Outro dia, ao adentrar numa escola pública, me deparei com uma cena trivial, porém com uma imensa carga de sentido. Entram, na secretaria da escola, uma jovem mãe e seu filho, ambos negros. Dirigindo-se ao funcionário da unidade escolar, a mãe perguntou se havia vaga para seu filho. Já estava em mãos, numa bolsa plástica, toda a documentação necessária para realizar a matrícula, como se já soubesse do que precisava para efetivá-la. Na verdade, não sabia, foi apenas precaução. Tudo na mais perfeita normalidade, até o instante do preenchimento do campo “Raça/Etnia” do formulário de matrícula.

Nesse momento, em meio ao olhar totalmente desconcertado do funcionário da escola, indeciso no modo de como fazer a pergunta se a criança era negra, parda, branca ou indígena, o atendente perguntou:

- Como a senhora considera seu filho: branco, negro, indígena, pardo?

- Moreninho, disse a mãe (com a voz trêmula e meio sem jeito).

- Senhora, moreninho não tem aqui no formulário.

- Mas ele é moreninho, insistiu a jovem.

Depois de algum tempo, entraram num consenso e a matrícula foi efetuada. Durante algum tempo fiquei a refletir aquela cena, aparentemente boba. Parecia-me visível o autopreconceito que a senhora tinha ao dar a informação solicitada para o preenchimento do formulário de matrícula. Será que estou equivocado? Pensei.

 Não consegui “digerir” muito bem a situação, será que estava errada a percepção que tive? Sinceramente, até hoje não encontrei a resposta. Mas o que me deixou verdadeiramente perplexo e pensativo é o fato de ainda existir preconceito quanto à raça, etnia ou cor de pele nesse país. A “historinha” contada é o mais simples e um dos milhares e milhares de exemplos de preconceito que ainda perduram em nossa sociedade.

Enquanto esse sentimento asqueroso está implícito no mais íntimo da consciência do indivíduo sem ser exteriorizado, é vergonhoso, mas incontrolável, pois ninguém, nem mesmo uma lei, pode proibir alguém de pensar. O grande problema acontece quando esse pensamento se transforma em ação, se concretiza. Aí reside o X da questão. Quando o preconceito, antes oculto, aflora em gestos e ações, têm-se atitudes criminosas. Os crimes que podem advir dessas ações são: o racismo e a injúria racial. Mas não é a mesma coisa? Infelizmente são uma triste realidade, mas não são crimes iguais, são diferentes, com penas também diferentes. Porém, nada impede que algum estúpido cometa os dois de uma só vez, lamentavelmente!

O crime de injúria racial está descrito, em nosso Código Penal, no rol de crimes contra a honra. Ocorre quando a honra de uma pessoa é atingida por um xingamento ou por um gesto direcionado diretamente a ela. Para ficar mais claro, podemos citar, como exemplo, as situações em que esse crime ocorreu aqui no Brasil, em jogos nos estádios de futebol quando, nessas ocasiões, jogadores negros foram chamados de macacos pela torcida ou por algum adversário durante o jogo. Lamentável, mas ocorreu e ainda ocorre. É um crime grave, porém admite fiança e prescreve, e não está restrito apenas aos critérios raça, etnia e cor; pode, portanto, estar relacionado também à religião, à nacionalidade e à condição de idoso ou deficiência de alguém. Só que nesses casos, o crime chama-se apenas injúria, e o motivo é óbvio!

Já o crime de RACISMO é bem mais grave. Tão grave que está descrito em nossa Constituição Federal como inafiançável e imprescritível. O que isso quer dizer? Quando é possível a fiança o indivíduo que cometeu o crime, paga por sua liberdade provisória e não fica detido. E, quando se diz que um crime prescreve, é porque se passou muito tempo desde sua ocorrência e o Estado não possui mais o direito de punir. Imaginem só como o racismo é grave, pois não admite a fiança e muito menos o Estado perderá o direito de puni-lo, não importa quanto tempo passe. Mas em que consiste o racismo mesmo? Nesse crime, por motivos raciais, alguém é proibido ou impedido de exercer algum direito como, por exemplo, ser impedido de entrar e um estabelecimento comercial ou em um clube.

Como já foi dito, nada impede que alguém (um estúpido) cometa os dois crimes de uma só vez, em um único ato. Mas aqui é interessante um pouco mais de atenção. Há um dizer popular que já ouvi bastante que diz: “quem pode o mais, pode o menos”. O que isso quer dizer? Quem comete o crime de racismo, facilmente pode acabar cometendo o de injúria racial, é só, além de proibir a realização de um direito, fazer isso se baseando em xingamentos e ofensas. Mas, quem comete injúria, só comete racismo também, se impedir que um direito seja exercido pela pessoa ofendida.

Infelizmente, tanto o racismo quanto a injúria racial, ainda são praticados constantemente em nosso país. E são inúmeros os casos! O grande problema é que nem todos chegam à justiça. Muitos dos ofendidos acabam relevando a situação e não prestam queixa. É triste e lamentável o fato de ter que existirem leis para punir a falta de tolerância entre os homens, principalmente no Brasil, onde a mistura de etnias é o que melhor nos caracteriza como brasileiros. Preconceito, racismo, injúria racial, era melhor que vocês não existissem!

 

 

Elaborado em março/2015

 

Como citar o texto:

SANTOS, Luiz Tiago Vieira..Racismo ou injúria racial? O ideal seria: nem um, nem outro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 24, nº 1268. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/cronicas/3587/racismo-ou-injuria-racial-ideal-seria-nem-nem-outro. Acesso em 5 jul. 2015.

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