1. Ação Civil Pública: Solução de todos os problemas?

 

            O acesso à justiça previsto constitucionalmente, no artigo 5º inciso XXXV, antes do surgimento da ação civil pública encontrava-se mitigado, pois os litígios que envolviam as questões relativas à sociedade como um todo, não encontravam solução no processo civil tradicional. Tal restrição gerou como conseqüência o abrandamento do princípio da universalidade da jurisdição, preceito constitucional do ordenamento jurídico brasileiro.

            Capelletti e Garth em seus estudos chegaram à conclusão de que as maiores dificuldades para se impor um direito processual que garantisse a solução dos conflitos entre as questões “de massa” seriam os elevados custos com o processo, a heterogeneidade de condições pessoais das partes, e por fim os problemas decorrentes da própria natureza difusa dos direitos difusos. Quando se referia aos direitos difusos e coletivos, chegava-se ao entendimento de que “(...) ou ninguém tem direito a corrigir a lesão (...) ou o prêmio para qualquer indivíduo buscar essa correção é pequeno demais para induzi-lo a tentar uma ação” .

            A partir da inserção da ação civil pública no ordenamento jurídico brasileiro, percebe-se que ocorreu um avanço no sistema processual civil brasileiro quanto à defesa dos interesses coletivos, posto que abriu o campo para o desenvolvimento do direito processual coletivo. Nesse âmbito é o que aponta Isabella Franco quando afirma que a ação civil pública seria um “instituto criado como o escopo de tornar o direito mais justo e efetivo (...) um instrumento por excelência da viabilização do acesso à justiça”.

            A ação civil pública surgiu, então, como um mecanismo de concretização do princípio da igualdade material que pressupõe o acesso à justiça, e de manutenção de direitos que até então estavam carentes de um instrumento processual eficaz que os preservasse, em caso de conflitos.

A lei n. 7.347/85, que regulamentou a ação civil pública, reflete a preocupação com a exigência da efetividade do processo. É um instrumento cujo escopo é fazer com que o processo civil cumpra sua função de resguardar a harmonia das relações sociais. A instrumentalização deste instituto representa a possibilidade de assegurar o resultado da jurisdição .

            Interessante ressaltar o termo “pública” da ação civil que não deve ser analisado quanto à dicotomia existente entre o direito público e o direito privado, mas que é assim disposto dado o caráter público que compõe interesses difusos e coletivos .

            Os bens jurídicos focados pela ação civil pública compreendem um rol de direitos que não podem ser considerados como pertencentes a indivíduos isolados, visto que atingem a coletividade no todo ou mesmo parcialmente. Tais direitos estão relacionados com a preservação do patrimônio histórico e cultural, com a proteção ao consumidor e com a defesa do meio ambiente (objeto de investigação do presente trabalho) sendo denominados de "difusos”, por não possuírem um titular definido.

            Um ponto bastante importante é o fato de a ação civil pública possuir um status de instrumento processual de ordem constitucional. Essa caracterização pode ser observada pela incursão da mesma no capítulo da Constituição de 1988, artigo 129, inciso III, e §1º que ampliou o rol de legitimados para propor a ação civil pública, retirando a exclusividade do Ministério Público. Conforme ensina Kazuo Watanabe

...A Lei de Ação Civil Pública (n. 7.347/85), que disciplinou melhor a ação coletiva, preocupou-se bastante com a legitimação da sociedade civil, e sob essa ótica o processo civil de interesse público é fundamentalmente um instrumento de participação política da sociedade na gestão das coisas públicas. Esse é o aspecto que temos procurado sublinhar com maior ênfase em nossos pronunciamentos, porque às vezes o agigantamento do Ministério Público, nesta área, faz com que não haja a atuação política da sociedade civil e não se alcance, assim, um dos objetivos maiores da lei, que foi, como já ficou anotado, o de melhor organizar a sociedade civil, fazendo com que ela própria, por meio desse instrumento processual, também tivesse intensa atuação na tutela jurisdicional do interesse coletivo.

            Desta feita, tem-se que essa ampliação foi importante para que a ação civil pública pudesse ter um maior alcance social, ao ser utilizada com mais abrangência pelos grupos que realmente exprimem o interesse da coletividade, como por exemplo, o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, as autarquias, a empresa pública, a fundação, a sociedade de economia mista e as associações , desde que esteja constituída há pelo menos um ano e inclua entre suas finalidades a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônios artísticos, estéticos, históricos, turísticos e paisagísticos ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. É importante frisar que a legitimidade da ação civil pública é concorrente, pois todos os legitimados são competentes para proporem a ação, não existindo assim legitimação exclusiva.

            Ainda destaque-se o ensinamento do mesmo professor que verificou a eficácia potencializada da ação civil pública, a qual também decorreu de seu status constitucional. Tem-se, pois, que a ação civil pública, assim como as outras ações previstas na Carta magna, alcançaram essa condição por terem sido interpretadas e aplicadas de maneira a produzir resultados de máxima efetividade, sempre observando o princípio da supremacia constitucional.

            Percebe-se, portanto, que a ação civil publica constitui-se como um remédio capaz de oferecer segurança jurídica à sociedade, vez que havendo qualquer conflito, cujo foco sejam os interesses difusos e coletivos, será possível a utilização de um mecanismo eficaz que proteja os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal Brasileira de 1988.

 

2.         O meio ambiente como um Direito Fundamental previsto na Constituição Federal de 1988

            Os direitos fundamentais são considerados pela Constituição de 1988 como cláusulas pétreas.Paulo Bonavides classifica os direitos fundamentais, de acordo com seu reconhecimento pela Constituição, da seguinte forma: direitos fundamentais de primeira geração (são os direitos individuais à liberdade e à vida); direitos fundamentais de segunda geração(direitos sociais, econômicos e culturais) e os direitosde terceira geração (direitos de fraternidade).             Após a segunda guerra mundial começou a ficar freqüente as violações ao patrimônio público, os conflitos individuais os quais eram característicos do movimento liberal do século XIX, transformaram-se em conflitos de massa. Aparece, então, a concepção de direitos difusos e coletivos, rompendo-se com a clássica dicotomia entre direito público e privado. Esses direitos apresentaram-se como diferentes, haja vista que não pertenciam ao particular, nem mesmo pertenciam ao Estado, mas figuravam como pertencentes a todos, de maneira indistinta. Tratava-se, pois, esses “novos” direitos da defesa do meio ambiente, do consumidor, do patrimônio cultural de um povo, dentre outros. Surgindo assim a classificação em direitos fundamentais de 3º geração, dentre eles o direito ao meio ambiente.             É cediço que todos têm direito a viver num meio ambiente ecologicamente equilibrado. Esta afirmativa é um princípio basilar de qualquer Estado que possua uma ordem constitucional pautada na defesa do direito fundamental de proteção ao meio ambiente. Todavia, cumpre-nos analisar qual a finalidade do meio ambiente e porque ele é considerado um direito fundamental.             Há que se ressaltar a inserção da proteção ao meio ambiente na declaração de direitos humanos reconhecidos internacionalmente, conforme se vê no principal documento de internacionalização do meio ambiente como direito humano, qual seja a Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano de 1972, proferida pela Organização das Nações Unidas - ONU .             Tem-se que o artigo 1º da “Declaração de Estocolmo” proclama que “O homem tem direito fundamental à liberdade, igualdade e adequadas condições de vida, num meio ambiente cuja qualidade permita uma vida de dignidade e bem-estar, e tem a solene responsabilidade de proteger e melhorar o meio ambiente, para a presente e as futuras gerações”. Consagrava-se assim o meio ambiente como um direito fundamental do ser humano, essencial para dignidade da vida humana. Complementando a declaração conclamou os povos a lutarem em defesa do meio ambiente, dizendo que “A proteção e o melhoramento do meio ambiente humano é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro, um desejo urgente dos povos de todo o mundo e um dever de todos os governos” .             Interessante quando Norberto Bobbio , ao comentar sobre os direitos humanos, dentre eles o direito ao meio ambiente, aduz que "o mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído”. Interpretando as palavras do ilustre jurista, a defesa do meio ambiente compreende a luta para coibir os eventuais abusos decorrentes da exploração ambiental.                      O meio ambiente configura-se, pois, como um sistema integrado, em que faz parte o conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em toda as suas formas . Está relacionado com o espaço onde a vida humana se desenvolve.  Esta por sua vez depende de recursos ambientais, os quais estão inseridos no rol dos recursos econômicos, posto que possuem a finalidade de garantir a manutenção e sobrevivência do ser humano. Pode-se dizer que o meio ambiente possui uma natureza econômica, vez que o uso dele deve observar sempre o custo e o benefício da sua exploração. Por isto, é que todo o desenvolvimento econômico-social deve ser ajustado com a presunção da qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado.             A proteção ao meio ambiente é, portanto, um meio para se obter o cumprimento dos direitos humanos, pois na medida em que ocorre um dano ao ambiente, conseqüentemente, haverá infração a outros direitos fundamentais do homem, como a vida, a saúde, o bem estar. O direito a um ambiente sadio está intrinsecamente interligado ao direito à vida, que é o principal direito humano fundamental.             No Brasil, as Constituições anteriores às de 1988 não trataram de forma específica sobre a necessidade de se proteger o meio ambiente.  Observe-se que a constituição de 1946 trouxe de forma simples a competência da União para legislar sobre a proteção da água, das florestas e da caça e da pesca; tendo sido feito apenas uma menção pontual.             Até a publicação da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente não havia, pois, qualquer definição no ordenamento jurídico brasileiro sobre o meio ambiente. Foi então que esta lei o enquadrou como um patrimônio público, que deveria ser assegurado e protegido por todos, começando assim a se delinearem os direitos difusos e coletivos.             Todavia, foi somente com a Constituição Federal de 1988 que veio à tona a questão ambiental, com o dispositivo do artigo 225   "Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:  – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justificam sua proteção; IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (...)”             A Carta Magna, ao proteger o bem relativo ao meio ambiente como um direito fundamental inserido no título da Constituição que trata da Ordem Social, demonstrou a preocupação do legislador em definir o meio ambiente como um bem comum do povo, que assim deve ser protegido, posto que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado .             Percebe-se, portanto, que,  a Constituição de 1988 reconhece as questões ambientais como relevantes para a sociedade, visto que o meio ambiente sadio e equilibrado influi diretamente na qualidade de vida do ser humano. Desta feita, insere-se no sistema global dos direitos humanos, mesmo que não esteja determinado no título que trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” da Constituição Brasileira. Outrossim, o direito ao meio ambiente adquire a natureza irrevogável e imprescritível dos princípios figurando como cláusula pétrea do sistema constitucional brasileiro.             Verifica-se, então, na evolução do direito brasileiro que este seguiu as tendências internacionais ao considerar o meio ambiente como essência para que o ser humano pudesse gozar os direitos fundamentais, incluindo a vida. Todavia, não se pode esquecer que a comunidade internacional além da preocupação com o meio ambiente, também se preocupa com a questão do desenvolvimento econômico e é justamente essa colisão de direitos, o maior problema da atualidade.             Esse problema exsurge da idéia de que a elevação do direito ao meio ambiente saudável ao patamar de direito humano não estaria em consonância com os demais direitos, tais como, o direito a propriedade e o direito ao desenvolvimento econômico. No entanto, estes direitos devem coexistir. Primeiro porque é o direito de propriedade que confere ao indivíduo o seu espaço, e é o desenvolvimento econômico que permite a sobrevivência material do ser humano; segundo porque, se não coexistirem estarão correndo o risco de serem suprimidos, vez que  ambos buscam preservar à vida, ou melhor, a qualidade de vida na Terra. Então se ocorrer a violação de um, haverá a do outro, constituindo assim um desequilíbrio tanto ambiental quanto humano.             Se há a necessidade de se criar mecanismos de proteção ao meio ambiente, também há a necessidade de se manter o desenvolvimento econômico assegurado aos povos como forma de combater a miséria. Porém, é consenso a idéia de que o crescimento econômico deve ocorrer de forma a não gerar sacrifícios e prejuízos ao meio ambiente. Desta feita, o maior problema da comunidade internacional, na qual se inclui o Brasil, é a busca de meios de desenvolvimento sem que haja agressão ao meio ambiente, visando com isto, não violar também o direito fundamental à vida.             No entanto, estas soluções devem ser discutidas no plano político, posto que é competência dos governantes, entre eles os poderes legislativo e executivo, respectivamente, exarar normas, e estabelecer políticas ambientais com incentivo à produção de tecnologias para se garantir um desenvolvimento sustentável que gere mais benefícios para a sociedade.             Outrossim, nada impede que os grupos representantes da sociedade, e no plano jurídico, o Poder Judiciário e o Ministério Público investiguem, reprimam e condenem aqueles que ferem os direitos fundamentais, em especial, o meio ambiente. É nesse diapasão que enfocamos a Ação Civil Pública como mecanismo de efetivação do direito fundamental ao meio ambiente.

3.         A efetivação do direito fundamental ao meio ambiente pela ação civil pública

            A Lei da Ação Civil Pública tornou possível a responsabilidade civil atinente aos danos patrimoniais e extrapatrimoniais que por ventura ocorressem ao meio ambiente, ao direito do consumidor, bem como aos bens que possuem valor cultural, isto é, o patrimônio público.              Com relação aos danos causados ao meio ambiente, há que se dizer que o objeto da ação a ser movida pode se desdobrar em dois efeitos, o primeiro seria a condenação em dinheiro, como forma de reparação do dano, e a outra seria o cumprimento de uma obrigação de fazer ou de não fazer, dependendo do caso em concreto, admitindo-se, ainda, a possibilidade de concessão das tutelas de emergência .             Contudo, é notório que geralmente os danos causados ao meio ambiente possuem conseqüências drásticas e, portanto, fica complicado verificar a priori se há possibilidade de haver reparação do ato lesivo. Desta forma, entendeu-se que a ação coletiva, qual seja, a ação civil pública teria como objetivo primordial prevenir o dano, ou fazendo com que a condição anterior ao dano fosse retomada, ou então, evitando que o ato lesivo sequer tivesse dado início.              No caso de se haver a reparação em forma de dinheiro, esta somente deveria ser admitida nos casos em que não fosse possível a retomada total do bem jurídico lesado. Consubstanciando-se a ação civil pública ambiental como um dos instrumentos mais eficazes na prevenção às práticas predatórias ao ambiente.             No âmbito do processo coletivo, a ação civil pública para poder ser intentada depende primeiro de uma investigação do fato para confirmar que se trata de uma lesão ao meio ambiente que tenha conseqüências para a sociedade ou para uma parcela dela, configurando assim um direito difuso ou coletivo. Em seguida, caracterizando-se a situação como emergencial e comprovando-se que o transcorrer do tempo gerará um desgaste irreparável, poderá, então, acoplar à ação civil pública ambiental, as liminares, sejam elas aquelas que necessitam somente do fumus boni iuris e periculum in mora ou aquelas que necessitam ainda da prova inequívoca e grave lesão, como é o caso da antecipação de tutela, prevista no artigo 273, do código de processo civil .             Uma das maiores obstáculos enfrentados pela ação civil pública ambiental, portanto, é a dificuldade de estabelecer o quantum indenizatório, visto que é bastante complicado demonstrar de forma global a extensão do dano. Esta é uma das questões mais delicadas para o Judiciário, que é justamente quantificar ou valorar o dano ao ecossistema.             Vale lembrar Ada Pellegrini Grinover ao afirmar a ação civil pública, no campo ambiental, realmente pode visar à reparação dos danos pessoalmente sofridos pelas vítimas de acidentes ecológicos, desde que estes tenham afetado ou não, ao mesmo tempo, o ambiente como um todo. E a ação coletiva de responsabilidade civil pelos danos ambientais seguirá os parâmetros dos arts. 91-100, do CDC, inclusive quanto à previsão da preferência da reparação individual sobre a geral e indivisível, em caso de concurso de créditos (art. 99, do CDC).             Com relação à finalidade da ação civil pública observa-se que grande parte dos doutrinadores mira seus posicionamentos para um mesmo ponto, entendem eles que a ação civil pública foi criada para ajudar a organizar a sociedade civil. De fato, os maiores interessados, como já foi dito alhures, em defender o meio ambiente, são os grupos que representam os interesses da sociedade, como por exemplo, as associações. Representando tal posicionamento destaque-se Kazuo Watanabe , o qual compreende que a ação civil pública somente terá a sua finalidade alcançada quando houver por parte da sociedade civil uma concreta mobilização que vise a prevenir as problemáticas ambientais.

            Ainda se percebe no dia a dia das demandas judiciais que o Ministério Público ainda é detentor de maior parte das ações civis públicas, ocasionando o atrofiamento da legitimidade ativa dos demais legitimado. O que ocorre é a diminuição do direito de ação dos grupos que deixam de exercer sua cidadania, representando com mais propriedade a sociedade, para transferir a resolução das questões ambientais aos órgãos do Ministério Público responsáveis pela tutela do ambiente.

            Todavia, essas discussões acerca da necessidade de se cumprir a expansão dada pela Constituição à legitimidade da ação civil pública embora pertinentes, merecem estudo mais aprofundado, o que impende ressaltar é que de uma forma ou de outra a ação coletiva ambiental encontra-se sagrada no ordenamento jurídico brasileiro e a sua correta utilização, pelos entes legitimados a promovê-la (Ministério Público, associações civis, órgãos públicos) é de fundamental importância para que se possa efetivar o mandamento constitucional de proteção e defesa do meio ambiente para as atuais e as futuras gerações.

            Verifica-se, então, que de fato a ação civil pública é o instrumento capaz de se fazer cumprir o direito fundamental ao meio ambiente. Primeiro quando este estiver na iminência de ser violado, funcionando como um mecanismo inibidor do ato lesivo, protegendo assim o direito difuso da sociedade; e segundo, quando o direito fundamental ao meio ambiente for danificado, funcionando como mecanismo reparador e repressor dos prejuízos causados pelo ato agressor.

 

  1. O caso concreto 

            Segue a seguinte jurisprudência. Observe-se:    

EMENTA: ACAO CIVIL PUBLICA. DANOS AO MEIO AMBIENTE CAUSADOS PELO DEPOSITO DE LIXO EM LOCAL INAPROPRIADO. PREJUIZOS COMPROVADOS, ACAO PROCEDENTE. CONSTATADA A EXISTENCIA DE PREJUIZOS AO MEIO AMBIENTE CAUSADOS PELO DEPOSITO IRREGULAR DE LIXO EM LOCAL INAPROPRIADO, SEM QUE PARA TANTO PROVIDENCIASSE O MUNICIPIO RESPONSAVEL AUTORIZACAO PELAS AUTORIDADES AMBIENTAIS COMPETENTES, AGINDO CONTRARIAMENTE AS ORIENTACOES POR ELAS DETERMINADAS, PLENAMENTE ADMISSIVEL, ALEM DE INEVITAVEL, A SUA CONDENACAO, COMO AGENTE POLUIDOR, A REPARACAO DOS PREJUIZOS CAUSADOS, CONSISTENTE NA REALIZACAO DE OBRAS VOLTADAS A RECUPERACAO DA AREA DEGRADADA E PAGAMENTO DE INDENIZACAO DOS DANOS JA CAUSADOS, A SEREM APURADOS EM LIQUIDACAO. REDUCAO, POREM, DA MULTA COMINADA. APELACAO IMPROVIDA. SENTENCA PARCIALMENTE REFORMADA, EM REEXAME.(6 FLS(APC Nº 70000026625, TERCEIRA CAMARA CIVEL, TJRS, RELATOR: DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS, JULGADO EM 14/10/1999) TRIBUNAL: TRIBUNAL DE JUSTICA DO RS DATA DE JULGAMENTO: 14/10/1999 ORGAO JULGADOR: TERCEIRA CAMARA CIVEL COMARCA DE ORIGEM: RIO GRANDE SECAO: CIVEL RECURSO: APELACAO CIVEL NUMERO: 70000026625 RELATOR: LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS (grifos nossos)

            A Jurisprudência supracitada foi proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, adveio de uma apelação cível. A Ação Civil Pública foi proposta em virtude da ocorrência de um dano ao meio ambiente configurado pelo depósito irregular de lixo em lugar inapropriado, o que ocasionou prejuízos à sociedade. Percebe-se que a referida ação é o meio processual eficaz para garantir em juízo esse direito, por se tratar de um direito difuso, haja vista que não é possível a delimitação dos prejudicados, posto que são indefinidos. Outrossim, o depósito de lixo irregular em local inapropriado além de causar um dano ao meio ambiente, acaba afetando à saúde pública, outro direito fundamental metaindividual.             Os Desembargadores da terceira Câmara Cível entenderam pelo improvimento da apelação, confirmando a procedência da Ação Civil Pública. Fundamentaram o acórdão explicando que a referida ação era procedente e que era inevitável a condenação do Município, como causador do ato lesivo, isto é, como agente poluidor, sendo este o responsável civilmente pela reparação dos prejuízos causados.             Frise-se que a responsabilização do Município culminou na obrigação de fazer, qual seja, a realização de obras voltadas para recuperação da área que foi destruída pelo lixo, além do mais foi imposto ao pólo passivo da ação civil pública o pagamento de uma indenização, com o intuito de amenizar o dano patrimonial e extrapatrimonial cometido.             Analisando brevemente esta jurisprudência pode-se constatar a eficácia da Ação Civil Pública quanto à defesa do direito fundamental ao meio ambiente. Neste caso em específico, como o dano ambiental já havia ocorrido, a ação civil pública teve natureza indenizatória, buscando a condenação do responsável civilmente, bem como, a reparação do dano. Vê-se, portanto, que a ação civil pública procurou devolver à sociedade a sua dignidade.             .

5.             Conclusões

            O presente estudo, em linhas gerais, teve como objetivo observar a ação civil pública como mecanismo de efetivação do direito fundamental ao meio ambiente.              Inicialmente quanto ao direito ao meio ambiente, verificou-se que a evolução do direito brasileiro seguiu as tendências internacionais ao considerar o meio ambiente como essencial para que o ser humano pudesse gozar os direitos fundamentais, incluindo a vida; reconhecendo, pois, a elevação do direito ao meio ambiente saudável ao patamar de direito humano, consagrando o meio ambiente como um direito fundamental do ser humano, essencial para a manutenção da  dignidade da vida humana.             A ação civil pública, conforme se depreende do texto, foi fundamental para o avanço do sistema processual civil brasileiro quanto à defesa dos interesses difusos e coletivos, principalmente porque abriu o campo para o desenvolvimento do direito processual coletivo.             A lei 7.347/85 que instituiu a referida ação, refletiu a preocupação com a exigência da efetividade do processo. Não há que se questionar este instrumento processual como meio que ampliou o acesso à justiça, bem como, não há que se discutir a sua função reintegralizadora e harmonizadora das relações sociais.             Outro ponto bastante interessante foi a constatação de que a ação civil pública realmente possui um status de instrumento processual de ordem constitucional, o que lhe confere ainda mais eficiência na defesa dos direitos fundamentais, em especial o direito ao meio ambiente equilibrado.             Conclui-se ainda que a finalidade da ação civil pública é a de ajudar a organizar a sociedade civil, visto que os maiores interessados em defender o meio ambiente são os grupos que representam os interesses da sociedade, como por exemplo, as associações. Todavia, percebe-se que o Ministério Público ainda é detentor de maior parte das ações civis públicas, o que faz com que a legitimidade ativa dos demais legitimados seja mitigada. Portanto, cumpre à sociedade, isto é, aos grupos que representam a mesma, conscientizarem-se de que é fundamental retomar a finalidade de tão importante instrumento processual democrático que é a ação civil pública ambiental.             Embora seja inquestionável o uso da ação civil pública para resguardar interesses difusos relativos ao direito fundamental ao meio ambiente, há que se destacar que o seu maior obstáculo é a dificuldade de estabelecer o quantum indenizatório, visto ser bastante complicado demonstrar de forma global a extensão do dano. Este tema, portanto, merece aprofundamento, principalmente porque levará em conta outros aspectos da ação civil pública, como o seu processo de liquidação e os efeitos da coisa julgada. Por ora, cabe-nos apenas chamar atenção para esta problemática que tão cedo não será resolvida.

            Por fim, temos que realmente a ação civil pública é o instrumento capaz de se fazer cumprir o direito fundamental ao meio ambiente. Primeiro quando este direito estiver sendo ameaçado, inibindo o ato lesivo, protegendo assim o direito difuso da sociedade; e segundo, quando o direito fundamental ao meio ambiente tiver sido agredido, reparando e reprimindo os prejuízos causados pelo ato agressor à sociedade.

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, tradução de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro, Campus, 2004. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14º edição, São Paulo: Malheiros, 2004. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1998. GUERRA, Isabella Franco. A ação civil pública e o meio ambiente. Rio de Janeiro: Forense, 1997. GRINOVER, Ada Pellegrini. "Ações ambientais de hoje e de amanhã". In: Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. 470 p. p. 250-256. (Biblioteca de Direito Ambiental; v. 2). MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 1992. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. 8ª ed. São Paulo: RT, 2002. MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. MILARÉ, Edis. A ação civil pública na nova ordem constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990. SILVA, Bruno Campos (Org.). Direito ambiental: enfoques variados. Franca: Lemos & Cruz, 2004. SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 2ª ed. São Paulo. Malheiros. 1995

SOARES, Guido F.S. Direitos Humanos e Meio ambiente. In: Amaral Jr, Alberto Perrone Moisés, Cláudia (Org.) O cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. São Paulo, Edusp, 1999. p. 121-178.

 

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

 

“O acesso à justiça pode (...) ser encardo como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos” CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1998. p.12.

2  Idem, p.26

3  GERRA, Isabella Franco. Ação Civil Pública e o Meio Ambiente. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 81-89 4  GERRA, Isabella Franco. Op. Cit, p.89

5  MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. p. 228

6  WATANABE, Kazuo. Processo civil e interesse público - Introdução. In: SALLES, Carlos Alberto de (Org.). Processo civil e interesse público apud SILVA, Bruno Campos (Org.). Direito ambiental: enfoques variados. Franca: Lemos & Cruz, 2004 , p. 317.

7  Observa-se que a Lei nº 7.347/85 deu  legitimidade ativa a entidades privadas “desfocando a atenção do problema da legitimação e voltando-se para a”natureza do interesse material" que se pretende protegido pelo Poder Judiciário: pública será toda a ação que tiver por objeto a tutela de um "interesse público" ("lato sensu", significando não individual)”. MILARÉ, Edis. A ação civil pública na nova ordem constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 235

8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14º edição, São Paulo: Malheiros, 2004, passim.

9 SOARES, Guido F. S. Direitos humanos e meio ambiente. In:.. In: AMARAL JR., Alberto; PERRONE-MOISÉS, Cláudia. (Org.). O cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, p 131. 

10 Artigo 2º da Declaração de Estocolmo sobre o  Meio Ambiente Humano, 1972. 11 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, tradução de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro, Campus,  p. 6. 12 SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 2ª ed. São Paulo. Malheiros. 1995, p.2 13 SILVA, José Afonso. Op.Cit, p. 29.

14 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. 8ª ed. São Paulo: RT, 2002,  passim. 15 SILVA, Bruno Campos (Org.) Direito Ambiental: Enfoques Variados, p. 300.

16 GRINOVER, Ada Pellegrini. "Ações ambientais de hoje e de amanhã". In: Dano ambiental: prevenção, reparação  e repressão “,São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. 470 p.251

17 WATANABE, Kazuo. Processo civil e interesse público - Introdução. In: SALLES, Carlos Alberto de (Org.). Processo civil e interesse público apud SILVA, Bruno Campos (Org.). Direito ambiental: enfoques variados. Franca: Lemos & Cruz, 2004, p. 317

 

Como citar o texto:

FONTES, Karolina dos Anjos.A ação civil pública como mecanismo de efetivação do direito fundamental ao meio ambiente. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 240. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-ambiental/1805/a-acao-civil-publica-como-mecanismo-efetivacao-direito-fundamental-ao-meio-ambiente. Acesso em 23 ago. 2007.

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