Introdução

 O caput do art. 5º da Constituição Federal (CF/88) consagra o direito à igualdade como um direito fundamental individual, inerente à pessoa humana, independentemente da sua natureza, sexo, etnia, credo, raça, entre outros. Corroborando a previsão, o inciso I do citado dispositivo constitucional prevê que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.

 Entretanto, no mundo dos fatos, percebe-se uma grandiosa desigualdade. A título de exemplo, para que se tenha uma ideia da dimensão significativa do cenário preocupante instalado no Brasil, importa analisar as palavras a seguir sobre dados, nesse sentido, colhidos no ano de 2016:  

— Estamos andando para trás em justiça social. Em 2015, apesar de o índice de Gini ter ficado estável, a renda dos 5% mais pobres já havia caído 14%, e a pobreza, aumentado 19,3%. O resultado de 2016 penalizando este grupo novamente é uma desgraça. Se os mais pobres estão perdendo mais, as empresas vendem menos. A queda do consumo é mais forte quando a desigualdade aumenta. Programas voltados aos mais pobres, como o Bolsa Família, têm um impacto multiplicador sobre a demanda da economia três vezes maior que o da Previdência ou o do FGTS — exemplifica o diretor da FGV Social (COSTA; GONÇALVEZ, 2017, p. S.N.).

            Do nosso ponto de vista, essa desigualdade parece ter intensas relações com o capitalismo neoliberal, por tratar-se de uma "doutrina" de vida voltada ao individualismo, à competição e à eficiência, fazendo nascer, em conformidade com Agostinho Ramalho Marques Neto (2009) os binômios incluídos e excluídos, vencedores e perdedores.

            Importa, assim, à sociedade como um todo e, principalmente, à comunidade jurídica, debater sobre a criminalidade e suas interseções com a ausência de igualdade efetiva e o modus operandi capitalista neoliberal, sendo possível argumentar que muitos indivíduos podem ingressar no mundo do crime em decorrência de tais aspectos, como afirmara Loïc Wacquant:

Na ausência de qualquer rede de proteção social, é certo que a juventude dos bairros populares esmagados pelo peso do desemprego e do subemprego crônicos continuará a buscar no "capitalismo de pilhagem" da rua (como diria Max Weber) os meios de sobreviver e realizar os valores do código de honra masculino, já que não consegue escapar da miséria no cotidiano [...] (WACQUANT, 1999, p. 5).

 Além disso, ressalte-se uma condição avistada na mídia escrita e oral. Assiste-se ininterruptamente à liturgia pela busca do prazer ilimitado, da felicidade eterna e desmedida. Isso faz com que o ser humano, sujeito desejante que é, se posicione à procura de uma satisfação imediata capaz de suprir todas as suas necessidades.

Ao mesmo tempo, pode-se fomentar, pairam sobre a sociedade como um todo a insegurança, o medo, a violência, a falta de fraternidade e, principalmente, a ausência de liberdade.

Essas consequências geram questionamentos sobre a “postura” do Estado contemporâneo, pois encontra-se atrelada aos seus deveres, sem dúvidas, à luta pela consecução da dignidade da pessoa humana e o combate à marginalização e à miséria.

Com essas considerações iniciais, reitere-se, pretende-se, por meio deste texto, explorando passagens doutrinárias, jurisprudenciais, de artigos e demais fontes de difusão do pensamento, analisar as relações existentes entre o neoliberalismo e a criminalidade tendo-se como norte, além do direito à igualdade supracitado, os demais direitos fundamentais consagrados na Carta Magna de 1988, já que sua inefetividade pode revelar circunstâncias multifacetárias do evento crime, no sentido de identificar quem é o sujeito desviante e aquele produto do meio.

Procurar-se-á, primeiramente, desenvolver quais são os direitos fundamentais na Constituição da República de 1988, com o fito de investigar em que medida há, ou não, a sua efetivação.

Posteriormente, busca-se refletir se a falta de acesso a esses direitos, com ênfase na igualdade, em virtude de uma ética capitalista neoliberal, tem criado sujeitos voltados à vida criminosa.

Buscar-se-á trabalhar, também, a ideia de que, talvez, os verdadeiros desviantes estejam por detrás de um modo perverso de vida, donde a grande massa é explorada a custo de uma promessa de bem viver inacessível.  

Por fim, almeja-se focalizar que a tarefa de se evidenciar o desviante e aquele criado pelo sistema de vida em vigor se apresenta das mais difíceis, face à radicalização das aspirações individuais e coletivas hoje avistadas.

2. Os direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988

Os direitos fundamentais estão consagrados na Constituição Federal de 1988 no Título II, o qual se intitula Dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Esse título abrange, no Capítulo I, os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º); no Capítulo II, os direitos sociais (art. 6º ao 11), no Capítulo III, os direitos da nacionalidade (arts. 12 e 13); no Capítulo IV, os direitos políticos (art. 14 ao 16); e, no Capítulo V, os partidos políticos (art. 17).

Todavia, trata-se o Título II de um rol meramente exemplificativo, pois existem outros direitos fundamentais, além daqueles, situados noutros pontos da Carta da República.     

No que tange ao que se afirmou, a despeito do caput do art. 5º da Constituição Federal fazer referência expressa tão somente a brasileiros (natos e naturalizados) e estrangeiros residentes no País, a doutrina e o Supremo Tribunal Federal (inclusive), entendem, mediante uma interpretação sistemática, a inclusão nesse rol, dos estrangeiros não residentes, dos apátridas e das pessoas jurídicas[1].

A respeito do estrangeiro, a Suprema Corte julgou:

O súdito estrangeiro, mesmo aquele sem domicílio no Brasil, tem direito a todas as prerrogativas básicas que lhe assegurem a preservação do status libertatis e a observância, pelo Poder Público, da cláusula constitucional do due process. O súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para impetrar o remédio constitucional do habeas corpus, em ordem a tornar efetivo, nas hipóteses de persecução penal, o direito subjetivo, de que também é titular, à observância e ao integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do devido processo legal. A condição jurídica de não nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório. Precedentes. Impõe-se, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante. [HC 94.016, rel. min. Celso de Mello, j. 16-9-2008, 2ª T, DJE de 27-2-2009.] Vide HC 94.477, rel. min. Gilmar Mendes, j. 6-9-2011, 2ª T, DJE de 8-2-2012 Vide HC 72.391 QO, rel. min. Celso de Mello, j. 8-3-1995, P, DJ de 17-3-1995 (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 54).

 

 Ademais, o Título VIII da Constituição Federal, relativo à ordem social, trata, certamente, de direitos fundamentais, pois estão previstas normas relativas ao direito ao trabalho e à seguridade social (art. 193 ao 195); à saúde (art. 196 ao 200); à previdência social (arts. 201 e 202); à assistência social (arts. 203 e 204); à educação cultura e desporto (art. 205 ao 217); à ciência e tecnologia (arts. 218 e 219); à comunicação social (art. 220 ao 224); ao meio ambiente (art. 225); à família, criança e adolescente (art. 226 ao 230); e, aos índios (arts. 231 e 232).

Não se pode deixar de levar em consideração, também, relativamente ao tema, o § 2º do art. 5º da Constituição da República, o qual prevê que os direitos e garantias expressos na mesma não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

 Nesse diapasão, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, em obra conjunta sobre direito constitucional, afirmaram que:

O parágrafo em questão dá ensejo a que se afirme que se adotou um sistema aberto de direitos fundamentais no Brasil, não se podendo considerar taxativa a enumeração dos direitos fundamentais no Título II da Constituição. [...] É legítimo, portanto, cogitar de direitos fundamentais previstos expressamente no catálogo da carta e de direitos materialmente fundamentais que estão fora do catálogo. Direitos não rotulados expressamente como fundamentais no título próprio da Constituição podem ser como tal considerados, a depender da análise de seu objeto e dos princípios adotados pela Constituição (MENDES; BRANCO, 2011, p. 39).

3. O direito à igualdade

Para se compreender o alcance do direito à igualdade e relacioná-lo à consecução dos direitos fundamentais, é preciso levar em conta, agregar o princípio da isonomia, a igualdade perante a lei (igualdade formal) e a igualdade material ou substancial, pois seu conceito reivindica que se trate os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual na medida em que se desigualam, conforme Pedro Lenza escreveu:

O art. 5.º, caput, consagra serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Deve-se, contudo, buscar não somente essa aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade material. Isso porque, no Estado social ativo, efetivador dos direitos humanos, imagina-se uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa daquela apenas formalizada em face da lei. Essa busca por uma igualdade substancial, muitas vezes idealista, reconheça-se, eterniza-se na sempre lembrada, com emoção, Oração aos Moços, de Rui Barbosa, inspirada na lição secular de Aristóteles, devendo-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades (LENZA, 2016, p. 1270-1271).

Pode-se afirmar, há movimentos, no âmbito do Estado brasileiro, no sentido de implementar a isonomia descrita. Basta lembrar o não tão distante reconhecimento da união homoafetiva por parte do Supremo Tribunal Federal.

Vale colar, nesse viés, destacadamente, parte da ementa do agravo regimental no Recurso Extraordinário 477.554 – Minas Gerais, em que se fomentou tratar-se a proteção das minorias de uma concepção material da democracia constitucional. Vejamos:

[...] - Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio no plano do direito comparado. A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A PROTEÇÃO DAS MINORIAS. - A proteção das minorias e dos grupos vulneráveis qualifica-se como fundamento imprescindível à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito. - Incumbe, por isso mesmo, ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de guarda da Constituição (o que lhe confere “o monopólio da última palavra” em matéria de interpretação constitucional), desempenhar função contramajoritária, em ordem a dispensar efetiva proteção às minorias contra eventuais excessos (ou omissões) da maioria, eis que ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, à autoridade hierárquico-normativa e aos princípios superiores consagrados na Lei Fundamental do Estado. Precedentes. Doutrina. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2011, p. S.N).

Em tempos um pouco mais recentes, o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu que o Programa Universidade para Todos (PROUNI) se apresenta como importante instrumento social a efetivar o direito à igualdade.

Nesse contexto, fomentou, com primazia, não haver outro modo de concretizar o valor constitucional da igualdade senão pelo decidido combate aos fatores reais de desigualdade, bem como que a imperiosa luta contra as relações desigualitárias muito raro se dá pela via do descenso ou do rebaixamento puro e simples dos sujeitos favorecidos. Outrossim, se verifica pela ascensão das pessoas até então sob a hegemonia de outras, conforme se verifica conferindo-se a íntegra desses desenvolvimentos:

[..] Não há outro modo de concretizar o valor constitucional da igualdade senão pelo decidido combate aos fatores reais de desigualdade. O desvalor da desigualdade a proceder e justificar a imposição do valor da igualdade. A imperiosa luta contra as relações desigualitárias muito raro se dá pela via do descenso ou do rebaixamento puro e simples dos sujeitos favorecidos. Geralmente se verifica pela ascensão das pessoas até então sob a hegemonia de outras. Que para tal viagem de verticalidade são compensadas com esse ou aquele fator de supremacia formal. Não é toda superioridade juridicamente conferida que implica negação ao princípio da igualdade. O típico da lei é fazer distinções. Diferenciações. Desigualações. E fazer desigualações para contrabater renitentes desigualações. A lei existe para, diante dessa ou daquela desigualação que se revele densamente perturbadora da harmonia ou do equilíbrio social, impor uma outra desigualação compensatória. A lei como instrumento de reequilíbrio social. Toda a axiologia constitucional é tutelar de segmentos sociais brasileiros historicamente desfavorecidos, culturalmente sacrificados e até perseguidos, como, verbi gratia, o segmento dos negros e dos índios. Não por coincidência os que mais se alocam nos patamares patrimonialmente inferiores da pirâmide social. A desigualação em favor dos estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas e os egressos de escolas privadas que hajam sido contemplados com bolsa integral não ofende a Constituição pátria, porquanto se trata de um descrímen que acompanha a toada da compensação de uma anterior e factual inferioridade (“ciclos cumulativos de desvantagens competitivas”). Com o que se homenageia a insuperável máxima aristotélica de que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, máxima que Ruy Barbosa interpretou como o ideal de tratar igualmente os iguais, porém na medida em que se igualem; e tratar desigualmente os desiguais, também na medida em que se desigualem. [ADI 3.330, rel. min. Ayres Britto, j. 3-5-2012, P, DJE de 22-3-2013.] (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 50).

Por fim, o guardião da Constituição declarou constitucional, no mês de junho do ano corrente, quando do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 41, a Lei 12.990/2014, que reserva 20% das vagas oferecidas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, na esfera dos Três Poderes.

Como relator, o Ministro Luís Roberto Barroso argumentou, no mês de maio, dentre outros pontos, que a lei é motivada por um dever de reparação histórica decorrente da escravidão e de um racismo estrutural existente na sociedade brasileira, sendo acompanhado, naquela sessão, pelos Ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux.

Na sequência do julgamento, já no mês de junho, o Ministro Dias Toffoli salientou que mais do que compatível com a Constituição, tratar-se-ia a cota de uma exigência do texto maior, em decorrência do princípio da isonomia (direito à igualdade) prevista no caput do artigo 5º cerne do nosso trabalho.

Porém, restringiu os efeitos da decisão para os casos de provimento por concurso público, em todos os órgãos dos Três Poderes da União, não se estendendo para os Estados, Distrito Federal e municípios, uma vez que a lei se destina a concursos públicos na administração direta e indireta da União, e deve ser respeitada a autonomia dos entes federados.

Por sua vez, o Ministro Marco Aurélio asseverou que sem se reconhecer a realidade de que a Constituição impõe ao Estado o dever de atribuir a todos os que se situam à margem do sistema de conquistas em nosso país a condição essencial de titulares do direito de serem reconhecidos como pessoas investidas de dignidade e merecedoras do respeito social, não se tornará possível construir a igualdade nem realizar a edificação de uma sociedade justa, fraterna e solidária, frustrando assim um dos objetivos fundamentais da República, a que alude o inciso I do artigo 3º da Carta Política[2].

Muito oportunas as pontuações dos Ministros do Supremo Tribunal Federal nos julgamentos analisados. Entretanto, é de se refletir sobre os motivos pelos quais o direito à igualdade não é efetivado no Brasil na forma estipulada na Constituição, com ênfase no respeito aos demais direitos fundamentais, frustrando assim, objetivos do nosso Estado como além de construir uma sociedade livre, justa e solidária (CF, art. 3º, I); a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (CF, art. 3º, III); a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, art. 3º, IV), bem como, e, principalmente, os fundamentos da República cidadania (CF, art. 1º, II) e dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), o que pode gerar (ou gera?), variados reflexos, principalmente, quanto à criminalidade.

4. Igualdade e criminalidade

Segundo Alessandro Nepomuceno (2004), dados do Censo Penitenciário brasileiro de 1994 revelam que 95% dos presos são pobres; 87% não concluíram o primeiro grau; 85% não possuem condições de contratar um advogado; e 96,31% são homens, tendo cometido crimes como roubo (33%), furto (18%), homicídio (17%), tráfico de drogas (10%), lesão corporal (3%), estupro (3%), estelionato (2%) e extorsão (1%).

Quatorze anos depois, a realidade praticamente não se alterou, pois os registros do Censo de 2008, oferecidos pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), órgão ligado ao Ministério da Justiça, apresentam, conforme Tamara Melo (2010), que os detentos são em sua grande maioria jovens, negros ou pardos e muito pobres; 8,15% dos presos são analfabetos; 14,35% são alfabetizados; 44,76% possuem o ensino fundamental incompleto; 12,02 % possuem o ensino fundamental completo; 9,36% o ensino médio incompleto; 6,81% o ensino médio completo; 0,9% o ensino superior incompleto; 0,43% o ensino superior completo; menos de 0,1% nível acima do superior completo; 31,87% dos presos têm entre 18 e 24 anos; 26,10% entre 25 e 29 anos; 17,50% entre 30 e 34 anos; 15,45% entre 35 e 45 anos; 6,16% entre 46 e 60 anos; 0,96% mais de 60 anos[3].

A propósito, quando do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347, em que se requereu providências para a crise prisional do país, o Supremo Tribunal Federal destacou encontrarmo-nos diante de um Estado de coisas inconstitucional, como se visualiza no informativo de notícias do dia 09 de setembro de 2015.

A petição inicial destacou variadas questões envolvendo posicionamentos do próprio Supremo Tribunal Federal relativos ao cárcere, condenações do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos por descumprimento de preceitos envolvendo direitos fundamentais e o caráter seletivo do sistema prisional brasileiro.

No que se refere ao último ponto, os advogados do PSOL Daniel Sarmento, Maíra Fernandes, Juliana Cesario Alvim Gomes, Humberto Laport de Mello, Leticia Marques Osorio, Eduardo Lasmar Prado Lopes e Juliana Carreiro Avila (2015) apontaram o perfil do preso, cujo nível educacional agrega 0,47 % com curso superior completo; 5,1% de analfabetos; 12,1% alfabetizados e 44% possuem somente o ensino fundamental incompleto.

Note-se, todos esses dados indicam que se encontram encarceradas pessoas desprovidas do acesso aos direitos fundamentais aqui trabalhados, sugerindo que num cenário corruptivo como o brasileiro, a pobreza tem sido criminalizada[4].

Considerações finais

Na busca por respostas sobre quem verdadeiramente é desviante, verifica-se que o próprio sistema econômico brasileiro atual conduz o indivíduo a uma determinante conclusão. Desigualdade, competição, eficiência e consumismo, formam a base do novo sistema econômico neoliberal, no qual se estimula a concentração de riquezas e a prosperidade econômica, ocasionando-se uma realidade onde poucos têm muito e muitos têm pouco.

Para Agostinho Ramalho Marques Neto em “Neoliberalismo e Gozo”, a ideologia consumista pregada pelos neoliberais tornou as pessoas descartáveis, substituíveis, sendo as relações interpessoais motivadas por interesses individuais. Analisemos:

[...] a antiga oposição marxista opressores/oprimidos já não dá conta da atual divisão social. É preferível, hoje, recorrer à oposição incluídos/excluídos, em que os “incluídos” abrangeriam tanto os opressores quanto os oprimidos, e os “excluídos” compreenderiam aqueles que não têm inserção em nenhuma dimensão da vida social, não chegando sequer a poder ser rotulados como oprimidos pela simples razão de que ninguém se interessaria por oprimi-los, já que daí não retiraria qualquer proveito. Afinal, ser oprimido não deixa de ser uma forma de inclusão! Alguns talvez nem possam ser denominados “excluídos”, já que não há “de quê”, pois nunca foram incluídos em nada! São excluídos, antes de tudo, da própria cidadania [...] (NETO, 2009, p. S.N.).

Como se vê, a desigualdade traçada no neoliberalismo apresenta dois grupos distintos, no qual os incluídos são aqueles que contribuem para o desenvolvimento da economia com suas aptidões e atitudes competitivas, enquanto os excluídos não possuem “vez e nem voz” na sociedade, sendo, como resultado lógico, desprovidos da efetivação de seus direitos.

            Assim, a ideia capitalista vigente no neoliberalismo tornou o homem (pessoa humana) um sujeito do desejo que busca pela felicidade a qualquer preço, o qual encontra-se concentrado na obtenção de um corpo perfeito, bem como no sentimento de pertencimento a uma sociedade voltada ao culto consumo.

            Na busca de suprir essa falta, os ditos excluídos têm visto como única saída para a obtenção da felicidade pregada, o caminho da criminalidade, por não estarem inclusos no sistema posto.

            Assim, nesse ponto, é determinante afirmar que o sujeito desviante tem se apresentado como aquele que não teve efetivamente garantidos os seus direitos fundamentais, ou seja, como aquele que o atual sistema encara, na perspectiva de Agostinho Ramalho, como excluído.

            Por outro lado, a ideia de que, talvez, os verdadeiros desviantes estejam por detrás desse modo perverso de vida deva ser considerada, pois a grande massa está sendo explorada a custo de uma promessa de bem viver inacessível a todos. 

            Portanto, percebe-se a tarefa de se evidenciar o desviante e aquele criado pelo sistema de vida em vigor que se apresenta das mais difíceis, face à radicalização das aspirações individuais e coletivas hoje avistadas, o que tem gerado um caos, representado, principalmente, pela inefetividade de direitos básicos. 

 

Referências

 

COSTA, Daiane; GONÇALVEZ, Kátia. Com crise, desigualdade no país aumenta pela primeira vez em 22 anos. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/com-crise-desigualdade-no-pais-aumenta-pela-primeira-vez-em-22-anos-21061992. Acesso em 20 de jun. 2017.

LEITE, Alessandro da Silva; DUARTE, Hugo Garcez Duarte. Ethos capitalista e criminalidade: sujeito desviante ou (in) efetividade dos direitos humanos? In: Revista Direito & Paz – Unisal – Lorena/SP – Ano XV – Nº 29 – 2º Semestre/2013 – pp. 561-590.  

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.   

MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional – Tomo III. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

NEPOMOCENO, Alessandro. Além da Lei: a face obscura da sentença penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004.

PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE - PSOL. Petição Inicial da ADPF nº 347. Disponível em:  https://jota.info/wp-content/uploads/2015/05/ADPF-347.pdf. Acesso em 01 de ago. de. 2017.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). A Constituição e o Supremo [recurso eletrônico] / Supremo Tribunal Federal. — 5. ed. atual. até a EC 90/2015. — Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2016.

_______. Agravo regimental no Recurso Extraordinário 477.554 – Minas Gerais. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28UNI%C3O+HOMOAFETIVA%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/gm3q97o. Acesso em 11 de ago. 2017.

________. Notícias do STF –Plenário declara constitucionalidade da Lei de Cotas no serviço público federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=346140&tip=UN. Acesso em 11 de ago. 2017.

NETO, Agostinho Ramalho Marques. Neoliberalismo e Gozo. IN: A Lei em Tempos Sombrios. Renata Conde (organizadora). Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2009.

WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Trad. de André Telles. Sabotagem: 2004.  

[1] Sobre o tema, recomendamos: Artigo 5: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ”Como professora de Direito Constitucional I, sua primeira prova avaliava o conhecimento dos alunos a respeito dos direitos individuais. Uma das questões estava assim proposta: Os direitos individuais relativos à vida e à liberdade no Brasil são assegurados pela Constituição Federal para as seguintes pessoas: a) Apenas para os brasileiros natos e naturalizados; b) Para os brasileiros e estrangeiros residentes no país; c) Para todas as pessoas que se encontram no território brasileiro; d) Nenhuma das respostas anteriores. Note-se que a questões B transcreve parte do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. A maior parte dos alunos que assistiu às aulas e leu os textos indicados pela professora respondeu corretamente à questão assinalando a letra C. Entretanto, um aluno relapso e criador de caso assinalou a questão B e, alegando estar a professora errada, recorreu e xingou até a última instância acadêmica, perdendo, obviamente, o recurso e a razão. Ora, como dissemos, Constituição não é texto, e uma leitura literal não sistêmica e descontextualizada do texto pode sugerir então que, como a Constituição expressamente se refere à garantia dos direitos individuais para brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, aos estrangeiros, turistas, não residentes, não tem assegurado o seu direito à liberdade, o que é errado. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional – Tomo III. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006, p. 151-152.

[2] Sobre o que se falou acerca do julgamento da referida Ação Declaratória de Constitucionalidade, ver: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Notícias do STF – Plenário declara constitucionalidade da Lei de Cotas no serviço público federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=346140&tip=UN.   

[3] Quanto aos dados apresentados aqui, ver em: LEITE, Alessandro da Silva; DUARTE, Hugo Garcez Duarte. Ethos capitalista e criminalidade: sujeito desviante ou (in) efetividade dos direitos humanos? In: Revista Direito & Paz – Unisal – Lorena/SP – Ano XV – Nº 29 – 2º Semestre/2013 – pp. 561-590.  

[4] Quanto aos dados trabalhados, consultar: PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE - PSOL. Petição Inicial da ADPF nº 347. Disponível em:  https://jota.info/wp-content/uploads/2015/05/ADPF-347.pdf.

Data da conclusão/última revisão: 2017-11-02

 

Como citar o texto:

DUARTE, Hugo Garcez.; OLIVEIRA, Amanda Roberto de..Criminalidade, capitalismo e direitos fundamentais. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1489. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/3780/criminalidade-capitalismo-direitos-fundamentais. Acesso em 4 dez. 2017.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.