Existe uma relação entre os modelos de Estado e as teorias das formas de atuação da Administração Pública, sendo certo que os objetivos do Estado condicionam as atribuições da Administração Pública.

  Naturalmente, o serviço público altera seu modelo de acordo com as transformações da sociedade, da tecnologia e da política, sendo, portanto, afetado por fatores econômicos, sociais e tecnológicos, gerando, consoante identifica Odete Medauar, inevitavelmente uma dúvida, qual seja, será mesmo possível falar em serviço público atualmente.

 

  É certo que a concepção liberal clássica apresenta um Estado de funções reduzidas que se caracteriza pelos seguintes elementos:

 

a.                       Limitação do poder político projetando a atuação estatal à segurança, à justiça e à proteção dos direitos individuais.

b.                      Estado e sociedade são autônomos e independentes entre si.

c.                       Prevalece o individualismo sobre o interesse social.

d.                      O Estado não intervém na liberdade ou propriedade do indivíduo.

e.                       O Estado não intervém na economia (Estado gendarme, neutro, abstencionista)

f.                       Prevalece no final do século XVIII e durante grande parte do século XIX.

 

  O Estado liberal trouxe insatisfação em razão das injustiças causadas e desigualdades sociais. Incapacidade de regulação. Em razão das insuficiências do modelo liberal, surge uma nova concepção de Estado e função estatal. Emerge o modelo de estado social (Séc. XIX até final do Século XX).

 

O Estado social (Estado-providência, de prestações, intervencionista, do bem-estar social, de desenvolvimento) surge sob a vertente socialista e sob a vertente do bem-estar social.

 

  Na vertente socialista, tem-se forte centralização econômica marcada com o começo da Revolução Russa. Na vertente do bem-estar social, tem-se a consolidação nas democracias ocidentais após a Segunda Guerra Mundial, surgindo uma nova filosofia conferindo relevância máxima à atuação do ente estatal a fim de corrigir as imperfeições do sistema liberal, ao mesmo tempo em que pretende satisfazer anseios sociais e promover o desenvolvimento, suprimindo as desigualdades.

 

No Estado social, garante-se direitos fundamentais não apenas por meio de declaração formal em norma jurídica, mas por meio de ações sociais dirigidas à concretização desses direitos, restando a preocupação deixa de ser centrada no indivíduo e passa à igualdade dos cidadãos, substituindo assim o individualismo pelo interesse público.

 

  Caracteriza-se o estado social (Weimar de 1919 e México de 1917) pela exigência de prestações materiais frente ao Estado. Nos modelos socialistas mais extremos, o Estado pretendeu racionalizar todo o processo econômico avocando a gestão dos meios de produção.

 

  Surgem as noções do Estado-empresário, porque estatiza empresas, participa com o capital privado de empresas mistas e cria estatais exclusivamente públicas com forma privada e de estado distribuidor porque distribui bens econômicos e sociais para realização de justiça social.

 

  O Estado ao mesmo tempo em que mantém uma economia de mercado atua na regulação, na fiscalização e na direção do processo econômico.

 

No modelo de Estado Democrático de Direito, a liberdade individual foi no Estado social posta em perigo em razão da crescente intervenção estatal na sociedade e na economia. O Estado social revela-se ineficiente no plano econômico do setor público e desperdiça recursos, sendo incapaz de investimento, considerado um Estado de alto custo e causador de gigantescos endividamentos, prestador insatisfatório de serviços.

 

O Estado social também não alcança seu objetivo de promover a igualdade substancial ou garantir participação popular nos negócios públicos. É visto com descrédito, havendo, portanto, um consenso quanto à necessidade de seu enxugamento. Ocorre o movimento do pêndulo, em que busca-se ampliar a atuação do setor privado.

 

A reversão deve-se ao fracasso do socialismo e à revolução das comunicações e da informação na sociedade. Nesse estágio, o Estado social entra em crise e surge o Estado democrático de Direito.

 

O Estado Democrático de Direito visa uma participação mais ampla da sociedade no processo político e no  controle da Administração Pública. Basicamente, trata-se de um modelo idealizado formalmente na Lei Básica de Bonn.

 

 O Estado é mais ou menos intervencionista em razão das necessidades de preservação do sistema econômico dominante e não em função de critérios científicos, econômicos.

 

Surgem novas ideias de cunho liberal, sobretudo após o descrédito das ideias Keynesianas de intervenção do estado na economia, tomando forma definitiva no chamado Consenso de Washington que indica algumas reformas básicas, como o combate ao déficit público, o aumento da carga tributária e a melhoria da eficiência dos mecanismos de arrecadação, a intensificação dos processos de privatização, e a desregulação da economia.

 

No modelo neoliberal de estado, pretende-se restaurar e prestigiar a liberdade individual e a livre concorrência, o que leva às ideias de privatização, fomento e parceria com o setor privado. Pretende-se também alcançar a eficiência na prestação dos serviços públicos o que leva às ideias de desburocratização com a finalidade de dinamizar e simplificar o funcionamento da Administração Pública.

 

Ocorre uma diminuição do protagonismo do Estado quanto ao modelo econômico e enaltecimento do setor privado, não como no modelo liberal clássico, mas prestigiando a economia de mercado associada à eficiência dos serviços públicos. Decorre assim a necessidade de maior flexibilização da Administração para o exercício de funções de controle normativo e regulador.

 

A Administração passa a assumir o papel de mediação para dirimir e compor conflitos de interesses entre várias partes ou entre estas e a administração. Disto decorre uma nova maneira de agir focada sobre o ato como atividade aberta à colaboração dos indivíduos.

 

Segundo Carmen Lúcia Antunes Rocha, o neoliberalismo promove retorno ao Estado-polícia e o individualismo assume nesse modelo feição peculiar, pois propõe um individualismo sem individualidade, calcado na estandardização de comportamentos correspondentes à massificação das produções.

Atualmente, indaga-se acerca do fim do serviço público. Há quem defenda sua extinção como expressão, ressalvadas as prestações de caráter básico e universal, sendo claro que o Estado experimenta um processo de retração na prestação direta de serviços públicos.

É que o serviço público encontra-se diante de uma nova crise, que se manifesta em planos diversos. Uma crise material: Pela discussão de sua própria operatividade para articular as prestações públicas. Uma crise institucional: Pela relativização de sua especificidade dentro do conjunto da atuação administrativa e uma crise dogmática: O Estado deixa de protagonizar atividades empresariais não essenciais.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a criação do mercado livre europeu, fundamentado no liberalismo econômico, não levou em consideração num primeiro momento,  uma noção de serviço público. Além de não salvaguardar o conceito de serviço público, a orientação do tratado foi no sentido de reduzir os espaços ocupados pela atuação direta do Estado no mercado, atingindo em última análise, os serviços públicos tais como se configuraram no período pós-guerra.

Segundo Kovar, a opção pela denominação serviço público de interesse geral revela a escolha por uma expressão menos ideológica e mais neutra para se referir a serviço  público.

O Brasil não passou imune à discussão acerca do serviço público, consideradas as questões acerca da inserção do serviço público na atividade econômica ou considerado mesmo atividade econômica.

  O certo é que a Constituição diferenciou serviço público de atividade econômica e com as reformas que trouxeram a flexibilização dos monopólios se indagou acerca da nova interpretação do art. 175 e da abolição da titularidade estatal de atividades.

O que se percebe é que as concepções comunitárias se colocam num sistema normativo intrinsicamente delimitado por objetivos de circulação de mercadorias e serviços, para formar um mercado único. Noutros países, o serviço público se insere em âmbito normativo no qual os aspectos econômicos não são necessariamente predominantes nem exclusivos, enquadrando-se num contexto mais vasto, expressão de uma ideia de Estado.

 O fato é que o serviço público muda sua conformação segundo as transformações da sociedade, da tecnologia e da política. Não é possível inserir o dado econômico, a concorrência, a gestão privada, sem deixar de lado o social, a coesão social, os direitos sociais ou a presença do Estado, ficando as atividades essenciais à mercê do jogo de mercado a fim de proteger a coletividade.

 

 

 

Elaborado em junho/2014

 

Como citar o texto:

SOUSA, André Lopes de. .Crise No Serviço Público – Um Conceito Em Crise. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 22, nº 1188. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/3165/crise-servico-publico-conceito-crise. Acesso em 19 ago. 2014.

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