Várias são os termos que surgiram para designar o antecedente da norma tributária, que é o fato que deve ocorrer para que, produzindo seus efeitos, forme a relação jurídica tributária. As expressões mais comuns estabelecidas pela doutrina são “fato gerador” e “hipótese de incidência“.

O fato gerador indica a ocorrência de um determinado procedimento que gera, no mundo fenomênico, uma obrigação tributária. Porém, para surgir esta obrigação tributária é imprescindível que a ocorrência da situação - fato - esteja prevista em lei.

Kiyoshi Harada [1] diz que “costuma-se definir o fato gerador como uma situação abstrata, descrita na lei, a qual, uma vez ocorrida em concreto enseja o nascimento da obrigação tributária. Logo, essa expressão fato gerador pode ser entendida em dois planos: no plano abstrato da norma descritiva do ato ou do fato e no plano da concretização daquele ato ou fato descritos”.

O fato que gera uma obrigação tributária é utilizado como sinônimo da hipótese de incidência, sendo que o diferencial entre as duas expressões é que o fato gerador é a ocorrência de um fato concretamente, é o acontecimento do fato, enquanto que a hipótese de incidência é a descrição abstrata de um fato na lei que gerará uma obrigação tributária, caso ocorra.

Para ambas as situações factuais, concreta e abstrata, é utilizado a expressão “fato gerador”, inclusive com sinônimo de “hipótese de incidência” sendo apenas uma questão de divergência terminológica. Estas expressões foram adotadas pelo Código Tributário Nacional em 1966 e até mesmo depois, a Constituição de 1988 mostra mais uma vez estas expressões como sinônimos.

Hugo de Brito Machado [2], sobre esta questão terminológica, diz que “diversas têm sido as denominações utilizadas pela doutrina para designar o fato gerador. Entre outras: suporte fático, situação base de fato, fato imponível, fato tributável, hipótese de incidência. No Brasil tem dominado, porém, a expressão fato gerador, que se deve à influência do Direito francês, sobretudo pela divulgação, entre nós, do trabalho de Gaston Jèze, específico sobre o tema”.

A duplicidade no emprego do termo fato gerador e hipótese de incidência pelo Código Tributário Nacional torna-se claramente evidenciada quando da análise comparativa do artigo 116 e o inciso II, do artigo 104. O artigo 116 diz que “salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador (...)”, tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; já o inciso II, do artigo 104, diz que “entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda: I - (...) II - que definem novas hipóteses de incidência”. Observa-se que ambas as expressões são apregoadas pelo Código, no entanto, reiteradamente são utilizadas como sinônimas.

Como exemplos, o Código Tributário Nacional anuncia os fatos geradores (hipóteses de incidência) de cada tributo, o artigo 46, que define a hipótese de incidência do IPI, dizendo que “o imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador: (...)”; o artigo 63, que define a hipótese de incidência do IOF [3], “o imposto, de competência da União, sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários tem como fato gerador: (...)” ou ainda a hipótese de incidência do ICM/S, discriminada no artigo 1° do Decreto-lei nº 406, de 31.12.1968, onde diz que “o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias tem como fato gerador: (...)”. A questão desta dúbia interpretação é somente o resultado da exatidão lingüística indispensável no trabalho e na pesquisa científica, utilizada pelos doutrinadores do Direito.

Ainda, a Constituição de 1988, no mesmo sentido adotado pelo CTN, emprega a expressão também no sentido de previsão abstrata - hipótese de incidência. Temos o exemplo do inciso I do artigo 154, no qual impede que sejam instituídos impostos cujo fato gerador ou base de cálculo seja próprio dos impostos já discriminados na Constituição.

Outro exemplo, porém no sentido de fato gerador concreto de uma obrigação tributária, está contido no parágrafo 7° do artigo 150, onde diz que “a lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.

O que é relevante sobre esta altercação para distinguir os tipos dos conceitos terminológicos corretos a serem empregados é ter ciência de empregá-los no sentido corrente que a expressão “fato gerador” tem no âmbito do Direito Tributário.

FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL:

Diz o CTN, no artigo 114 do CTN, que "fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência", ou seja, é a situação de fato que gera a obrigação tributária de pagamento imposta ao sujeito passivo a crédito [4] do sujeito ativo.

Para a ocorrência do fato gerador da obrigação principal é preciso que esteja este fato, definido em “lei”, ou seja, é matéria compreendida na reserva legal, não podendo a legislação infralegal discriminar a situação hipotética geradora da obrigação principal. O fato gerador da obrigação principal está submetido ao princípio da estrita legalidade descrita na Constituição Federal no inciso I, do artigo 150, quando diz ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.

FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA:

O fato gerador da obrigação acessória está descrito no artigo 115 do CTN, como sendo qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal.

Quando o artigo 115 diz “na forma da legislação aplicável”, está dizendo que não necessariamente deva ser definido por “lei”, pode ser definido pela legislação infralegal.

Hugo de Brito Machado [5], ilustrando o nascimento de um fato gerador de uma obrigação acessória, exemplifica dizendo que “A situação de quem é estabelecido comercialmente faz nascer as obrigações acessórias de não receber mercadorias sem o documento fiscal correspondente e de tolerar a fiscalização em seus livros e documentos”.

Assim, o fato gerador da obrigação acessória não necessariamente está ligado à obrigação principal, estão ligadas independentemente, ou seja, uma determinada situação factual pode ser fato gerador de uma obrigação acessória sem haver essencialmente uma obrigação principal a cumprir. Porém um determinado fato pode gerar ambas as obrigações, novamente ilustrado por Hugo de Brito Machado [6] que exemplifica “uma situação na qual um comerciante promove a saída de mercadorias de seu estabelecimento faz nascer, ao mesmo tempo, a obrigação de pagar o ICMS (obrigação principal) e também a obrigação de emitir a nota fiscal correspondente (obrigação acessória)”. Note-se que mesmo sendo isento de pagar o referido tributo, ou seja, mesmo não havendo a obrigação de pagar o tributo, há, independentemente desse motivo o dever da obrigação acessória de emissão da nota fiscal.

NOTAS:

[1] HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário, 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 260.

[2] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 22ª ed. Fortaleza: Malheiros, 2003, p. 115.

[3] Não cabe neste estudo a análise da utilização da locução Imposto sobre Operações Financeiras – IOF se apropriada ou não. Para estudo mais aprofundado sobre o tema recomenda-se a leitura da obra de Roberto Quiroga Mosquera, “Tributação no Mercado Financeiro e de Capitais”, Ed. Dialética, 1999.

[4] Não há de confundir débito e crédito na linguagem contábil com débito e crédito na linguagem fiscal. Exemplificando, no caso do ICMS, quando incidente sobre compras de mercadorias, representa direito da empresa, que, na linguagem contábil representa "débito" na conta "ICMS a Recuperar", enquanto na linguagem fiscal, representa "crédito" da empresa junto ao Fisco Estadual. Já, nas vendas de mercadorias, este imposto representa obrigação da empresa, que, na linguagem contábil representa "crédito" na conta "ICMS a Recolher", enquanto na linguagem fiscal, representa "débito" da empresa para com o Fisco Estadual.

[5] MACHADO, op. cit., p. 115.

[6] Ibid., p. 115.

(Texto elaborado em novembro/2006)

 

Como citar o texto:

BUSTO, Cristiano V. Fernandes.Fato gerador e hipótese de incidência tributária. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 211. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/1656/fato-gerador-hipotese-incidencia-tributaria. Acesso em 8 jan. 2007.

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