SUMÁRIO: 10. DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO ESTADO – 10.1 CONCEITO DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO – 10.2 REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA CF ENTRE OS COMPONENTES DA DEFERAÇÃO – 10.2.1 Da competência privativa da união – 10.2.2 Da competência material comum, cumulativa ou paralela – 10.2.3 Da competência legislativa – 10.2.4. Da competência legislativa exclusiva da união – 10.2.5 Da competência concorrente com estados-membros e distrito federal – 10.2.6 Da legislação concorrente da união sobre as matérias indicadas supra se limitará a estabelecer normas gerais – 10.3 COMPETÊNCIAS-LEGISLATIVAS E NÃO LEGISLATIVAS – 10.4 HIPÓTESES DE INTERVENÇÃO FEDERAL – 10.4.1. Da decretação da intervenção – 10.4.1 – Da manifestação do congresso – 10.5 AUTONOMIA DOS ESTADOS-MEMBROS – 10.6 COMPETÊNCIA ESTADUAL; DO DISTRITO FEDERAL E DOS MUNICÍPIOS – 10.6.1 – Do estado-membro – 10.6.2 Do distrito federal – 10.6.3 Dos municípios – 10.7 PERGUNTAS E RESPOSTAS.11. DAS POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÕES – 11.1 DA INTERVENÇÃO ESTADUAL – 11.2 DA INTERVENÇÃO NO DISTRITO FEDERAL – 11.2.1 Da autonomia do distrito federal – 11.2.2 Da competência – 11.2.3 Do governo no distrito federal – 11.3 DA INTERVENÇÃO NO MUNICÍPIO – 11.3.1 Da autonomia municipal – 11.3.2 Da competência – 11.3.2.1 Da competência exclusiva – 11.3.3 Do governo – 11.3.4 Da lei orgânica municipal – 11.4 PERGUNTAS E RESPOSTAS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

10. DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO ESTADO

10.1 Conceito de competência da união

           A união é pessoa jurídica de capacidade política e só cogitável em Estado do tipo federal. É fruto da união de estados. Da aliança destes, sob o império de uma única Constituição, nasce a união. Sem união de estados, não há união. Sem a reunião de várias ordens jurídicas parciais não desponta a ordem jurídica central e todas – a central e as parciais – debaixo da ordem jurídica total – a Constituição.[1]

10.2 Repartição de competências na CF entre os componentes da Federação

Existem competências exclusivas, conferidas a um dos entes federativos – união, estados-membros, distrito federal, municípios.

Existem competências concorrentes, conferidas em comum a diversos entes federativos. Entre estas competências concorrentes há que levar em conta que algumas delas só permitem da parte dos estados-membros, ou do distrito federal, uma legislação complementar – então o ente federativo tem competência complementar à federal. Permitem que estes entes federativos supram a competência federal não exercida – caso de competência supletiva.

Já a competência complementar tem de ser exercida dentro do respeito às normas federais, e o ato editado com base na competência supletiva perde eficácia quando a união exercer a sua competência na matéria. Aplica-se o princípio de que a lei federal prevalece sobre o direito estadual.

A Constituição defere competências exclusivas à união – arts. 21 e 22 – abrindo a possibilidade aos estados-membros de legislar sobre questões específicas das matérias – art. 22 – mediante autorização por lei complementar.

Ainda defere competências exclusivas aos municípios – art. 30 – deixando aos estados, com exclusividade também, tudo o que não tiver sido deferido à união e aos municípios – art. 25, §.1.º.

A CF amplia as competências concorrentes, atribuindo poder de dispor sobre certas matérias à união, aos estados-membros e ao distrito federal – art. 24.

Portanto Ela estabelece a repartição vertical, dando à união o poder de fixar normas gerais, cabendo aos estados a legislação complementar, sem excluir, todavia, a legislação supletiva. Esclarece o texto que a inexistência de lei federal confere competência plena aos estados, e, quando de sua superveniência, a lei estadual perderá eficácia naquilo que lhe for contrário – art. 24, §§ 1.º, 2.º, 3.º e  4.º .

Assim, se a união desce a pormenores ou particularidades, estará infringindo a competência estadual e, portanto, incidindo em inconstitucionalidade.

O caput do art. 24 menciona o Distrito Federal, conferindo-lhe competência concorrente. Todavia, ao mencionar competência suplementar – i.e., complementar – § 2.º –  e competência plena dos estados na omissão do legislador federal – § 3.º – o constituinte deixou de mencionar o distrito federal. O melhor entendimento é o de equiparar o distrito federal aos estados-membros.

A CF com vigor prevê competências comuns à união, aos estados-membros, ao distrito federal e aos municípios – elencadas no art. 23.

Trata-se de matérias de conteúdo administrativo, consideradas a tal ponto relevantes que passaram a exigir a cooperação comum dos diversos entes federativos, na sua defesa. Essa cooperação deverá ser regulada em lei complementar, visando – art. 23, § único, ao equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.[2]

10.2.1 Da competência privativa da união – art. 21

           Na teoria do federalismo costuma-se dizer que a repartição de poderes autônomos constitui o núcleo do conceito do estado federal.

           As áreas de competência da união podem ser organizadas em:

·       de competência internacional: a) manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais; b) declarar guerra e celebrar a paz; c) assegurar a defesa nacional; d) permitir – nos casos previstos em lei – que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente.[3]

·       de competência política: a) poder de decretar estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal nos estados e municípios; b) o poder de conceder anistia; c) o poder de legislar sobre direito eleitoral.[4]

·       de competência administrativa: a) autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico; b) administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza financeira – as de crédito, de câmbio, de capitalização, de seguros e de previdência privada; c) organizar e manter o poder judiciário, o ministério público e a defensoria pública do distrito federal; d) organizar e manter a policia federal, a policia rodoviária e a ferroviária federais – assim como as policias civil, militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal; e) organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional; f) exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões publicas e de programas de radio e televisão; g) planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações; h) instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso; i) organizar, manter e executara inspeção do trabalho. Além disso, fazem parte de sua competência todas as funções administrativas decorrentes de sua organização, tais como as relativas a seu funcionalismo, seus serviços e órgãos.

·       da competência na área de prestação de serviços: além da exploração e execução de serviços públicos decorrentes de sua natureza de entidade estatal, a CF conferiu à união – em caráter exclusivo – a) manter o serviço postal e o correio aéreo nacional; b) explorar, diretamente ou mediante concessão as empresas sob controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações, assegurada a prestação de serviços de informação por entidades de direito privado através da rede pública de telecomunicações; c) explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: 1) de serviços de radiodifusão sonora, de sons e imagens e demais serviços de telecomunicações; 2) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os estados-membros onde se situam os potenciais hidroenergéticos; 3) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; 4) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou território; 5) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; 6) os portos marítimos, fluviais e lacustres; e é da união a competência de  explorar os serviços de instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios: 1) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do congresso nacional; 2) sob regime de concessão ou permissão, é autorizada a utilização de radioisótopos para pesquisa e usos medicinais, agrícolas, industriais e atividades análogas; 3) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa.

·       da competência em matéria urbanística: a) elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território; b) instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; c) estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação. Além disso, encontramos a competência não exclusiva para proteger obras e bens de valor histórico e cultural – de natureza urbanística e se imóveis; paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos, bem como o meio ambiente, e combater a poluição – arts. 215, 216 e 225. Cabe a competência concorrente com os estados-membros e distrito federal, para legislar sobre direito urbanístico.

·       de competência econômica: a) planejar o desenvolvimento econômico; b) estabelecer áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa; c) intervir – sem exclusividade – no domínio econômico, explorar – sem exclusividade – atividade econômica e reprimir abusos do poder econômico; d) explorar direta ou indiretamente a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica; e) o monopólio da pesquisa, lavra e refinação de petróleo, assim como o da importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes daquelas atividades monopolizadas; f) o monopólio da pesquisa e lavra de gás natural e outros hidrocarbonetos; g) o monopólio do transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de deriva- dos básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; h) o monopólio da pesquisa, lavra, enriquecimento, reprocessamento, industrialização e comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados; i) a desapropriação por interesse social de imóvel rural para fins de reforma agrária – arts. 84/86; j) planejar e executar, na forma da lei, a política agrícola; k) legislar – sem exclusividade – sobre produção e consumo.

·       da competência social: a) elaborar e executar planos nacionais e regionais de desenvolvimento social; b) planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações; c) organizar a seguridade social; d) estabelecer políticas sociais e econômicas visando a proteger e recuperar a saúde do povo; e) regulamentar, fiscalizar e controlar as ações e serviços de saúde; O estabelecer o sistema único de saúde; g) estabelecer e executar planos de previdência social; h) manter serviços de assistência social aos necessitados; i) estabelecer, por lei, o plano nacional de educação; j) enfim, legislar sobre direito social em suas várias manifestações.

·       da competência financeira e monetária: Cabe à união legislar sobre normas gerais de direito tributário e financeiro e sobre orçamento – restando aos estados-membros, distrito federal e municípios a legislação infraconstitucional – a) emitir moeda e legislar sobre sistema monetário; b) administrar reservas cambiais e fiscalizar as operações de natureza financeira, de crédito, câmbio e capitalização; c) instituir os tributos – previstos arts. 45, 153 e 154; d) estabelecer plano plurianual, diretrizes orçamentárias e orçamentos anuais.

10.2.2 Da competência material comum, cumulativa ou paralela – art. 23

Muitos dos assuntos do setor social não são de competência exclusiva. A CF abriu a possibilidade de estados-membros, distrito federal e municípios compartilharem com ela da prestação de serviços nessas matérias, onde arrolam temas de competência comum como: a) zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público: b) cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas Portadoras de deficiência; c) proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; d) impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; e) proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; f)proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; g) preservar as florestas, a fauna e a flora; h) fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar; i) promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; j) combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos; k) registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios; l) estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.

10.2.3 Da competência legislativa

Toda a matéria de competência da união é suscetível de regulamentação mediante lei – exceto o disposto nos arts. 49, 51 e 52 – conforme dispõe o art. 48, CF.

Os arts. 22 e 24 especificam seu campo de competência legislativa, que consideraremos em dois grupos: a exclusiva e a concorrente.

10.2.4 Da competência legislativa exclusiva da união

·         Direito administrativo: a) desapropriação; b) requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra; c) água, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão; d) serviço postal; e) sistema monetário (administrativo-monetário) e de medidas, títulos e garantias dos metais; f) política de crédito, câmbio, seguros e transferências de valores (administrativo-monetário); g) diretrizes da política nacional de transportes (administrativo-urbanístico); h) jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia (administrativo-minerário); i) regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial; j) trânsito e transporte; k) emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros; l) organização do sistema nacional de emprego (administrativo-social); m) organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bem como a organização administrativa destes; n) sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia nacionais; o) sistemas de poupança, captação de recursos e garantia da poupança popular (administrativo-monetário); p) sistema de consórcios e sorteios (administrativo-monetário); q) competência da polícia federal e das polícias rodoviária e ferroviária federal; r) registros públicos; s) atividades nucleares de qualquer natureza; t) defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização nacional.

·         Direito material não administrativo: civil, comercial – incluindo comércio exterior e interestadual, e propaganda comercial – , penal, político-eleitoral, incluindo nacionalidade, cidadania e naturalização, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; populações indígenas; condições para o exercício de profissões; seguridade social.

·         Direito processual: civil, penal, trabalhista etc;

10.2.5 Da competência concorrente com estados-membros e do distrito federal – art. 24, I à XVI

  • Direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
  • orçamento;
  • juntas comerciais;
  • custas dos serviços forenses;
  • produção e consumo;
  • florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
  • proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
  • responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
  • educação, cultura, ensino e desporto;
  • criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;
  • procedimento em matéria processual;
  • previdência social, proteção e defesa da saúde;
  • assistência jurídica e defensoria pública;
  • proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;
  • proteção à infância e à juventude;
  • organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.

10.2.6 Da legislação concorrente da união sobre as matérias indicadas supra se limitará a estabelecer normas gerais

A CF foi redundante, pois no exemplo, no art. 22, XXIV, dá como privativo da união legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, enquanto, no art. 24, IX, combinado com o § 1.º, declara caber-lhe legislar sobre normas gerais de educação. Não há nisso incoerência, como pode parecer. Legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional e sobre normas gerais de educação somam, no fundo, a mesma coisa. A tradição arrastou os educadores da constituinte a manter a regra que vem de 1946, que dava competência à união para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, mas também não poderiam deixar de incluir na competência comum legislar sobre educação, situação em que a união só tem poderes para fixar normas gerais. Tudo somado, dá na mesma, com um dispositivo a mais sem necessidade.

A CF foi omissa, quando deu à união competência privativa para legislar sobre normas gerais: a) de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpo de bombeiros; [5]  b) de licitação, e contratação, em todas as modalidades, para a Administração pública, direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público, nas diversas esferas de governo, e empresas sob seu controle. [6]  No entanto, não inseriu a matéria no art. 24, para indicar que estados-membros podem legislar também sobre essas matérias – como à polícia civil. Não é, porém, por que não consta na competência comum que estados-membros e distrito federal – este não sobre polícia militar, que não é dele – não podem legislar suplementarmente sobre esses assuntos. Podem e é de sua competência fazê-lo, pois que, nos termos do § 2.º do art. 24, a competência da união para legislar sobre normas gerais não exclui (na verdade até pressupõe) a competência suplementar dos estados-membros – e também do Distrito Federal – e isso abrange não apenas as normas gerais referidas no § 1.º desse mesmo artigo no tocante à matéria neste relacionada, mas também as normas gerais indicadas em outros dispositivos constitucionais, porque justamente a característica da legislação principiológica – normas gerais, diretrizes, bases – na repartição de competências federativas, consiste em sua correlação com competência suplementar – complementar e supletiva – dos estados-membros.

Tanto isso é uma técnica de repartição de competência federativa que os §§ 3.º e 4.º complementam sua normatividade, estabelecendo, em primei- ro lugar, que, inexistindo lei federal sobre normas gerais, os estados-membros exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades, e, em segundo lugar, que a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. Note-se bem, o constituinte foi técnico: a lei federal superveniente não revoga a lei estadual nem a derroga no aspecto contraditório, esta apenas perde sua aplicabilidade, porque fica com sua eficácia suspensa. Quer dizer, também, sendo revogada a lei federal pura e simplesmente, a lei estadual recobra sua eficácia e passa outra vez a incidir.

A Constituição não situou os municípios na área de competência concorrente do art. 24, mas lhes outorgou competência para suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, o que vale possibilitar-lhes disporem especialmente sobre as matérias ali arrola- das e aquelas a respeito das quais se reconheceu à união apenas a normatividade geral.

10.3 CompetÊncias-legislativas e não legislativas

           A competência concorrente ou suplementar – art. 24 e incisos – estabelece a competência da união em direcionar somente às normas gerais – sendo inconstitucional aquilo que extrapolar – e aos estados-membros e o Distrito Federal promover às normas específicas – com detalhes e minúcias – particularizando a norma geral, no sentido de adaptação de princípios, bases, diretrizes a peculiaridades regionais.

A CF adotou a competência concorrente ou competência suplementar – não cumulativa ou vertical – de forma que a competência da união está restrita ao estabelecimento de normas gerais e aos estados-membros e o distrito federal o dever de especificá-las – por meio de suas respectivas leis.

A competência pode ser: cumulativa: sempre que existirem limites prévios para o exercício da competência por parte de um ente – seja a união ou seja o estado-membro; e não cumulativa ou repartição vertical: é aquela que, dentro de um mesmo campo de mútua atuação, a união fixa os princípios e as normas gerais, deixando ao estado-membro a sua complementação.

A competência suplementar pode ser: complementar: é aquela que depende de prévia existência de lei federal a ser especificada pelos estados-membros e distrito federal; e supletiva: que aparece pela inércia da união em editar e lei federal, e então os estados-membros e o distrito federal – temporariamente, pois a união, pode alegar a qualquer momento a superveniência de lei federal sobre normas gerais, suspendendo a eficácia da lei estadual – adquirem competência plena tanto para a edição das normas de caráter geral, quanto de normas específicas.[7]

10.4 HIPÓTESES DE Intervenção federal[8]

           Como ordem de unificação, o ordenamento federal não pode dispensar um mecanismo destinado a salvaguardar o todo contra a desagregação. Esse instrumento é a intervenção federal.

Esta consiste em assumir a união, por delegado seu, temporária e excepcionalmente, o desempenho de competência pertencente a um estado-membro. É uma invasão da esfera de competências pertencente e reservada aos estados-membros para assegurar o grau de unidade e de uniformidade indispensável à sobrevivência da federação. Note-se que a união só pode intervir nos estados-membros. Nos municípios, eventualmente são os estados-membros que podem intervir.

A intervenção, por ser contrária à autonomia dos estados-membros, só pode fundar-se em fato de gravidade indisfarçável. Assim, o constituinte cuidou de estabelecer o elenco taxativo dos problemas que são suficientemente perigosos para o todo, a ponto de ensejar essa intervenção.

De modo geral, a intervenção cabe:

  • para assegurar a unidade nacional – art. 34, II e II;
  • manter a ordem, isto é, a ordem constitucional – art. 34, VII;
  • a ordem pública – art. 34, III e IV;
  • a ordem jurídica – art. 34, VI;
  • assim como disciplinar as finanças estaduais – art. 34, V.

10.4.1 Da decretação da intervenção

A competência para decretar a intervenção pertence ao presidente da república.[9] 

Essa competência do presidente é de natureza diversa conforme a hipótese que a fundamenta, pois ela é vinculada, cabendo ao presidente a mera formalização de uma decisão tomada por órgão judiciário, sempre que a intervenção se destinar a "prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judiciária" [10] ou a "assegurar o livre exercício" do judiciário estadual.[11]  Nestas hipóteses a decisão sobre a intervenção cabe ao Supremo Tribunal Federal, ao Superior Tribunal de Justiça, ou ao Tribunal Superior Eleitoral, mediante requisição.[12]  No caso de inexecução de lei federal, a Lei Magna condiciona a intervenção ao provimento de representação do procurador-geral da república, que, ocorrendo, dá ensejo à mencionada requisição.[13]

            Nas hipóteses de ameaça à integridade nacional, invasão estrangeira, ou de estado-membro em perturbação grave da ordem, coação do legislativo ou executivo estaduais e reorganização financeira do estado-membro,[14] a decisão é discricionária. Tem ele a faculdade de decretar a intervenção se a situação, a seu juízo, o exigir.

Não resta dúvida, porém, que, devendo ele zelar pela salvaguarda da ordem constitucional, tem ele a obrigação de fazê-lo sempre que necessário, sob pena de incidir em crime de responsabilidade.

A intervenção para assegurar o livre exercício do legislativo ou executivo estadual coagido depende de solicitação dele.[15] Essa solicitação, no entanto, não poderá revestir-se de formas especiais ou obedecer a um rito minucioso, pois a coação normalmente vedaria. Então., basta que o poder coato faça sentir sua vontade para caber a decretação.

Mais complicada é a decretação com base na violação dos princípios constitucionais da união.[16] A intervenção é ainda aí decretada pelo presidente. Todavia, ela somente cabe depois que o Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade do ato impugnado, por provocação do procurador-geral da república.[17] Não será ela, entretanto, decretada se a suspensão do ato inconstitucional bastar para restabelecer a normalidade no estado-membro.[18]

10.4.2 Da manifestação do congresso

A intervenção federal, salvo quando é fruto de requisição judiciária, deve ser aprovada pelo congresso – art. 49, IV –, que deverá ser convocado para tanto, se não estiver reunido, cuja decisão não é então suscetível de veto – art. 57, § 6.º, I. A recusa de aprovação equivale à suspensão da medida; seus efeitos, pois, são ex nunc e não ex tunc.

Cessada a intervenção, as autoridades estaduais eventualmente substituídas devem voltar ao exercício de suas funções – art. 36, § 4.º –, salvo se outro impedimento existir.

10.5 AUTONOMIA DOS Estados-membros

           A autonomia dos estados-membros caracteriza-se pela denominada tríplice capacidade:

·         de auto-organização e normatização própria;

·         autogoverno;

·         auto-administração;

Obs.: Está implícito a existência de um mínimo de recursos financeiros, obtidos diretamente pela sua própria competência tributaria.

Consiste na possibilidade dos estados-membros se auto-organizarem por meio do exercício de seu poder constituinte derivado-decorrente – editando suas respectivas Constituições Estaduais-CE – sempre respeitando os princípios constitucionais;

·         sensíveis: sua inobservância no exercício das competências legislativas, administrativas ou tributárias pode acarretar a sanção politicamente mais grave – intervenção na autonomia política – art. 34, VII – forma republicana, sistema representativo e regime democrático; direitos da pessoa humana; autonomia municipal; prestação de contas da administração pública – direta e indireta; aplicação do mínimo exigido da receita de impostos estaduais – proveniente de receitas de transferência – na manutenção e desenvolvimento do ensino.

·         extensíveis: são as normas centrais comuns à união, estados-membros, distrito federal e municípios, de observância obrigatória no poder de organização do Estado.

·         estabelecidos: determinadas normas que se encontram espalhadas pelo texto da Constituição, que além de organizarem a própria federação, estabelecem preceitos centrais de observância obrigatória aos estados-membros em sua auto-organização – arts. 1.º, I a V; 2.º, 3.º, I a IV; 4.º I a X; 5.º, I, II, III, VI, VIII, IX, XI, XII, XX, XXII, XXIII, XXXVI, LIV e LVII, etc.

10.6 Competência estadual; do distrito federal e dos municípios [19]

10.6.1 Do estado-membro

  • competência reservada ou remanescente – art. 25, § 1.º;[20]
  • competência material exclusiva enumerada ou expressa – art. 25, § 2.º;
  • competência material comum, paralela ou cumulativa – art. 24;
  • competência legislativa concorrente – art. 23;
  • competência legislativa suplementar – art. 24, §§;
  • competência tributária enumerada ou expressa – art. 155.

10.6.2 Do distrito federal

  • competências reservadas ou remanescentes dos estados e municípios – art. 32, § 1.º;
  • competência material comum, cumulativa ou paralela – art. 23;
  • competência legislativa concorrente – art. 24;
  • competência tributária expressa ou enumerada – art. 155.

10.6.3 Dos municípios

  • competência enumerada ou expressa – art.30;
  • competência material comum, cumulativa ou paralela – art. 23;
  • competência tributária enumerada ou expressa – art. 156.

10.7 PERGUNTAS E RESPOSTAS

1. Em que consiste a capacidade de auto-organização dos estados-membros?

           A autonomia dos estados-membros caracteriza-se pela denominada tríplice capacidade:

·         de auto-organização e normatização própria;

·         autogoverno;

·         auto-administração;

Obs.: Está implícito a existência de um mínimo de recursos financeiros, obtidos diretamente pela sua própria competência tributaria.

Consiste na possibilidade dos estados-membros se auto-organizarem por meio do exercício de seu poder constituinte derivado-decorrente – editando suas respectivas Constituições Estaduais- CE – sempre respeitando os princípios constitucionais;

·         sensíveis: sua inobservância no exercício das competências legislativas, administrativas ou tributárias pode acarretar a sanção politicamente mais grave – intervenção na autonomia política – art. 34, VII – forma republicana, sistema representativo e regime democrático; direitos da pessoa humana; autonomia municipal; prestação de contas da administração pública – direta e indireta; aplicação do mínimo exigido da receita de impostos estaduais – proveniente de receitas de transferência – na manutenção e desenvolvimento do ensino.

·         extensíveis: são as normas centrais comuns à união, estados-membros, distrito federal e municípios, de observância obrigatória no poder de organização do Estado.

·         estabelecidos: determinadas normas que se encontram espalhadas pelo texto da Constituição, que além de organizarem a própria federação, estabelecem preceitos centrais de observância obrigatória aos estados-membros em sua auto-organização – arts. 1.º, I a V; 2.º, 3.º, I a IV; 4.º I a X; 5.º, I, II, III, VI, VIII, IX, XI, XII, XX, XXII, XXIII, XXXVI, LIV e LVII, etc.

2. Os deputados estaduais gozam de imunidade processual?

            Sim estando elencados na CF, art. 53, §§ 1.º ao 8.º e devem decorrer da necessidade de se assegurar ampla liberdade de ação ao parlamentar para o exercício do mandato – exceções ao regime comum, decorrentes não de seu interesse pessoal, pois se assim fosse seriam privilégios – mas do interesse público no bom exercício do mandato. Abaixo mencionamos algumas dessas prerrogativas parlamentares:

  • a inviolabilidade:[21] a inviolabilidade significa que o parlamentar não pode ser responsabilizado civil e penalmente por suas opiniões, palavras e votos, no exercício do mandato.
  • não poderá ser preso:[22] o parlamentar – desde a expedição do diploma – salvo em flagrante de crime inafiançável.  Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.
  • exclusão do parlamentar da obrigatoriedade de testemunhar sobre informações que obtenha inerentes ao exercício da função, bem como de não revelar sua fonte.[23]
  • a imunidade à incorporação às Forças Armadas.[24] Só mediante licença da câmara, inclusive em tempo de guerra, pode o parlamentar ser incorporado às Forças Armadas. Esta imunidade acompanha o membro do congresso durante todo o mandato. Sua inserção visa a impedir a convocação nas férias para serviço ativo parlamentar oposicionista, a fim de que este ""aprendesse disciplina" – feito histórico do Mal. Floriano.
  • as imunidades dos parlamentares não poderão ser suspensas durante a vigência do estado de sitio, exceto por decisão de dois terços dos membros da respectiva casa, restrita aos atos praticados fora do recinto do congresso, quando incompatíveis com aquele estado.[25]    

11. ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO ESTADO – PARTE 2

11.1 DA INTERVENÇAO ESTADUAL

A intervenção, a interferência do estado-membro nos negócios municipais está prevista na CF, art. 35 e sujeita os municípios – como entidades federativas dotadas de autonomia – à intervenção nos casos previstos em lei, autorizada quando o município:

·         deixar de pagar – sem motivo de força maior – por dois anos consecutivos, a dívida fundada;

·         não prestar contas devidas, na forma da lei – arts. 30, III e 31;

·         não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção do ensino – 25% da receita dos impostos – e nas ações e serviços públicos de saúde – EC n.º 29;

·         o TJ der provimento à representação para assegurar a observância de princípios constitucionais indicados na CE, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial, cuja iniciativa cabe ao procurador-geral de justiça.

O processo interventivo deve estar previsto na Constituição de cada estado-membro – prerrogativa que o constituinte estadual dispõe da forma que melhor entender – mas não poderá deixar de submeter o ato veiculador da intervenção à assembléia legislativa, pois é essa a casa onde estão os representantes do povo do estado-membro e sempre em obedecendo o princípio da representação popular.

            A intervenção se dá por decreto do governador do estado, que será submetido à assembléia legislativa no prazo de 24 horas para aprovação ou suspensão.

            A CE, art. 149, § 3.º [26] que, no caso do inciso IV [27] prevê que a intervenção poderá ser normativa e assim dispensa a apreciação pela assembléia

 

Como citar o texto:

FRANCO, Wanildo José Nobre..Da organização político-administrativa do estado: das possibilidades de intervenções. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 159. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/973/da-organizacao-politico-administrativa-estado-possibilidades-intervencoes. Acesso em 4 jan. 2006.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.