O jornal "O Popular" noticiou na primeira página, quarta-feira (Goiânia, 1º/10/03): "Presos chefiavam tráfico de dentro da Agência Prisional". No corpo da reportagem, o jornal informa que: "A polícia desarticulou esquema de tráfico de drogas montado na Agência Prisional de Goiás. O comércio de pasta de cocaína, adquirida principalmente na Bolívia e no Paraguai, era comandado por dois presos da ala de segurança máxima do presídio e envolve outros 16. Eles utilizavam celulares e até mesmo telefones públicos."

Infelizmente, por todo o Brasil, não são raras as notícias de presos praticando crimes de dentro das cadeias. A realidade não está de acordo com a teoria: a prisão não diminui a violência na sociedade; leis mais duras não evitam o crime. Entre os profissionais do direito penal, essa crença na lei penal como instrumento eficaz de controle da criminalidade recebe o nome de teoria da coação psicológica.

A teoria da coação psicológica, elaborada por Feuerbach no final do século 18, foi destaque no início da moderna ciência do direito penal, significando, em seu tempo, a mais inteligente fundamentação do direito punitivo. Nessa concepção, a pena é uma ameaça da lei aos cidadãos para que se abstenham de cometer delitos, portanto, uma coação psicológica com a qual o Estado pretende evitar o crime. Assume como pressuposto um indivíduo que a todo momento pode comparar vantagens e desvantagens da empreitada criminosa, calculando o risco da pena como um empresário calcula o risco de um negócio. Também pressupõe que esse indivíduo vive em uma sociedade justa, formada por consenso entre todos os indivíduos.

Não deu certo. A realidade teima em contradizer a teoria da punição exemplar. Mas a sua fama continua alimentando, 200 anos depois, discursos e práticas que aumentam o número de presos em cadeias superlotadas, mas que não diminuem a violência na sociedade. É preciso uma nova prática. Ninguém mais suporta a insegurança pública que o discurso desatualizado do rigor penal está ajudando a produzir.

Já no final do século 19, a ciência do direito penal percebeu os limites e equívocos da teoria da coação psicológica. O ser humano calculista, absolutamente livre, é uma ficção; como também a sociedade de consenso. Desde então, outras teorias foram elaboradas. Algumas foram até piores, como aquela que pregava a prevenção do crime pela eliminação do indivíduo perigoso, praticada pelo direito penal nazista. Outras, apesar de consistente elaboração teórica, ainda não foram praticadas, como o direito penal mínimo, previsto na Constituição Federal Brasileira de 1988.

De qualquer maneira, as notícias de presos que comandam crimes de dentro das penitenciárias indicam que fazer leis para encher cadeias, como tem acontecido desde 1990, não está resolvendo o problema do crime. Ao contrário, de dentro das cadeias superlotadas estão surgindo organizações criminosas que se fortalecem com o constante ingresso de novos presos. É hora de mudar. O discurso do rigor penal está superado: na prática, a teoria é outra!

Elaborado em: Goiânia (GO), outubro de 2003

 

Como citar o texto:

SILVA JUNIOR, Edilson Miguel da..O discurso do rigor penal está superado pela realidade. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 51. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/132/o-discurso-rigor-penal-esta-superado-pela-realidade. Acesso em 10 nov. 2003.

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