RESUMO:

O presente artigo tem como o seu escopo principal, demonstrar a incidência ou não dos princípios do contraditório e ampla defesa no inquérito policial, mostrando seus os reflexos tanto frente ao advogado como também ao indiciado, e posteriormente ao Juiz. Para que tal objetivo seja alcançado, inicialmente será abordado a respeito do real significado de inquérito policial, passando posteriormente a sua evolução histórica ao longo do tempo e a aplicabilidade de alguns princípios processuais, dando maior importância aos princípios do contraditório e ampla defesa. Por fim, serão analisados por doutrinas e entendimentos jurisprudenciais, os impactos positivos que a utilização desses princípios acarreta a essa fase pré-processual, dirimindo assim as polêmicas a respeito desse tema, e deixando assim uma opinião coerente a respeito. Portanto, tentou-se com este trabalho demonstrar a necessidade da utilização dos princípios do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial, para uma garantia eficaz dos direitos constitucionais do indiciado.

Palavras – Chave: Contraditório. Inquérito. Policial.

CONTRADICTORY AND BROAD DEFENSE IN POLICE INQUIRY

ABSTRACT:

This article has as its main scope, to demonstrate the incidence or not of the principles of the contradictory and broad defense in the police inquiry, showing its reflexes both to the lawyer as well as to the accused, and later to the Judge. For this, it will be initially approached about the real meaning of police inquiry, later passing its historical evolution over time and the applicability of some procedural principles, giving greater importance to the principles of contradictory and broad defense. Finally, it will be analyzed through doctrines and jurisprudential understandings the positive impacts that the use of these principles entails in this pre-procedural phase, thus resolving the controversies on this subject, and thus leaving a coherent opinion on the subject. Therefore, this work has attempted to demonstrate the need to use the principles of the adversarial and broad defense in the police inquiry, for an effective guarantee of the constitutional rights of the accused.

Keywords: Contradictory. Inquiry. Police.

 

1. INTRODUÇÃO

Apesar da grande evolução que o direito vem sofrendo com o passar dos anos, alguns temas parecem ainda estarem parados no tempo, é o que podemos verificar com a aplicabilidade dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa no inquérito policial. Tal direito fundamental encontra previsão no art. 5°, LV, da Constituição federal, onde garante à pessoa o direito ao contraditório e a ampla defesa em processos judiciais ou administrativos. Desse mesmo artigo, se inicia toda a confusão terminológica e a discussão à cerca da aplicação ou não desses princípios constitucionais, de um lado estão juristas que por uma interpretação literal do artigo acima citado acreditam que o inquérito policial não constitui um processo, dessa forma não devendo ser aceitas as garantias constitucionais de todo cidadão. Do outro lado estão os que acreditam se tratar apenas de meras confusões terminológicas, uma vez que o próprio inquérito pode ser etiquetado como um processo judicial sui generis. Numa segunda análise, é possível vislumbrar também, que o inquérito policial vai muito além de um simples procedimento, uma vez o indiciado pode ter um dos seus maiores bem jurídicos suplantado, ou seja, a sua liberdade. Se faz necessário ressaltar também que um inquérito bem estruturado causa grande relevância no procedimento como um todo, até que se possa averiguar a verdade real dos fatos, deixando de cometer dessa forma, futuras injustiças.

Importante salientar ainda da condição de acusado, em que o investigado é posto pelo Estado, uma vez em que este utiliza de todo seu poder coercitivo, enquanto o investigado fica a disposição para sofrer toda a intervenção e força oferecida pelo Estado.

 

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INQUÉRITO POLICIAL

No mundo o surgimento do inquérito policial começa a mostrar os seus primeiros resquícios, segundo Coulanges (1998, p 263), na época da Grécia antiga, onde os atenienses utilizavam uma prática investigatória, sem qualquer caráter contraditório, que tinha como escopo, analisar a probidade individual e familiar dos que se elegiam para o cargo de magistrados, sendo alguns desses ainda responsáveis pelo cargo policial.

Já no Brasil o surgimento do inquérito policial se dá na data de 20 de setembro de 1871, onde segundo Daura (2007, p. 102), a lei 2033 regulamentada pelo decreto 4824 de 22 de novembro de 1871, abordou o tema, trazendo a fundamentação do inquérito no seu artigo 42, qual seja:  “O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, das suas circunstâncias e dos seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito”.

A terminologia, inquérito policial, começou a ser utilizada no Brasil na data acima citada, mas se aprofundarmos um pouco mais é possível vislumbrar no código de processo de 1832 ele sendo chamado de procedimento informativo do processo.

Neste diapasão, o atual código de Processo Penal introduzido pelo Decreto Lei n° 3.689 de 3 de outubro de 1941, manteve o inquérito policial; fundando a sua importância na garantia de defesa dos direitos do cidadão frente, acusações infundadas e abusivas, dessa forma sendo totalmente recepcionado pela CRFB/88.

 

2.1 – CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL

O inquérito policial pode ser entendido como um procedimento administrativo que tem o condão de reunir provas em relação a suposta prática de uma infração penal e o seu autor.

Nas palavras de Nucci:

Trata de um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria. Seu objetivo precípuo é a formação da convicção do representante do Ministério Público, mas também a colheita de provas urgentes, que podem desaparecer, após o cometimento do crime, bem como a composição das indispensáveis provas pré-constituídas que servem de base à vítima, em determinados casos, para a propositura da ação privada (NUCCI, 2007 p.62)

Júlio Fabbrini Mirabete, em relação ao inquérito policial discorre que:

Inquérito policial é todo procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de obter na instrução judiciária, como auto de flagrante, exames periciais, etc., (MIRABETE, 2001, p. 41).

Para a jurista Maria Helena Diniz, o inquérito pode ser conceituado como:

INQUÉRITO POLICIAL. Direito Processual Penal. 1.Peça inicial para o procedimento da ação penal. 2. Conjunto de diligências efetuadas pela autoridade policial, imprescindíveis para descobrir a verdade sobre o fato criminoso, suas circunstâncias e seu autor, e para apurar a responsabilidade do indiciado. É no inquérito policial que se pode colher dados que seriam difíceis de obter na instrução judiciária (DINIZ, 2005, p. 136).

Desta forma, trata-se o inquérito policial de uma ferramenta pré-processual, com condão de fazer uma apuração dos crimes que ocorrerem, determinando sua autoria, fatos que ocorreram e primeiro de tudo garantir os direitos constitucionais do indiciado, o que seria quase impossível de ocorrer apenas com o processo judicial.

Nessa fase qualquer informação errada pode prejudicar todo o processo, se faz necessário então que a autoridade policial não faça juízo de valor dos fatos, mas sim elucide como ocorreu o ilícito, fornecendo elementos para o Ministério Público e o sujeito do suposto crime, para trabalharem nas suas acusações ou defesas.  Dessa forma a autoridade policial não deve ter a finalidade de fazer uma denúncia ou uma sentença nos seus relatórios conclusivos, deixando tais atribuições às pessoas competentes para o mesmo, se limitando assim a apresentar apenas a verdade real dos fatos em que ocorreu o ilícito.

Uma característica importante do inquérito policial diz respeito as garantias jurídicas do indiciado, que tem direito ao acompanhamento por advogado de todos os atos do auto de investigação. Desta feita, se faz necessário salientar ainda que o advogado tem o direito de acesso a esses autos mesmo com a possibilidade de serem decretados sigilosos alguns atos do mesmo, que possam trazer prejuízos a linha de investigação e ao resultado final do processo, conforme disposto no art. 20 do cpp, “ Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo a elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”. No entanto a realização de alguns atos procedimentais poderá ser vedada ao advogado se houver decisão fundamentada do juízo no sentido de que o acompanhamento pelo profissional do direito causaria prejuízo ao procedimento.

Existe ainda um entendimento doutrinário muito falho, no sentido de que o inquérito se destina apenas ao Ministério Público, o que não é verdade, uma vez que deve ser analisado levando em consideração o Princípio da dignidade humana, onde a investigação tem que ser revelada a todas as partes, principalmente a mais interessada, qual seja, o indiciado que pode ser atingido diretamente pelo seu resultado.

 

2.2 – INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR

Cabe ressaltar que a base do processo penal, vem de uma essência garantista, contudo ela não pode se afastar dos fundamentos maiores cujo qual está destinada a servir, uma vez que não possui como único fundamento a instrumentalidade, pois, há que ressaltar a necessidade de evitar acusações ou processos norteados por inverdades. 

Portanto, se faz necessário, designar uma investigação capaz de abranger todos os atos praticados pelo agente e, ao mesmo tempo, consiga prestar o máximo de lisura possível com o emprego de uma investigação com o mínimo de respeito a tais princípios.

Cabe afirmar que é nesta instrução ou investigação preliminar, que será informada a veracidade fatídica, para que seja formado o opinio delicti por parte da autoridade policial. Ainda, faz menção a todo o conjunto de conhecimentos adquiridos durante a investigação, com o objetivo final de obter o máximo conhecimento possível a respeito do caso investigado.

Ao tratarmos de inquérito policial, devemos levar em consideração o termo instrução e não investigação, uma vez que existe a possibilidade maior de abrangência, pois pode se referir além da investigação policial, como também a atividade judicial. Ainda podemos afirmar que a incoerência existente no emprego do instituto da investigação, quando tratamos na modalidade preliminar uma vez que não existe investigação definitiva.

Quando falamos instrução, tratamos a respeito da preliminar feita pela autoridade policial e a instrução que é feita durante a fase processual. Contudo, no Brasil o termo mais adotado é o de investigação, reservando instrução para a fase processual.

 

2.3 – DA IMPORTÂNCIA DAS PROVAS PRODUZIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL

Ao tratarmos de inquérito policial, devemos destacar que o Código de Processo Penal, fala que a denúncia ou queixa serão executadas e instruídas com o auxílio do inquérito policial, quando este servir de parâmetro para as mesmas. Portanto, destacamos que o Inquérito Policial não é o único elemento capaz de formar a ação penal.

Mediante tal relato, existe uma grande contradição quando o assunto é valoração quando se analisa inquérito e processo, pois quando a autoridade judiciária quer se utilizar do inquérito policial, utiliza o argumento presente no art. 12 do Código de Processo Penal, justificando que o inquérito acompanha a denúncia ou a queixa, passando a tomar corpo no processo. Contudo, quando é possível detectar e arguir as nulidades existentes no inquérito é alegado que as mesmas são irrelevantes, uma vez que o inquérito não faz parte do processo.

Ante tais afirmações, se o magistrado entende que o inquérito serve de base para valorar a sentença, através das provas produzidas e existentes no mesmo, há de se afirmar que o Inquérito Policial é parte integrante do processo em todos os seus efeitos, podendo produzir resultados positivos ou negativos através das suas provas produzidas.

Porém, não podemos levar em consideração que a afirmação de que as irregularidades presentes no Inquérito policial são irrelevantes, onde na oportunidade, a autoridade judiciária fundamenta sua decisão afirmando que as provas produzidas não alcançam o processo. Contudo, ao mesmo tempo, quando lhe é favorável, aceita que as provas produzidas durante a investigação policial, servem como base para a fundamentação da sentença, ainda ressaltando que os praticados pela autoridade policial possuem a presunção de serem verdadeiros.

Desta forma, não deve ser levado em consideração as provas produzidas no inquérito policial e sim todos os elementos presentes no processo, inclusive aqueles produzidos e testificados durante a fase judicial, cuja qual tem a obrigação da efetiva aplicação do contraditório e ampla defesa. Portanto, é a fase judicial que possui maior respaldo para aplicação dos elementos de convicção, apreciando-os como provas legais.

Cabe ressaltar que os elementos colhidos no inquérito policial são extremamente frágeis, uma vez que não estão assistidos pelos princípios do contraditório e da ampla defesa. Nesta fase, aquele que está sendo investigado é suprimido à esfera dos direitos garantidos pela constituição, fazendo com que seja necessário que tais princípios sejam colocados em prática pela autoridade judicial.

Porém, o julgador não precisa se prender aos elementos de as provas, produzidas no inquérito policial, podendo ainda repetir durante a fase judicial, garantindo a efetiva aplicação do contraditório e ampla defesa. Contudo, existem algumas provas que não podem ser executadas em outro momento, pelo fato temporal; uma delas é a perícia, mediante tal afirmação, insta trazer o entendimento de Di Marco a respeito de perícia:

Perícia é o exame feito em pessoas ou coisas, por profissional portador de conhecimentos técnicos e com a finalidade de obter informações capazes de esclarecer dúvidas quanto a fatos. Daí chamar-se perícia, em alusão à qualificação e aptidão do sujeito a quem tais exames são confiados. Tal é uma prova real, porque incide sobre fontes passivas, as quais figuram como mero objeto de exame sem participar das atividades de extração de informes. (DI MARCO, 2004, p.82)

Portanto, há de se afirmar que a perícia realizada em fase de investigação policial, tem o contraditório retardado, uma vez que é uma prova cautelar, pois possui o intuito de preservar o estado que as coisas se encontravam antes dos fatos.

Como apresentado, as provas produzidas durante o inquérito policial, devem passar pelo crivo do contraditório e ampla defesa, porém as perícias que não puderem ser realizadas em outra oportunidade serão submetidas ao contraditório diferido, uma vez que a sua elaboração com o passar do tempo pode se tornar inútil.

Ao tratar deste tipo de prova, que deve ser assistida pelo contraditório diferido, o juiz deverá analisar todo o contexto probatório, bem como a qualidade técnica com que estas provas foram elaboradas.

Há de se ressaltar que não existe uma condenação apenas fundamentada com as provas contidas no inquérito policial, uma vez que a sua instrução é provisória e instrumental ou até mesmo pela periodicidade da inobservância do contraditório e da ampla defesa.

Deve-se asseverar que é corriqueiro ver denunciados sendo absolvidos pela ausência de provas concretas, mesmo sendo efetuada sua oitiva perante a autoridade policial, uma vez que como foi bem frisado no desenrolar da presente pesquisa, não há observância do contraditório e ampla defesa perante o inquérito policial. Deveras, se as provas produzidas durante a fase policial e elencadas no inquérito policial, não forem submetidas as estes princípios constitucionais, não poderão ser apreciadas pelo juiz ao efetuar a sentença.

Neste espeque, frisa-se que as provas documentais, perícias, os depoimentos e as demais provas produzidas em fase policial, possuem o mínimo valor probante possível, sendo necessária uma análise minuciosa, para posteriormente ser declarada como válida e poder ser aplicada na fase judicial.

Há de se ressaltar que é o princípio do contraditório que traz aos documentos elencados ao inquérito policial, a sua qualidade de prova válida, uma vez que abre o preceito para a defesa contra argumentar, sendo exercida a ampla defesa pela parte que está sendo acusada, existindo o balanceamento entra a acusação e a defesa, obedecendo aos princípios constitucionais.

 

3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

A palavra princípio nos passa uma ideia de origem, que inicia algo ou alguma coisa.  Desta forma, podemos entender que os Princípios constitucionais, são ideias criadas com a finalidade de servirem de alicerce para todas as outras normas que estão inseridas em nosso ordenamento jurídico.

Desta forma, entende o doutrinador Reale (2002, p. 60), que “princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados num sistema de conceitos relativos a cada porção de realidade”.

Ultrapassando essa ideia de base para outras normas, os princípios nos servem ainda como um caminho a se seguir nas mais diferentes situações, tanto na esfera cível, como na criminal, na Trabalhista ou em qualquer outra área jurídica.

Uma vez explanado a cerca desse princípio, será abordado a respeito da questão cerne desse trabalho, a aplicação dos princípios do contraditório e ampla defesa no inquérito, demonstrando como se dá a sua incidência, e o que a jurisprudência e a doutrina tem entendido sobre o tema.

 

3.1- PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

O princípio do contraditório encontra base legal no artigo 5° Inciso LV da Constituição Federal de 1988, sendo uma espécie de forma assegurada de defesa a qualquer das partes em processo administrativo ou judicial. Pelo disposto no artigo acima citado, podemos inferir que, “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. 

Alguns autores entendem que para existir o Contraditório, se faz necessária a incidência da ampla defesa, uma vez que existe uma bilateralidade entre as partes, onde ambas terão direito de defesa, e poderão impugnar alegações das outras, é o que entende Vicente Greco filho, quando diz que:

O Contraditório pode ser definido como o meio ou instrumento técnico para a efetivação da ampla defesa, e consiste praticamente em: poder contrariar a acusação; poder requerer a produção de provas que devem, se pertinentes, obrigatoriamente ser produzidas; acompanhar a produção das provas, fazendo, no caso de testemunhas, as perguntas pertinentes que entender cabíveis; falar sempre depois da acusação; manifestar-se sempre em todos os atos e termos processuais aos quais deve estar presente; e recorrer quando inconformado (Greco 2010, p.57).

A principal função do princípio do contraditório passa a ser então a possibilidade das partes se defenderem de acusações contrárias, de modo que se uma parte alega algo, a outra tem total direito de se defender das acusações que foram feitas. Dessa forma o contraditório se mostra como uma forma das partes participarem de todas as fases em que o processo passar, podendo se defender de acusações em todas elas.

Cabe ressaltar que, a unilateralidade do inquérito policial, não afasta o direito do advogado em ter acesso a todos os atos praticados em fase policial, uma vez que este direito é uma das garantias jurídicas do indiciado. Em que pese os autos que contém toda a investigação do denunciado serem sigilosos, se faz necessário o seu conhecimento para manter o direito ao contraditório e até mesmo a ampla defesa.

Ademais, a necessidade de uma defesa elaborada por profissional habilitado, se justifica no próprio princípio da paridade de armas, pois na acusação temos a máquina estatal representada pelo Ministério Público, que possuem o auxílio da polícia judiciária, enquanto do outro lado está o denunciado representado pelo seu advogado constituído ou através da Defensoria Pública.

Portanto, se faz necessária a atuação da defesa em toda a fase de investigação, resguardando os direitos do denunciado, uma vez que dependendo do crime, já poderá ser impetrado pedido de liberdade provisória, habeas corpus dentre outros recursos.

O Supremo Tribunal Federal, ainda decidiu em sua súmula 14, da seguinte maneira:

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

Ainda pode-se destacar que, sem o contraditório não há de se falar em devido processo legal, uma vez que o contraditório é a garantia constitucional para que todo ato realizado exista reação adequada e equilibrada, garantindo uma aplicação eficaz da lei, produzindo uma igualdade entre aquele que está investido de poder, representante do estado que fica a encargo de realizar a investigação e entre aquele que está no polo passivo da investigação, cujo o qual necessita que lhe seja garantido uma investigação com o maior zelo possível.

Algumas medidas que são garantidas pelo contraditório durante a investigação criminal são, realizar pedidos, argumentar a sua verdade a respeito do fato, poder explanar e apresentar argumentos necessários para demonstrar que os seus requerimentos possuem embasamento concretos e devem ser levados em consideração, desclassificando aqueles elaborados pela parte contraria.

Cabe destacar que é garantido pelo contraditório, a presença do instigado e daquele que lhe investiga munido de garantias e poderes tutelados pela Estado, durante a produção de provas, bem como garante o direito de ser ouvido pelo delegado seja durante a fase de investigação ou até mesmo no momento da prisão em flagrante delito.

Portanto a aplicação de tal princípio garante ao agente que sofre a investigação e a autoridade que elabora toda a investigação e o inquérito policial, a garantia de inexistência de nulidades de todos atos praticados, durante todas as fases presentes nesta fase.

Por fim, se faz necessário salientar a importância da possibilidade de defesa e produção de provas daquelas pessoas que estão sendo investigadas, e passam a sofrer um tratamento discriminatório por parte da população, que não procura entender pelo menos a verdade real dos fatos. Na maioria das vezes, se não fosse pelo princípio do contraditório o acusado seria condenado sem a garantia de se defender e ainda contaria com sua reputação manchada perante a sociedade, tendo prejuízos irreparáveis para sua vida pessoal, assim como também para sua vida profissional.

 

3.2 PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA

Para construir um conceito forte a Respeito da ampla defesa, podemos iniciar analisando a definição dada por Alexandre de Moraes, onde o mesmo diz que:

Por ampla defesa, entende-se o garantia que é dada ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de calar-se, se entender necessário (MORAES, 2001, p.118).

Após análise da definição acima, fica evidente o caráter de garantia processual que a ampla defesa carrega, não devendo ser vedado esse direito a ninguém que esteja sendo acusado.

Além dos meios de prova inerentes a ampla defesa, existem inúmeras outras garantias, talvez mais importante que esse conjunto de provas, que estão ligadas diretamente a esse princípio; que nas palavras de André Rovégno podemos destacar os seguintes:

A necessidade de se conferir ao acusado, além da defesa pessoal (autodefesa), defesa técnica, com a possibilidade, para os mais necessitados, de obtenção de assistência jurídica integral e gratuita; a imperativa observância da ordem de manifestação no processo, com a defesa falando sempre por último; a existência de acusação clara e precisa; a plena possibilidade de apresentação de alegações e dados fáticos contra a acusação; a possibilidade de acompanhar a prova produzida; a possibilidade de impugnar, por meio de recurso, toda decisão desfavorável; a concessão de tempo e meios adequados para a preparação da defesa; e, por fim, o direito de não ser obrigado a depor contra si. (ROVÉGNO, 2005, p. 269/270)

Como já foi dito anteriormente, esses dois princípios, cernes desse trabalho, caminham sempre juntos, sendo uma tarefa difícil à distinção entre ambos, nas palavras de Vicente Greco filho “o contraditório pode ser definido como o meio ou instrumento técnico para a efetivação da ampla defesa”.  Partindo desta definição tem-se que o contraditório garante a existência da ampla defesa, entendimento esse que não causa divergências na doutrina, uma vez em que nas palavras de André Rovégno, o mesmo acredita se tratar de:

Dois princípios que caminham lado a lado e que se tocarão nos mais diversos momentos e nas mais diversas situações. Vistos os dois princípios sobre esse enfoque, que realça a essência de cada uma das ideias, parecem-nos, portanto, diferenciáveis. (ROVÉGNO, 2005, p. 281)

Portanto, a ampla defesa, nada mais é que um direito do acusado, para lhe resguardar e manter a segurança jurídica do processo. Tendo como objetivo central o de manter a ordem e as garantias durante o desenrolar da ação penal, regulando os atos praticados no processo.

Cabe ressaltar que a ampla defesa pode ser vislumbrada, no momento em que o denunciado toma ciência de todos os crimes que a ele foi imputados; poder apresentar sua defesa de forma livre; constituir advogado para lhe representar perante o juízo e gozar de todos os meios de provas no direito admitido. Podendo inclusive recorrer das sentenças que não lhe forem favoráveis, trazendo ao processo a garantia de que todos os atos foram praticados sem que houvesse o cerceamento da defesa do denunciado.

Deveras, deve-se mencionar que o direito ao contraditório decorre de uma ampla defesa, ou seja, o mesmo nasce no momento em que o denunciado pode praticar os atos processuais de forma plena, sem objeção e sem o cerceamento defesa, uma vez que tais garantias mantém o equilíbrio entre a acusação e defesa.

Portanto ao analisarmos a ampla defesa, devemos mencionar o princípio constitucional que o menciona, qual seja o art. 5°, LV, da Constituição Brasileira, “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Para uma defesa eficaz se faz necessário um conhecimento amplo de todo os meios utilizados pela acusação antes de imputar tais crimes para o seu cliente, uma vez que, também é necessário esclarecer para aquele que sofre a acusação, toda a extensão daquilo que lhe foi imputado, inclusivo a possibilidade de uma eventual condenação e suas possibilidades de recurso.

Feita toda essa explanação a cerca dos princípios, e a distinção do contraditório e ampla defesa, passa-se agora a tratar da questão nuclear deste trabalho, demonstrando de que forma essas garantias constitucionais podem ser utilizadas mesmo num procedimento administrativo inquisitório.

 

3.3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO INQUÉRITO POLICIAL

Para que seja garantida uma aplicação correta do Direito de forma ampla e geral e para a valoração da norma no processo, aquele que está sobre o fardo de interpretar a norma, não deve se ater apenas ao texto constitucional.

Mediante todas as normas existentes, há de se destacar aquelas que fazem parte do Processo Penal, uma vez que este também, possui uma série de princípios que são necessários para garantir ao denunciado um processo correto e em consonância com as normas existentes.

O doutrinador Marco Antônio de Barros nos traz que o princípio é o dogma fundamental que tem o condão de harmonizar o sistema normativo com lógica e racionalidade. (BARROS, 2005, p. 25).

No ordenamento jurídico brasileiro, o direito Penal possui princípios que acompanham o momento histórico cujo qual vivemos, influenciado ainda pela própria política. Uma vez que hoje estamos no regime democrático, os princípios norteadores do Processo Penal devem estar de acordo com a Constituição Federal de 1988.

Alguns princípios se destacam frente aos demais, pode-se destacar: o princípio da legalidade, do devido processo legal, da publicidade da inadmissibilidade de provas produzidas por meios ilícitos, da inocência e não culpabilidade, dentre outros.

Abaixo alguns princípios que são de suma importância para a elaboração do presente trabalho.

 

3.4 – PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Conforme o entendimento de Antonio Scarance Fernandes, o processo é constituído de forma metodológica do direito processual, o qual anseia e explana os institutos fundamentais da jurisdição, ação e defesa. Sendo necessário analisar com antecedência as normas constitucionais sobre todo o processo, onde há de se observar toda a estruturação correta durante a execução dos atos do processo, sejam aqueles exercidos pela autoridade estatal e os elaborados pelas partes presentes no processo, sendo mantida a equidade para todos. (FERNADES, 2007, p. 35).

Ainda conforme o entendimento de Antonio Scarance Fernandes:

Predominou inicialmente uma visão individualista do devido processo legal, destinado a resguardar direitos públicos subjetivos das partes (...), perdeu força ante a preponderância de uma ótica publicista, segundo a qual as regras do devido processo legal são garantias, não direitos, das partes e do justo processo (...). (FERNADES, 2007, p. 47).

Mediante o que foi afirmado anteriormente, Humberto Fernandes nos traz que:

(...) um processo onde não se resguarda a ampla defesa, o contraditório, a igualdade ou a paridade de armas, estar-se-ia ofendendo o princípio do devido processo legal. Dessa forma, conclui-se que o devido processo legal é a garantia processual maior, de onde surgem os demais princípios. (MOURA, 2006, p. 50).

Portanto, entende-se que a doutrina afirma que é necessária a observância de uma série de garantias de normas de um processo já definido, de forma que não sejam injustas.

Este princípio se torna importante na presente pesquisa, uma vez que assegura ao denunciado que os seus direitos serão resguardados em toda a fase processual, a qual está repleta de atos a serem elaborados, executados na fase do inquérito policial.

 

3.5 – DA INADMISSIBILIDADE DE PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS

A Constituição em seu artigo 5°, LVI, garantiu a inviabilidade de provas obtidas por meios ilícitos, uma vez que viola garantias individuais de natureza constitucional.

A vedação destas provas obtidas de maneira ilícita, decorrem da observância e respeito ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o qual deve se sobrepor a vontade do Estado, limitando a fase investigatória.

A constituição Federal, ao fazer menção à prova ilícita, está abrangendo todos os tipos de provas ilegais produzidas, ou seja, aquelas que violarem as normas processuais, violarem as normas de direito material; cabe ressaltar que as provas ainda podem ser ilícitas e ilegítimas perante o ordenamento jurídico, ao violarem ao mesmo tempo, as normas processuais e materiais.

Tal princípio assegura para aquele que tem movido contra si uma ação penal, a garantia de que não será aceito qualquer tipo de prova ilícita.

 

3.6 – PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU DA NÃO CULPABILIDADE

O presente princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, está previsto no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal de 1988, onde está estabelecido que: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Cabe ressaltar que tal princípio também foi recepcionado em diversos tratados internacionais sobre direitos humanos.

Portanto, é assegurado a todo e qualquer cidadão a presunção de inocência, ou seja, enquanto não houver uma sentença condenatória transitada em julgado e que não seja mais possível impetrar com qualquer tipo de recurso no direito admitido, este indivíduo ainda terá o prévio estado de inocência. (TUCCI, 2005, p.60).

Segundo o entendimento doutrinário apresentado pelo jurista Guilherme de Souza Nucci:

As pessoas nascem inocentes, sendo esse o estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, torna-se indispensável que o Estado-acusação evidencie provas suficientes, ao Estado-Juiz a culpa do réu. (NUCCI, 2016, p. 25).

O presente princípio tem por escopo, assegurar ao denunciado que por mais que existam acusações em seu desfavor, será assegurado todas as medidas legais previstas em lei para provar a sua inocência, para que após aplicação de tais medidas, seja realmente considerado culpado.

 

4 - INCIDÊNCIA DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL

O tema causa grande divergência entre os doutrinadores que se dividem entre aceitar ou não a utilização dessas garantias da nossa carta magna. Nesse sentido temos o pensamento de Rovégno (2005) a doutrina brasileira, de maneira prevalente, tem atestado que no inquérito policial não possui comportamento dos conceitos do contraditório e da ampla defesa, afirmativa que vem, costumeiramente, auxiliada de observações genéricas, acerca da existência de denunciado na etapa de inquirição criminal e sobre o conteúdo inquisitivo do inquérito policial, que, nessas circunstâncias, não abarcaria atuação da defesa.

O argumento utilizado para caracterizar a não utilização desses princípios é o de que o inquérito não se trata de um processo, e, uma vez que a pessoa investigada ainda não pode ser considerada acusada, o texto constitucional iria contra a aplicação desses princípios por esses motivos.

Os defensores dessa teoria contrária argumentam ainda que não cabe defesa no inquérito pelo fato do mesmo ser inquisitório e sigiloso, dessa forma com a implementação dos mesmos, o inquérito correria o risco de fracassar e influenciar negativamente nas ações penais que estariam fadadas ao fracasso, é o que podemos ver no pensamento de Dilermando Queiroz Filho, que escreve em sua obra que (QUEIROZ, p. 64/65) “na averiguação policial, a carência de semelhança processual, bem como na linha do que se disse acima, a inexistência de indiciado, não aprovam com base no texto constitucional, a adoção dos princípios em estudo a esse recurso.”

Nesse sentido existem inclusive alguns julgados de magistrados que corroboram com esse entendimento um tanto quanto ultrapassado, é o que se observa em um Julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO-CRIME. ARTIGO 50, CAPUT, DO DECRETO-LEI 3.688/41. EXPLORAÇÃO DE JOGO DE AZAR. CAÇA-NÍQUEIS. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA REFORMADA. 1. A iniciativa da ação penal pública é sempre do Ministério Público, inclusive nas contravenções, exegese do inc. I, art. 129 da Magna Carta, sendo que o inquérito pode ser, inclusive, dispensado, conforme art. 77 da Lei dos Juizados Especiais Criminais. 2. Ausência de contraditório e ampla defesa no inquérito policial. Diante da característica inquisitorial que possui o inquérito policial, não há que se falar em anulação pela falta de defesa técnica na oitiva do acusado em Delegacia de Polícia. 3. Direito subjetivo à suspensão condicional do processo não oferecida na origem e continuidade delitiva não reconhecida. Nulidades afastadas em prol do exame meritório, mais benéfico ao réu. 4. A conduta de exploração de jogos de azar é típica, estando prevista na Lei das Contravenções Penais. 5. O ônus da prova incumbe à acusação, sendo vedado ao juiz fundamentar suas decisões, unicamente, em elementos informativos colhidos na fase pré-processual, pena de negativa de vigência ao disposto no artigo 155 do Código de Processo Penal. 6. A prova judicializada não autoriza a condenação do acusado. O depoimento das testemunhas inquiridas não revela com segurança a ocorrência da prática contravencional. 7. Inexistindo elementos conclusivos e suficientes para sustentar um juízo de condenação, a absolvição é medida a se impor, em obediência ao princípio in dubio pro reo. RECURSO PROVIDO. (Recurso Crime Nº 71004889754, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, Julgado em 28/07/2014)

(TJ-RS - RC: 71004889754 RS, Relator: Edson Jorge Cechet, Data de Julgamento: 28/07/2014, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 31/07/2014). Disponível em : <https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/130556331/recurso-crime-rc 71004889754-rs?ref=serp> . Acesso em 16 de out. 2019.

Pensamento totalmente contrário aos doutrinadores acima citados, vem o pensamento de Rogério Lauria Tucci, positivando a aplicação dos princípios face ao texto constitucional, é o que se pode observar em sua obra:

[...] a evidencia que se deverá conceder ao ser humano enredado numa persecutio criminis todas as possibilidades de efetivação da ampla defesa, de sorte que ela se concretize em sua plenitude, com a participação ativa, e marcada pela contrariedade, em todos os atos do respectivo procedimento, desde a fase pré-processual da investigação criminal, até o fim do processo de conhecimento, ou do de execução, seja absolutório ou condenatória a sentença proferida naquele (TUCCI, 1993, p. 205). 

Desta feita, chegamos ao assunto principal deste trabalho, a necessidade da utilização do contraditório e da ampla defesa frente ao artigo 5° Inc. LV da Constituição Federal.

Ante todos os entendimentos doutrinários acima citados e estudados é possível inferir uma processualização do inquérito policial, que deve admitir tais princípios, uma vez que estão em jogo interesses das duas partes em conflito, que conforme as provas produzidas nessa fase, o rumo do processo pode mudar drasticamente, se fazendo necessária essa garantia processual.

Tanto é sabido que o Inquérito é um procedimento falho, sem a utilização dessas garantias constitucionais, que a jurisprudência já tem se posicionado no sentido de não admitir sentença condenatória baseada meramente em provas colhidas nessa fase, Esse é o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

APELAÇÃO CRIMINAL - LESÃO CORPORAL LEVE EM AMBIENTE DOMÉSTICO - CONDENAÇÃO COM SUPEDÂNEO EM DADOS PROBANTES OBTIDOS EXCLUSIVAMENTE EM INQUÉRITO POLICIAL - AUSÊNCIA DE CONFIRMAÇÃO EM JUÍZO - INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DE CONTRADITÓRIO - ABSOLVIÇÃO - POSSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO. Não encontra hábil a decisão condenatória baseada exclusivamente em inquérito policial, por significar manifesta violação do princípio constitucional do contraditório, insculpido no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal e violação ao artigo 155 do Código de Processo Penal, sendo a absolvição de rigor. Provimento ao recurso é medida que se impõe.

(TJ-MG - APR: 10145100123523001 MG, Relator: Antônio Carlos Cruvinel, Data de Julgamento: 10/09/2013, Câmaras Criminais / 3ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 18/09/2013)

Nesse mesmo sentido outros tribunais vem se posicionando com a mesma linha de pensamento, mas com uma visão ainda mais aprofundada, garantindo a nulidade do procedimento inquisitório de não permitir ao indiciado o direito da ampla defesa e o direito ao contraditório no mesmo, é o que se infere desta Jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1° Região:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. PENA DE DESLIGAMENTO IMPOSTA A ALUNO COM BASE EM INFORMAÇÕES DE INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO PARA APURAÇÃO DE OCORRÊNCIA DE POSSÍVEL FRAUDE EM VESTIBULAR. ATO ADMINISTRATIVO UNILATERAL. INOBSERVÂNCIA DO EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. ILEGALIDADE. I - A garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa, observado o devido processo legal, é assegurada a todos os litigantes, na esfera judicial ou administrativa (Constituição Federal, art. 5º, LIV e LV). II - A aplicação de penalidade de desligamento do aluno do curso de graduação com base em informações de inquérito policial, instaurado para apuração de ocorrência de possível fraude em vestibular, sem que lhe tenha sido facultado a oportunidade de exercer seu direito de defesa, mostra-se viciada por flagrante violação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. III - Remessa oficial desprovida. Sentença confirmada.

(TRF-1 - REOMS: 4564 MA 2006.37.00.004564-0, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Data de Julgamento: 23/04/2012, QUINTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.1452 de 11/05/2012).

Ante o analisado, resta demonstrado a real necessidade da utilização de tais garantias constitucionais a fim de encontrar uma verdade real de todos os fatos ocorridos, garantindo dessa forma principalmente a parte indiciada que já se encontra numa situação de acusado por todos os lados, uma chance de tentar se defender e limpar a sua imagem.

Desta forma, deve ser evitada a qualquer custo, essa busca pelo combate à criminalidade por meio de formas tão arbitrárias para tentar responsabilizar penalmente o indiciado, apenas com o intuito de dar uma resposta para a sociedade que anseia por justiça sem olhar a quem.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa ressalta que o inquérito policial é o instrumento é utilizado para apresentar a veracidade dos fatos de determinada conduta, praticada por determinado agente, reconstituindo a veracidade fatídica, elaborada com a máxima precaução possível, respeitando todos os direitos e garantias constitucionais do denunciado, uma vez que é através deste quer será possível fazer qualquer apontamento a respeito da existência o não de alguma ação penal em face do investigado.

Também na presente pesquisa, foi realizado um estudo acerca do princípio do contraditório e ampla defesa, para esclarecer seus conceitos e os reflexos de sua aplicação em todo o processo.

Cabe ressaltar, que pretende-se fazer apontamentos e trazer uma resposta concreta frente a grande polêmica entre a existência, quanto a aplicação ou não do contraditório e ampla defesa frente ao inquérito policial.

Como já foi dito na presente pesquisa, o fato do inquérito policial ser uma das hipóteses de investigação preliminar e por ser um procedimento administrativo, informativo e elaborado pela polícia judiciária, cuja principal função é a de investigar o fato ilícito praticado por determinado agente, reunindo elementos hábeis e necessários que possam esclarecer todo o contesto, para posteriormente apontar o causador do ilícito penal. Cabe ressaltar que diante desse preceito surgiram posicionamentos tanto contra, quanto a favor da aplicação do princípio do contraditório e da ampla defesa na fase de investigação, ou seja, durante o inquérito policial. Sendo que o primeiro entende que a CF não exige a aplicação de um contraditório prévio durante a fase de investigação, sendo exigido apenas a aplicação do mesmo durante a fase processual penal e não na fase de investigação, conforme redação do art. 5º “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Portanto, só seria possível a exigência do contraditório e da ampla defesa na fase processual e não na fase investigativa, caso do inquérito policial, uma vez que este é constituído por atos praticados pela autoridade administrativa, não configurando um processo administrativo, afirmando ainda que ao inquérito policial falta uma característica essencial do processo, sendo ela a formada por atos que devem obedecer toda uma semântica formada através da lei, em que, após a prática de determinado ato, passa-se a do seguinte até o último da série, numa ordem a ser necessariamente acompanhada. Afirma-se ainda que, não seria possível aplicar uns dos princípios, pois ao utilizá-los durante a fase de investigação preliminar criminal, estaria criando obstáculos para o êxito das investigações policias, ainda asseverando risco da falta de eficácia para a repressão da criminalidade afim de que tenha como objetivo central a paz social.

Contudo, existem entendimentos diversos contrários ao elencado acima, até mesmo pelo fato da necessidade da existência de um contraditório efetivo e atuante durante toda a fase de persecução penal, inclusive na fase de investigação, para que seja resguardada a garantia da liberdade e um trabalho amplo e resguardando a melhor atuação da defesa. Vale ressaltar que desde as constituições anteriores, já era abordado a existência do contraditório as alegações das partes, asseverando que a fase de instrução, abrange todos os atos capazes de influenciar na formação do convencimento daquele que está apto a julgar a demanda.

Podemos afirmar que tais princípios são ferramentas imprescindíveis para aplicação da lei penal, uma vez que representar as garantias daquele que sofre uma investigação, ressaltando ainda que tais princípios garantem a efetiva aplicação de todos os demais princípios constitucionais, pelo fato de que estes sustentam todos os outros, servindo como base, cuja a qual deve ser com a máxima lisura possível.

Ao explanarmos de forma separada cada princípio referido (contraditório e ampla defesa), podemos destacar que o contraditório é o meio pelo qual, o investigado adquire uma segurança jurídica que de todo ato realizado seja na fase de investigação ou judicial, existe uma interpretação adequada, bem como uma reação, ou seja, uma resposta adequada a ser apresentada.

Ao tratarmos da ampla defesa, destacamos que durante a fase de investigação ou judicial, são produzidas provas contra aquele que é investigado, porém é através de tal princípio que existe a possibilidade de apresentar provas concretas, contestar aquelas produzidas pela parte contrária, uma vez que também e resguardado para aquele que sofre a acusação a produção de provas, independentemente de quais sejam, uma vez que tal princípio é cabível em qualquer momento da investigação.

O principal enfoque da presente demanda está estabelecido no art. 5º, LV, da CF, que deve ser interpretado de forma extensiva, uma vez que o legislador acabou sendo garantista e a confusão existe quando tratou de processo administrativo, quando na realidade deveria ser procedimento. Portanto, tal afirmação não pode servir como obstáculo para a aplicação do contraditório e ampla defesa no inquérito policial. Até porque o legislador cometeu o erro ao tratar como processo comum, do processo sumário, ainda não deve ser lavado em consideração, para a não aplicação dos institutos, o fato de fazer menção a acusados, e não indiciados.

Cabe ressaltar, que quando ocorre a produção de provas de natureza cautelar, o contraditório é estabelecido para um momento seguinte, uma vez que no primeiro momento poderia frustrar a sua aplicação, uma vez que é proibida a participação do acusado, devemos questionar a respeito da veracidade da prova produzida, se contém erros, pois será conduzida única e exclusivamente por uma das partes interessadas.

Desta feita, aquele que for indiciado poderia indicar pessoas capazes de auxiliá-lo, que possam apresentar parecer em prazo a ser estabelecido pelo magistrado. Portanto, o contraditório deve ocorrer na fase de investigação preliminar dos autos, antes mesmo do delegado confeccionar o seu relatório final e encaminhá-lo para a autoridade judiciária, a fim de garantir o menor número de erros possíveis.

Deveras, o contraditório e a ampla defesa, são princípios fundamentais, ainda podendo afirmar que possuem como escopo a função de limitar o poder do Estado, destacando entre os demais o de punir, sem uma investigação correta. Destacando que tais princípios que são garantidos aos investigados, cujo o qual deve utiliza-los da melhor forma possível para provar a verdade real dos fatos.

Ante todo o exposto, conclui-se que por meio dessa garantia de que o indiciado poderá utilizar de todas as garantias e meios para contradizer as imputações que lhe estão sendo feitas, utilizando para isso de uma interpretação de maneira ampla da Constituição Federal. Portanto, o processo criminal não deve voltar no tempo, quando praticamente era totalmente baseado no inquérito, mas sim evoluir, respeitando as garantias constitucionais do povo, evoluindo dessa forma também as instituições policiais, que devem se adequar a esses novos passos. 

 

REFERÊNCIAS

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Data da conclusão/última revisão: 26/10/2019

 

Como citar o texto:

AGUIAR, Viniciu Novais de; NASCIMENTO, Gustavo Henrique Coimbra do..Contraditório e ampla defesa no Inquérito Policial. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1666. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/4620/contraditorio-ampla-defesa-inquerito-policial. Acesso em 11 nov. 2019.

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