O exame de ordem tem divido opiniões no ambiente social. Há quem defenda que todas os bacharéis do Brasil, independentemente do curso superior, deveriam submeter-se a testes elaborados com a função de auferir se os recém-formados têm conhecimentos mínimos necessários ao exercício de suas profissões[1]. Por outro lado, há quem vislumbre uma impropriedade em se aplicar tais exames aos bacharéis, uma vez que o Ensino Superior já sofre avaliações por meio do Provão, avaliação do Ministério da Educação e Cultura – MEC acerca da qualidade do nível superior no país[2].  

Um argumento que vem ganhando força é a indústria que o Exame de Ordem fomenta, movimentando milhões de reais em lucros para editoras e cursos preparatórios, sem elevar em nada o nível dos profissionais ou sequer melhorar as faculdades e universidades de onde os bacharéis reprovados provêem.

A migração de bacharéis em busca de realizar a prova em Estados onde o Exame de Ordem é menos rigoroso era comum, haja vista que para o exercício profissional é necessário a Carteira de Advogado. Necessidade agora ampliada, haja vista a Emenda 45 que impõe a exigência de atividade jurídica, aumentando consideravelmente a importância para os concursandos em obter, o quanto antes, a liberação da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB para iniciar os 3 (três anos atividade jurídica necessários ao ingresso nas carreiras do Ministério Público e Magistratura. A migração perde sentido, no momento em que a OAB unifica a data do exame, sem entretanto unificar a prova a ser realizada[3].  

O peso da não-unificação das provas a serem realizadas pela OAB reacende a questão das diferenças regionais sócio-econômicas, do baixo número de mestres e doutores em Direito do nordeste, o que culmina numa qualidade de ensino, por vezes, deficiente. Pode-se argumentar que a unificação das provas trará igualdade entre todos os bacharéis do Brasil, mas nunca é demais lembrar que promover a igualdade é tratar os desiguais na medida de suas desigualdades[4].  

Convém explicitarmos que cabe ao Governo Federal, através do MEC fiscalizar a qualidade do nível superior no país. À OAB cabe a fiscalização do exercício da profissão, ou seja, das atitudes do profissional quando exerce a advocacia, e não observar o nível do ensino superior em Direito, através dos bacharéis. Se o MEC não cumpre sua função, é dever da OAB postular a respeito exigindo providências e não fazer as vezes de órgão fiscalizador do ensino jurídico. A OAB é responsável pela criação do Exame de Ordem, mas este não encontra lei que o justifique, nem princípio jurídico que lhe dê embasamento, sem falar numa possível inconstitucionalidade, pois impede o livre exercício da profissão.  

A função de reprovar é dos centros de ensino, a OAB, enquanto órgão de classe tem outras atribuições, não sendo, de nenhuma forma, sua função realizar provas para medir conhecimento. Ademais, não parece legítimo que a OAB, sem nenhuma fiscalização ou preparo técnico elabora provas e exerça correção de peças, atividade de um professor devidamente formado para tanto. Não existe nem mesmo estrutura técnica e fiscalização. Pela seriedade da profissão de advogado é forçoso reconhecer que a OAB não está preparada para realizar o Exame de Ordem, ainda que tivesse esta atribuição, o que de fato não tem.

Somente uma instituição independente e tecnicamente preparada poderia elaborar o Exame de Ordem, nos mesmos moldes em que são elaborados e corrigidos os certames públicos. E mesmo isto, após a devida regulamentação e através do órgão competente o MEC, tudo dentro de uma metodologia positiva de avaliação, a fim de se evitar as notícias das recentes discrepâncias. A recente notícia publicada no site Consultor Jurídico, um dos domínios virtuais mais respeitados na atualidade, despertou perplexidade, haja vista o seu conteúdo, vejamos:  

Uma analise dos últimos Exames de Ordem em seis estados brasileiros — Rondônia, Bahia, São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Brasília — mostrou a raiz das diferenças de resultados de estado a estado e a discrepância de rigor e qualidade na avaliação dos futuros advogados.

O responsável pela analise dos exames, a pedido da revista Consultor Jurídico, foi o advogado Aleksander Mendes Zakimi, direitor da Jurisp — Escola de Direito e Prática Jurídica de São Paulo e professor da UniFMU.

Segundo Zakimi, dos exames avaliados o de Brasília foi o melhor. “Apresenta um grau de exigência compatível com o que o candidato é obrigado a saber após cinco anos de curso de direito. A prova explora muito bem o raciocínio, a compreensão e a interpretação do candidato”.

A prova mais espinhosa é a de São Paulo. “A prova da OAB paulista está num grau de dificuldade muito grande. Só para se ter uma idéia, se pegarmos Direito Tributário da 2ª fase certamente muitos advogados que militam nesta área há alguns anos terão enorme dificuldade para fazer a prova. Imagine então o que não tem passado o candidato que acabou de sair da faculdade?” Para o professor, olhando deste prisma, a prova não tem uma formulação adequada. “Vemos também uma certa desproporção de dificuldade de uma matéria para outra.” afirma o professor.

É importante destacar que o Exame de Ordem não pretende ser um teste de seleção dos melhores. Trata-se, isso sim, de uma prova de avaliação do conhecimento básico de um advogado principiante.

Na avaliação de Zakimi, o exame da OAB Paraná tem tudo para ser uma das melhores provas analisadas, porém comete um pecado. “Todas as questões, sem exceção, pedem para o candidato assinalar a alternativa correta e em outras questões a incorreta; o que demonstra muita falta de “imaginação” na elaboração de uma prova objetiva”, explica.

Na rabeira das colocadas vem a prova de Rondônia, que o professor classificou como uma “verdadeira ofensa à inteligência do futuro advogado”. Segundo Zakimi, a prova é sofrível e muito simples.

De acordo com o professor, o Exame de Ordem do estado do Rio é coerente e explora mais questões práticas do que as outras. Ele observa, porém, que se comparada com as provas de São Paulo e do Distrito Federal seu grau de exigência é um pouco abaixo da média.[5] (grifos nossos).

A comparação realizada aponta as incongruências de elaboração de provas, evidenciando que a OAB não está alcançando a finalidade a que, ao menos, se propôs, que é medir o mínimo necessário para o exercício profissional. O que, só vem a ratificar o que já foi dito sobre a incapacidade técnica da OAB em aplicar o Exame de Ordem.  

O professor Fernando Machado da Silva Lima aponta a inconstitucionalidade do Exame de Ordem, argumentando que a Lei 8.906/94 delegou ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil regulamentar por provimento o art. 8º, IV da supracitada lei, o que é competência privativa do legislador federal. Ademais, o provimento é ato administrativo que não se presta a regular ditames de lei. Por esta impropriedade legislativa contida na Lei 8.906/94 o Exame de Ordem é inconstitucional[6]. Ainda existe o empecilho de ordem técnico-jurídica que é a incompatibilidade com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira – LDB, estaria ela revogada no que tange à atribuição do MEC em fiscalizar a qualidade de ensino? A resposta só pode constituir-se em negativa, porque a LDB é posterior à lei 8.906/94, ou seja, a LDB revoga a Lei 8.906/94 e não o inverso.  

A superação da inconstitucionalidade nos parece improvável, haja vista a flagrante impossibilidade do Conselho Federal da OAB exercer a atribuição do legislador. Em poucos casos a inconstitucionalidade foi tão evidente e o conteúdo dos dispositivos tão cristalino. Para que o Exame de Ordem seja constitucional é necessário uma emenda à Constituição ou uma lei regulamentando a respeito.  

O argumento de que o Exame de Ordem fornece respeito à profissão é certamente falacioso. Primeiramente porque as outras profissões, inclusive médicos e engenheiros, não submetem seus bacharéis a tal exame, e não há quem negue a respeitabilidade dos médicos e engenheiros, nem tampouco negue que se o advogado lida com situações de muita importância na vida das pessoas, os médicos têm a vida em suas mãos, e os engenheiros são responsáveis por todas edificações, um erro bastaria para matar milhares.

Depois do Exame de Ordem a população acredita que os profissionais jurídicos são péssimos, haja vista os altíssimos níveis de reprovação. O que tornava o advogado respeitado era a dificuldade em formar-se, haja vista as poucas faculdades. Hoje, com as milhares de faculdades de Direito existentes, o advogado é mais um na multidão. A quantidade nunca foi sinônimo de qualidade e isto reflete-se em todos os níveis. Se não bastasse o Exame de Ordem a OAB também tem o “selo” OAB recomenda, destinado aos cursos jurídicos que a OAB aprova. Fica claro a intenção da Ordem dos Advogados em substituir o MEC no que tange a avaliação dos cursos jurídicos, inclusive querendo qualificar a instituição de ensino, substituindo o provão do MEC[7].  

O Governo Federal acomodou-se numa lastimosa omissão, após a instituição do Exame de Ordem, não existe mais política pública no sentido de melhorar o ensino jurídico no país. Transferiu-se para a OAB a missão de triar os melhores para advogar e relegar o resto ao limbo, uma vez que nem estudantes, nem advogados. Se a OAB é a responsável por medir o bom bacharel, que fechem todas as faculdades de direito do Brasil, sendo substituídas pelos cursos de Direito promovidos pelas seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil. Como bem disse o professor Vital Moreira:  

A Ordem dos Advogados só deve poder controlar o conhecimento daquilo que ela deve ensinar, ou seja, as boas práticas e a deontologia profissional, e não aquilo que as universidades ensinam, porque o diploma oficial deve atestar um conhecimento suficiente de Direito.

[...]

Quando o Estado é fraco e os governos débeis, triunfam os poderes fáticos e os grupos de interesses corporativos. Sempre sob invocação da autonomia da "sociedade civil", bem entendido. Invocação despropositada neste caso, visto que se trata de entes com estatuto público e com poderes públicos delegados. Como disse uma vez um autor clássico, as corporações são o meio pelo qual a sociedade civil ambiciona transformar-se em Estado. Mais precisamente, elas são o meio pelo qual os interesses de grupo se sobrepõem ao interesse público geral, que só os órgãos do Estado podem representar e promover[8].  

Diante de todo o exposto é difícil afirmar que o Exame de Ordem tem realizado um bom trabalho na seleção de conteúdo a ser abordado, na forma com que realiza as provas e correções e que o Direito tem auferido ganhos desde sua instituição. O fato inegável de que os bacharéis em direito são preparados insuficientemente para a profissão não legitima a OAB a fazer as vezes do MEC. De forma que se constitui num abuso inaceitável num Estado Democrático de Direito, ao qual apenas a lei submete a todos.

Precisamos repensar a lógica do exame de ordem e a quem realmente ele beneficia. Seria o Exame de Ordem uma forma de reserva de mercado? Estaria o Exame de Ordem servindo apenas a uma minoria de editoras e cursinhos preparatórios? O Exame de Ordem tem melhorado o nível dos cursos de Direito ou os bacharéis tem gastado ainda mais fazendo cursinhos preparatórios? O Exame de Ordem é constitucional, legal ou legítimo? Estas e outras questões devem ser amplamente discutidas pela sociedade civil num esforço discursivo, visando um consenso democrático.  

Se a ineficiência em fiscalizar e controlar as instituições de ensino legitima atitudes inconstitucionais, estaremos numa direção perigosa e que ameaça frontalmente nosso regime democrático.    

Referências Bibliográficas:

ERDELYI, Maria Fernanda. Prova de Fogo: Estados fazem primeiro exame de ordem em data única. Consultor Jurídico. 12 ago. 1005. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/37025,1. Acesso em: 25 ago. 2005.

_____. Teste do Exame: professor compara Exames de Ordem de seis estados. Consultor Jurídico. 14 ago. 2005. Disponível em: www.conjur.estadao.com.br. Acesso em 25 ago. 2005.

COLLAÇO, Flávio Roberto; NEIVA, Claúdio Cordeiro. "OAB Recomenda: um retrato dos cursos jurídicos". Comentário ao livro. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2005.

LIMA, Fernando Machado da Silva. Exame de Ordem “uma censura prévia II”. Disponível em: http://www.profpito.com/censuraoab.html. Acesso em: 25 de ago. 2005.

_____. Os enigmas do exame de ordem. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 418, 29 ago. 2004. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2005.

_____. Mandado de Segurança contra o Exame de Ordem. Disponível em: http://www.profpito.com . Acesso em: 25 ago. 2005.

NÓBREGA, Airton Rocha. Exame de ordem: uma exigência necessária?. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 42, jun. 2000. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2005.

SGARBOSSA, Luís Fernando. Exame de ordem: fundamentos ético-jurídicos e o (aparente) conflito com o princípio do livre exercício profissional. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 729, 4 jul. 2005. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2005.

 

Notas:

[1] NÓBREGA, Airton Rocha. Exame de ordem: uma exigência necessária?. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 42, jun. 2000. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2005. e SGARBOSSA, Luís Fernando. Exame de ordem: fundamentos ético-jurídicos e o (aparente) conflito com o princípio do livre exercício profissional. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 729, 4 jul. 2005. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2005.

[2] LIMA, Fernando Machado da Silva. Os enigmas do exame de ordem. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 418, 29 ago. 2004. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2005.

[3] ERDELYI, Maria Fernanda. Prova de Fogo: Estados fazem primeiro exame de ordem em data única. Consultor Jurídico. 12 ago. 1005. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/37025,1. Acesso em: 25 ago. 2005.

[4] Pensamento aristotélico de Rui Barbosa.

[5] ERDELYI, Maria Fernanda. Teste do Exame: professor compara Exames de Ordem de seis estados. 14 ago. 2005. Disponível em: www.consultorjuridico.com.br. Acesso em 25 ago. 2005.

[6] LIMA, Fernando Machado da Silva. Exame de Ordem “uma censura prévia II”. Disponível em: http://www.profpito.com/censuraoab.html. Acesso em: 25 ago. 2005.

[7] COLLAÇO, Flávio Roberto; NEIVA, Claúdio Cordeiro. "OAB Recomenda: um retrato dos cursos jurídicos". Comentário ao livro. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2005.

[8] O prof. Vital Moreira foi citado por LIMA, Fernando Machado da Silva. Mandado de Segurança contra o Exame de Ordem. Disponível em: http://www.profpito.com . Acesso em: 25 ago. 2005.

 

Como citar o texto:

ALMEIDA, Dayse Coelho.Exame de ordem: análise crítica. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 142. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/exame-da-ordem-e-concursos/771/exame-ordem-analise-critica. Acesso em 8 set. 2005.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.