Talvez uma das características mais marcantes na área empresarial, desde o final do Séc. XIX, seja o surgimento de grandes empresas transnacionais que, devido ao grande volume de recursos movimentados, tem a possibilidade de influenciar políticas públicas, tanto de seus governos, como de governos nos quais se instalem.

Durante muito tempo essas grandes empresas, focavam seus esforços na obtenção de lucros a qualquer custo, muitas vezes fazendo uso de ferramentas ilícitas como a corrupção.

Já na década de 70 do século passado, em decorrência de vários fatores conjunturais, como maior controle social e governamental[1], responsabilidade perante conselho de acionistas e, até mesmo criminalização de condutas, as empresas passaram a se preocupar com suas políticas mercadológicas.

Diante desse novo panorama as empresas passaram a criar normas que garantissem maior transparência e qualidade nas informações prestadas ao mercado, além de preservar conselheiros, administradores e funcionários, adequando suas condutas às legislações vigentes.

Surgiu o departamento de compliance, atuando preventivamente na fiscalização do cumprimento das normas internas, além de promover a cultura institucional minimizando riscos inerentes à própria atividade da empresa.

No Brasil, o Banco Central, como órgão executivo central do sistema financeiro, em aproximação ao Acordo da Basiléia, assinado pelos Bancos Centrais do “G-10” seguindo as recomendações do Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia, através da Resolução n. 2.554, de 24/09/98, estabeleceu a necessidade de implementação de políticas de controle interno para as instituições financeiras, dando margem para que cada uma adotasse o modelo mais adequado para sua área de atuação.

Em 2002, os EUA, criaram a Lei Sarbanes-Oxley, visando recuperar a confiança dos investidores, em razão de escândalos envolvendo grandes empresas americanas, como o caso da Enron Corporation. O objetivo da lei é de garantir a criação de mecanismos confiáveis de governança corporativa, afetando não só as empresas americanas, mas todas aquelas que mantêm ADRs (American Depositays Receipts).

Portanto, a função da política de criminal compliance, muito mais do que estabelecer normas de boa gestão da instituição, administrando o risco de imagem que poderia ser abalada por uma eventual má conduta, com a consequente publicidade negativa e perda de valor de mercado, visa administrar o risco legal, de possíveis processos criminais por envolvimento em casos de corrupção, fraude, lavagem de dinheiro, dentre outros.

Os Estados têm se utilizado da criação de leis penais que visam a antecipação da proteção do bem jurídico tutelado, adotando como política criminal de combate a essa criminalidade econômica-empresarial, a utilização de agentes privados.

Para tanto, são impostas aos particulares diversas obrigações de conduta, investigação e comunicação, segundo as quais, os Estados poderiam tornar mais efetiva a luta contra a lavagem de dinheiro, corrupção e outras fraudes.

Assim, as empresas tiveram que se adaptar para dar pleno cumprimento às novas determinações, harmonizando seus procedimentos internos às imposições legais, criando mecanismos de controle e investigação internos.

Depois de passadas algumas décadas, como se viu com o que foi revelado pela “Operação Lava Jato”, não há uma percepção exata da eficácia desse tipo de política, não obstante os grandes custos envolvidos na sua execução.

Tanto a esfera pública, como a esfera privada tiveram que suportar numerosos custos com relação a implementação das normas preventivas ao crime de lavagem, corrupção e outras fraudes. Os estudos que se prestaram ao tema não conseguiram chegar a conclusões definitivas, contudo, alguns pontos podem ser citados: comparando-se o custo direto e indireto da política de prevenção com o volume estimado da delinqüência organizada, percebe-se que as vitórias são poucas e os custos elevados.[2]

Por outro lado, a falta de controles adequados também podem gerar prejuízos às empresas, principalmente com relação a multas impostas pela autoridade administrativa, além do impacto negativo na marca e na reputação da empresa, sem contar com o risco de serem elas e seus gestores acusados criminalmente.

Portanto, não obstante os custos impostos às empresas com a implementação de controles e normas de condutas, e o fato de que o criminal compliance, não tenha o condão, de por si próprio afastar a responsabilização penal, a única forma do empresário de minimizar sobremaneira os riscos de uma eventual imputação criminal é a implantação de uma competente e eficaz política de governança, que incorpore aspectos da legislação criminal.

 

Notas:

[1] Nesse contexto foi criada nos EUA a Lei sobre a Prática de Corrupção no Exterior – FCPA, depois que, “em 1977, após as investigações governamentais terem revelado que mais de 400 empresas americanas admitiram fazer pagamentos ilegais ou questionáveis da ordem de US$300 milhões ou mais a autoridades governamentais estrangeiras, políticos e partidos políticos.” UROFSKY, Philip. Fomento da Transparência Corporativa Global in Transformando a Cultua da Corrupção. Questões de Democracia. Vol. 11, n. 12 – Revista eletrônica do Bureau de Programas de Informações Internacionais do Departamento de Estado dos USA, p. 19. http://www.sel.eesc.usp.br/informatica/graduacao/material/etica/private/transformando_a_cultura_da_corrupcao.pdf

[2] CORDERO, Isidoro Blanco. Eficacia del sistema de prevención del blanqueo de capitales estudio del cumplimiento normativo (compliance) desde una perspectiva criminológica. Eguskilore.. Cuaderno del Instituto Vasco de Criminología San Sebastián, n 23 – 2009, p. 134.

Data da conclusão/última revisão: 6/6/2019

 

Como citar o texto:

VELLOSO, Ricardo Ribeiro..Criminal compliance em tempos da Lava Jato. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1694. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/4684/criminal-compliance-tempos-lava-jato. Acesso em 5 mar. 2020.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.