“A maior das injustiças é parecer justo sem o ser”

(Platão)

Infelizmente não é a toa que o advogado goza de má fama em relação à sua honestidade, pois muitos são os que desprestigiam sua profissão com suas atitudes antiéticas, e isso é fato. Isto se inicia, em boa parte, no próprio nível acadêmico, conquanto aqueles são bacharelandos.

Ninguém é 100% ético, quem sabe talvez 99%, mas nunca totalmente. Seria realmente uma utopia falar em todas as pessoas como sendo “politicamente corretas”. Ora, atire a primeira pedra quem nunca cometeu deslizes, mesmo por falta de instrução do “como agir”, quem nunca comentou, independente das intenções, algo do que soube ou que pensa deliberadamente com parentes, amigos, ou ainda, perdeu as rédeas de como deveria agir em face, por exemplo, de um juiz.

O problema é que, por maior que seja a falta de conhecimento das regras mínimas de comportamento, de uma maneira a não agredir o sujeito com quem se interage, deve-se ter ao menos uma noção de como se proceder, ao menos se partindo do princípio do “nunca faça para o outro o que não deseja para si”.

A Ética profissional no Direito propriamente dita, indubitavelmente, inicia-se na Universidade, por duas maneiras: Uma delas com a disciplina “Ética Jurídica”, com análise de estudos técnicos, teóricos, positivos, filosóficos, propedêuticos e enfim, as regras gerais do “dever ser”; e ainda, afora isto, porém muito mais importante, o tratamento ético, o fomento, em cada matéria, dentro da sala de aula.

Muito mais importante porque, através do ensino, do incentivo humanitário, da compreensão do ser, da prática, do exemplo que deve ser dado pelos professores e mais, controlado pelos mesmos. A cada disciplina, sem desviar seu foco, inserir conteúdo humano, o respeito mútuo, o tratamento com o ser enquanto realmente um universo físico e psicológico, não como uma “personalidade formal”.

Assim, começar-se-ia por não falar mal do seu colega de sala; não ridicularizá-lo por mera antipatia ou disputas; não discriminar ninguém por determinada característica (pois como ensinar a isonomia se não há a prática real desta?); chamar a atenção quando alguém tiver uma conduta antiética, não mentir para tirar vantagem, não se aproveitar de seu colega, não incentivar a mentir, mas ter um compromisso com a verdade e a justiça. O tratamento que um aluno dispensa em sala de aula, ele irá transportá-lo para sua vida profissional.

Parece-nos impossível olhar para esta realidade como concreta, mas se ela for incentivada desde os iniciantes, por mais sedentos de fama, status e condições financeiras que o Curso de Direito possa vir a lhes proporcionar, isto ajudará a enxergar a dignidade que carrega o seu semelhante, o seu futuro cliente e seus colegas forenses, e conseqüentemente, botá-los no caminho correto, não os deixando desanimar de comportarem-se eticamente, não os deixando corromper, não os deixando revoltar e pensar que devem “adequarem-se ao sistema”, mostrando que a lisura compensará muito mais do que a desonestidade, a antieticidade. É passar adiante uma forma de realização da justiça.

Um aluno brilhante poderá ter uma péssima conduta ética, perdido dentro de sua vaidade, desvalorizando o trabalho de seu semelhante, prejudicando um “possível concorrente”, ridicularizando-o, reduzindo-o, ou mesmo utilizando-se de manobras de maneira que seu colega não atinja seus objetivos, ou ainda, buscando usar-se de subterfúgios, de uma espécie de “trafico de influências”, de forma a burlar o procedimento que deveria passar para alcançar algo.

Claro que não são todos os alunos “destaques da sala” serão antiéticos, e muito menos que todos os que são consigam seu intento, mas sempre plantarão uma semente de sua conduta nociva. Sim, pois uma conduta antiética, por mais que não pareça, sempre é nociva, sempre ataca algo ou alguém, ainda que seja a própria pessoa.

Não se está adentrando aqui no âmbito da moral. A moral é subjetiva e interior. A ética são normas positivadas ou, na maioria das vezes não positivadas, a serem seguidas. Como normas, sinteticamente falando, se violadas, via de regra, deverá haver uma sanção, mesmo que seja uma reprimenda social.

O mestre em Direito deve incentivar o interesse do graduando em crescer, em se comprometer com a justiça, e ser bom em determinada matéria para si, não para os outros, não deve incentivar disputas entre colegas, não deve ficar enaltecendo um aluno por suas notas ou por sua “inteligência”. O mestre, dentro de uma sala de aula, deve interagir, dar o conteúdo em uma formação humanística, ressaltando a importância e o respeito às individualidades, promovendo interação no grupo, não permitindo, logicamente sempre que possível, a exclusão de uma determinada pessoa.

É papel do mestre? Sim. O mestre deve educar, orientar, ensinar, passar o que sabe, mas também, o mestre em Direito deve ensinar não só a lei, mas o mais amplo conceito de Direito, a justiça, a vivência forense. Há necessariamente uma interdisciplinaridade, uma fusão de pedagogia, psicologia, sociologia. Ao mestre de Direito cabe ensinar aos seus alunos como interagir conquanto um advogado, separando sua vida pessoal de sua vida profissional – Esta última deverá sempre estar pautada no elemento ético.

O ridicularizado poderá ser um profissional eternamente marcado, podendo ser até frustrado, e será penalizado pelo resto da vida, dependendo do caso. O “ridicularizador” poderá ser um completo antiético, que continuará atuando desvirtuadamente, agindo de modo que, quando menos perceba, cometerá uma infração, até mesmo pelo Código de Ética de Advocacia, afinal, todos os dias algum advogado comete uma infração, de menor ou maior escala, mas não é todo dia que um advogado displicente é realmente punido.

Destaque-se ainda que “Ética” não se resume ao “Código de Disciplina” e ao Estatuto do Advogado, pois como dito, o Direito não se resume à lei. Some-se isto ao problema do corporativismo dentro de algumas Seccionais estaduais, que acabam por relevar algumas atitudes reprováveis, deixando de aplicar uma medida disciplinar adequada à conduta.

Já houve parecer da OAB posicionado no sentido de que não é antiética a instrução do advogado que não caracterizar ato contra legem e desde quando acobertado pelo sigilo profissional. Não fomentando crime, e mantendo-se o sigilo profissional, a conduta antiética vira ética, formalmente, pois materialmente ou substancialmente, vai continuar sendo antiética até o fim.

Quantas vezes não ouvimos falar em algum advogado que tenha forjado uma licitação, dando ares de legalidade a um despalpério, ou um advogado mais arguto que diga para seu cliente mentir, chorar, tido como um verdadeiro “diretor de cena”. Data máxima vênia, o direito não é um teatro, não é brincadeira! A plenitude de uma defesa não deve confundir o direito de mentir do réu com os deveres de defesa do advogado! Efetivamente, o réu tem seus direitos que devem ser garantidos, mas não é facultado ao advogado atentar contra uma ética pautada em uma Sociedade.

Quantas vezes, em um tribunal de Júri, não vemos promotores e advogados quase que se ofendendo, ou mesmo quase se degladiando, como se levando para o âmbito pessoal a questão “ganhar ou perder”, esquecendo-se que no banco dos réus tem uma vida a ser decidida, pois é a liberdade que está em xeque, o réu também é possuidor de direitos. Lógico que não são todos, mas os que recaem neste erro, visivelmente perdem seu profissionalismo, chegando a ser uma situação vexatória, senão risível, para não dizer preocupante, por tantas vezes desrespeitosa entre eles, enquanto pessoas, desrespeitosa ao público enquanto jurados, e muito pior, à família da vítima e ao próprio réu.

Perdoem o termo, mas o Direito acaba virando uma piada nestas situações, e o advogado sério acaba por carregar de qualquer maneira a fama de desonestidade ou de aproveitador rotulada à categoria, já tão desprestigiada por atitudes que poderiam ao menos ser um tanto quanto contidas se houvesse uma instrução ética desde o início da Faculdade. Infelizmente sem isso, a injustiça reinará.

A Ética inclusive, possui uma faceta de garantia de direitos, pois sem uma aplicação ética o Direito perde o seu significado, vira arbitrariedade. Em algumas situações, acaba-se observando que por vezes ocorre quase que uma guerra ou uma fogueira de vaidades, em uma audiência por exemplo, esquecendo-se os advogados do cliente apenas para demonstrar seu poder, seu saber, seu ter, ou então, burlas à própria lei que tanto se estuda, parece que à toa, apenas para ganhar dinheiro, fama, ou outras vantagens com maior facilidade.

É proposta de uma espécie de “conversão” do Bacharel? Porque não? O tendencioso a ser corrupto, o revoltado desacreditado, o mero mercenário, porque não poderão, dentro de uma formação acadêmica ético-humanística estabelecer para si mesmo parâmetros de forma a respeitar o indivíduo, à Sociedade e mesmo à proposta do Estado Democrático de Direito. E porque não lutar pela justiça? Isto não nos parece impossível.

Nosso Estado é Democrático e de Direito. Se for corrompido, democracia vira demagogia, e o direito perde sua razão de existir, pois reinará um poder paralelo que será a barganha da justiça, seja por um pequeno suborno, seja por uma pequena ridicularização ou estigmatização que pareçam tão inocentes, desde o âmbito acadêmico, de uma pessoa apenas pelo seu jeito, em uma estrutura que o pilar sustenta-se pela igualdade de todos.

Parafraseando Dworkin, o Direito deve ser levado a sério. O advogado pode até ter se formado mercenariamente, mas nunca deve esquecer, tal qual o médico ou um psicólogo, que está lidando com vidas e mentes humanas, com seres vivos, dotados de personalidade, dotados de tantos direitos quanto ele, e lida com pessoas leigas, liga por vezes, com gente simples, e delas não devem se aproveitar, ou corrompê-las.

O Direito deve ser seguido e claro, efetivado, como dito por Bobbio. A ética faz parte do Direito, ora integrante do conceito de justiça, ora integrante das garantias. Logo, é lógica sua importância nas Universidades, pois ainda temos grandes advogados, grandes operadores do direito em geral, grandes mestres e graduandos promissores, e estes são a grande esperança para dias melhores, e cada um fazendo a sua parte, cada dia pode-se melhorar não apenas nosso Poder Judiciário, mas nossa Sociedade e mesmo a imagem da Advocacia em geral.

O advogado não é desonesto. São as pessoas desonestas que degeneram a imagem do Direito, e elas infelizmente não podem ser expurgadas, mas podemos mudar muita coisa, não tudo, mas muito.

(Elaborado em junho/06)

 

Como citar o texto:

SANTANA, Agatha Gonçalves..A importância do incentivo no âmbito acadêmico para a formação ética e humanística do bacharel em Direito: uma forma de garantia da justiça. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 183. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/pratica-forense-e-advogados/1315/a-importancia-incentivo-ambito-academico-formacao-etica-humanistica-bacharel-direito-forma-garantia-justica. Acesso em 15 jun. 2006.

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