INTRODUÇÃO

 

 

A lei 11.689/2008 trouxe grandes inovações em matéria de Processo Penal, notadamente no que toca à questão procedimental relativa ao Tribunal do Júri. Dentre tais reformas, mereceu nossa atenção a reformulação do parágrafo único do artigo 415 da referida lei. Ao refletir sobre a limitação imposta ao réu de restringir-se à tese de absolvição sumária por inimputabilidade, constatamos flagrante violação ao direito de ampla defesa, constitucionalmente assegurado no rol dos direitos fundamentais. Busca a ampla defesa assegurar que o litigante tenha todas as oportunidades e explore todas as possibilidades de demonstrar sua inocência, comprovando fatos e alegando direitos. Tal princípio está intimamente ligado a outro mais abrangente, qual seja, o do devido processo legal, pois tal garantia pretende salvaguardar aos sujeitos do processo condições equânimes na busca da efetividade sobre a tutela jurisdicional pretendida.

Defendemos, assim, que o disposto no parágrafo único do art. 415 do CPP deve ser interpretado com cautelas, no intuito de não ferir o devido processo legal, princípio este que assume relevância capital em um estado democrático de direito, sendo a base para a aplicação de todos os demais princípios do direito material e processual.

NOTAS SOBRE ALTERAÇÕES DA LEI 11.689/2008 EM MATÉRIA DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA

A Lei 11.689/2008 trouxe profundas mudanças em matéria de impronúncia, alem de alterar substantivamente os requisitos para a sentença de absolvição sumária, prevista agora no parágrafo único do art. 415 do Código de Processo Penal. As hipóteses de impronúncia ,que faziam apenas coisa julgada formal, eram as de estarem provados, alternativamente a inexistência do fato, não ser autor ou partícipe do fato, ou o fato não constituir infração penal. Agora a absolvição sumária, a nosso ver, faz coisa julgada material em relação a tais matérias.

A absolvição sumária consiste em sentença na qual o juiz, fundamentando suas razões, extingue o processo, rejeitando a pretensão condenatória (ou absolutória imprópria), com um dos fundamentos legais (art. 415 c/c 416 do CPP, com a redação dada pela Lei no 11.689/2008, anteriormente no art. 411 do CPP).

Essa absolvição sumária do art. 415 do CPP não deve ser confundida com aquela prevista no art. 397 do CPP, tendo a primeira, como fundamentos absolutórios, os elencados nos seus incisos, quais sejam: A prova da inexistência do fato; prova de não ser ele (o acusado) autor ou partícipe do fato; o fato não constituir infração penal; e a demonstração de causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

As hipóteses de cabimento da absolvição sumária do art. 415 do CPP foram bastante ampliadas pela Lei 11.689/2008, atualmente redigido da seguinte maneira:

Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:

I - provada a inexistência do fato;

II - provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

III - o fato não constituir infração penal;

IV - demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

V - mediante edital, no caso do nº III, se o defensor que o réu houver constituído também não for encontrado e assim o certificar o oficial de justiça;

VI - mediante edital, sempre que o réu, não tendo constituído defensor, não for encontrado.

Destacamos, por fim, que, a partir do início do prazo de vigência da lei 11.689/2008, o recurso cabível contra a sentença de absolvição sumária e a sentença de impronúncia é a apelação, conforme o art. 416 do CPP , e não mais o recurso em sentido estrito. Entendemos, ademais, que o recurso de ofício em matéria de absolvição sumária deixou de existir, pois a lei nova não repetiu a redação do antigo art. 411 do CPP, que previa a obrigatoriedade de tal recurso neste tipo de decisão.

O INSTITUTO DA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A Lei nº 11.719/08 concedeu ao instituto da absolvição sumária importância nunca antes a este garantida, ao ampliar instituto previsto no antigo artigo 411 do CPP, que tinha seu âmbito de aplicação restrito ao procedimento especial do júri. A nova figura da absolvição sumária encontra-se na redação do atual art. 397 do Código de Processo Penal que, Ipsis litteris, como já destacado anteriormente, prevê que, após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; e que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou que está extinta a punibilidade do agente.

 

Em relação à última hipótese de absolvição sumária, qual seja, a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade, objeto do presente trabalho, Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches e Ronaldo Batista explicam que “A razão é óbvia: sendo inimputável o agente (por doença mental, v. g.), há necessidade de que o processo seja regularmente instaurado, com a respectiva produção de prova em juízo e observância de todo o trâmite legal, que culminará ou com a absolvição própria do réu ou com a absolvição imprópria, assim entendida aquela que reconhece que o fato é típico, ilícito, mas não impõe pena, senão medida de segurança.” Yordan Moreira Delgado e Werton Magalhães Costa , por sua vez, destacam que “o juiz, ao ter o primeiro contato com a denúncia no procedimento ordinário, poderia tê-la rejeitado, mas a recebeu, poderá, neste segundo momento, tendo contato com a resposta escrita do acusado, absolvê-lo sumariamente”.

Abeberando-nos das valiosas lições dos mestres acima mencionados, destacamos o acerto do legislador em ampliar as hipóteses de aplicação da absolvição sumária, privilegiando tal instituto. A importância deste reside justamente em se evitar todos os constrangimentos para um indivíduo que agiu acobertado de uma excludente de ilicitude, e que se provavelmente estivesse em circunstâncias diferentes não delinqüiria. Se existe a possibilidade de formação de um juízo de certeza sobre essa excludente logo no início do processo, não há razão em absolvê-lo somente após todo o trâmite do processo criminal, prolatando o estigma que paira sobre os que se vêem na condição de réus em um processo penal.

 

O PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA

 

A abrangência do princípio da ampla defesa, reconhecida como universal nos países democráticos, teve sua provável origem na Magna Carta de João Sem Terra de 1215, onde se mencionou a law of the land, que , inicialmente, era uma forma de proteção dos direitos patrimoniais dos barões que eram expulsos de suas propriedades e de limitação ao poder real, representado pelo Rei João, comumente conhecido como magnânimo João “sem terra”. Destarte, do termo “magnânimo João”, surgiu a presente denominação “carta magna”.

Inspirado na doutrina constitucionalista alemã, o ministro Gilmar Mendes, do SRF, ao julgar o MS 24268 proferiu insubstituível lição acerca dos direitos fundamentais decorrentes e implícitos no funcionamento e eficácia da ampla defesa, razão pela qual transcrevemos o voto na íntegra:

Daí afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde exatamente à garantia consagrada no art. 5º LV, da Constituição, contém os seguintes direitos:

1) direito de informação (Recht auf Information), que obriga o órgão julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes;

2) direito de manifestação (Recht auf Äusserung), que assegura ao defendente a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo;

3) direito de ver seus argumentos considerados (Recht auf Berücksichtigung), que exige do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo (Aufnahmefähigkeit und Aufnahmebereitschaft) para contemplar as razões apresentadas (Cf.Pieroth e Schlink, Grundrechte -Staatsrecht II, Heidelberg, 1988, p. 281; Battis e Gusy, Einführung in das Staatsrecht, Heidelberg, 1991, p. 363-364; Ver, também, Dürig/Assmann, in: Maunz-Dürig, Grundgesetz-Kommentar, Art. 103, vol IV, no 85-99).

Sobre o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador (Recht auf Berücksichtigung), que corresponde, obviamente, ao dever do juiz ou da Administração de a eles conferir atenção (Beachtenspflicht), pode-se afirmar que envolve não só o dever de tomar conhecimento (Kenntnisnahmepflicht), como também o de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas (Erwägungspflicht) (Cf. Dürig/Assmann, in: Maunz-Dürig, Grundgesetz-Kommentar, Art. 103, vol. IV, no 97).

É da obrigação de considerar as razões apresentadas que deriva o dever de fundamentar as decisões (Decisão da Corte Constitucional -- BVerfGE 11, 218 (218); Cf. Dürig/Assmann, in:Maunz-Dürig, Grundgesetz-Kommentar, Art. 103, vol. IV, no 97).

A defesa é um direito do acusado, decorrente da presunção de inocência, e está expresso no artigo 5.°, inciso LV, da Constituição Federal, nos seguintes termos: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos e ela inerentes". Antecedendo o princípio da ampla defesa, o princípio do contraditório, segundo Liebman, é a garantia fundamental da Justiça e a regra essencial do processo, pois significa poder deduzir ação em juízo, alegar e provar fatos constitutivos de seu direito e, no caso do réu, ser informado da existência e do conteúdo do processo e ter direito de se manifestar sobre ele.

Ainda sobre o direito de defesa, no HC n.° 68.929/SP, o ministro relator Celso de Mello proficuamente salientou que "O direito de defesa é imprescindível para a segurança individual. É um dos meios essenciais para que cada um possa fazer valer sua inocência quando injustamente acusado. (...) A ampla defesa contida na Constituição de 1988 assegura ao réu as condições que lhe possibilitem trazer ao processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário".

 

O direito à defesa, portanto, faz-se fundamental para que efetivamente haja o combate à criminalidade sem que tal violência estatal, e legítima, ressalvemos, invada a seara dos direitos individuais do cidadão que, acima de um sentimento de justiça, espera que o estado lhe proporcione apropriada paridade de armas como o sistema criminal. Assim, uma série de garantias é assegurada ao cidadão nesse intuito de tutela penal, como, por exemplo, a garantia de advogado para o réu que alegar não possuir advogado, nos termos do art. 134 da Constituição Federal de 88, garantia esta que se faz imperiosa no Brasil, país onde as desigualdades sobrevoam seu território, e em que os advogados não chegam às classes menos favorecidas.

O estado, assim, tem verdadeiro dever de proporcionar a todo acusado condições para o pleno exercício de seu direito de defesa, possibilitando-o trazer ao processo os elementos que julgar necessários ao esclarecimento da verdade. Esta defesa há de ser completa, abrangendo não apenas a defesa pessoal (autodefesa) e a defesa técnica (efetuada por profissional detentor do ius postulandi), mas também a facilitação do acesso á justiça, por exemplo, mediante a prestação, pelo Estado, de assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados. Como afirma Vicente Greco Filho, a ampla defesa é constituída a partir dos seguintes fundamentos: "a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial á Administração da Justiça (art. 133 [CF/88]); e e) poder recorrer da decisão desfavorável". Com bastante razão e proficiência, afirma o ilustre doutrinador, ainda, que a ampla defesa é o cerne ao redor do qual se desenvolve o Processo Penal. Não se trata de mero direito, mas de uma dupla garantia: do acusado e do justo processo. é uma condição legitimante da própria jurisdição.

 

Antônio Scarance Fernandes assevera, por sua vez, que, embora estejam inegavelmente relacionados, não há relação de primazia ou derivação entre os princípios da ampla defesa e do contraditório, sendo ambos decorrentes da garantia constitucionalmente assegurada do devido processo legal.

Convém salientar que o princípio constitucional da ampla defesa não se confunde com a plenitude de defesa, instituto consagrado no artigo 5°, inciso XXXVIII, letra "a", da Carta Magna de 1988. Esta, na verdade, encontra-se dentro do princípio maior da ampla defesa, consubstanciando-se na garantia da apreciação de todas as teses e argumentos despendidos aos jurados e também ao magistrado. O princípio da ampla defesa tem reflexos dentro do direito processual penal, norteando a aplicação das regras infraconstitucionais, e visa o fiel respeito e salvaguarda dos preceitos fundamentais assegurados pela Carta Magna.

DA IMPOSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO DA MATÉRIA DE DEFESA EM ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA: CRÍTICA AO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 415 DO CPP.

O artigo 415 do Código de Processo Penal, já referido anteriormente, foi reformado pela lei 11.689/2008, trazendo em sua redação novidade quanto a requisito de concessão da absolvição sumária nos casos de inimputabilidade, ipsis litteris:

“Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.”

Tal reforma trouxe, a nosso ver, injustificável limitação ao direito de ampla defesa no bojo de seu parágrafo único que, explicitamente, restringe ao acusado a utilização de outras defesas, alem da absolutória por inimputabilidade, para que o mesmo faça jus à absolvição sumária. Sendo a ampla defesa direito fundamental explícito de nosso ordenamento jurídico, não são válidas disposições legislativas que, por motivos de conveniência criminal, restrinjam tal classe de direitos, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.

Comentando a respeito da importância e particularidades dos direitos fundamentais, assinala José Afonso da Silva que “A natureza desses direitos, em certo sentido, já ficou insinuada antes, quando procuramos mostrar que a expressão direitos fundamentais do homem são situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana.” Sobre a necessidade de salvaguarda dos direitos e garantias fundamentais, o Mestre Paulo Bonavides, com primor magistral assevera que “as garantias constitucionais podem ser tanto da Constituição quanto "garantias dos direitos subjetivos expressos ou outorgados na Carta Magna, portanto, remédios jurisdicionais eficazes para a salvaguarda desses direitos (acepção estrita)."

Seguindo essa linha de raciocínio, nos deparamos com um voto exemplar do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, da Desembargadora Heloisa Cariello, que, analisando o parágrafo único do art. 415 do CPP, objeto do presente trabalho, destoou da jurisprudência dominante no país sobre a matéria, constituindo entendimento jurisprudencial minoritário sobre o tema. Por sua importância para o presente estudo, transcrevemos o voto:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. INSANIDADE MENTAL DO ACUSADO DEMONSTRADA NOS AUTOS. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. DIVERSAS TESES DEFENSIVAS. INTERROGATÓRIO DO RÉU. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. CABIMENTO. PRISÃO DOMICILIAR. NÃO CABIMENTO. INTERNAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O parágrafo único do art. 415, do código de processo penal, deve ser interpretado com cautelas, e não no sentido literal, sob pena de, ao invés de proteger-se a liberdade do acusado, cassá-la de maneira mais injusta, brutal e desumana possível, haja vista que, caso as demais teses sustentadas estiverem esvaziadas de conteúdo probatório, é grande a probabilidade de o acusado, embora inimputável, venha a ter o seu laudo psiquiátrico desprezado pelo júri, restando, ao final, condenado à prisão. 2. Em que pese a correção do raciocínio da MM. Magistrada a quo no sentido de que o interrogatório do réu também deve ser considerado como mais um meio de defesa, não se vislumbra a aludida força persuasiva da negativa de autoria sustentada pelo próprio denunciado, tendo em vista os demais elementos do conjunto probatório dos autos, que trazem indícios fortes da autoria delitiva. 3. É somente a partir do interrogatório do réu que se depreende a tese de negativa de autoria, já que a sua defesa técnica, em momento algum, suscitou esse argumento nas peças trazidas aos autos, reforçando apenas a questão a respeito da inimputabilidade do recorrente. Diante do resultado do laudo psiquiátrico confeccionado nos autos, não se afigura possível conferir tamanha importância ao que o acusado (e somente ele, frise-se) alegou perante o juízo - A ponto de submetê-lo ao tribunal do júri -, correndo-se o risco de propiciar clamorosa injustiça, enviando ao cárcere alguém comprovadamente inimputável. 4. A prisão domiciliar do recorrente não é adequada em vista das circunstâncias do caso concreto, devendo-se aplicar-lhe a medida de segurança de internação, pelo prazo mínimo de três anos, conforme dispõe o art. 97, caput, do Código Penal. 5. Recurso de que se conhece e a que se dá parcial provimento. (TJES; RSE 48050162402; Primeira Câmara Criminal; Relª Desª Subst. Heloisa Cariello; DJES 30/06/2010; Pág. 73)

Ademais, ao aprofundarmos os estudos sobre a possibilidade de restrição de direitos fundamentais, faz-se necessária a lição de J.J. Gomes Canotilho. Para o autor, tal depende da comprovação da validade de uma restrição, do julgamento do âmbito protetivo do direito, da finalidade da lei, do tipo e natureza da restrição e de arguta observação sobre se existe ou não existe respeito aos limites constitucionalmente impostos. Há de se falar, assim, segundo o autor, em limites máximos de conteúdo passível de equiparação aos limites do objeto, respeitando a especificidade do bem que cada direito fundamental visa proteger. Exemplificamos com um caso hipotético de estado de necessidade, em que cidadão furta res alheia para saciar a fome de sua família. Nota-se, neste caso o sacrifício legítimo de um bem jurídico fundamental de terceiro (propriedade), para assegurar direito à vida. Ademais, Canotilho tambem destaca restrições indiretamente constitucionais, nas quais a possibilidade de condicionar o exercício pleno do direito está autorizada pela Constituição por meio de cláusulas de reserva explícitas.

Não nos parece razoável, desta forma, que legislação infraconstitucional imponha restrições ao princípio da ampla defesa. Em se tratando de direitos fundamentais, nem mesmo matérias constitucionais tem o condão de reduzir a abrangência de, pois não estamos diante de conflito entre direitos, mas de inadequação da nova lei ao ordenamento jurídico.

CONCLUSÃO

Desta forma, refletindo acerca da reforma ao parágrafo único do art. 415 do Código de Processo Penal efetuada pela lei 11.689/2008, opinamos contrariamente à legalidade da restrição quanto as matérias de defesa passíveis de alegação em caso de absolvição sumária nos casos de inimputabilidade, por entender como injustificáveis quaisquer restrições à ampla defesa, princípio constitucional fundamental à salvaguarda de uma das mais importantes garantias individuais: A liberdade.

Tal como adverte Humberto Ávila, em seu livro Teoria dos Princípios, “O importante não é saber qual a denominação mais correta desse ou daquele princípio. O decisivo, mesmo, é saber qual o modo mais seguro de garantir sua aplicação e sua efetividade” , considerando o risco da legítima violência estatal no combate à criminalidade, nos resta concluir que a ampla defesa de que deve se guarnecer o acusado, notadamente em matéria processual penal, necessita de plena eficácia, não podendo, ao nosso ver, ser destituída de argumentos e meios legítimos para ser exercida.

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Data de elaboração: outubro/2010

 

Como citar o texto:

MELLO, Bruno Cardoso Bandeira de..Da necessidade de ponderação quanto à análise do parágrafo único do art. 415 do CPP. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-penal/2145/da-necessidade-ponderacao-quanto-analisedo-paragrafo-unico-art-415-codigo-processo-penal-brasileiro-. Acesso em 11 fev. 2011.

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