Sumário: 1. Introdução, 2. Sobre o fato, 3. Sobre o valor, 4. Sobre a norma, 5. A teoria tridimensional do direito, 6. Conclusão, 7. Referências bibliográficas.

 

RESUMO: O presente estudo propõe a aplicação da Teoria Tridimensional do Direito na analise da questão da ingestão de bebida alcoólica por condutores de veículos automotores, um caso contundente de desrespeito aos valores sociais e a norma jurídica que é diariamente presenciado e questionado por toda a sociedade brasileira.

 

PALAVRAS CHAVES: fato; valor; norma.

1. INTRODUÇÃO

Uma das minhas grandes descobertas no curso de Direito é a de que este é dinâmico por natureza e embora revestido de espessa aura de formalismo, se adéqua constantemente às necessidades do grupo social que lhe serve de base. Para explicar essa dinamicidade e adequação das normas ao seu tempo, temos a Teoria Tridimensional do Direito, de Miguel Reale, que tem a faculdade de explicar de forma universal algo que geralmente não faz parte das preocupações e pensamento do homem médio.

Este trabalho tem como objetivo apresentar de maneira clara, simples e objetiva o que vem a ser a Teoria Tridimensional do Direito, tomando como base a questão da ingestão de bebida alcoólica pelos condutores de veículos automotores no Brasil, questão atual e ainda bastante controvertida no nosso dia a dia, pois grande parte da população e das autoridades faz da norma jurídica uma letra morta. O motivo que me levou a escrever esse artigo foi uma situação constrangedora ocorrida no domingo de Páscoa quanto ajudei uma proeminente figura do mundo jurídico local que, totalmente embriagado, subiu na calçada de uma praça e por pouco não atingiu algumas pessoas que se encontravam no local. Questionado por populares sobre a embriaguez, a condução do veiculo e a lei sobre o assunto, a autoridade bradou “essa lei não pegou”, voltando ao carro e saindo em disparada pela avenida.

Como posicionar a Teoria Tridimensional do Direito diante de situações de desobediência civil generalizada como no caso da lei nº. 11.705/08, que inibe o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor.

É graças a essa teoria que temos a certeza de que o direito não é o estudo de elementos desagregados e sim um conjunto formado pelos fatos, valores e normas de uma sociedade, em profunda e constante interação, em busca de uma paz social, conforme entendimento de Miguel Reale (1994, p.92);

De “teoria tridimensional do Direito” só se pode falar, repito, quando se indaga da natureza de cada um dos fatores que se correlacionam na vida do Direito, dos característicos dessa correlação, a meu ver de ordem dialética; da irredutibilidade do valor ao juízo normativo ou às situações factuais; do novo tipo de normativismo que emerge da co-implicação concreta dos três elementos determinantes do Direito; da vinculação de todos eles ao “mundo da vida”; e da compreensão final da realidade jurídica em termos de “modelos”, quer prescritivos, quer hermenêuticos.

Então, inicialmente examinaremos isoladamente cada um dos três elementos que compõem a Teoria Tridimensional do Direito em relação ao caso em questão e posteriormente trataremos de discutí-las, de forma unificada, em relação ao caso concreto.

2. SOBRE O FATO.

Podemos afirmar que o fato, em sentido amplo, é todo acontecimento natural ou humano capaz de criar, modificar, conservar ou extinguir relações jurídicas. O estudo do fato jurídico jamais será simples, pois oferece diversos graus de complexidade e dessa forma é possível concluir que fato jurídico é um acontecimento praticado por uma pessoa física ou jurídica, a partir de uma ação ou omissão e que esses fatos agem diretamente e imediatamente sobre as pessoas, coisas, direitos e obrigações próprias ou de terceiros. Para Miguel Reale (1994, p.92),

“... ele envolve tanto aquilo que acontece, independentemente da iniciativa humana, mas que adquire significado “inter homines” (o fato de alguém nascer, p. ex., sem que tenha havido o propósito de gerar), como aquilo que intencionalmente é feito e se refere “as alios”. “Fato é, por conseguinte, uma palavra que corresponde tanto ao particípio passado factum, de fieri (acontecer), como de facere (fazer).

Sobre o caso em questão, temos como fato a condução de veiculo automotivo por motorista com nível de álcool no organismo acima de determinado limite.

3. SOBRE O VALOR.

Trata-se do elemento moral do direito, ou seja, é o ponto de vista da maioria da sociedade sobre determinado fato que ocorre em seu meio, tendo como parâmetro o momento histórico e a visão do homem médio. Para Reale, (2004, p.94), trata-se de “... uma “intencionalidade historicamente objetivada no processo da cultura, implicando sempre o sentido vetorial de uma ação possível.”

Em relação ao caso analisado, temos que o valor seria a proteção das pessoas, ante a possibilidade de lesão a direitos, tanto pessoais como patrimoniais, em decorrência da condução de veiculo automotivo por motorista com níveis de álcool no organismo acima de determinado limite.

4 SOBRE A NORMA.

Norma, em seu sentido literal, é visto na linguagem jurídica como regra, modelo, paradigma, forma ou aquilo que se estabelece em lei ou regulamento para servir de padrão na maneira de agir de determinado grupo social. Segundo Reale (2004, p.101),

“... uma norma jurídica, uma vez emanada, sofre alterações semânticas, pela superveniência das mudanças no plano dos fatos e valores, até se tornar necessária a sua revogação; e, também, para demonstrar que nenhuma norma surge ex hilo, mas pressupõe sempre uma tomada de posição perante fatos sociais, tento em vista a realização de determinados valores..”.

Norma, em uma visão genérica, traz a idéia de regra, modelo a ser seguido por todo homem de bem, a ser obedecida na forma da lei, mas não entendido com a norma dura, a norma pura, mas a própria realidade traduzida em uma idéia inovadora que congrega as forças transformadoras de quantos pretendam sua atualização. No nosso caso essa norma social se revela na lei nº. 11.705/08, “Altera a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, e a Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4º do art. 220 da Constituição Federal, para inibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor, e dá outras providências.”

5. A TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO

Antes de Miguel Reale, existiram correntes que cultuavam os elementos do tridimensionalismo de maneira separada, mas essas correntes evoluíram para a visão tridimensional onde o Direito é fato, valor e norma, para quem quer que o estude, variando apenas o ponto de vista. Essa diferença se dá em vista das possibilidades de se estudar o fenômeno da tridimensionalidade a partir da visão de ciências distintas, como a do Direito que parte do fato para se atingir um valor social e culmina em uma norma legal; ou da sociologia do Direito que parte da norma para avaliar o seu valor social e posteriormente se chegar a análise do fato e finalmente temos a filosofia do Direito que vai a partir de determinado fato jurídico e de sua relação com determinada norma avaliar o seu valor dentro do grupo social.

Observa-se então que a Teoria Tridimensional do Direito busca uma compreensão integral do Direito, em confronto com outras doutrinas que buscam colocar o mundo jurídico restrito a simples fatos, regras ou valores, mas sem permear todas as ações desenvolvidas dentro de determinado grupo social. Assim, aponta a integração dos seus três elementos básicos: fato, valor e norma, num caráter histórico, social e cultural, visto que o homem vive em constantes mudanças, as quais faz necessária adaptação das normas e valores aos fatos do seu cotidiano. Para Reale (2004, p.103), “..o Direito só se constitui quando determinadas valorações dos fatos sociais culminam numa integração de natureza normativa.”

Assim, a Teoria Tridimensional prova que o Direito é uma ciência dinâmica, que acompanha as transformações dos fatos ocorridos na sociedade, dentro de determinado momento histórico e se adéqua aos valores vividos pela sociedade em constante evolução, onde, segundo Reale (2004, p.106),

Se os homens, em suas relações de convivência, não obedecessem a certas linhas de referência, como diretriz provável de conduta; se não houvesse em suma, determinadas “constantes de ação”, pelo menos dentro de certa conjuntura histórica, teria sido impossível cogitar-se de regras jurídicas destinadas a reger e expressar “ a ordem dos atos humanos.

Em relação ao caso concreto, temos que se trata de uma transgressão a uma maneira encontrada pela sociedade para proteger seus entes queridos e também suas propriedades em face do grande número de acidentes de trânsito causados pelo binômio álcool e direção, sendo esse um problema que aflige a população brasileira de longa data e ainda se encontra sem solução conforme pude testemunhar na hora que presenciei a ocorrência.

6. CONCLUSÃO

Para concluir, devemos analisar a relação entre a Teoria Tridimensional do Direito e a questão da ingestão de bebida alcoólica pelos condutores de veículos automotores, onde o Estado brasileiro, baseado nas terríveis estatísticas de acidentes de trânsitos causadas por motoristas embriagados ao volante, um fato jurídico, diante do clamor popular pela redução do número de acidentes de trânsito, um valor jurídico, instituiu a lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008, uma norma legal, prevendo pesadas sanções para os motoristas infratores.

Como é publico e notório que apesar da existência da norma jurídica a maior parte da população usuária de veículos automotores não leva tal lei em consideração, e para tanto basta passar alguns minutos em algum bar da orla da Atalaia, devemos fazer alguns questionamentos acerca da eficácia da referida norma jurídica.

A idéia central da teoria tridimensional é que o Direito é integrado por fato, valor e norma. Certos fatos ocorrem, são valorados positiva ou negativamente pela sociedade e daí decorrem normas que os impõem, proíbem ou permitem. O problema começa quando a sociedade, ciente do valor dessas normas, não as cumpre de maneira sistemática.

Costuma-se afirmar que, segundo a Teoria Tridimensional do Direito, quando o valor social que "gerou" uma norma se modifica existem razões jurídicas para deixar de aplicar a norma como foi estabelecida e deve-se aplicá-la de outra maneira, conforme o atual valor social sobre o fato, em busca do bem comum. Esse seria, conforme Reale, (1994, p.137), “O “bem comum”, por conseguinte, de que falo, é o bem da comunidade de pessoas”, na harmonia de “valores de convivência”, distintos e complementares, em um processo histórico que tem como fulcro a pessoa, valor-fonte de todos os valores.”.

Temos então que de acordo com a Teoria Tridimensional do Direito e contrariando a nobre autoridade judiciária do nosso estado, não se pode conviver com “lei que não pegou”, pois somente a sociedade, por meio dos seus representantes, é que pode colocar ou retirar uma norma do nosso ordenamento jurídico e nunca um cidadão qualquer como no caso em questão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:

REALE, Miguel, Teoria Tridimensional do Direito, São Paulo: Saraiva, 1994.

Abril; 2010

 

Data de elaboração: abril/2010

 

Como citar o texto:

AZEVEDO, Alvaro Luiz Silva..Bebida. direção e a teoria tridimensional do direito. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/etica-e-filosofia/2027/bebida-direcao-teoria-tridimensional-direito. Acesso em 1 dez. 2010.

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