O presente artigo tem como objetivo discutir a relação entre Democracia e Direitos Humanos, com foco na inclusão democrática. Expõe, inicialmente, uma rápida reconstrução histórica sobre Democracia e, após, sobre Direitos Humanos, trabalhando seus conceitos, para, ao final, estabelecer uma relação entre eles. Após trabalhar os conceitos, o estudo pretende discutir a inclusão democrática, questionando acerca da situação da vontade das “minorias” excluídas no Estado Democrático de Direito atual. Esse discurso é de suma importância e vem ganhando maior visibilidade com o processo de “democratização” no qual o Brasil vem percorrendo. Esse texto foi originalmente publicado nos anais do II Seminário América Latina: Cultura, História e Política, realizado pela Universidade Federal de Uberlândia.

1. Considerações Iniciais - Breve Panorama Histórico Da Democracia

Ao estudar acerca da origem do termo democracia, tem-se que o surgimento se deu na antiguidade grega, em Atenas (no século V a.C.). Para os gregos, “demos” significava povo e “kratos” poder, sendo então, concebida no ideal do poder ou vontade do povo, que se manifestava na forma como o governo caracterizava a administração dos seus interesses políticos, abrindo espaço para a participação popular nessas decisões das comunidades que, inicialmente, eram feitas sem a necessidade de escolher representantes. (ABBAGNANO, 2007).

Vale mencionar que na antiguidade grega somente eram considerados cidadãos as pessoas do sexo masculino e livres, mulheres, escravos ou estrangeiros eram excluídos. Após 612 a.C., Atenas passou a ser uma democracia governada por todos os cidadãos, agrupados em demos, pelo domicílio, desenvolvendo com o tempo, a disputa pela posse e pelo poder nas discussões partidárias. Todos os cidadãos eram eleitos por um ano, conforme Cicco (2006) salienta: “Porém, com o tempo, os “demagogos” (sentido primitivo: demagogós = líder), ou oradores, levaram o povo para as decisões que lhes convinham.”

Na idade média o discurso democrático entrou em desuso, o que “levou ao estreitamento do homem medieval, que só tinha a igreja como elemento universalizante”, ensejando na predominância de uma visão mística. Do século XI ao XIII houve a influência de uma corrente filosófico-jurídica que abriu os horizontes, ocasionando na “ampliação dos universos econômicos, social, territorial e cultural do homem medieval”. (CHALITA, 2012).

Já no âmbito do pensamento político houve uma grande mudança ao contestar a origem divina embasando o poder real, com a propositura de uma outra forma de legitimar o poder político, concentrando ele no ser humano como um indivíduo possuidor de direitos naturais imprescritíveis. A partir dai a humanidade não era mais tida como um membro de um corpo político, mas como um individuo isolado do outro que possuía direitos naturais visando a proteção de si mesmo. 

No início do período moderno, a dissolução da ordem feudal, a contestação do poder temporal da Igreja e o combate à monarquia absoluta e ao estado centralizado, surgido principalmente na França do séc. XVII, criam a necessidade da busca e discussão e um novo modelo de ordem social, de organização política, de legitimação do exercício do poder, representado pelas teses dos teóricos do liberalismo e do contrato social. Essa discussão leva, em última análise, ao surgimento da democracia representativa e do sistema parlamentar, ao estabelecimento de constituições e cartas de direitos civis. O primeiro passo se dá  com a Revolução Gloriosa na Inglaterra, em 1688, após a deposição de Jaime II, logo se seguindo a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789).  (MARCONDES, 2010).

No século XVIII, houve uma oposição nas preocupações, aqui, o problema era definir limites para os regimes absolutistas. Nesse século houve o início de um movimento intelectual (na Europa), denominado de Iluminismo. Ele discutia a ideia de liberdade que marcaria todo o resto da humanidade, pois: “renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos de humanidade e até aos próprios deveres”.  (ABBAGNANO, 2007; REIS, 2012).

Toda essa construção Iluminista vai influenciar nos elementos fundantes para o conceito de Democracia contemporâneo e, também, dos Direitos Humanos. 

 

2. DIREITOS HUMANOS

Ao conceber o indivíduo como um ser anterior a coletividade, com valores intrínsecos, deu-se abertura para uma possível compreensão de que nada justifica a violação do indivíduo. Conforme Hunt (2009) cita: “às vezes grandes textos surgem da reescrita sob pressão”, e foi dessa forma que Thomas Jefferson “transformou um típico documento do século XVIII sobre injustiças políticas numa proclamação duradoura dos direitos humanos”. 

No século XVIII, não era usual de forma frequente o termo “direitos humanos”, durante esse século, “em inglês e em francês, os termos “direitos humanos”, “direitos do gênero humanos” e “direitos da humanidade” se mostraram todos demasiado gerais para servir ao emprego político direto”. Assim, o termo “direito humano”, apareceu em 1763 referindo-se à algo que se assemelha ao “direito natural”. (HUNT, 2009).

Em 1762, com O Contrato Social de Jean-Jacques-Rousseau, o termo “direito do homem” começou a circular: 

Ainda que ele não desse ao termo nenhuma definição e ainda que – ou talvez porque – o usasse ao lado de “direito da humanidade”, “direitos do cidadão” e “direitos da soberania”. Qualquer que fosse a razão, por volta de junho de 1763, “direitos do homem” tinha se tornado um termo comum. (...) Embora a peça não empregue de fato a expressão precisa “os direitos do homem”, mas antes a relacionada “direitos de nosso ser”, é diretamente associado com as obras de Rousseau. (HUNT, 2009).

O Jusnaturalismo foi de suma importância para o nascimento dos Direitos Humanos. Os teóricos Grotius, Pufendorf, Burlamaqui, Locke e Hobbes tiveram grande influência na Declaração de Independência dos Estado Unidos (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). (ABBAGNANO, 2007).

O ato de declarar direitos é de suma importância, pois gera uma afirmação formal e pública, confirmando mudanças que ocorriam na época. (HUNT, 2009) Acerca da Declaração de 1789, Douzinas (2009) comenta: 

A natureza pública e política da Revolução Francesa é evidente em todos os níveis. Os direitos pertencem aos “homem” e ao “cidadão”, ressaltando uma ínima relação entre humanidade e política. (...) A Declaração é o ato dos representantes do povo agindo como porta voz da volonté générale de Rousseau. Finalmente, os direitos proclamados não eram um fim em si mesmos, mas os meios usados pela Assembleia para reconstruir o Estado. (grifo do autor)

Para Hunt (2009) as disputas decorrentes das discussões americanas dos direitos (inspiradas pela Revolução Francesa) “ajudaram a disseminar a linguagem dos direitos humanos por todo o mundo ocidental”. 

A partir desse momento de modo mais ou menos consistente a ideia de Direitos Humanos esteve presente nas instituições politico-jurídicas de varias nações. 

Apesar de toda essa declaração de direitos, ainda assim, o mundo se encontrava em colapso, e ocorreram duas grandes Guerras Mundiais (no século XX). Com as barbáries e o imenso estrago advindo delas que marcou a morte de milhares de civis, viu-se a necessidade da criação de um novo corpo internacional: as Nações Unidas. 

Em 1945, cinquenta e um países assinaram a Carta das Nações Unidas que enfatizava as questões de segurança internacional e dedicava apenas algumas linhas para  as questões de Direitos Humanos, mas previa a criação de uma Comissão de Direitos Humanos, a elaboração de uma Declaração Universal e o estabelecimento das formas de implementação.

Logo mais seria promulgado o documento (que pode ser considerado o) mais importante na história dos Direitos Humanos: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos traz nos seus 30 artigos um ponto fundamental para a conceituação de Direitos Humanos, ela, classifica-os como sendo indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. 

A Organização das Nações Unidas (ONU), define direitos humanos como sendo inerente a todo ser humano, “independente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição”, neles se incluem os direitos à liberdade, à vida, à liberdade de opinião e expressão, ao trabalho, à educação. Ainda, estabelece obrigações aos governos para “agirem de determinadas maneiras ou de se absterem de certos atos, a fim de promoverem e proteger os direitos humanos e as liberdades de grupos ou indivíduos”. 

Na tentativa de buscar definir “Direitos humanos”, Hunt (2009) esclarece:

Os direitos humanos não são apenas uma doutrina formulada em documentos: baseiam-se numa disposição em relação às outras pessoas, um conjunto de convicções sobre como são as pessoas e como elas distinguem o certo e o errado no mundo secular.  As ideias filosóficas, as tradições legais e a política revolucionária precisaram ter esse tipo de ponto de referencia emocional interior para que os direitos humanos fossem verdadeiramente “autoevidentes”. (...) Para os Direitos Humanos, as pessoas deviam ser vistas como indivíduos separados que eram capazes de exercer um julgamento moral independente; como dizia Blackstone, os direitos do homem acompanhavam o indivíduo “considerado como um agente livre, dotado de discernimento para distinguir o bem do mal”. Mas, para que se tornassem membros de uma comunidade política baseada naqueles julgamento morais independentes, esses indivíduos autônomos tinham de ser capazes de sentir empatia pelos outros. Todo mundo teria direitos somente se todo mundo pudesse ser visto, de um modo essencial, como semelhante. A igualdade não era apenas um conceito abstrato ou um slogan político. Tinha de ser internalizada de alguma forma.

Direitos Humanos são garantias jurídicas e internacionais, sendo universais e com base no sistema de valores comum. Concentram-se na dignidade da pessoa humana e protege os indivíduos e os grupos ao forçar o Estado a fornecer proteção. São indisponíveis e intransferíveis, iguais e interdependentes, não tendo grau de importância e nem cabendo comparação entre eles. 

Em um exercício de síntese histórica Bobbio (2004), em seu livro A Era dos Direitos, discorreu sobre a teoria dos Direitos Humanos e o periodizou em 4 (quatro) gerações: a primeira geração se refere aos direitos fundamentais, a segunda geração é marcada por direitos decorrente das lutas de classes operárias (no século XIX), são aqueles direitos relacionados à vida digna, os Direitos Sociais, Culturais e Econômicos (para Bobbio: Direitos Políticos) e, ao lado desta, estão os direitos de terceira geração, que podem existir dentro dos direitos de quarta geração. 

O que dizer dos direitos de terceira e de quarta geração? A única coisa que até agora se pode dizer é que são expressão de aspirações ideais, às quais o nome de “direitos” serve unicamente para atribuir um título de nobreza. Proclamar o direito dos indivíduos, não importa em que parte do mundo se encontrem (os direitos do homem são por si mesmos universais), de viver num mundo não poluído não significa mais do que expressar a aspiração a obter uma futura legislação que imponha limites ao uso de substâncias poluentes. Mas uma coisa é proclamar esse direito, outra é desfrutá-lo efetivamente. A linguagem dos direitos tem indubitavelmente uma grande função prática, que é emprestar uma força particular às reivindicações dos movimentos que demandam para si e para os outros a satisfação de novos carecimentos materiais e morais; mas ela se torna enganadora se obscurecer ou ocultar a diferença entre o direito reivindicado e o direito reconhecido e protegido. Não se poderia explicar a contradição entre a literatura que faz a apologia da era dos direitos e aquela que denuncia a massa dos “sem-direitos”. Mas os direitos de que fala a primeira são somente os proclamados nas instituições internacionais e nos congressos, enquanto os direitos de que fala a segunda são aqueles que a esmagadora maioria da humanidade não possui de fato (ainda que sejam solene e repetidamente proclamados). (BOBBIO, 2004).

Bonavides (2014) traz uma quinta geração, relacionada ao Direito à Paz (que são decorrentes da terceira geração. De acordo com o autor, esses merecem uma maior visibilidade, pois está em patamar superior, ao caracterizá-lo como superior aos demais direitos fundamentais, afirma ainda que: “A dignidade jurídica da paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da convivência humana, elemento de conservação da espécie, reino de segurança dos direitos”. 

Após expor o conceito originário de democracia e visualizar que o discurso democrático retomou força após a Revolução Francesa, no contexto do Iluminismo, e como isso influenciou os Direitos Humanos, cabe, agora, analisar o conceito da Democracia moderna para ao final relacionar com Direitos Humanos e Inclusão Democrática.

 

3. DEMOCRACIA MODERNA

O debate em torno da democracia já teria sido antecipado por Rousseau, ao afirmar em O Contrato Social que uma sociedade só poderia ser democrática quando não houvesse ninguém tão pobre a ponto de se vender e ninguém rico o suficiente para comprar alguém. (ROUSSEAU, 1999). 

Ao comentar sobre a Democracia e Direitos Humanos (segundo Rousseau), Reis (2012), salienta que a “Democracia nada mais é do que uma forma de governo entre outras possíveis”.

Nesse sentido, sobre as formas de governos, Azambuja (1993) conceitua Democracia da seguinte forma: 

A democracia é o governo do povo e para o povo, um regime em que os governantes devem refletir a consciência, a alma da sociedade que governam. Quando a sociedade está perturbada transmite-se aos órgãos supremos de direção, que, tenho conhecimento dela, indagam-lhe as causas para acudir. Mas, se a perturbação é consequência de uma doença grave, se as causa são muito gerais e profundas, os remédios de que o governo dispõe – ordem, justiça, assistência – não bastam para restituir a saúde ao doente. Os governos, então, sentem, sofrem a crise, mas não podem curá-la, mesmo conhecendo-lhe as causas. 

Ainda, Bobbio (2015) entende que democracia é caracterizada por um “conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos”. Essa decisão precisa ser tomada pelo individuo e baseada em regras “que estabeleçam quais são os indivíduos autorizados a tomar decisões vinculatórias para todos os membros do grupo, e à base de quais procedimento”.

Já Schumpeter (1961) entende que “o método democrático é um sistema institucional, para a tomada de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor”.

Sendo assim, a Democracia deve ser considerada uma forma de governo que busca o equilíbrio entre a liberdade e a autoridade. A autoridade se baseia na vontade popular e a liberdade se assegura nos limites da lei, com a intervenção direta ou indireta da população. Um dos pressupostos existentes em um Estado Democrático seria a supremacia da vontade do povo, possibilitando à população a liberdade de expressão e aferição ponderada da vontade de todos os indivíduos.  

 

4. RELAÇÃO ENTRE DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS

Considerando os conceitos expostos até agora sobre Democracia e Direitos Humanos, questiona-se: como poderia ser possível visualizar um cenário onde todos esses temas se interligam? Afinal, como Democracia e Direitos Humanos se relacionam? 

Ora, um Estado de Direito Democrático, só é assim caracterizado de forma plena se considerar todos os seus membros cidadãos com a participação popular ativa, tornando eles partícipes de decisões e ações comuns. Dessa forma esse modelo de Estado é o mais perto de se chegar à uma ordem social justa, possibilitando assegurar os Direitos Humanos inerentes de cada ser, até porque ordem e justiça só podem ser assegurados pelo Estado. 

De acordo com Azambuja (1993), “sem ordem e justiça, a sociedade não pode possuir nenhum dos outros bens que, com esses, constituem a sua felicidade; são condições indispensáveis para gozar todos os demais”,  sem a ordem a justiça humana se reduziria à sociedade dos animais e, sem justiça, se reduziria à abolição dos Direitos mínimos já conquistados (como a escravidão, tirania, etc.).

As conquistas de Direitos obtidas pelas lutas dos movimentos sociais marcaram o conceito do que hoje chamamos de Democracia, forçando a incorporação de Direitos na Leis dos Estados. Vale considerar que há muito que ser reconhecido ainda, e modificado, para Azambuja (1993) e Dallari (1998) a forma de governo Democrático deve ser flexível, buscar sempre crescer com o objetivo de manter a ordem interna e fornecer à assistência social.  Muitos Direitos ainda têm de ser reconhecidos e positivados para garantir o reconhecimento do ser humano em outras situações (como exemplo os casos de refugiados).

Assim, os eventos históricos ampliaram a concepção de Democracia para além de um mero regime político garantidor de Direitos Humanos, possibilitaram à liberdade, igualdade e a voz para os cidadãos.

 

4.1. INCLUSÃO DEMOCRÁTICA

Considerando que a vontade da maioria em um Estado Democrático de Direito é a que prevalece, como ficariam as “minorias” excluídas (reprimidas, que sofrem preconceitos)? A  resposta para essa pergunta deve ser observada pela ótica dos Direitos Humanos, a realidade é totalmente destoante para algumas minorias, assim, a inclusão democrática é um tema que merece atenção.

Santos (2016) ao comentar sobre as concepções contra-hegemônicas da democracia entende que para certos grupos sociais “a inclusão democrática pressupõe o questionamento da identidade que lhes foi atribuída externamente por um Estado colonial ou por um Estado autoritário e discriminatório”, encarando como os limites de representação a interação recíproca entre democracia representativa e participativa, ainda, entende que: 

A democracia não se reduz ao procedimentalismo, às igualdades formais, e aos direitos cívicos políticos, pois por via deles nunca foi possível estender as potencialidades distributivas, tanto simbólicas como materiais, da democracia às classes populares que mais poderiam beneficiar-se delas. (SANTOS, 2016).

Nas palavras de Dallari (1998), um regime Democrático deve ser baseado nos seguintes pressupostos: Eliminação da rigidez formal, supremacia da vontade do povo, preservação da liberdade e preservação da igualdade. Pela supremacia da vontade do povo, temos a ideia de sua prevalência sobre qualquer vontade de outro individuo ou grupo, porém, Dallari reconhece a unidade heterogênea do povo e conclui que “as exclusões devem ser reduzidas ao mínimo possível e devem ser consequência de decisões inequívocas do próprio povo”, desta forma a igualdade estaria assegurada, pois: 

A concepção da igualdade como igualdade de possibilidades corrige essas distorções, pois admite a existência de relativas desigualdades, decorrentes da diferença de mérito individual, aferindo-se este através da contribuição de cada um à sociedade. (DALLARI, 1998).

Ao analisar a realidade do contexto social no Brasil chega-se a uma primeira conclusão de que existe tanta minoria excluída que pode-se até afirmar que a “minoria acaba sendo a maioria”. 

Mas afinal, O que faz para que determinada classe seja classificada como minoria? É uma questão absolutamente numérica? Logicamente a resposta para a segunda pergunta é não, caso contrário não explicaria o movimento social feminino (e outros Movimentos Sociais) que busca o reconhecimento, considerando que as mulheres (negros, etc.) são maioria da população no Brasil. A ideia de minoria está ligada ao empoderamento, ao alijamento do estado de poder, logo, são os desempoderados. 

O conflito democrático remete à inclusão democrática, deve haver civilidade para que se estabeleça uma Democracia, ou seja, não pode se falar em um Estado de Direito Democrático, com a incapacidade do diálogo, do reconhecimento e visibilidade do outro. É preciso que haja o desenvolvimento de condições afetivas e morais para que se compartilhe dos problemas sociais. Em um Estado de Direito Democrático há uma necessidade de desenvolver o diálogo para “respeitar quem diverge de mim”, ou seja, para respeitar o Outro, mais ainda, de exercitar o desafio do Direito a ter Direitos de forma justa. (LAFER, 2006).

Bobbio (2000) entende que a Democracia tem regras universais e processuais, e que, apesar de considerar que as decisões prevalecentes são as tomadas pela maioria,  ao mesmo tempo, entende que nenhuma decisão da maioria deve limitar direitos da minoria. 

Nessa linha, Habermas (2001) ao comentar acerca da coesão interna entre Estado de Direito e Democracia, entende que, ao considerar (simplesmente) a Democracia como a ideia de reputar a decisão à maioria, isso se caracterizaria em uma tirania. É importante reconhecer a existência de situações divergentes minoritárias, havendo uma necessidade de integração das minorias de uma maneira autônoma, pois quando se tira a autonomia das minorias elas acabam ganhando o status de “infantilizados”. 

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Amartya Sen (1999) entende que a questão central não é discutir se um país está ou não preparado para a democracia e sim entender que a democracia é que prepara um país. 

Com a constante criação de direitos e a inovação no âmbito social e político, entende-se que a democracia moderna nasceu de lutas de classes, movimentos operários, não podendo ser definida por interesses de certos indivíduos (analisados a partir do ponto de vista de maioria com interesses particulares), pois a atual democracia tem a alteridade instituída em toda a sua ideia, relacionando a ideia do direito a ter direito. 

Dai surge a argumentação que gira em torno de uma frase de Santos (1997): “Temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”, e a necessidade de se conceber um novo entendimento para democracia como algo que rompa com o não reconhecimento da diferença implica em um enorme investimento nos direitos econômicos, sociais e culturais. É preciso ainda trabalhar (muito) na construção de novos Direitos e na aplicação equitativa dos Direitos que já existem. 

Contudo, há uma realidade que chama atenção para uma nova visão no conceito da vontade geral em um Estado de Direito Democrático, de modo que possibilite o entendimento de ideias que visem o âmbito social (que clame por igualdade e liberdade com a interação da maioria ou minoria excluída), parando de privilegiar casos isolados de uma população influente, que visa somente o beneficio de forma egoísta.

 

REFERÊNCIAS
 

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 44. ed. São Paulo: Globo, 1993. 397 p.

BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia, Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 13ª ed. revista e ampliada, 2015. 301 p.

_________. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 3. reimp. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

_________. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. 11. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.

BRASIL, Portal (Ed.). Mulheres são maioria da população e ocupam mais espaço no mercado de trabalho. 2015. Disponível em: . Acesso em nov 2016;

BONAVIDES, Paulo. A Quinta Geração de Direitos Fundamentais. Disponível em: < http://www.ufjf.br/siddharta_legale/files/2014/07/Paulo-Bonavides-A-quinta-geração-de-direitos-fundamentais.pdf >. Acesso em mar. 2016. 2008.

CHALITA, Gabriel. Vivendo a Filosofia. ed. Ática: São Paulo, 2012. 432 p.

CICCO, Cláudio de. História do Pensamento Jurídico e da Filosofia do Direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

DALLLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 20ª ed., 1998;

________________. O futuro do Estado. São Paulo: Saraiva, 2001;

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DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo : Unisinos, 2009.

HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002. 390 p. Tradução de: George Sperber e Paulo Astor Soethe (UFPR);

HUNT, Lynn. A Invenção dos Direitos Humanos – Uma História. Companhia das Letras, São Paulo, 2009;

LAFER, Celso. Filosofia e Direitos Humanos. Fortaleza: Ufc, 2006.

MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: Dos pré-socráticos a Wittgenstein. 13. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

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REIS, Helena Esser dos. Democracia e Direitos humanos: uma análise sobre a soberania popular segundo Rousseau. Revista Argumentos, ano 4, n. 8, 2012, p. 46-52.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social; tradução de Lourdes Santos Machado; introdução e notas de Paulo Arbousse-Bastide e Lourival Gomes Machado. – São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os Pensadores);

SANTOS, Boaventura de Sousa. A difícil democracia: reinventar as esquerdas. São Paulo: BOITEMPO, 2016. 220 p;

___________. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 48, 1997, p.30.

SEN, Amartya (1999): Democracy as a Universal Value. Tradução disponível em: . Acesso em dez 2016;

SHUMPETER, Joseph A.. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. 487 p. Editado por George Allen e Unwin Ltd. Tradução de Ruy Jungmann.

UOL. Negros representam 54% da população do país, mas são só 17% dos mais ricos. 2015. Disponível em: . Acesso em: 10 mar. 2017.

Data da conclusão/última revisão: 10/10/2020

 

Como citar o texto:

CAVALCANTE, Jéssica Painkow Rosa; MACÊDO, Maurides..Democracia E Direitos Humanos: A inclusão democrática. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 999. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direitos-humanos/10585/democracia-direitos-humanos-inclusao-democratica. Acesso em 9 out. 2020.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.