Trata-se de artigo que analisa eventual nulidade no tribunal do júri, quando o réu é submetido a julgamento com roupas de carceragem.

É comum, nas carceragens brasileiras, o réu preso ser encaminhado ao plenário do tribunal do júri com roupas de presídios padronizadas (cor azul, amarela, laranja), macacão para identificação da pessoa do preso. No entanto, conforme as normas mínimas para o tratamento do preso, estabelecidas pela ONU (resolução 663 C I (XXIV), de 31 de julho de 1957, aditada pela resolução 2076 (LXII) de 13 de maio de 1977), roupas de vestir, camas e roupas de cama, nº 17. 3, o preso ao sair do instituto penitenciário tem o direito de vestir suas vestimentas cívis:

“Em circunstâncias excepcionais, quando o preso necessitar afastar-se do estabelecimento penitenciário para fins autorizados, ele poderá usar suas próprias roupas, que não chamem atenção sobre si….”.

Assim, caberá ao defensor garantir no caso concreto que o réu preso seja sempre submetido ao tribunal do júri com suas vestimentas civis, pois se trata de verdadeiro direito e garantia fundamental da pessoa humana, de ser julgado com suas próprias vestimentas. Além disso, é certo que se o acusado for a julgamento popular com o “macacão” do presídio causará influência indevida no ânimo dos senhores jurados, que tenderão a condená-lo, bem como presumir culpa e risco à sociedade, causando ofensa ao princípio da presunção de inocência.

É certo que adotamos o direito penal do fato e não o direito penal do autor, onde se julga o fato praticado pelo acusado e não pela pessoa (ou vestimentas). Todavia, o tribunal do júri é composto por juízes leigos que decidem de forma desmotivada, ou seja, sem expor suas razões, o que deve ser sempre observado em face do princípio do sigilo das votações, por tal razão é temerária a presença de um símbolo de culpa tão marcante como esse no júri.

Logo, não deve o defensor aceitar realizar a sessão de julgamento quando o preso estiver com os “macacões” de presídio, por evidente afronta às normas mínimas de tratamento ao preso, estabelecidas pela Organização das Nações Unidas, e, sobretudo, ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana do preso (art. 1, inciso III, CF/88), causando absoluto cerceamento do direito de defesa.

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, o art. 5, inciso III, estabelece que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, vedando, ainda, qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais (inc. XLI, art. 5.º CF/88). Portanto, a submissão do réu preso a um julgamento público com vestimentas padronizadas de presídios causa grave ofensa aos direitos fundamentais da pessoa presa.

No Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos alicerces de nosso sistema constitucional, que, aliado à prevalência dos Direitos Humanos (inc. III art. 1.º cc. inciso II do art. 4.º CF/88), apresenta efeito erga ommes. Assim, uma alternativa para evitar tamanho prejuízo à defesa do réu seria o defensor requerer ao magistrado-presidente da sessão de julgamento que o réu possa usar suas vestimentas civis fornecidas pela família, mesmo que somente no momento da sessão de julgamento.

O importante é garantir ao acusado preso de crimes dolosos contra a vida um julgamento justo e imparcial, assegurando-se como direito fundamental o uso de vestimentas civis condignas no seu próprio julgamento. A submissão de um réu preso a julgamento com vestimentas dos presídios poderá configurar nulidade absoluta no processo, ao passo que deposita sobre os jurados pressão indevida, afetando a imparcialidade do conselho de sentença, além do evidente atentado contra as garantias fundamentais e normas mínimas de tratamento ao preso.

Por tal razão, o defensor deve sempre realizar o devido protesto na ata da sessão de julgamento, para eventual defesa da presente nulidade em sede de apelação criminal. Além disso, os julgamentos no tribunal do júri são marcados pela publicidade, pela presença da mídia, onde a imagem do preso com “macacão” poderá ser ventilada nos jornais, causando irreparável constrangimento à imagem e personalidade do preso.

De mais, salta aos olhos a ofensa ao princípio da isonomia, pois os acusados de crimes dolosos contra a vida que respondem o processo em liberdade podem ir ao julgamento com vestimentas de sua escolha, enquanto que os réus presos seriam coagidos a vestirem uniformes “macacão” de presídio. Nesse sentido, estabelece o art. 5º, da CF/88, que “todos são iguais sem distinção de qualquer natureza…”.

Importante destacar que, mesmo ao preso preventivamente, prevalece o princípio da presunção de inocência, sendo todo acusado inocente até que haja sentença penal condenatória transitada em julgado, o que reforça ainda mais o direito fundamental do réu poder usar as suas vestimentas civis em seu próprio julgamento.

Dessa forma, sendo o conselho de sentença formado por juízes leigos, mostra-se de extrema relevância a abolição dos símbolos de culpa, tais como os “macacões” de presídios, que são verdadeiras formas de tratamento vexatório ao preso e ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Data da conclusão/última revisão: 15/05/2020

 

Como citar o texto:

DA COSTA JÚNIOR, Osny Brito..Réu com roupas de carceragem: nulidade do júri?. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 18, nº 981. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/10205/reu-com-roupas-carceragem-nulidade-juri-. Acesso em 5 jun. 2020.

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