Uma idéia de “nova eleição” por força de um hipotético predomínio dos votos nulos sobre os válidos como forma de protesto dos eleitores tem sido noticiada. Os adeptos desta duvidosa solução para as anomalias e mazelas do país sustentam que se mais da metade dos votos do dia do pleito forem anulados, haverá uma “nova eleição” e que aqueles que participaram da primeira não poderão concorrer na outra.

A tanto, estabelecem uma lamentável confusão quando ignoram que a norma eleitoral vigente, em bom vernáculo, define que será considerado eleito o candidato a Presidente ou a Governador que obtiver a maioria absoluta de votos, desconsiderados os brancos e nulos ( ). Ou seja: vencerá quem obtiver metade mais um dos votos válidos. Assim, mesmo que o eleitorado ou o sufrágio venham resultar em percentuais reduzidos ou inexpressivos, sempre haverá a formação de uma maioria, salvo se o comparecimento for zero, o que não se cogita nem como grotesco exemplo ao raciocínio.

A “tese” de anulação da eleição para que outra lhe suceda, com ou sem os candidatos da primeira, corresponde a uma pregação inútil porque juridicamente impossível. Ora, o sistema de leis, ainda que imperfeito ou sujeito a ajustes, não estabeleceria regras frágeis ou vacilantes a ponto de vulnerar a própria democracia.

Disseminar fórmulas infantis e sem a menor consistência é, na verdade, um desserviço, principalmente porque os entusiastas da falácia omitem que mesmo que os eleitores fossem convocados a sufragar novamente, duas situações do pleito teoricamente anulado estariam presentes ao outro. A primeira, que a Justiça Eleitoral (leia-se os cidadãos e contribuintes) teria um novo custo operacional com a “nova eleição”. E segundo, que por força das leis também vigentes, sobretudo da Constituição Federal, novamente haveriam candidatos aos mesmos cargos.

Não é de hoje e muito menos apenas no Brasil que se percebe a ocorrência de uma apatia política ou um cansaço democrático. Escândalos e mazelas não tem geografia: ocorrem em todos os continentes. Basta ler jornal e ouvir rádio e televisão. Entretanto, renunciar ao direito de selecionar e eleger alguém dentre o conjunto de pretendentes é desprezar uma oportunidade. Imediatismos e devaneios não são ferramentas úteis pois movimento e transformação social são fatos inevitáveis enquanto existir História.

Contrariedades e descontentamentos são sempre respeitáveis, especialmente se decorrência de atos praticados por aqueles que receberam mandato por delegação popular. Contudo, nesta preocupante e enlameada quadra histórica que o país testemunha, as inconformidades podem ser convertidas num poderoso e eficiente grito de mudança ao invés de incorporadas ao silêncio inútil e sem resultado, especialmente porque eleições para Presidente da República e Governador de Estado ocorrem somente a cada quatro anos.

Até as crianças sabem que nas democracias políticas existem eleitos e eleitores, vencidos e vencedores, etc. Esta é a regra básica do sistema. Vale relembrar o jurista e político Assis Brasil: “O voto não deve ser o eco, mas a voz” ... ( )

Notas:

(1) Lei 9.504/97, art. 2º.

(2) Idéias Políticas de Assis Brasil, Vol. II, Ed. Senado Federal, 1990, p. 72.

(Artigo atualizado em junho/2006)

 

Como citar o texto:

SANTOS, Antônio Augusto Mayer dos..Voto nulo e “nova eleição”: a propagação de uma heresia jurídica. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 184. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-eleitoral/1351/voto-nulo-nova-eleicao-propagacao-heresia-juridica. Acesso em 25 jun. 2006.

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