conflito se dá tal qual na jurisdição estatal, pela intervenção de terceiro imparcial. Este, porém, é estranho ao Poder Judiciário. Trata-se da atividade jurisdicional exercida pelo particular, com permissão legal do Estado (art. 3º, §1º do CPC/2015)”. (MOUZOLAS, 2017, p.86).

Já nas palavras de Pinho (2018, p. 824), a arbitragem consiste na busca de “um mecanismo mais ágil e adequado para a solução de conflitos, numa fuga ao formalismo exagerado do processo tradicional e no fato de que o árbitro pode ser uma pessoa especialista na área do litígio apresentado”.

A arbitragem é, portanto, um meio para solução de conflitos escolhido por liberalidade das partes, onde o terceiro (árbitro) responsável pela resolução da controvérsia não possui função jurisdicional, mas autonomia para impor uma decisão por meio de um laudo ou sentença arbitral. Nesse sentido, o professor Carlos Alberto doutrina que: “[...] a competência do árbitro advém de ato das partes interessadas, que no compromisso arbitral não só nomeiam o terceiro de sua confiança que dirimirá o conflito de interesses como também fixam a matéria a respeito da qual incidirá a atividade do julgador”. (CARMONA, 2014, p.2).

 

2.1 Aspectos Gerais da Arbitragem

A arbitragem possui características distintas dos outros meios consensuais de resolução de conflitos, dentre elas destacam-se a liberalidade das partes em aderir ou não a este método, assim como na escolha do árbitro; a celeridade, confidencialidade e economia processual; reconhecimento da sentença como título executivo judicial; e por fim, a limitação de aplicação apenas aos direitos patrimoniais disponíveis.

Quanto à liberalidade, esta não se limita a escolha dos julgadores, mas estende-se aos fundamentos jurídicos balizadores da decisão que será proferida pelo árbitro. Cumpre salientar que as partes poderão optar pela aplicação de lei estrangeira, respeitando-se os bons costumes, a ordem pública e os preceitos internacionais do comércio.

A Lei de Arbitragem está calçada na autonomia da vontade das partes e limitada pela legalidade. Neste sentido Carmona assevera que: “O legislador apostou na liberdade dos contratantes, que podem escolher a lei que querem ver aplicada à solução do litígio bem como podem acolher o procedimento que julgam mais adequado à sua disputa. [...] Isto não quer dizer que o processo arbitral seja descontrolado ou arbitrário (e o art. 21, parágr. 2º da Lei de Arbitragem mostra que existem princípios que não podem ser desrespeitados). Mas é preciso entender que o árbitro, tendo obrigação de fornecer às partes um excelente trabalho, no que diz respeito à solução do litígio que lhe for submetido para decisão, deve ter necessariamente a possibilidade de flexibilizar até mesmo as normas regulamentares escolhidas pelas partes, de tal sorte que o processo e seus cânones não destruam as grandes vantagens clássicas da arbitragem, entre elas a celeridade!” (CARMONA, 2010, p. 15).

Outra característica relevante da arbitragem é a flexibilidade do procedimento arbitral. Visto que as partes podem eleger as regras procedimentais para reger o tal procedimento, a escolha se dará de comum acordo entre os envolvidos e pode se limitar a uma norma específica de determinado ordenamento jurídico, ser pautada em princípios gerais do direito, decisões reiteradas de arbitragem, usos e costumes, sejam eles nacionais ou internacionais.

A arbitragem também respeita a confidencialidade e nela está presente a reserva da publicidade dos atos. Desta forma, ao optar pela arbitragem para dirimir um conflito, as partes interessadas visam um mecanismo mais discreto para a defesa dos seus interesses, visto que no judiciário, em regra, prevalece o princípio da publicidade. Neste sentido, afirma Carlos Alberto Carmona que a publicidade inibe a busca pelo judiciário, em determinados conflitos, vez que confere a revelação a terceiros de acontecimentos ou documentação confidencia. (CARMONA, 1993, p. 72).

No que tange a instituição do procedimento arbitral, o art. 21, caput, da Lei de Arbitragem afirma que: “Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento”. (BRASIL, 2019).

É possível extrair do aludido artigo que a instituição da arbitragem poderá se dar de três maneiras: A primeira, por meio de convenção entre as partes, em respeito ao princípio da autonomia da vontade; a segunda, por meio de regras pré-estabelecidas por instituições; e por último, através da discricionariedade do responsável pelo julgamento, seja o próprio árbitro, seja uma câmara ou tribunal arbitral. Portanto, considera-se a arbitragem efetivamente instituída no momento da aceitação da nomeação pelo árbitro, ou no caso de um tribunal arbitral, da aceitação por todos os julgadores, em decorrência da vontade dos envolvidos no conflito.

Dutra assevera que a atividade jurisdicional decorrente da obrigação gerada na relação jurídico processual se dá por meio da sentença arbitral, visto a pretensão das partes pela tutela jurídica. Neste sentido, Maristela Dutra aduz que: “Assim como no processo civil, na arbitragem, a sentença visa proporcionar a solução do conflito. No caso de conciliação, a qualquer tempo, o árbitro deverá proferir, a pedido das partes, sentença que declare o acordo entre elas. A sentença homologatória do acordo deverá conter os mesmos requisitos do art. 26 da Lei de arbitragem”. (DUTRA, 2018, p. 101)

Desta sorte, auferem-se do art. 26 da Lei de Arbitragem que obrigatoriamente a sentença arbitral deve conter os seguintes requisitos: 1) relatório, com os nomes das partes e um resumo do litígio; 2) os fundamentos da decisão, através dos quais serão analisadas as questões de fato e de direito, com menção expressa da existência ou não de equidade; 3) dispositivo, onde os árbitros apresentarão solução para as questões que lhes forem submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e 4) data e lugar em que foi proferida.

Quanto à recorribilidade da sentença arbitral, o art. 18 da Lei de arbitragem afirma que “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”. Este dispositivo pressupõe que por meio da liberalidade as partes buscam profissional com habilidades específicas para a área do conflito e por esse motivo, a princípio não há óbice para que uma das partes um “duplo grau de jurisdição”.

Infere-se dos arts. 29 e 30 da Lei de Arbitragem, que esta se encerra quando for proferida a sentença arbitral, cumprindo ao árbitro ou o presidente do tribunal arbitral, informar às partes, por meio de cópia da decisão, enviada por qualquer meio de comunicação com comprovação de recebimento, ou mesmo entregando-a diretamente às partes, mediante recibo.

Quando não houver acordo quanto ao prazo, as partes interessadas terão cinco dias, a contar do recebimento da notificação ou da data da ciência pessoal da sentença e mediante comunicação à outra parte para solicitar ao prolator da sentença que corrija qualquer erro material da sentença arbitral; esclareça alguma obscuridade, dúvida ou contradição da sentença arbitral, ou se pronuncie sobre ponto omitido a respeito do qual devia manifestar-se a decisão.

E em seu parágrafo único, o art. 30 assevera que: “O árbitro ou o tribunal arbitral decidirá no prazo de 10 (dez) dias ou em prazo acordado com as partes, aditará a sentença arbitral e notificará as partes na forma do art. 29”.

É importante ressaltar que o Código de Processo Civil vigente prioriza pela harmonização entre as jurisdições estatal e arbitral. De modo que não cabe aos magistrados rediscutir ou adentrar ao mérito de decisões arbitrais, pois tal decisão faz coisa julgada, sendo desconstituída somente caso apresente algum dos vícios do art. 32 da Lei de Arbitragem.

Dinamarco (2013, p. 32) afirma que, em conjunto, a arbitragem relativiza em qualquer grau a agressividade ou beligerância que as partes adotem durante o procedimento arbitral, visto que a manifestação de vontade na adesão de tal procedimento automaticamente as vincula ao dever de boa-fé, lealdade e compromisso recíproco. Desta forma, sendo amenizados os conflitos internos, há uma grande probabilidade de satisfação das partes com a decisão proferida, mitigando as chances de que alguma delas tenha a intenção de recorrer de tal decisão.

De outra sorte, o art. 32 da Lei de Arbitragem apresenta as possibilidades de nulidade da sentença arbitral, que poderá ser declarada quando: for nula a convenção de arbitragem;  emanar de quem não podia ser árbitro; não contiver os requisitos do art. 26 da referida Lei; for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; for proferida fora do prazo, em exceção ao disposto no art. 12, inciso III da Lei; e forem desrespeitados os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.

Nesse diapasão, a parte interessada deverá pleitear a nulidade da sentença arbitral perante o Poder Judiciário competente, que deverá ser proposta no prazo de até noventa dias após o recebimento da notificação da sentença arbitral, como bem assevera o art. 33, da Lei de Arbitragem. Restando configurada a nulidade, o magistrado poderá adotar duas posturas: “a) a simples decretação da nulidade da sentença nas hipóteses em que ela for proveniente de um compromisso arbitral nulo, for proferida por quem não pode ser árbitro, tiver, comprovadamente, sido proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva, tiver sido proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, da Lei de Arbitragem; ou b) diante da verificação das demais hipóteses previstas no art. 32 a determinação para que o árbitro ou o tribunal arbitral profira novo laudo”. (DUTRA, 2018, p. 103).

Cabe ao Judiciário a cooperação para a prática de atos estabelecidos na decisão arbitral. Além disso, “embora caiba ao árbitro dirimir, de forma definitiva, o conflito, foge à sua competência tomar qualquer providência coercitiva, sendo esta reservada ao Poder Judiciário” (MOUZALAS, 2017, p.87).

Nesse sentido, entende o Superior Tribunal de Justiça que o árbitro: “[...]é competente para processar e julgar pedido cautelar formulado pelas partes, limitando-se, porém, ao deferimento da tutela, estando impedido de dar cumprimento às medidas de natureza coercitiva, as quais, havendo resistência da parte em acolher a determinação do(s) árbitro(s), deverão ser executadas pelo Poder Judiciário, a quem se reserva o poder de impérium”. (STJ. REsp 1297974/RJ. DJe 19.06.12).

Destarte, a sentença arbitral, independe de homologação judicial e é considerada para todos os efeitos como Título Executivo Judicial, com prazo de noventa dias, após recebimento da intimação da decisão, para ajuizamento perante o judiciário de ação desconstitutiva (MOUZALAS, 2017, p.89).

Desta forma, quando um litígio onde já tenha sido proferida decisão arbitral é levado ao judiciário, caberá à parte contrária alegar existência de cláusula arbitral. E caso não o faça, na primeira oportunidade de manifestação nos autos ocorrerá preclusão do direito e adesão tácita à jurisdição estatal.

 

2.2 Princípios Norteadores da Arbitragem no Ordenamento Jurídico Pátrio

Depreende-se da Lei de Arbitragem em seu art. 21, §2º que este método de resolução de conflitos respeite os princípios gerias do direito, destacando-se dentre eles: o contraditório, a igualdade entre as partes, a imparcialidade do árbitro e o seu livre convencimento.

A hermenêutica clássica interpreta os princípios como sendo enunciados gerais, ou seja, diretrizes, cuja finalidade é direcionar os operadores do Direito. Neste sentido, Miguel Reale (1991, p. 300) entende princípios como “certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”.

Em outras palavras, o renomado doutrinador, Celso Antonio Bandeira de Mello define que: “O princípio é um mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente para definir a lógica e racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica de lhe dá sentido harmônico”. (MELLO, 2009, p. 882-83).

Desta forma, princípios são o alicerce, a base de um ordenamento jurídico, de modo a estruturar o sistema normativo como um todo, assegurando unidade e harmonização para o sistema no qual estão inseridos, exprimindo valores e conduzindo a atividade do intérprete normativo.

Selma Ferreira Lemes defende que os princípios no que tange ao procedimento arbitral, deve garantir a tutela jurídica efetiva para ser válido e eficaz. E que: “No âmbito dos ordenamentos nacionais esses princípios estão presentes, geralmente, nos Textos Fundamentais. No Concerto das Nações a matéria está prevista em Convenções Internacionais, Declarações e Pactos emanados de Organizações Internacionais que ressaltam os direitos à tutela jurídica e do devido processo legal. Como corolário dos princípios jurídicos fundamentais do procedimento arbitral: (I) da imparcialidade do árbitro, (II) do contraditório e igualdade das partes e (III) o da livre convicção do árbitro”. (LEMES, 1992, p.3)

Assim, tais princípios fazem parte do sistema legal com um todo, e não sendo exclusivos do procedimento arbitral, estão calçados à norma constitucional e integrando o ordenamento jurídico pátrio.

 

2.2.1 Da Imparcialidade

No que tange à aplicabilidade do princípio da imparcialidade no procedimento arbitral, Rinaldo Mouzolas (2017, p.91) assevera que aquele decorre da imparcialidade da jurisdição estatal, bem como: “[...] devendo o órgão respectivo prestar a tutela jurisdicional sem empregar interesse particular para o deslinde da causa. Trata-se de garantia constitucional decorrente do juiz natural. Como forma de assegurar a imparcialidade, o CPC/2015, em seus artigos 144 a 148, disciplina o impedimento e a suspeição dos magistrados, membros do Ministério Público e auxiliares da justiça, bem como a sua forma de alegação no processo”. (MOUZOLAS, 2017, p.91).

Desta forma, o princípio da imparcialidade é um dos requisitos legais exigidos para que o árbitro dirija o processo arbitral, desta forma, este princípio faz parte dos pressupostos de validade do procedimento. Por meio deste princípio exalta-se a igualdade entre os envolvidos no conflito, isentando o julgamento de interesses pessoais e limitando-o aos autos.

E devido a este caráter jurisdicional da tutela prestada pelo árbitro, estes também estão subordinados às causas de impedimento e suspeição, tal qual os juízes togados. Considerando a relevância deste princípio, a Lei de Arbitragem disciplinou em seu artigo 14 e parágrafo primeiro a necessidade de manifestação por parte do árbitro, antes mesmo de aceitar indicação para atuar na causa, quanto à existência de fato que possa macular justificadamente a sua imparcialidade e independência, tal qual segue conforme a Lei de Arbitragem: “Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil. § 1º As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência”. (BRASIL, 2019).

Cumpre ressaltar que a imparcialidade difere da matéria de ordem pública e não integra o princípio do devido processo legal. Desta forma, a violação à imparcialidade do árbitro fere também os princípios do contraditório e da igualdade. Visto que estes são princípios abrangentes e contêm a imparcialidade.

 

2.2.2 Do Contraditório e Igualdade entre as Partes

O princípio do contraditório é equivalente ao princípio da igualdade entre as partes, sendo ambos corolário da máxima constitucional do devido processo legal. Tem previsão no art. 5º, inciso LV, da Carta Magna, e determina que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Por meio dos referidos princípios é assegurado aos envolvidos o direito à produção de provas, razões e ações que serão apresentadas em defesa dos seus direitos, o que se estende por todo o procedimento arbitral para formular o convencimento do árbitro.

Desta forma, o contraditório e igualdade entre as partes asseguram a paridade de tratamento entre os litigantes, possibilitando as partes o direito de manifestação a cerca das provas ou fatos apresentados pela parte contrária.

 

2.3.3 Do livre Convencimento do Árbitro

O princípio do livre convencimento do árbitro atribui ao julgador competência e capacidade para apreciar e valorar os fatos e provas que lhe são expostos pela voluntariedade das partes, para que chegue, através de análise crítica livre, a solução mais plausível e justa para o conflito suscitado, fundamentando e motivando a sua decisão.

            Para tanto, o árbitro desfruta da independência funcional, e possui liberalidade para direcionar o procedimento arbitral da melhor forma que entender desde que respeite o requisito obrigatório, para a prolação da sentença arbitral, da motivação. Por causa da exigência legal da motivação depreende-se que o livre convencimento se distingue da arbitrariedade, sendo assim, não pode o árbitro se desfazer de quaisquer dos elementos apresentados como provas, fatos ou argumentos apresentados pelos envolvidos.

            Acerca da imparcialidade, Francisco José Cahali ressalta que: “"Especificamente com relação à imparcialidade do árbitro e seu livre convencimento, por ser a confiança no julgador o alicerce do juízo arbitral, a falta destes atributos pode levar ao seu impedimento na arbitragem (arts. 13, 14 e 15 da Lei 9.307/1996), que, se mesmo assim com ele se desenvolver, conduz a sentença a vício específico: proferida por “quem não poderia ser árbitro” (art. 32, II, da Lei 9.307/1996); ou seja, com base em dois dispositivos, pode ser buscada a invalidação da decisão proferida sem isenção." (CAHALI, 2012, p. 96).

Todavia, caso o árbitro não tenha formado totalmente o seu convencimento para proferir decisão, poderá determinar a produção das provas que entender plausíveis para apurar a veracidade dos fatos. E em caso de impossibilidade da produção de provas, o árbitro poderá pautar seu julgamento na equidade, sendo imprescindível constar na sentença arbitral, expressamente, a ocorrência desta modalidade, nos termos do artigo 26, inciso II da Lei de Arbitragem, o qual dispõe que: “os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por equidade”.

 

2.3 Convenção de Arbitragem: Cláusula Compromissória e Compromisso Arbitral

A Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) estabelece que a convenção arbitral é o meio pela qual as partes interessadas optam por submeter conflitos que possam ocorrer durante ou posterior à relação ao juízo arbitral. Tal decisão será estabelecida por meio de cláusula compromissória ou compromisso arbitral.

Carmona (2010, p. 73) afirma que a convenção de arbitragem obedece a dois aspectos, sendo considerada como um acordo de vontade entre as partes, vinculando possíveis conflitos ao juízo arbitral, assim como pode ser considerada um pacto processual, que derroga a jurisdição estatal e submete os envolvidos à decisão do árbitro.

Em seu art. 4º a Lei de Arbitragem assevera que: “A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”. Desta forma, a convenção de arbitragem é estabelecida antes do surgimento de qualquer conflito, através da cláusula contratual, denominada “Cláusula Compromissória”, por meio da qual as partes contratantes elegem o mecanismo arbitral para dirimir eventuais controvérsias resultantes daquele contrato.

Destarte, é fundamental para que seja instaurado o procedimento arbitral a existência de prévia convenção entre os envolvidos, estabelecendo a arbitragem como forma de dirimir possíveis conflitos. Neste sentido, Rinaldo Mouzalas que arbitragem será instituída pelas próprias partes por meio da convenção de arbitragem, a qual pode se dar por meio da cláusula compromissória ou compromisso arbitral.

Acerca das principais distinções, Mouzolas doutrina que: “A cláusula compromissória é firmada previamente ao litígio. As partes, em um negócio jurídico, estabelecem que, em surgindo divergências relativas ao próprio negócio, elas serão resolvidas pela arbitragem. O compromisso arbitral, por sua vez, é firmado, pelas partes após o surgimento da controvérsia. Trata-se de um negócio jurídico em que, em uma controvérsia específica, renuncia-se à atividade jurisdicional oferecida pelo Estado, substituindo-a pela arbitragem. O árbitro será capaz e de confiança das partes”. (MOUZALAS, 2017, p. 87).

A Cláusula Compromissória pode ser aberta ou fechada, sendo aquela onde as partes apenas estabelecem que, em caso de existência de conflitos estes serão dirimidos por meio de arbitragem, e esta, onde as partes estabelecem os pormenores, definindo as regras que serão adotadas para a resolução do conflito, estabelecendo inclusive a câmara ou árbitro.

De outra sorte, o compromisso arbitral é definido pelo art. 9º da Lei de Arbitragem, o qual assevera que: “O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.” Desta forma, o compromisso arbitral é estabelecido após a ocorrência de um litígio, tendo como pressuposto um conflito determinado, e por meio do qual as partes conflitantes manifestam o interesse pela solução através da via arbitral.

Cumpre ressaltar que os parágrafos do art. 9º da Lei de Arbitragem estabelecem a celebração do compromisso arbitral por duas maneiras. Quando houver demanda em curso, via judicial, se dará por termo nos autos, perante o juízo ou Tribunal onde esteja sendo processada a demanda, e a segunda quando se tratar de compromisso extrajudicial, o compromisso arbitral se dará por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público.

 

3. Arbitragem Aplicada às Causas de Família

Ao contrário dos outros métodos, a arbitragem possui objeto restrito: causas que envolvam, exclusivamente, direitos patrimoniais disponíveis. A restrição do objeto está prevista no art.1º da Lei 9.307/96, Lei de Arbitragem.

Ocorre que o direito de família, como bem se sabe, é multidisciplinar. Japiassu, (apud, DUTRA, 2017, p. 124) afirma que “as causas de família requerem sensibilidade e conhecimentos específicos para ajuda às famílias, evidenciando um caráter interdisciplinar e multirreferencial, que importará a participação de outros setores do conhecimento para diminuir o conflito de forma mais efetiva e eficaz”.

Ademais, a abordagem interdisciplinar aplicada aos conflitos familiares, em especial, com a participação de profissionais da área jurídica e das ciências da mente permitem que um terceiro imparcial contribua com a solução efetiva do litígio. E por meio desta abordagem, busca-se facilitar o procedimento, mantendo nas relações familiares sua natureza jurídica.

Neste diapasão, a arbitragem se revela como uma solução tangível e executável também para os conflitos familiares, visto que permite as partes alcançar os seus reais interesses e proporciona assim a satisfação efetiva com o resultado alcançado. Visto que a convenção de arbitragem está pautada na liberalidade das partes de contratar, com base no princípio da autonomia privada das partes.

 

3.1 Do cabimento da arbitragem para solucionar as causas de Família

A Lei de Arbitragem determina que a aplicação da jurisdição arbitral esteja adstrita à resolução de conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis. No mesmo sentido, o Código Civil vigente assegura a possibilidade de compromisso para solucionar litígios atinentes às questões familiares, de estado ou que não detenham natureza estritamente patrimonial.

A jurisprudência majoritária não aceita a aplicação da arbitragem, sendo o posicionamento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: “Em conformidade com o disposto no art. 1º da Lei 9.307/96, a arbitragem pode ser utilizada exclusivamente para resolver litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, de forma que resta afastada, regra geral, sua aplicação sem relação às lides envolvendo Direito de Família”. (TJ/SC, Apelação Cível AC 2015.068323-3, Balneário Camboriú, quinta Câmara de Direito Cível, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, julgado em 21/03/2016, DJSC 8/4/2016, p.233).

No cenário nacional e internacional, a arbitragem é vista como um excelente mecanismo para solucionar conflitos, em especial os de natureza comercial, e apresenta resultados satisfatórios, vez que preserva o interesse dos envolvidos. Visto a efetividade dos resultados alcançados, a doutrina vem apresentando entendimentos favoráveis à aplicação do instituto da arbitragem em outras áreas de conflitos, como é o caso do Direito de Família.

Atualmente, a legislação permite a realização via extrajudicial do divórcio, dissolução de união estável e partilha de bens, desde que não esteja envolvido interesse de incapaz. Ao passo que o Direito de Família evolui em nosso ordenamento jurídico, abre espaço para uma interpretação finalística. E desta forma, a limitação da arbitragem a questões que envolvam direitos patrimoniais disponíveis, torna-se ultrapassada, devendo se adequar a nova realidade do direito de família brasileiro.

Em respeito aos requisitos legais de arbitrabilidade, subjetivos e objetivos, quais sejam a capacidade para ser parte e a matéria a ser discutida, Carlos Ferreira de Almeida afirma que: “[...] a exclusão global da arbitrabilidade de litígios relativos a direitos de personalidade, de família, sucessórios ou ao contrato de arrendamento não tem fundamento legal nem político, porque em todos esses institutos, há matérias susceptíeis e matérias insusceptíveis de decisão arbitral”. (ALMEIDA, 2007, p. 86).

Entende Carmona (2006, p.56), que no direito de família não há disponibilidade quanto à determinação parentesco, mas esta prevalece quanto aos reflexos relativos à esfera patrimonial, em busca da forma mais adequada para o cumprimento das prestações.

José Cahali (2017, p. 139), leciona que atualmente “busca-se espaço para a arbitragem social, ou democrática, não mais voltada a conflitos internacionais ou envolvendo grades demandas, mas beneficiando um número muito maior de interessados”.

No mesmo sentido, Edoardo Flavio Ricci (2004, p. 131), ensina que a utilização da jurisdição arbitral no que tange o direito de família deve ser analisada sob duas perspectivas distintas: a) preservar a liberdade de escolha pela jurisdição mais adequada ao caso concreto, sendo de natureza processual; e b) o direito de dispor do objeto da lide, natureza material.

Nesse diapasão, Ricci ensina que: “[...] vez que interessa à estrutura do Estado, a liberdade de escolher o juiz privado encerra relevância constitucional. Já a disponibilidade de relações jurídicas materiais somente tem relevância constitucional excepcionalmente, nos casos em que são disciplinados direitos fundamentais. No âmbito do direito constitucional, a liberdade de escolher o juiz privado deve ser considerada em si mesma como especificações do princípio de liberdade”. (Ricci, 2004, p.131).

Desta forma, a aplicação da arbitragem, nas causas de família, torna-se vantajosa quando comparada à demanda judiciária, vez que traduz-se em um método célere, sigiloso e econômico. Sendo mais uma possibilidade de solução de conflitos, fomentada por meio do Código de Processo Civil de 2015 e que permite aos envolvidos a possibilidade de alcançar a solução mais adequada ao caso através dos meios alternativos de resolução de conflitos.

 

Considerações finais

Diante da pesquisa realizada pode-se concluir que a doutrina diverge acerca da aplicabilidade da arbitragem nos conflitos familiares. Os tribunais brasileiros seguem um entendimento desfavorável, ao passo que alguns doutrinadores modernos entendem ser possível a utilização da arbitragem nestes tipos de conflitos, inclusive quando se tratar de direitos indisponíveis.

A arbitragem, instituto tão antigo quanto a própria sociedade, em nosso ordenamento jurídico é regulada pela Lei nº 9.307 de 23 de setembro de 1996, a qual estabelece os requisitos necessários para a sua aplicação. Tem como pilar os princípios do contraditório, a igualdade entre as partes, a imparcialidade do árbitro e o seu livre convencimento.

Deve ser contratada por meio de convenção de arbitral, a qual se dá tanto por meio de cláusula compromissória, quanto por compromisso arbitral, pautada na liberalidade de contratar das partes. Ademais, a sentença arbitral independe de homologação judicial e constitui Título Executivo Judicial.

Ao passo que o direito de família evoluiu ao longo dos anos, a família, que é a instituição mais antiga do mundo teve seu status de base da sociedade positivado constitucionalmente.

As várias espécies de família, em face de sua função social, resguardam a prevalência da Dignidade da Pessoa Humana, dentre outros princípios. Neste sentido, em proteção aos anseios das pessoas integrantes dessa entidade fundamental e de sua autonomia, o Estado busca por meio da conciliação e mediação a solução mais adequada ao caso concreto.

Ocorre que a arbitragem, como via extrajudicial de resolução de conflitos, torna-se um mecanismo viável na solução dos litígios de família. Isto se dá pelo fato de que como alternativa, a arbitragem pode oferecer aos envolvidos a liberalidade de construírem o cenário adequado para a resolução do seu conflito de forma pertinente às particularidades das suas necessidades.

Assim, a problemática e as hipóteses, tal qual o objetivo da pesquisa foram respondidos visto que, apesar dos entendimentos diversos sobre o tema, a lei da Arbitragem foi clara no momento em que apresentou em seu artigo 1º que as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Desta forma, em respeito aos princípios constitucionais aplicados aos meios extrajudiciais de conflitos, tal qual a autonomia das partes de contratar e optar pela forma mais adequada para a resolução do litígio que venham a enfrentar, depreende-se que a legislação infraconstitucional buscou limitar à aplicabilidade da arbitragem apenas as causas de direito material disponível.

Neste sentido, a arbitragem mantém a busca pela finalidade da prestação jurisdicional, seja ela estatal ou não, que é a resolução do conflito apresentado. E apesar da jurisdição arbitral como instrumento de resolução de litígios ser mais onerosa às partes, proporciona aos envolvidos uma resolução mais célere do que a oferecida pelo poder judiciário, vez que resguarda os princípios da celeridade e efetividade na tutela a ser prestada.

Por fim, a pesquisa trouxe a visão de que o posicionamento da doutrina quanto à aplicabilidade da arbitragem nas causas de família, assim como o próprio direito de família, vem passando por mudanças gradativas. E apesar do protecionismo estatal quanto aos direitos dos indivíduos, sejam eles disponíveis ou indisponíveis, os meios alternativos de resolução de conflitos vêm ganhando espaço no ordenamento jurídico atual e através de tais mudanças os tutelados passam a gozar da efetiva liberalidade concedida pelo Estado Democrático de Direito.

 

REFERÊNCIAS

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Data da conclusão/última revisão: 1/11/2019

 

Como citar o texto:

FELIX, Aline Kelly da Silva Bosi..Aplicabilidade da arbitragem nas causas de família. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1670. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/4639/aplicabilidade-arbitragem-nas-causas-familia. Acesso em 29 nov. 2019.

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