Incidindo no antigo erro de pretender coibir a criminalidade apenas com o endurecimento das penas e a restrição de benefícios, o legislador pátrio deu vida à Lei 8.072/90 - intitulada Lei dos Crimes Hediondos - que agravou a execução das cominações impostas nessas infrações, ao vedar a progressão de regime prisional e dificultar o acesso à liberdade condicional.

                      Após sua entrada em vigor, vários foram os pleitos visando à declaração de inconstitucionalidade de seu art. 2º, § 1º, principalmente por atentar contra o denominado princípio da individualização da pena, estatuído no dispositivo 5º, XLVI, da Constituição da República. 

                      Posteriormente, com o advento da Lei nº 9.455/97, que tipificou o crime de tortura e permitiu a progressão de regime nesse tipo de ilícito (art. 1º, § 7º), vozes surgiram a favor da revogação do art. 2º, § 1º da Lei 8.072/90, tendo obtido, no Superior Tribunal de Justiça, o aval do então Ministro Luis Vicente Cernicchiaro. 

                      Não obstante, chegando tais questões ao Excelso Pretório, o órgão de cúpula do Poder Judiciário, através de seu Plenário, firmou o seguinte entendimento:

"(...) o cumprimento de pena em regime integralmente fechado, disciplinado no § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 não é inconstitucional, vez que não fere o princípio da individualização da pena" (HC nº 69.657).

" (...) a possibilidade de progressão de regime prisional facultada pela Lei 9.455/97 não se estende aos crimes hediondos, tendo em vista que esta se destinou especificamente aos crimes de tortura" (HC nº 76.371).

                        Contudo, mesmo após o Supremo ter externado esse entendimento, era comum a concessão do benefício de progressão de regime aos apenados por crime hediondos, quando, na sentença condenatória, fosse fixado o regime “inicialmente fechado” para o cumprimento de pena, vez que ao Juízo da Execução não é lícito alterar o decisum (STF – HC 82.032).

                      Entrementes, tal situação não mais comporta discussão, uma vez que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, após analisar o Habeas Corpus (HC) nº 82.959, por 06 (seis) votos a 05 (cinco), declarou inconstitucional o parágrafo primeiro do artigo 2º da Lei 8.072/90, que, por sua vez, vedava a progressão de regime prisional (fechado/semi-aberto/aberto) aos crimes hediondos e assemelhados (tráfico ilícito de entorpecentes, homicídio qualificado, latrocínio, terrorismo, etc).

                      Assim, e a grosso modo, pode-se dizer que o Supremo Tribunal Federal, de uma vez por todas, colocou uma pedra sobre tal assunto.

                      De conseqüência, após cumprir 1/6 (um sexto) de sua reprimenda e satisfazer o requisito subjetivo estatuído no art. 112 da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal), qual seja, bom comportamento carcerário, o sentenciado fará jus à progressão de regime.

                      Por outro lado, embora se permita a progressão de regime prisional, não se pode olvidar que o crime perpetrado continua sofrendo a incidência da Lei nº 8.072/90, no tocante à exigência do lapso temporal para a concessão do benefício de livramento condicional.

                      De fato, progressão de regime e livramento condicional são institutos autônomos, e possuem naturezas diversas, embora seus objetivos se convertam para o mesmo fim – a regenerabilidade do encarcerado.

                      Ressalte-se que a possibilidade de progressão de regime não altera o tipo do delito, a subsunção da conduta ao modelo previamente descrito no diploma repressivo (tipicidade), tampouco a natureza do crime como hediondo.

                      Não obstante, situação curiosa pode surgir quando o condenado por crime hediondo ou assemelhado, dentro do período depurativo de 5 anos (CP, art. 63), pratica outro crime da mesma espécie (Lei 8.072/90, art. 1º). Neste caso, o sentenciado continuará tendo direito à progressão de regime, desde que satisfaça os mandamentos do dispositivo 112 da Lei de Execução Penal, mas não poderá alcançar o livramento condicional.

                      Assim, o último degrau de sua liberdade, qual seja, o livramento condicional, não será alcançado pelo sentenciado, em face da redação disciplinada no art. 83, V, do Código Penal, que diz:

Art. 83. O juiz poderá conceder o livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que:

V – cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, pratica de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza.

                      Ora, mesmo que cumpra mais de 2/3 (dois terços) de sua reprimenda, o livramento condicional será vedado, tendo em vista que, agora, sendo reincidente específico em crimes hediondos ou assemelhados, o sentenciado encontra-se na proibição insculpida na parte final do inciso V do art. 83 do Código Penal.

                      A lenta e progressiva adaptação do condenado entre a prisão e a liberdade será interrompida e ficará obstada pela norma acrescida pela  Lei 8.072/90 – CP, art. 83, V – impedindo, dessa forma, o sistema gradual de ressocialização, desvirtuando, assim, um dos objetivos da execução da pena, que é a reinserção social do condenado.  

                      Sendo insuscetível de anistia, graça (CF, art. 5º, XLIII), indulto, comutação (STF, ADIN nº 2795) ou substituição por pena restritiva de direitos (STF, HC 82.887-6), o condenado, reincidente específico em crime hediondo ou equiparado, deverá terminar de cumprir sua pena, na melhor das hipóteses, no regime aberto.

                      O último degrau da execução da pena dos condenados por crime hediondo e equiparado, reincidentes específicos, será igual para todos, afrontando, dessa forma, mais uma vez, o principio da individualização da pena.

                      Melhor seria que o STF, por via reflexa, tivesse declarado inconstitucional o dispositivo 83, V, de nosso Código Penal.

                      Assim, até que o legislador ordinário revogue o inciso V do art. 83 do CPB ou o Supremo Tribunal Federal o declare inconstitucional, entendo que esse encargo será acometido ao juiz da execução penal, através do controle difuso de constitucionalidade.

                      De todo o exposto, conclui-se que:

1)           a decisão do Supremo Tribunal Federal, no habeas corpus (HC) nº 82.959, apenas permitiu a progressão de regime prisional quanto aos crimes hediondos e assemelhados, mas manteve incólumes os demais preceitos da lei 8.072/90, dentre eles o livramento condicional;

2)     o prazo para o livramento condicional continua sendo de 2/3 para os crimes hediondos;

3)     o sentenciado não reincidente específico em crimes hediondos e assemelhados terá direito à progressão de regime e ao livramento condicional, após cumprir, respectivamente, 1/6 e 2/3 de sua reprimenda;

4)     o sentenciado reincidente específico terá direito à progressão de regime, mas não fará jus ao livramento condicional (CP, art. 83, V);

5)     enganam-se aqueles que defendem a tese de que, após a decisão do Supremo Tribunal Federal, não existe mais diferença entre crime hediondo e crime comum.  

 

Como citar o texto:

GUIMARÃES, Luciano D´Abadia..O Supremo, a progressão de regime e o livramento condicional nos crimes hediondos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 169. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/1099/o-supremo-progressao-regime-livramento-condicional-crimes-hediondos. Acesso em 13 mar. 2006.

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