1. Definição de Aborto

            Assunto extremamente polêmico desde o seu âmago, pois, a própria definição do que venha a ser aborto já é tarefa difícil. Para uma corrente, encabeçada principalmente por médicos, aborto é todo produto da concepção eliminado com peso inferior a 500g ou idade da gestão inferior a 20 semanas. Para uma segunda corrente, encabeçada principalmente por religiosos, O aborto é a morte de uma criança no ventre de sua mãe produzida durante qualquer momento da etapa de vida que vai desde a fecundação (união do óvulo com o espermatozóide) até o momento prévio ao nascimento.

            A argumentação da primeira corrente é a seguinte:

            Se o aborto é a morte deliberada de "alguém", vale dizer: de uma "pessoa", quando, no embrião, se identifica uma pessoa? Para isto devemos procurar uma definição do termo "pessoa". Maurizio Mori, debatendo este ponto, assinala que todos concordariam se afirmássemos que uma pessoa é, primeiramente, um "indivíduo" que se distingue dos demais seres naturais por uma possibilidade inédita, a "racionalidade". Pessoa é, então, o indivíduo racional. "Indivíduo" é uma palavra cuja origem latina denota "aquele que é indivisível" onde pode-se identificar uma relação de subordinação das partes ao todo. Tendo presente esta definição, se tomarmos um embrião com oito células e o dividirmos, teremos gêmeos monozigóticos que percorrerão um desenvolvimento autônomo e diferenciado. Se, entretanto, logo em seguida, voltarmos a unir estes dois grupos de células teremos, de novo, um único embrião. Queda manifesto que não estamos, nesta hipótese, diante de um "indivíduo", mas de um agrupamento de células ainda largamente indiferenciadas cujo desenvolvimento não está pré-determinado. (Até o 14º dia após a fecundação, por exemplo, o aglomerado de células pré-embrionárias ainda não diferenciou aquelas que irão formar o feto e aquelas que irão formar a placenta).

            Quanto à característica potencial de racionalidade, sabemos que ela é simplesmente inconcebível sem a presença do córtex cerebral, processo que só se anuncia ao término do terceiro mês de gestação. Antes disto, então, definitivamente, não temos uma "pessoa".

            Para os defensores desta corrente, reconhecer a presença de “vida humana” no embrião é um problema essencialmente filosófico, religioso. O filósofo católico Jacques Maritain, considerava um verdadeiro absurdo atribuir a existência de “alma” ao embrião.

            Mary Warnock retoma esta linha de argumentação contestando o princípio de que toda a vida (humana) tenha o mesmo valor. Assim, ainda que admitíssemos, para efeito de debate, que um embrião possa ser apropriadamente compreendido como um "ser humano" ou como uma "pessoa", haveríamos de distinguir entre "estar vivo" em um sentido biológico e "ter uma vida a ser vivida", pois somente uma vida própria capaz de ser vivida autonomamente pode possuir uma "qualidade de vida". Tal distinção, que se apresenta como um "fato da razão" estabelecerá uma diferença essencial entre os já nascidos e os que ainda irão nascer; distinção sem a qual, aliás, seria impossível optar moralmente entre a vida da mãe e a vida do feto nos casos de "aborto terapêutico", por exemplo. Pela mesma razão, se o prosseguimento de uma gravidez indesejada importar em sofrimento para a mãe – pela mais elementar razão de que tal gravidez não é desejada, isto deve importar de alguma forma a todos os que valorizam a felicidade e consideram o direito de persegui-la um traço distintivo dos humanos. Tal perspectiva moral aparece mais claramente nos casos de abortos consentidos em casos de má formação congênita grave quando, naturalmente, nos vemos obrigados a considerar o sofrimento dos pais.

            Para a segunda corrente o vida ocorre no momento da fecundação, destarte, qualquer ato que atente contra essa nova formação é, consequentemente, um ato contra a vida, pouco importando o tempo decorrido, por isso, consideram aborto a utilização, p.ex., da pílula do dia seguinte.

         Neste prisma, é merecedora de encômio a atitude da Doutrina Cristã na evolução da garantia do direito fundamental à vida, pois "deve-se ao Cristianismo o entendimento segundo o qual o aborto significa a morte de um ser humano, e, pois, virtualmente, homicídio" . Assim, segundo ensinamento do Professor Willis Santiago Guerra Filho, ao tratar dos "Direitos Subjetivos, Direitos Humanos e Jurisprudência dos Interesses (relacionados com o pensamento tardio de Rudolph Von Jhering)", "a noção de um ‘direito subjetivo’, isto é, do direito como atributo do sujeito, como se pode imaginar era estranha aos antigos, pois pressupõe o desenvolvimento da idéia, tipicamente moderna, de subjetividade, do indivíduo apartado da ordem cósmica objetiva, em que encontrava seu posto, junto com outros seres, alguns inferiores a ele, e outros, como os deuses, superiores."

            Destarte, "il cristianesimo decisamente propugnó l’incriminazione del procurato aborto." Foi sem dúvida o Cristianismo que trouxe a concepção, válida até hioje, de que o feto,mesmo no ventre materno, embora não se possa reputar como pessoa no sentido jurídico, representa um ser a quem a sociedade deve proteger e garantir seu direito fundamental à vida. Neste sentido, Jorge Miranda faz certo que :"É com o Cristianismo que todos os seres humanos, só por o serem sem acepção de condições , são considerados pessoas dotadas de um eminente valor. Criados à imagem e semelhança de Deus , todos os homens são chamados à salvação através de Jesus que, por eles, verteu o Seu Sangue. Criados à imagem e semelhança de Deus, todos os homens têm uma liberdade irrenunciável que nenhuma sujeição política ou social pode destruir".

            Assim, podemos inferir que o fato de se considerar crime o aborto praticado desde o primeiro instante da gestação é oriundo do cristianismo.

            Uma linha mais radical de cristãos defende a punibilidade do aborto, inclusive, nos casos que a vida mãe esteja ou quando há um caso de anencefalia, para eles é impossível dizer que a vida da mãe vale mais que a do filho, que também é sujeito de direitos (jurídicos e divinos).

            E podemos observar claramente essas posições antagônicas, nos projetos de lei, apresentados no presente trabalho. Temos todos os tipos de Projetos de Lei em andamento, desde aqueles que passam a considerar aborto crime hediondo àqueles que o descriminalizam totalmente, passando pelos moderados que consideram o aborto permitido em casos que ofereça risco à saúde da mulher e quando inexista a possibilidade de vida extra-uterina.

2. Positivação no direito pátrio — os casos de aborto legal: aborto necessário ou terapêutico e o aborto no caso de gravidez resultante de estupro — alcance do artigo 128 do código penal

            Aqui temos outra celeuma doutrinária. Uma corrente não considera que exista aborto legal, para ela todo aborto é crime, mas que o legislador optou por não puni-lo. Destarte, consideram que a legislação brasileira é, em letra e espírito, radicalmente contrária à prática do aborto.

             Para embasarem suas assertivas sustentam a seguinte posição:

A Constituição garante “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida” (art. 5º CF/88). E ninguém ignora que há vida no ventre materno desde a concepção; “é condição basilar; momento inicial e parte integrante do processo global e unitário da existência humana”. O Código Civil (art. 2º) “põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”, sem exceção. Também o Código de Processo Civil em seus artigos 877 e 878 se esmeram nos cuidados de proteção ao nascituro. Inclusive, o próprio Código Penal proíbe o abortamento provocado, incluindo-o entre os crimes contra a pessoa: Parte Especial - Título I: Dos crimes contra a pessoa - Capítulo I: Dos crimes contra a vida (arts. 124 a 128); portanto, equiparando-o tacitamente ao homicídio. O artigo 128 apenas isenta de punição nos dois casos previstos. Isentar de punição não significa permitir e muito menos criar facilidades para que o crime seja cometido. O Código Penal também isenta de punição o filho que furta bens do pai e vice-versa (art. 181), mas nem por isso pode-se dizer que permite ou que se deva facilitar a infração.

                        Outra corrente entende que:          

Código Penal declara a proibição do aborto. Todavia, o aborto necessário, legal ou terapêutico e o aborto no caso de gravidez resultante de estupro não são punidos. São casos de aborto legal, onde a lei, prevendo situação especial, os autoriza. Duas as hipótese previstas na legislação: para salvar a vida da gestante quando não houver outro recurso e para interromper a gravidez resultante de estupro. Assim, dispõe o artigo 128, do Estatuto Punitivo, ad litteris, et verbis:

"Art. 128 — Não se pune o aborto praticado por médico:

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal."

Destarte, no primeiro caso, é caso de aborto terapêutico, "porque representa verdadeiro tratamento" ou necessário "porque é realmente necessário". A intervenção do médico justifica-se pelo chamado estado de necessidade, quando se torna imprescindível e inádiável para ser salva a vida da mulher que o gerou. É prática lícita e irrenunciável frente a incompatibilidade entre a vida materna e embrionária. É permitido por diversos países dentre os quais a Argentina, Áustria, Alemanha, Baviera, Bélgica, Bolívia, Costa Rica, Cuba, China, Chile, Dinamarca, Equador, Estados Unidos, Inglaterra, Finlândia, Grécia, Guatemala, Hungria, Islândia, Itália, Japão, México, Nicarágua, Noruega, Paraguai, Uruguai, Venezuela e Iugoslávia.

No segundo caso, trata-se de evitar que a mulher, duplamente infelicitada por haver sido estuprada e, ipso facto, engravidar, não tenha uma gravidez acintosa, produto de um crime monstruoso." Aqui, "todo seu organismo, todo seu sentimento, toda a sua alma se revoltam em se ver grávida de um bruto, que a violentou".

As mulheres vítimas de violência carnal foram alvo de proposta apresentada ao III Congresso Científico Panamericano (Lima, 1924), por Jimenez de Asúa — indubiamente o maior penalista de língua espanhola — assim redigida:

"Tendo em conta que há casos excepcionais de violação, em que a ultrajada verá no filho, concebido pela força, uma recordação amaríssima dos instantes mais penosos de sua vida, pode formular-se um artigo, que poderia incluir-se nos códigos penais de toda a América espanhola, concedendo ao magistrado a faculdade de outorgar à mulher violada que o solicite, por excepcionais causas sentimentais, autorização para que um médico de responsabilidade moral e científica lhe pratique o aborto libertador das suas justas repugnâncias".

            Temos também aqueles que vêm uma impropriedade técnica na redação do art. 128 do Código Penal, é o caso de Magalhães Noronha, para ele:

"Segundo cremos, não é das mais felizes a redação do art. 128. Se o fundamento do inc. I é o estado de necessidade, e o do II ainda o mesmo estado, conforme alguns, ou a prática de um fato lícito, não nos parece que na técnica do Código se devia dizer "não se pune..." Dita frase pode levar à conclusão de que se trata de dirimente ou de escusa absolutória, o que seria insustentável. Em tal hipótese, a enfermeira que auxiliasse o médico, no aborto, seria punida. Nos incisos do art. 128, o que desaparece é a ilicitude ou antijuridicidade do fato, e, conseqüentemente, devia dizer-se: "Não há crime"." (Direito Penal, São Paulo, Saraiva, 1995, vol. 2, p.58).

                        E aqueles que discordam desse posicionamento e para resolver a questão da enfermeira, transformando o não punível em lícito, José Frederico Marques parece ter "achado a fórmula". Diz ele, criticando Magalhães Noronha:

"Parece-nos que não atentou bem o ilustre mestre para os precisos dizeres da lei. Se nela se dissesse que não se pune o médico que pratica o aborto necessário ou o aborto advindo de estupro, então sim, poderia falar-se em dirimente. O texto, no entanto, alude à não punição do fato típico: não se pune o aborto, é o que reza a norma legal. Ora, fato impunível é, por definição, fato que não constitui crime" (Tratado de Direito Penal, v. 4, p. 174)

            Damásio Evangelista de Jesus também comunga do pensamento de José Frederico Marques, para ele:

"A disposição não contém causas de exclusão da culpabilidade, nem escusas absolutórias ou causas extintivas da punibilidade. Os dois incisos do artigo 128 contém causas de exclusão de antijuridicidade. Note-se que o CP diz que "não se pune o aborto". Fato impunível, em matéria penal, é fato lícito. Assim, na hipótese de incidência de um dos casos do artigo 128, não há crime por exclusão de ilicitude. Haveria causa pessoal de exclusão de pena somente se o CP dissesse "não se pune o médico""(Direito Penal, v. 2, 14ª ed. São Paulo, Saraiva, 1992, p. 109).

            Daí, para se dirimir de vez esta dúvida, estarem propondo no anteprojeto do Código Penal alterar o “não se pune” para “não constitui crime”. (cf. Diário Oficial da União, 25/3/98, p.1).

3. Bases Jurídicas e Jurisprudências

            Hodiernamente, no Brasil, o aborto é considerado crime. São criminosos o médico e a mãe que o praticam. Mas o Artigo 128, incisos I e II do Código Penal, abre duas exceções: não é crime (ou é crime, mas isento de punição) quando o aborto é feito para salvar a vida da mãe e quando a gravidez é decorrente de estupro. Pois bem, façamos então o seguinte raciocínio: o aborto não é totalmente proibido no Código Penal. Por outro lado, a Constituição é clara: garante a vida do brasileiro e do estrangeiro residente no Brasil. Reparem que a nacionalidade é um atributo da personalidade e essa personalidade se adquire com nascimento e vida. E reparem também no seguinte: a Constituição não protege absolutamente a vida do feto, tanto que o Artigo 128 do Código Penal não é inconstitucional. A partir disso, existe uma contradição. Voltemos ao inciso II: para salvar a saúde mental da mãe, em caso de estupro, o aborto é permitido, mas, para salvar a saúde mental da mãe, no caso de um feto inviável que não sobreviverá à vida extra-uterina, o aborto não é permitido.

            Há decisões jurisprudenciais em diversos sentidos, no tocante ao aborto, citaremos apenas alguma a título de exemplificação:

PROCESSO - HC 32159 / RJ ; HABEAS CORPUS 2003/0219840-5 - Ministra LAURITA VAZ (1120) - T5 - QUINTA TURMA - 17/02/2004 - DJ 22.03.2004 p. 339 – Ementa - HABEAS CORPUS. PENAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE ABORTO. NASCITURO ACOMETIDO DE ANENCEFALIA. INDEFERIMENTO. APELAÇÃO. DECISÃO LIMINAR DA RELATORA RATIFICADA PELO COLEGIADO DEFERINDO O PEDIDO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IDONEIDADE DO WRIT PARA A DEFESA DO NASCITURO.

1. A eventual ocorrência de abortamento fora das hipóteses previstas no Código Penal acarreta a aplicação de pena corpórea máxima, irreparável, razão pela qual não há se falar em impropriedade da via eleita, já que, como é cediço, o writ se presta justamente a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente, inclui o direito à preservação da vida do nascituro.

2. Mesmo tendo a instância de origem se manifestado, formalmente, apenas acerca da decisão liminar, na realidade, tendo em conta o caráter inteiramente satisfativo da decisão, sem qualquer possibilidade de retrocessão de seus efeitos, o que se tem é um exaurimento definitivo do mérito. Afinal, a sentença de morte ao nascituro, caso fosse levada a cabo, não deixaria nada mais a ser analisado por aquele ou este Tribunal.

3. A legislação penal e a própria Constituição Federal, como é sabido e consabido, tutelam a vida como bem maior a ser preservado. As hipóteses em que se admite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito, inadmitindo-se interpretação extensiva, tampouco analogia in malam partem. Há de prevalecer, nesse casos, o princípio da reserva legal.

4. O Legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses autorizativas do aborto, previstas no art. 128 do Código Penal, o caso descrito nos presentes autos. O máximo que podem fazer os defensores da conduta proposta é lamentar a omissão, mas nunca exigir do Magistrado, intérprete da Lei, que se lhe acrescente mais uma hipótese que fora excluída de forma propositada pelo Legislador.

5. Ordem concedida para reformar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, desautorizando o aborto; outrossim, pelas peculiaridades do caso, para considerar prejudicada a apelação interposta, porquanto houve, efetivamente, manifestação exaustiva e definitiva da Corte Estadual acerca do mérito por ocasião do julgamento do agravo regimental.

PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ. FETO QUE APRESENTA ANENCEFALIA. DOCUMENTOS MÉDICOS COMPROBATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE DE SOBREVIVÊNCIA EXTRA-UTERINA

Nos dias atuais, com os avanços tecnológicos aplicados, especialmente, às áreas médica, radiológica, biológica e genética, pode-se detectar toda a situação do feto, como no caso dos autos, em que se constatou a ocorrência de má-formação fetal, consistente em defeito de fechamento do tubo neural proximal, com conseqüente ausência de formação da calota craniana e atrofia da massa encefálica.

Nesse sentido, considero viável e oportuna uma interpretação extensiva do disposto no art. 128, I, da Lei Penal, admitindo o aborto em decorrência de má formação congênita do feto (anencefalia), evitando-se, dessa forma, a amargura e o sofrimento físico e psicológico, considerando que os pais já sabem que o filho não tem qualquer possibilidade de vida “extra-uterina”.

Deve ser afastado o entendimento de que o cumprimento da decisão de antecipação do parto está sujeito a avaliação que o médico vier a fazer.

V.v.: Expedindo-se o pretendido alvará, os médicos assistentes da requerente é que verificarão a conveniência e a oportunidade da operação.

Relator: VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE - 28/06/2005 - Data da publicação: 05/08/2005 -

Ementa: MENOR - GRAVIDEZ DECORRENTE DE ESTUPRO - PEDIDO DE INTERRUPÇÃO - DESISTÊNCIA - DESINTERESSE NO ABORTO SENTIMENTAL PELA MENOR - VONTADE DE PROSSEGUIR COM A GRAVIDEZ - MANIFESTAÇÃO EXPRESSA E PESSOAL - EXTINÇÃO DO PROCESO. Tem-se como prejudicado o pedido de aborto sentimental se a menor, ao ser ouvida em juízo, declara não mais ter nele interesse, desejando levar adiante a gravidez, o que justifica a extinção do processo -  Súmula: REJEITARAM PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO.

            Podemos observar que nossos tribunais têm decisões em todos os sentidos, assim, para casos similares temos decisões díspares, a depender do entendimento deste ou daquele juízo.

4. Conclusão

            Nosso Código Penal (de 1940) permite aborto em duas situações: (a) risco concreto para a gestante; (b) gravidez resultante de estupro. O primeiro chama-se aborto necessário; o segundo humanitário. O aborto por anencefalia (feto sem ou com má formação do crânio) não está expressamente previsto na lei penal brasileira. Tampouco outras situações de má formação do feto (aborto eugênico ou eugenésico). Também não se permite no Brasil o chamado aborto a prazo (que ocorre quando a gestante pode abortar o feto até a décima segunda semana, conforme decisão sua) nem o aborto social ou econômico (feito por razões econômicas precárias).

            Quando mencionamos que, em tais atividades, ocorrem mais de 1 milhão de abortos anualmente no Brasil, que cerca de 250 mil mulheres são internadas anualmente no SUS por complicações de abortos clandestinos; que abortos desse tipo configuram a 4ª causa de mortalidade materna; que o aborto clandestino acarreta a 2ª ocorrência de obstetrícia no SUS, sendo as mulheres mais afetadas pela legislação punitiva do aborto as mulheres negras, jovens e pobres, as pessoas se surpreendem. Isto porque, entre outros motivos, elas somente obtêm informação sobre a questão do aborto em templos religiosos ou de forma sigilosa, quando se vêem em circunstâncias de abortamento, de acompanharem alguém em tais condições ou de terem sabido de alguém que se encontrou em tais circunstâncias – e que, em muitos casos, não pode mais ter filhos, ficou internada ou até morreu. A expressão das faces das participantes é de alguém que esteve enganada, ao achar que o problema era somente seu!

            Não devemos nos olvidar que quem mais sofre com a proibição do aborto são as classes menos favorecidas, pois, sujeitam-se a condições extremamente precárias, gerando dados alarmantes como os ut supra. Que as pessoas com mais recurso desfrutam de clínicas altamente sofisticadas que cobram até R$2.500,00 por um aborto, originando um verdadeiro mercado negro.

            Não se trata de ser contra ou a favor do aborto, pois, indiferente de legalizado ou não, tal pratica é uma realidade na sociedade brasileira. Mas da maneira como é realizado ceifa a vida de milhares de mulheres pobres no Brasil que, sem o aborto legal e independentemente das nossas convicções morais e/ou religiosas, continuarão a recorrer às beberagens com chás de mamona e cupim, aos cristais de permanganato que causam lesões crônicas na mucosa vaginal, às agulhas de tricô enfiadas no útero, quando não a medicações como o Citotec, cujos riscos à mulher são hoje conhecidos. A legalização é também o caminho que, acompanhado por um verdadeiro esforço público em favor da educação sexual, poderá, a exemplo do que se verificou em outras nações, assegurar as condições para uma diminuição nos índices de abortos atualmente praticados em nosso país, objetivo que elencaremos com mais precisão se admitirmos a natureza trágica da opção pela interrupção da gravidez.   

5. Projetos de Lei referentes ao aborto

            Neste tópico apresentamos alguns Projetos de Lei que tratam do tema aborto (favoráveis ou não) e atualmente encontram-se em trâmite no Congresso Nacional.

5.1 Projetos de Lei favoráveis ao aborto

PROJETO DE LEI N.º 4403 de 2004

(Da Dep. Jandira Feghali e Outros)

Acrescenta inciso ao art. 128 do Decreto - Lei 2848, de 07 de dezembro de 1940 - Código Penal.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º - O art. 128 do Decreto – Lei 2848, de 07 de dezembro de 1940, Código Penal, fica acrescido do seguinte inciso III:

“ Art. 128 ...................................................................................

Aborto Terapêutico

III – Houver evidência clínica embasada por técnica de diagnóstico complementar de que o nascituro apresenta grave e incurável anomalia, que implique na impossibilidade de vida extra uterina.”

Art. 9º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

O Código Penal, em seu art. 124, criminaliza a prática de aborto, impondo pena de detenção, de um a três anos a quem “provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque”. O art. 128, porém, prevê dois casos em que o aborto não é considerado crime: “se não há outro meio de salvar a vida da gestante” e “se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”

Hoje é grande o clamor da sociedade no sentido de permitir o aborto nos casos de gravidez de feto anencéfalo. Mesmo sob a evidência científica de que o feto não terá vida extra uterina por mais de 48 horas as mulheres brasileiras são obrigadas a levar a termo a gestação de feto anencéfalo. Na prática transforma uma fase de extrema felicidade na vida das mulheres num martírio psicológico ao se constatar que a gravidez não resultará no convívio com o filho.

Devemos dar a opção para que cada mulher possa decidir se terá ou não condições físicas e psicológicas para levar a termo a gravidez. Tal opção poderá significar, para muitas, condições psicológicas mais adequadas a uma nova tentativa. Lembro, ainda, que a alteração proposta não obriga nenhuma mulher a se submeter ao aborto terapêutico no caso em questão, apenas lhes dá esta opção. Acredito que negar-lhes esta opção é um retrocesso e aprofunda o abismo criado entre direitos de homens e mulheres. É papel do Congresso Nacional debater o assunto e aprovar uma legislação avançada, que responda aos verdadeiros anseios da sociedade brasileira.

Sala das Sessões, em  de Novembro de 2004.

Deputada JANDIRA FEGHALI

PC do B/RJ

PROJETO DE LEI No 4360  DE 2004

(Do Sr.  Dr. Pinotti)

Acrescenta inciso ao artigo 128 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1o  É isenta de ilicitude a interrupção da gravidez em caso de gestante portadora de feto anencéfalo.

Art. 2º O art. 128 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso:

“Art. 128..................................................................................

I -.............................................................................................

II -............................................................................................

III – se o feto é portador de anencefalia, comprovada por laudos independentes de dois médicos (NR).”

Art.3º  Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.

Tradicionalmente tratadas como cidadãs de segunda classe, as mulheres enfrentam situação de injustiça e de discriminação em nossa sociedade, comprovada em fatos como: preconceitos, salários menores, jornadas sucessivas de trabalho, menores índices de escolaridade, agressões e violências, discriminação profissional, assédio direto e indireto, responsabilidade pelo sustento de famílias, altas taxas de mortalidade materna, abuso sexual na infância/adolescência e grande carga de trabalho doméstico não reconhecido pelo sistema previdenciário. Delas se espera, ainda, que estejam sempre sexualmente disponíveis, não transmitam doenças, não engravidem com muita freqüência, que alimentem, eduquem e cuidem das crianças, das roupas e da casa.

 

Para um grande número de mulheres, a gestação, o parto e o puerpério ainda estão cercados de muitos riscos. Esta realidade ainda inclui o grande estresse  e o drama pessoal da gravidez indesejada, o risco físico dos abortos clandestinos, das suas complicações, mutilação e morte. A taxa de mortalidade materna, no Brasil, por exemplo, ultrapassa muito o que poderia ser considerado razoável.

Estas são apenas ilustrações de como o processo de discriminação contra a mulher ainda continua com muita força, sem que a sociedade  se dê conta de sua extensão e gravidade.

Hoje, entretanto, estamos agravando ainda mais a carga já insuportável da grande maioria das mulheres brasileiras ao impedir a interrupção da gravidez quando o feto, comprovadamente, padece de anencefalia, ou seja, não possui o cérebro desenvolvido.

A anencefalia é uma anomalia congênita do sistema nervoso central resultante da falha de fechamento do tubo neural entre o 23º e o 26º dia de gestação, incapacitando o concepto para a vida extra-uterina. Pela anomalia do cerebelo, não há controle de temperatura corpórea e da freqüência respiratória, o que torna impossível a sobrevida dessas crianças (Hunter, 1983).

Nos EUA a incidência de anencefalia é 1:1000 nascimentos. Na Irlanda e Países de Gales, 5 a 7:1000 nascimentos. Na França e no Japão, 0,1 a 0,6:1000 nascimentos. No Brasil, 1:1.600 (Gorlin et al., 2001; Ogata et al., 1992; Rotta et al., 1989).

Na maioria dos casos a anencefalia é do sexo feminino e de etiologia multifatorial decorrente da interação entre fatores genéticos e ambientais. Os fatores ambientais envolvidos estão relacionados à exposição materna no primeiro trimestre de gestação a produtos químicos (solventes orgânicos, etc), irradiações, ruptura da membrana amniótica (brida amniótica), hipertemia materna, diabetes materna, deficiência materna de ácido fólico, alcoolismo, tabagismo, fármacos como antidepressivos tricíclicos, antiácidos, antidiarréicos, corticoesteróides, analgésicos, antieméticos, antibióticos, antiparasitários e antigripais (Ogata et al., 1992; Mutchinick et al., 1990; Sanford et al., 1992). A incidência de malformações do concepto em mães diabéticas é de 6 a 16 vezes maior do que na população geral.

Hoje em dia o diagnóstico pré-natal dos casos de anencefalia tornou-se simples. Não é necessária a realização de exames invasivos, apesar dos níveis de alfa-fetoproeína aumentados no líquido amniótico obtido por amniocentese ser  o método de diagnóstico (Cohen & Zapata, 1985).

O reconhecimento de concepto com anencefalia é imediato. O crânio está ausente ou bastante hipoplásico. Não há ossos frontal, pariental e occipital. A face é delimitada pela borda superior das órbitas que contém globos oculares salientes. A abóboda craniana é substituída por massa mole de coloração violácea e aspecto angiomatoso. O cérebro encontra-se exposto e o tronco cerebral é deformado. Os nervos cranianos são hipoplásicos. A hipófise está ausente ou vestigial, com neuro-hipófise hipoplásica. O hipotálamo está ausente na maioria dos casos, assim como as conexões entre adeno-hipófise e o SNC (Ogata et al., 1992).

A confirmação diagnóstica é realizada pelo ultra-som, em que não é visualizado o contorno ósseo da calota craniana do concepto. Esse diagnóstico pode ser realizado hoje a partir de 12 semanas de gestação (Brimdage, 2002; Ross & Elias, 1997).

No que diz respeito à prática da interrupção de gestação com fetos anencéfalos a Organização Mundial da Saúde publicou tabela que mostra os percentuais que ocorrem em diferentes regiões e países do mundo. Nela, pode-se verificar a alta incidência do aborto induzido na prática de atendimentos desses casos. Em países como a França, Suíça, Bélgica, Áustria, Israel e Rússia a interrupção da gravidez ocorre quase sempre em 100% dos casos.

Mesmo em países com extensa tradição católica, como Itália e Espanha, a interrupção da gravidez com fetos anencéfalos é realizada na imensa maioria dos casos: de 80% a 85%. No Reino Unido, Alemanha e Finlândia, as taxas aproximam-se a 90%.

Somos da opinião de que ao se diagnosticar um feto anencéfalo, deverá ser permitido ao casal decidir de uma maneira totalmente informada e livre sobre a interrupção ou o seguimento da gravidez. Essa opinião baseia-se nos seguintes fatos:

a) não há nenhuma possibilidade de sobrevivência prolongada para esse tipo de patologia;

b) a gravidez com anencéfalo traz para mãe maior probabilidade de doença hipertensiva específica da gravidez, e poliidramnio, além de causar, com grande freqüência, um parto distócico pela própria condição de anencefalia;

c) com a metodologia propedêutica mais moderna, o diagnóstico da anencefalia pode ser realizado com total segurança, devendo ser obrigatória, antes da interrupção, uma segunda opinião de um obstetra experimentado.

Este projeto de lei tem o propósito de incluir, entre as causas que não incriminam a realização do aborto, no Código Penal, a situação da gravidez com feto anencéfalo.

Não queremos obrigar o casal à interromper a gravidez, mas apenas permitir que a decisão seja tomada por eles livremente, após todas as informações específicas do seu caso, com o cuidado de se exigir dois laudos independentes para que não paire nenhuma dúvida sobre o diagnóstico.

Evidente que, uma vez tornada lei essa possibilidade de interrupção, os serviços públicos deverão oferecê-la àqueles casais que desejarem, cabendo aos médicos a possibilidade de alegarem objeção de consciência, mas cabendo ao serviço a obrigatoriedade do atendimento de acordo com desejo dos pais e o relatório feito pelos médicos especialistas. Tais detalhamentos, no entanto, podem ser feitos na regulamentação da lei, pelo órgão competente do Poder Executivo.

Sabemos que a questão envolve grande polêmica, por  interferir com problemas sociais, religiosos, médicos e éticos. O aborto provocado, que não pode ser desvinculado do contexto da situação da mulher em nossa sociedade, é sem dúvida um dos mais complexos e controversos fenômenos sociais que a humanidade enfrenta.

Independentemente de qualquer conceito religioso, é indiscutível que o aborto provocado é uma agressão, é uma situação de violência que se faz sentir em diferentes níveis. Ninguém em sã consciência é a favor do aborto. Os médicos, formados em defesa da vida, e particularmente os ginecologistas, não podem senão abominar a própria idéia da interrupção da gravidez. Como então conciliar esta postura frente ao sofrimento e angústias de uma paciente gestante portadora de um feto anencéfalo cuja probabilidade de sobrevivência é nenhuma?

Equivale à pratica da tortura a exigência de que a mulher gestante suporte a situação de manter o feto anencéfalo até o fim do período gravídico. Além do mais, esta gestante estará submetida a um parto complicado, de alto risco, que envolve sofrimento e um esforço desgastante e infrutífero.

Todos esses motivos nos levam a apresentar este Projeto de Lei para o qual solicitamos a aprovação dos colegas, Deputados desta Casa, pois temos a firme convicção de que facultar ao casal a decisão de interromper a gravidez com feto anencéfalo é, ainda, a melhor alternativa.

Sala das Sessões, em         de                         de 2004.

Deputado DR.PINOTTI

PROJETO DE LEI Nº 4304 DE 2004

( Do Sr. Eduardo Valverde)

Despenaliza a interrupção voluntária da gravidez, nas condições estabelecidas neste lei e dá outras providências

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º- Todas as mulheres têm o direito de controlar os aspecto relacionado com sua sexualidade, incluindo a sua saúde sexual e reprodutiva e de decidir livre e responsavelmente sobre estas questões, sem coação, discriminação ou violência.

Art. 2º- Não é punível a interrupção da gravidez efetuada por médico, ou sob a sua direção, em estabelecimento de saúde pública e com o consentimento da mulher grávida, quando, segundo a evolução  da ciência  médica:

a) Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida;

b) Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e for realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez;

c) Houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença congênita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas ecograficamente ou por outro meio adequado de acordo com ciência médica, excepcionando-se as situações anencefalia, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo;

d)                   A gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da mulher  e a interrupção for realizada nas primeiras 16 semanas.

Art. 3º- A verificação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez é certificada em atestado médico, escrito e assinado antes da intervenção por médico diferente daquele por quem, ou sob cuja direção, a interrupção é realizada.

Art. 4º- O consentimento é prestado:

a)- Em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo e, sempre que possível, com a antecedência mínima de 3 dias relativamente à data da intervenção; ou

b)- No caso de a mulher grávida ser menor de 18 anos ou psiquicamente incapaz, respectiva e sucessivamente, conforme os casos, pelo representante legal, por ascendente ou descendente ou, na sua falta, por quaisquer parentes da linha colateral.

Art. 5º- Se não for possível obter o consentimento nos termos do artigo anterior e a efetivação da interrupção da gravidez se revestir de urgência, o médico decide em consciência face à situação, socorrendo-se, sempre que possível, do parecer de outro ou outros médicos.

Art.6º- Os profissionais de saúde têm o direito de invocar objeção de consciência nos casos de interrupção de gravidez e o dever de encaminhar as utentes para outros profissionais de saúde dispostos a prestar o serviço solicitado.

§ Único- O direito de recusa previsto no caput, não subsiste se a intervenção médica se reveste de urgência para a vida da grávida.

JUSTIFICATIVA

É preciso tratar a discussão da interrupção de uma gestação por anencefalia abstraindo-se princípios religiosos e fundamentalistas, uma vez que não se trata de posição de fé. É preciso fazer essa discussão desprovida de dogmatismos e intolerâncias.

Toda e qualquer discussão técnica sobre um feto anencéfalo aponta para a inviabilidade, e um feto é inviável, quando não tem nenhuma condição de sobrevivência fora do útero materno.

O princípio da laicidade do Estado deve ser obedecido nas políticas públicas para que seja garantida a igualdade de todas e de todos e assegurada a efetivação dos direitos já consagrados na Constituição Federal e nos diversos instrumentos internacionais, como medida de proteção aos direitos humanos das mulheres e das meninas. A Constituição Federal, de 1988, reconheceu a universalidade do direito à saúde e o dever do Estado de oferecer, gratuitamente, a toda a população o acesso a esse direito.

Não é admissível que o Estado penalize as mulheres, obrigando-as a levar adiante uma gravidez cujo feto não tem condições de sobreviver fora do útero. O Estado deve garantir políticas universais, favorecendo o acesso aos direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais para todas as mulheres, rurais e urbanas, respeitando a sua diversidade de raça e etnia e de orientação sexual.

O avanço da medicina aponta diagnóstico cada vez mais precoce e, hoje em dia, muitos exames detectam com antecedência as anomalias do feto. Esses exames devem ser disponibilizados a todas as mulheres.

Desde a quinta semana de gestação é possível saber se um feto é anencéfalo e, se o pré-natal estiver sendo realizado de forma adequada, isso é imediatamente descoberto. No Brasil, como as mulheres mais pobres começam o pré-natal tardiamente, por volta da 16ª e às vezes até da 18ª semana de gravidez, são elas mais atingidas por esse problema. A região Nordeste possui os níveis mais elevados de pobreza absoluta no país, e, onde, a distribuição de renda é mais concentrada. Os indicadores também apontam que esta situação é pior entre as mulheres, de um modo geral, e entre homens e mulheres da população afro-descendente. Ao legalizarmos a interrupção da gravidez por anencefalia, serão essas mulheres as maiores beneficiadas.

Após um diagnóstico de má-formação congênita incompatível com a vida fora do útero materno, a mulher deve ser informada de que esse feto nunca poderá viver e que, se for da sua vontade, ela não precisa correr os riscos desnecessários dessa gravidez.

Não existem pessoas anencéfalas. Há um consenso científico que assegura que os anencéfalos morrem nos momentos seguintes ao nascimento ou, muitas vezes, ainda no útero da própria mulher. E as mulheres devem ter, incondicionalmente, acesso a essa informação. A mulher que quiser levar a gravidez a termo deve ser orientada, inclusive, de todas as conseqüências e significados de uma gestação nessas condições.

A I Conferência Nacional de Política para as Mulheres, realizada entre os dias 15 e 17 de julho de 2004, com a presença de cerca de 2 mil mulheres, delegadas de todas as Unidades da Federação, aprovou uma moção de apoio à decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, com assessoria técnica da ANIS - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.

Considerando o sofrimento das mulheres grávidas de fetos com anencefalia, o direito universal à saúde e o cumprimento aos princípios constitucionais da liberdade e da dignidade, a Conferência expressou, também, o apoio à liminar do Ministro Marco Aurélio Mello que autoriza mulheres grávidas de fetos com anencefalia a interromperem a gestação. Contudo o plenário do Supremo Tribunal Federal, na tarde do dia 20 de outubro, não  referendou decisão tão importante para a garantia da saúde reprodutiva, psíquica e espiritual das mulheres, bem como dos direitos humanos.

É preciso garantir a autonomia das mulheres e isso significa ampliar o poder de decisão sobre suas vidas, seus corpos, suas comunidades e seu país. É preciso romper com o legado histórico de exploração, opressão e subordinação que tanto constrange a vida das mulheres. À mulher e somente a ela, cabe o direito de decidir sobre qual é a melhor alternativa para sua vida. Ao Estado cabe garantir esse direito.

Sala das Sessões,

Eduardo Valverde

Deputado Federal

PROJETO DE LEI Nº 1091 DE 2003

(Do Deputado Federal  DURVAL  ORLATO  PT/SP)

Dispõe sobre a exigência para que hospitais municipais, estaduais e federais, implantem um programa de orientação à gestante sobre os efeitos e métodos utilizados no aborto, quando este for autorizado legalmente.

O Congresso Nacional decreta:

 Art. 1 – Os hospitais em exercício de suas atividades no território nacional, quando autorizados legalmente à prática abortiva do feto humano, deverão antes aplicar à gestante e representantes legais, um programa de orientação sobre os efeitos e métodos utilizados no aborto.

Art. 2 – Entende-se por programa de orientação, aquele que aplicar ao menos a utilização de sistema audiovisual com acompanhamento médico, contendo:

 I-                    filmes que demonstram as formas utilizadas para extração do feto humano e sua respectiva formação física mês a mês;

  II-                   possíveis efeitos colaterais físicos e psíquicos que possam acarretar sobre a gestante, caso se utilize a prática abortiva apresentada;

 III-                 apresentação da possibilidade da “adoção pós-parto”, oferecendo à gestante e representantes legais, no mínimo, dois endereços de entidades que possam estar acolhendo temporariamente o recém-nascido;

 IV-               exame de ultra-sonografia na gestante.

 Art. 3  – O Juizado da Criança e do Adolescente, deve ser comunicado pelo hospital sobre a realização deste programa de orientação, quando da sua execução, com a finalidade de auxiliar e promover uma adoção do recém-nascido por famílias cadastradas para tal fim.

Art. 4  – Caso a gestante deseje, poderá solicitar durante a apresentação do programa de orientação, a presença do padre, pastor ou similar da religião que professa.

 Art. 5 - Este programa deverá estar devidamente registrado, na ficha de atendimento do paciente constante no referido nosocômio e mantido sob o sigilo que prevê a legislação vigente.

 Art. 6 – O descumprimento desta lei, acarretará multa de 100 salários mínimos ao hospital e 30 salários mínimos sobre a pessoa física que dirige o respectivo nosocômio.

 Art. 7 – Esta lei entra em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.  

JUSTIFICATIVA

 Esta lei visa conscientizar a gestante sobre o que é o aborto e apresentar alternativas. A Justiça apenas concede autorização para realização do aborto, que pode ou não se consumar no hospital. Creio que num momento de dor e/ou desespero (normalmente devido ao estupro sofrido), a desinformação pode fazer com que a gestante cometa outro ato violento, contra si mesma e contra o ser vivo que está gerando. A Saúde tem por princípio salvar vidas e evitar seqüelas nos procedimentos. É o que pretendo com esta lei.

Do ponto de vista Jurídico, em projeto semelhante na cidade de Jundiaí - SP, foi dado o seguinte parecer:

"...A proposta em destaque, afigura-se-nos revestida da condição legalidade no que tange à competência (art. 6º, "caput"), e quanto à iniciativa, que é concorrente (art.13,I,c/c o art.45), sendo os dispositivos relacionados pertencentes à Lei Orgânica de Jundiaí. A matéria é de natureza legislativa, instituída em caráter geral e cunho abstrato, (aponta o que fazer e deixa ao nosocômio a condição do "como fazer", sem detalhamento técnico) exigindo dos hospitais municipais programa de orientação da gestante sobre os eventuais efeitos colaterais e métodos utilizados no aborto consentido. Nesse sentido, não vislumbramos quaisquer óbices sobre ela incidentes. Relativamente ao quesito mérito, dirá o soberano Plenário..." (os artigos citados da Lei Orgânica são similares à Constituição Federal).

Parecer do DR. JOÃO JAMPAULO JR - Consultor Jurídico, Mestre em Direito Público e Doutorando em Direito Constitucional, autor de vários livros e textos sobre o assunto.

Por estes motivos, é que conto com o apoio dos nobres parlamentares para a aprovação desta lei, sem paralelo no serviço público de saúde.

Sala das Sessões, em  27  de  maio   de 2003.

Durval Orlato

Deputado Federal PT/SP

CÂMARA DOS DEPUTADOS

PROJETO DE LEI Nº 21 DE 2003

(Do Sr. Roberto Gouveia)

Suprime o artigo 124 do Código Penal Brasileiro. 

O Congresso Nacional decreta:

 Art. 1º Fica  suprimido o art. 124 do Decreto Lei n.º 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal).

Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

Como citar o texto:

GOMES, Márcia Pelissari..O aborto perante a legislação pátria. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 167. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/1068/o-aborto-perante-legislacao-patria. Acesso em 27 fev. 2006.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.