RESUMO

No seio familiar, os pais dedicaram suas vidas aos filhos e esperam na velhice uma retribuição, para que nesta última etapa, possa ser vivida com dignidade. Ocorre que, a forma como estas pessoas são tratadas e vistas foram transformadas, pois agora já não são mais úteis nas relações sociais, surgindo a concepção de “peso”, encontrando-se abandonados e desamparados pelos filhos, família e o Estado. Ainda assim, no Brasil não há legislação específica no que toca à possibilidade de responsabilização civil do abandono afetivo inverso, fato este que tem contribuído para que a conduta de abandono se torne cada dia mais comum. O presente trabalho irá estudar o abandono afetivo inverso suportado na esfera familiar, fazendo uma analise na evolução histórica da família, demonstrando seus conceitos e seu desenvolvimento. É abordado também as relações da afetividade com a legislação e com o idoso e as consequências que na ausência desta pode trazer para a vida deste indivíduo. Relacionando este fato ao que vem sendo discutido nos tribunais e o que a própria legislação assegura para com a pessoa idosa e também, há a possibilidade de reparação do dano causado pela carência do afeto, uma vez que fica demonstrado os pressupostos para a responsabilidade civil.

Palavras-chave: Abandono Afetivo Inverso. Responsabilidade Civil. Dano moral. Indenização.

ABSTRACT

In the family, parents devoted their lives to their children and wait in old age for retribution, so that in this last stage, they can be lived with dignity. It occurs that the way these people are treated and seen were transformed, because now they are no longer useful in social relations, emerging the conception of "weight", finding themselves abandoned and helpless by children, family and the state. Still, in Brazil there is no specific legislation in relation to the possibility of civil accountability of inverse affective abandonment, a fact that has contributed to the abandonment behavior becoming more common every day. The present study will study the inverse affective abandonment supported in the family sphere, analyzing the historical evolution of the family, demonstrating its concepts and development. It is also approached the relationships of affectivity with the legislation and with the elderly and the consequences that in the absence of this can bring to the life of this individual. Relating this fact to what has been discussed in the courts and what the legislation itself assures to the elderly person and also, there is the possibility of repairing the damage caused by the lack of affection, since it is demonstrated the assumptions for the Liability.

Keywords: inverse affective abandonment. Liability. Moral damage. Compensation.

INTRODUÇÃO

A conquista da melhoria de qualidade de vida no país e o aumento da  expectativa da longevidade, fez com que o número de os idosos também crescesse. Para tanto, esse avanço que deveria ser visto como progresso para a sociedade é reprovado por grande parte da mesma e principalmente pela própria família, pois aquele indivíduo já não tem o mesmo valor e igual capacidade de quando era jovem.

Nesta direção, a família é quem possui a qualidade de conservar e preservar sua estrutura, a formação comportamental, os valores morais e ainda acompanhar e apoiar a evolução dos membros que à compõe, bem como evidenciar a dignidade da pessoa enquanto ser humano. E sendo assim, esta instituição que é a mais primitiva de todas as organizações sociais ao longo da história da humanidade, é reconhecida por estar ligada por laços de afetividade e afinidade e não pelo literal sentido de utilidade.

Ocorre que o seu conceito sofreu transformações ao longo do tempo, assim como outras mudanças sociais incluindo a imagem do idoso neste mesmo contexto de modificações. Aquela pessoa que é dotada de conhecimento, sabedoria, experiência e vivência e que de alguma forma ainda sente a necessidade de ser tratado como um alguém útil e capaz, muitas vezes não tem-se reconhecido o seu devido valor. Alguns entes da família, enxergam este ser como frágil, doente e ineficaz, o abandonando e deixando de prover a devida assistência moral e material.

Diante desta constatação, o abandono afetivo é responsável por gerar o sentimento de solidão e tristeza no idoso, prejudicando a sua interação com o mundo, e fazendo em determinados momentos perder o interesse pela vida. Os danos causados em decorrência do abandono são cruéis, ofendendo os direitos da personalidade e de dignidade de pessoa humana, surgindo assim o fator do dano moral e da saúde destas pessoas.

Ainda assim, no Brasil não há legislação específica no que toca à possibilidade de responsabilização civil do abandono afetivo inverso, fato este que tem contribuído para que a conduta de abandono se torne cada dia mais comum. Diante deste quadro, é possível, na ausência de legislação específica, que seja reconhecido o direito de responsabilidade pelo dano causado ao abandono dos filhos para com seus pais?

O presente artigo tem como objetivo analisar a possibilidade de reparar e responsabilizar civilmente o dano causado pelo abandono dos filhos para com seus pais, enquanto idosos, sofrido no âmbito familiar.

Para tanto, foi utilizado para o tipo de pesquisa a bibliográfica. Assim, o presente artigo tem como escopo pesquisar e analisar a literatura já existente. O método é o dedutivo, empregando o raciocínio lógico e a dedução para obter uma conclusão sobre um assunto. A abordagem a ser utilizada é a qualitativa, que tem a finalidade de obter dados voltados para compreender atitudes, enfatizando o caráter subjetivo do em questão, observando suas motivações, particularidades e experiências entendendo o problema daquele grupo.

Nesse sentido o trabalho expõe a inevitabilidade da institucionalização de uma lei que aborde de forma específica o abandono afetivo inverso, regulamentando a matéria para que fosse possível pleitear de forma concreta as ações cabíveis e em seguida obter a responsabilização necessária e eficaz sobre o dano causado. Desta forma no primeiro momento será conceituada e analisada a evolução histórica de família até o atual Código Civil de 2002. Por conseguinte, abordará as concepções do afeto como um dever, discutindo juntamente o Estatuto do Idoso e a sua colaboração para efetiva proteção de seus direitos. E por fim verificar-se-á o vigente posicionamento das jurisprudências dos Tribunais Superiores, constatando as consequências, conceitos e pressupostos da reparação civil a configuração de dano.

1.      EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FAMÍLIA.

A família é a instituição que mais sofreu mudanças ao longo dos tempos. Essa transformação social e jurídica da família abrange questões divergentes entre o conceito, a compreensão, natureza, a sua composição, do modo que era vista ao longo da história e de como é no presente Estado social. Venosa menciona que,

Neste século XXI, a sociedade de mentalidade urbanizada, embora não necessariamente urbana cada vez mais globalizada pelos meios de comunicação, pressupõe e define uma modalidade conceitual de família bastante distante daquela regulada pelo Código de 1916 e das civilizações do passado (VENOSA, 2017, p.3).

Para a conceituação de família perante as inúmeras transições que esta entidade sofre ao decorrer do tempo em relação as modificações dos cenários antigos e contemporâneos, observa-se uma ampla captação e contextualização para a formação de  diversos conceitos. Segundo Almeida e Rodrigues Junior (2012, p.1), a família é considerada a célula , a base fundamentação da sociedade. Sua existência é, por isso, secular. Talvez, ela possa ser considerada uma das formações mais antigas. Por outro lado- o que parece um contrassenso-, também é possível afirmar ser ela plenamente atual.

A priore se faz necessário a diferenciação deste termo em um conceito amplo e restrito. No sentido amplo, resulta considerar o agrupamento de pessoas pelo elo jurídico-familiar, como é o caso dos ascendentes, descendentes e colaterais de uma genealogia, incluindo também ao grupo a linhagem do cônjuge, sendo denominado de parentes por afinidade. Enquanto no conceito restrito, a família é compreendida pelo núcleo familiar composto pelos pais e pai ou mãe e filhos que vivem sobre o poder familiar. Essa instituição, ainda, pode ser vista sob o entendimento sociológico, que são pessoas que habitam e vivem sob um mesmo teto e tendo dentro dessa esfera uma autoridade principal.

Este instituto engloba todos os indivíduos sanguíneos compreendido pelo núcleo famílias, sendo o pai, a mãe e os filhos, os consanguíneos que são os avós, tios entre outros e também a os parentes por afinidade, que diz respeito a todos aqueles que pertencem aquela família tanto do pai quanto da mãe. E em muitos casos é também composta por por tios e sobrinhos, avós e netos e outros entes familiares.  Então o conceito de família é abrangido e entendido por grupos de pessoas que se unem por laços afetivos.

O que aconteceu diferentemente ao longo das primeiras civilizações de grande importância no conceito de família, que eram uma organização ampla e hierarquizada. Em Roma, o poder do pater exercido sobre a mulher, os filhos e os escravos é quase absoluto. A família como grupo é essencial para a perpetuação do culto familiar. No Direito Romano, assim como no grego, o afeto natural, embora pudesse existir, não era o elo de ligação entre os membros da família [...]. A instituição funda-se no poder paterno ou poder marital (VENOSA, 2017, p.4).

Enquanto em outro momento da história, o direito Canônico ficou evidenciado nessa época com o cristianismo, por tanto para instituir uma família era preciso ser constituído através de uma cerimônia religiosa. O casamento para os canonistas eram um sacramento, o que Deus uniu o homem jamais poderia destruir. De certa forma essa forte corrente no direito Romano, Grego e também do direito canônico, ajudou na formação do antigo Código Civil de 1916. Visto que a hierarquização, o estado de família patriarcal e transpessoal era cada vez mais nítido no direito brasileiro, com o poder que o homem exercia sobre sua mulher e seus filhos (VENOSA, 2017). Diante disto, fica constatado que a influência dos povos antigos na sociedade, direito brasileiro, no  familiar é de proteger o patrimônio que a família tem e que adquire, e também manter o poder familiar nas mãos dos homens. Lôbo (2017, p.17) aduz que “No direito luso-brasileiro, era rígido o poder marital sobre a mulher, com as seguintes previsões, nas Ordenações: castigos, cárcere privado pelo tempo que exigisse a correção, direito de morte, se a surpreendida em flagrante adultério”.

Ao decorrer dos grupos familiares e a dos estados onde se encontravam, a igreja era de suma importância, pois esta influenciou diretamente no núcleo que se formava naquela época, sendo este meio de classificar o valor de cada ente que compunha o ambiente familiar. E esta mesma organização obtinha um prisma de que a família era composta apenas pelo pai, mãe e filhos e jamais poderiam ser destituídos através da ação humana. E hierarquização afetou diretamente na formação do direito brasileiro como já mencionado, dando total poder a figura marital.

As principais funções da família como analisado acima naqueles tempos, eram de obter a intenção de proporcionar e impulsionar a função econômica e procracional por meio do aumento do integrantes e membros que a compunham, principalmente filhos homens, como garantia, seguro para o futuro da família e também para velhice. Contudo, foram ganhando forças novas concepções para a função da instituição familiar, através  da transformação pessoal da afetividade no espaço de convivência e solidariedade e também com a emancipação da mulher, mudando significativamente o papel feminino no campo profissional e econômico. Aos poucos a família patriarcal foi entrando em crise, dando espaço ao novo código Civil de 2002, o projeto nº 2.285/2007 orientado pelo IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) e também pelos valores incorporados pela Constituição de 1988.

A família atual agora detém da proteção do Estado, transfigurando de um direito subjetivo público e sendo também, um princípio universalmente aceito e previsto na constituição. Para Lôbo (2017, p.17), “A família atual busca sua identificação na solidariedade (art 3º, I, da Constituição), como um dos fundamentos da afetividade, após o individualismo triunfante dos dois últimos séculos, ainda que não retome o papel predominante que exerceu no mundo antigo”.

Com isso, o Direito de família passa a ser renovado e reorganizado, de forma a dar prioridade ao afeto, a harmonia entre seus integrantes, a integridade física e psíquica, a assistência e o próprio amor, que sucedeu a representação da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais instaurados com a Constituição de 1988. Junto ao acontecimento da constitucionalização do Direito Civil fixou uma interpretação distinguida às relações privadas, especialmente o Direito de Família, com a finalidade de acompanhar as modificações sociais refletidas no instituto familiar (LÔBO, 2017).

A instituição familiar é a base da sociedade, neste momento deixa de se preocupar com a sua forma, e passa a direcionar sua efetiva função social na qual é  busca pela realização e desenvolvimento de seus membros, na condição de indivíduos que, agora são dotados dignamente de direitos plenos. Pode-se afirmar que a atual instituição que o Direito protege esta fundado e constituído na afetividade, pluralidade, funcionalização, eudemonismo e repersonalização. Nesse sentido, os pilares das famílias se fazem possíveis por meio dos princípios implícitos e explícitos que entremeiam as relações familiares, quais sejam, o Princípio da Solidariedade, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o Princípio da Liberdade, Princípio da Igualdade, Princípio da Convivência Familiar, entre outros.

1.1. Da Família e os princípios que a regem.

Diante o estado em que a família se encontra, de buscar a evolução de seus membros, dando o suporte necessário para sua existência, convivência e desempenho por meio das relações de afetividade, o Direito Familiar elenca ainda, juntamente com a Constituição Brasileira princípios que reafirmam a extrema relevância que a afetividade tem dentro das interações familiares, e que não estão expressamente ditadas em lei, mas que tem tanta força e o valor de tais.

Os princípios para o direito são os alicerces da norma brasileira, pois caracteriza-se como o primeiro impulso dado para alguma coisa. Deste feito se torna a base em que a norma encontra sustentação para sua legitimação, seja em diferentes ramos como também para ramos específicos como é o caso do direito de família. E ainda assim, dentro deste específico ramo, existe uma subdivisão em princípio fundamentais e gerais no âmbito familiar. Segundo Lôbo (2017, p. 52), os princípios jurídicos, inclusive os constitucionais, são expressos ou implícitos. Estes últimos podem derivar da interpretação do sistema constitucional adotado ou podem brotar da interpretação harmonizadora de normas constitucionais específicas (por exemplo, o princípio da afetividade).

Posto isso, os princípios que regem e são pertinentes a este tema, fundamentais e gerais podem ser agrupados com uma força para que a afetividade dentro das relações familiares e principalmente no caso de abandono afetivo inverso ganhe ainda mais força e seja visto com maior relevância obtendo respaldo em lei dentro dos casos existentes.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é um dos mais respeitáveis princípios do ordenamento jurídico brasileiro, onde está previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.  No caso em questão, deve ser compreendido como o respeito a todos os integrantes da família, e também a cada um de forma individual. Busca-se a valoração do ser em detrimento do ter. Impõe ao Direito o reconhecimento da pessoa humana em um todo e não tão somente como um sujeito abstrato em uma relação jurídica, assim o indivíduo se mantêm no centro das relações.

A dignidade da pessoa humana é o núcleo existencial que é essencialmente comum a todas as pessoas humanas, como membros iguais do gênero humano, impondo-se um dever geral de respeito, proteção e intocabilidade (LÔBO, 2017 p.54). Pode-se dizer que a dignidade versa sobre tudo que é imensurável e completo, que não tem preço, e que em nenhum momento poderá ser objeto de substituição. De forma que a verdadeira dignidade qualifica a pessoa como ser detentor da razão e do sentimento, tornando-se inerente a condição do ser.

O princípio da solidariedade unifica-se em virtude dos deveres de cooperação, entres os membros que compõe a família, como também com a sociedade, traduzindo deveres uns para com os outros. Lôbo (2017, p.56) diz que a regra matriz do princípio da Solidariedade é o inciso I do art. 3º da Constituição. No capítulo destinado à família, o princípio é revelado incisivamente no dever imposto á sociedade, ao Estado e à família ( como entidade e na pessoa de cada membro) de proteção ao grupo familiar (art.226), à criança e ao adolescente (art.227) e às pessoas idosas (art 230).

A solidariedade desperta a benevolência da família brasileira moderna, a qual se desfez de raízes patriarcais e autoritárias, se mostrando alcançar a liberdade conquistada ao longo dos anos. Tal qual, esta sob uma nova perspectiva social, se mostrando como a reconstrução de novas bases, sendo a solidariedade a primordial base, que une os laços entre os membros da família de modo democrático.

Com o fundamento explícito ou implícito no princípio da solidariedade, a legislação e os tribunais brasileiros avançam no sentido de assegurar aos avós, aos tios, aos ex-companheiros, aos padrastos e madrastas o direito de contato, ou de convivência com as crianças e adolescentes, uma vez que, no melhor interesse destas e da realização afetiva daqueles, os laços de parentesco ou os construídos na convivência familiar não devem ser rompidos ou dificultados. (LÔBO, 2017, p.57-58)

Sendo assim, ao analisar sobre a mesma perspectiva mais de forma extensiva, se faz valer esse direito ao idoso quando é deparado de frente com desamparado, visando conseguir o afeto inverso.

O princípio da Liberdade se revela na medida em que valida a liberdade para escolher a entidade familiar na qual o indivíduo deseja constituir, mantê-la ou não, e a liberdade de se expressão no ambiente familiar e como deseja participar da vida familiar. O princípio da liberdade diz respeito ao livre poder de esfolhar ou autonomia de constituição, realização e extinção de entidade familiar, sem imposição ou restrições externas de parentes, da sociedade ou do legislador; à livre aquisição e administração do patrimônio familiar; ao livre planejamento familiar; à livre definição dos modelos educacionais, dos valores culturais e religiosos; à livre formação dos filhos, desde que respeitadas suas dignidades como pessoas humanas; à liberdade de agir, assentada no respeito à integridade física, mental e moral (LÔBO, 2017, p.64).

E o princípio da igualdade que traz a igualdade entre o homem e a mulher, entre os filhos de qualquer origem e entre as entidades familiares. Não houve outro princípio na Constituição que tivesse causado grandes transformações.

O princípio da igualdade familiar está expressamente contido na Constituição, designadamente nos preceitos que tratam das três principiais situações nas quais a desigualdade de direitos foi a constante histórica: os cônjuges, os filhos e as entidades familiares. O simples enunciado do § 5º do art.226 traduz intensidade revolucionária em se tratando dos direitos e deveres dos cônjuges, significando o fim definitivo do poder marital: Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. […] (LÔBO 2017, p. 59).

É neste contexto, que a valorização patrimônio era visto como principal meio para as relações familiares foi esquecido e sido tomado pelo afeto que hoje é o real suporte fático destas relações. Mesmo que a Constituição de 1988 não aborde explicitamente sobre o afeto, a afetividade tem sido tratada como um princípio implícito à Constituição, especialmente no Princípio da Dignidade da Pessoa humana, da Solidariedade, e no da Convivência familiar. E ainda durante todo o processo histórico da instituição que é a família, fica comprovado que o afeto é o que uni e termina uma família, não sendo somente um elemento integrante da composição, mais o elemento identificador da entidade familiar.

Desta forma, ficou constatado que a atual função da família esta em apoiar e acreditar no desenvolvimento dos seus membros, respeitando estes enquanto ser humano, de forma digna e tratando a relação de forma igualitária. Tendo em vista que os princípios são de suma importância e ainda insuficientes para o legislador e o judiciário poder se manifestarem sobre os anseios dessa instituição de extrema relevância para o âmbito social.

2. O IDOSO E O AFETO.

Uma vez visto que o afeto é o núcleo das relações familiares, e mencionado como um dever jurídico, mesmo que não há nenhuma norma jurídica que o demonstre como tal, mas é enraizado como princípio implícito na Constituição de suma importância, e se faz objeto para caracterização do abandono afetivo inverso, que é tema desse presente projeto.

O afeto é um fato social e psicológico. Talvez por essa razão, e pela larga formação normativista dos profissionais do direito no Brasil, houvesse tanta resistência em considerá-la a partir da perspectiva jurídica. Mas não é o afeto, enquanto fato anímico ou social, que interessa ao direito. Interessam, como seu objeto próprio de conhecimento, as relações sociais de natureza afetiva que engendram condutas suscetíveis de merecer a incidência de normas jurídicas e, consequentemente, deveres jurídicos. O afeto, em si, não se pode ser obrigado juridicamente, mas sim as condutas que o direito impõe tomando-o como referência. (LÔBO, 2017, p.25)

Em que se pese, o afeto é um elemento que além de nortear do centro familiar, ele constitui e direciona o progresso dos membros que a compõe, e ainda confirma a dignidade da pessoa humana, respeitando e valorizando a integridade moral e física, se mostrando, mais uma vez como um princípio implícito na Constituição brasileira. Diante disso, Teixeira e Rodrigues (2010, p. 176) “O afeto só se torna juridicamente relevante quando externados pelos membros das entidades familiares através de condutas objetivas voluntárias que marcam a convivência familiar.”

A ausência de cuidados esta profundamente unida a proximidade, como também na ausência de afeto e cuidado por parte dos filhos para com os pais. O cuidado e o afeto é entendido como proteção para as pessoas vulneráveis e na falta, inclusive de forma permanente, destes elementos a lei enxergar o abandono, pois o cuidado para o direito tem valor jurídico imaterial, incluindo em seu entendimento a solidariedade familiar e a segurança da afetividade.

Entende-se por abandono afetivo inverso a falta de cuidar permanente, o desprezo, desrespeito, inação do amor, a indiferença filial para com os genitores, em regra, idosos.  Esta espécie de abandono constitui violência na sua forma mais gravosa contra o idoso. Mais do que a física ou financeira, a omissão afetiva do idoso reflete uma negação de vida, o qual lhe subtrai a perspectiva de viver com qualidade. Pior ainda é saber que esta violência ocorre no seio familiar, ou seja, no território que ele deveria ser protegido, e não onde se constitui as mais severas agressões (SANTOS, 2016, p.8).

O abandono é entendido quando um indivíduo dispensa de maneira negligencial a responsabilidade a ela incumbida em relação a determinada pessoa, gerando danos e consequências. Esses danos podem ser materiais, quando o responsável deixa de fornecer itens de básica sobrevivência e imaterial, como o afeto, que deve ser destacado como um dever obrigacional, pois se trata de responsabilidade familiar e apoio para o idoso.

Vislumbrando que o afeto jurídico não é observado apenas pelo desamor ou da imposição do amor, mais sim de uma postura solidária e que esteja sendo participativa e gravada na história familiar, principalmente nas relações de pais e filhos e vice-versa, visto que estão e que são mais prováveis a ser tornarem vulneráveis, quando crianças e também idosos. Como reforça Teixeira e Rodrigues, (2010, p.177) “Sendo assim, não é de (des)amor que se trata o afeto como fato jurídico. Mas de uma relação que, quando moldada por comportamentos típicos de uma legítima convivência familiar, é capaz de gerar eficácia jurídica.”

Além do mais, o que está em questão é um dever de cuidado dos filhos para com os pais. No ambiente em que o idoso esta situado, ele busca força para vencer a vida, essas forças estão inseridas e localizadas em um ambiente fraterno e afetivo, onde os medos e desconfortos possam ser minimizados. Pois o processo de envelhecimento não é algo fácil para grande maioria, e além da perda física, afeta também a parte emocional, principalmente para aqueles que estavam estabelecidos em um meio onde prosperava o real sentido da afetividade.

Posto presente à pertinência do afeto para a saúde mental e física é claramente vital para o reconhecimento do dever jurídico da afetividade, entre pais e filhos, independentemente dos sentimentos que possuam. Desta forma, a obrigação entre estes, mais principalmente, neste caso, dos filhos para com os pais idosos está constituída e fixada, nos princípios constitucionais do Direito de Família, no Estatuto do Idoso, na Constituição Federal e nos demais códigos.

O abandono afetivo inverso está ligado à ausência de carinho, afeição e assistência, levando ao desamparo das pessoas mais velhas. Mas não há como obrigar o ser humano a amar o outro, porém o não amar não significa desamparar, não dar o pouco se quer de atenção, de escutar. Pois quando crianças a figura dos entes paternais prestaram toda a assistência e cuidados básicos e fundamentais para o crescimento, educação e evolução dos filhos, só que agora os papéis invertem e com eles a ignorância e impaciência surgem, fazendo com que se sintam inúteis e sem valor algum no meio social e familiar.

2.1. A legislação e o Idoso.

Os idosos têm direitos a personalidade, direitos pertencentes a todo e qualquer ser humano, ou seja, o direito personalíssimo dispondo da própria tomada de decisões em relação a sua vida, sendo eles irrenunciáveis e intransmissíveis. O dever dos filhos com os pais está também estabelecido em lei, como será visto adiante, e cabe a família protege-lo e apoia-lo, pois a idade não esta relacionada com a capacidade destas pessoas. Mas somente em casos em que é comprovada sua incapacidade de forma judicial é que a família deverá intervir, caso contrário eles poderão usufruir mais ainda a vida, de maneira digna e assegurados de que serão cuidados corretamente, cercados de todos os seus direitos. No artigo 11 do Código Civil de 2002, (2017) diz que com a exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitações voluntária.

Porém diante o descaso vivenciado pela pessoa idosa, que vem se tornando cada dia maior, existe a vigência dispositivos jurídicos que asseguram os direitos cabido a eles e garantem o seu cumprimente perante a lei. Mas como já mencionando anteriormente não existe ainda uma legislação específica que trata de forma absoluta sobre a falta de afeto, de cuidado.

Diante desta situação, para que o Idoso não se encontrasse totalmente desamparado foi criado no dia 1º de outubro de 2003 e publicado a Lei nº 10.741/2003 do Estatuto do Idoso, que descreve diretrizes, normas, regras, princípios para atender as necessidades básicas do idoso. A Constituição Brasileira utilizou-se do caráter biológico-cronológico para determinar as faixas etárias das pessoas que se enquadram com a melhor idade. Esta varia entre 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos, no tocante a aposentadoria. A Organização Mundial de Saúde (OMS), nos países desenvolvidos, a idade é de sessenta e cinco e países em desenvolvimento é de sessenta.

Essas necessidades são de fato necessidades pertencentes à vida humana, pois é feito que um dia todos cheguem à velhice. E com a melhor idade é inerente que diversos fatores, como o meio de se relacionar com a sociedade, a herança genética, o meio econômico surgem como questões delicadas em sua grande parte, mas é imprescindível que a qualidade de vida destas pessoas não seja inferiorizada, e sim cada vez mais digna.

Para tanto, o Estatuto do Idoso deixa claro em seu dispositivo assegurar o direito do idoso. Em seu artigo 4º, o legislador buscou preservar o idoso contra qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão. No título II, ele demonstra no artigo 8º ao artigo 42 direitos sociais, normas de ordem pública, de caráter protetivo dos direitos fundamentais dos mais velhos. Já o seguinte título alcança as medidas protetivas ao idoso compreendendo os artigos 43 ao 45. E, por conseguinte o título das políticas de atendimento ao idoso, versa sobre os esforços dos órgãos públicos, dos entes de iniciativa privada, e ainda das organizações não-governamentais e da sociedade no emprego dos recursos econômicos, sociais, matérias e humanos objetivando o cumprimento dos benefícios para com o idoso. E o título V dispõe sobre os crimes praticados contra a pessoa idosa e por fim as disposições finais e transitórias.

Além desse dispositivo que assegura os direitos dos idosos, ainda existe a Política Nacional do Idoso - Lei nº 8.842/1994. Esta lei retrata o desenvolvimento socioeconômico, os anseios e preocupações com os indivíduos que eram vistos como ineficazes, mas que ainda tinham e tem muito no que contribuir para o crescimento social, preservando os cuidados, respeito e proteção devido e adequado com a realidade destes.

Ademais o Código Civil visa resguardar garantias básicas ao idoso em várias ocasiões, como no artigo 1.641 no seu inciso II: “Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos” (Redação dada pela Lei nº 10.406, de 2002). Como também nos artigos 1.695 e 1.696 que antecipam sobre o dever de assistência entre pais e filhos, permitindo o pedido de pensão alimentícia quando não puder se manter sozinho.

Artigo 1695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. Art. 1696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. (Redação dada pela Lei nº 10.406, de 2002).

Como também o Código Penal de 1940 conta com normas que beneficiam o idoso, como o artigo 65, inciso I, o artigo 115 entre outros. O Processo Civil, no que se refere ao direito de ação, mantêm o idoso participativo, através do princípio da inafastabilidade da jurisdição, que está expresso na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, XXXV. Ou seja, haverá prioridade nas tramitações dos processos quando qualquer um contar com idade superior a sessenta e cinco anos.

Mas como toda a legislação, as garantias ao idoso, ainda não são suficientes para a saúde mental, pois a ausência afetiva causa danos à personalidade do indivíduo como a falta de autoestima, de segurança e confiança que pode acarretar em depressão, solidão, insegurança, perturbação da mente, ansiedade e anseios. E todas essas doenças podem ser refletidas na parte física, no corpo da pessoa idosa, como a ausência de ânimo que impede a vontade de se mexer, de buscar algo novo, alguma atividade que possa melhor no seu desempenho.

As causas do abandono afetivo inverso vão além do que possa ser demonstrado ou escrito, são marcas que ficarão registradas para uma vida toda. São sentimentos e dores, que poderiam ser transformadas se a família tivesse demonstrado um cuidado a mais para com os pais que hoje, neste estágio da vida se encontram como pessoas frágeis. É como menciona a Ministra Relatora Nancy Andrighi no recurso especial nº 1.159-242/SP que descreve a melhor justaposição da relação entre o amor e o dever:

Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião.O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes. Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever. (STJ - REsp nº 1.159-242/SP (2009/0193701-9). Rel. Ministra Nancy Andrighi. Segunda Seção, jul. 24.04.2012).

Por isso o afeto tem que ser observado como um valor jurídico, pois reúne preceitos que vão além do amor e do carinho, mas conecta a exata medida de cuidado,  dedicação, preocupação que são destituídos, ficando reconhecido em cada indivíduo um ser possuído de dignidade e de direitos. Com isso a ação ou a omissão deste valor, esta ligada na maneira e na conduta dos filhos que provocam o abandono, contrariando os direitos da convivência familiar, sendo uma relação biológica ou afetiva, gerando dano aos idosos, que muitas vezes podem ser permanentes ou até mesmo fatais.

A relação afetiva é o coração, o alicerce, a esperança para se ter uma velhice tranquila, sossegada e com paz. A vida já é difícil e quando a pessoa se encontrada neste estágio, só quer alcançar o restante de dignidade que ela tem, quer a atenção daqueles que são os mais importantes bens de sua vida, que é sua família, seus filhos, netos. Esses são os verdadeiro significado de cuidar, de laços afetivos, de dever e auxílio.

3. A RESPONSABILIDADE E O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS.

Posto que a vulnerabilidade do idoso por meio do abandono afetivo inverso está cada vez mais presente na sociedade e que pode gerar graves consequências, será verificado que com a negligência do dever de cuidado, como um o possível causador de dano, a possibilidade de responsabilização e reparação, por meio de uma tutela jurídica. A responsabilidade é um aspecto da realidade social e tem como objetivo reparar o dano causado a outrem, decorrente de uma violação de um dever jurídico, preservando os bens patrimoniais e os de personalidade.

Conforme os conhecimentos de Gonçalves (2016, p.19),

Toda a atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade. Destina-se ela a restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano. Exatamente o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano constitui a fonte geradora da responsabilidade civil.

Posto que aquele que violar um direito, tem a incumbência de ressarcir o prejuízo causado com o propósito de restituir o equilíbrio e tratando-se do idoso e do afeto é ainda mais comum observar esta violação.  E ainda Gonçalves reforça seu entendimento dizendo (2016, p.19),

Pode-se afirmar, portanto, que responsabilidade exprime ideia de restauração, de contraprestação, de reparação de dano. Sendo múltiplas as atividades humanas, inúmeras são também as espécies de responsabilidade, que abrangem todos os ramos do direito e extravasam os limites da vida jurídica, para se ligar a todos os domínios da vida social.

Neste viés, a família é o primeiro contato de socialização do ser humano, sendo o suporte do meio social, e elemento que incentiva a realização dos seus integrantes, portanto, não há que se falar em distanciar a aplicação da responsabilização no âmbito familiar. E sobre essa dimensão é que entre os filhos e os pais não existe somente a ligação de afeto, mais existe também um vínculo legal.

A Constituição Federal de 1988 traz em seus artigos 229 e 230:

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. (Redação dada pela Lei nº 10.406, de 2002).

É manifesto que tais atribuições comprovam um dever de responsabilidade, um dever jurídico na relação de filhos e pais, sendo notória que a violação gera dano e acarreta em indenização. Consequentemente é perfeitamente cabível a Teoria da Responsabilidade Civil nos casos de abandono afetivo. Como discorre Gonçalves em sua obra (2016, p.20) “Coloca-se assim, o responsável na situação de quem, por ter violado determinada norma, vê-se exposto às consequências não desejadas decorrentes de sua conduta danosa, podendo ser compelido a restaurar o status quo ante.”.

Sabe-se que o dever é uma conduta humana (responsabilidade subjetiva por ser baseada em culpa), transformada em ação ou omissão, que no caso do abandono afetivo inverso torna-se uma conduta omissiva do dever de cuidar, configurando uma ilicitude da norma, já que à responsabilidade dos filhos estão elencadas na Constituição e no Estatuto do Idoso e que na falta dessa, resulta em atos danosos para o idoso que sofre com abandono. O Código civil diz no seu artigo 186 que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (Redação dada pela Lei nº 10.406, de 2002).

A ilicitude de uma norma traz conjectura da culpa ou dolo que deverão ser analisados no caso concreto. O dano é observado a partir do momento e da medida que o idoso vai sofrendo com o desafeto e as conseqüências que causam. Porém o dano e o nexo causal deverão ser analisados de forma minuciosa para que não haja a banalização e descaracterização do afeto.

Assim o dano, é fator responsável pela obrigação de indenizar. Ele abrange o prejuízo material e imaterial alcançado na vítima, em função da conduta praticada pelo ofensor. E também denominado de dano moral e/ou patrimonial. O dando patrimonial adentra na esfera dos danos emergentes que são as perdas e a deteriorização do bem patrimonial, dos lucros cessantes e/ou frustrados, sendo tudo aquilo que o indivíduo deixou de ganhar com aquele bem. Assim é possível compreender ainda melhor, de acordo com os ensinamentos de Gonçalves (2016, p. 368):

É possível distinguir, no campo dos danos, a categoria dos danos patrimoniais (ou materiais), de um lado, dos chamados danos extrapatrimoniais (ou morais), de outro. Material é o dano que afeta somente o patrimônio do ofendido. Moral é o que só ofende o devedor  como ser humano, não lhe atingindo o patrimônio.

Com relação ao dano moral, este vem tratar do direito da personalidade que são os direitos básicos inerentes ao ser humano. O dano no direito personalíssimo não afeta o bem patrimonial, mas afeta o bem da personalidade humana, podendo ou não também acarretar na atenuação de um patrimônio.

Portanto, por se referir de dano que afeta a esfera personalíssima, no caso do abandono afetivo inverso, ferindo a imagem, a conduta, a reputação, a honra, sentimento, este pode ser considerado um dano imaterial, ou seja, dano moral. Desta forma, Gonçalves conceitua o dano moral em seu livro de Responsabilidade Civil:

Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome etc., como se infere nos arts. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação. (GONÇALVES, 2016 p.387).

Para que não ocorra a mediocrização da penalidade do abandono afetivo inverso, surgem hipóteses a serem observadas para a compreensão e entendimento do dever de indenizar, sendo estas, a comprovação do ato ilícito e o abuso do direito, o surgimento concreto do dano de um bem extrapatrimonial, não operando nenhuma forma tentada. Em seguida é analisado o nexo causal, que também faz parte dos pressupostos da responsabilidade civil, e é nele que é identificado a ligação entre a conduta praticada pelo agente foi o motivador da causa do dano. E por fim a culpa, demonstrando que mesmo que o agente não agiu com a intenção de obter aquele resultado, agiu com negligência, imperícia e imprudência. Santos em seu trabalho, diz:

Os atos ilícitos são aqueles que contrariam o ordenamento jurídico lesando o direito subjetivo de alguém. É ele que faz nascer à obrigação de reparar o dano e que é imposto pelo ordenamento jurídico. O Código Civil Brasileiro estabelece a definição de ato ilícito em seu artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Através da análise deste artigo é possível identificar os elementos da responsabilidade civil, que são: a conduta culposa do agente, nexo causal, dano e culpa. Este artigo é base fundamental da responsabilidade civil, e consagra o princípio de que a ninguém é dado o direito de causar prejuízo a outrem (SANTOS, 2012).

Por isso, o descuidado, descaso, menosprezo, gerados pelos filhos para com os pais atingem o direito da personalidade e da dignidade dessas pessoas, por isso há em que se falar na indenização por esse descuido. A indenização pecuniária, não vem com a intenção condenatória do filho pela inexistência do dever de cuidar, mas vem o intuito de “suprir” as necessidades da vítima, em razão do indivíduo responsável, que causou a dor, o sofrimento, seja punido de alguma forma e responda por seus atos.

Como é o caso, que foi retratado a respeito do tema em 2012 na Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) o recurso especial nº 1.159-242/SP, que manteve a decisão, por maioria dos votos, a condenação de um pai pagar à filha uma indenização de 200 mil reais devido ao abandono afetivo como mencionado anteriormente neste trabalho a Ministra Relatora Nancy Andrighi, fazendo com que esse se faça a interpretação extensiva do caso, para que haja um posicionamento seguro da jurisdição a respeito da posição dos idosos.

E também um projeto de Lei nº 4294/2008 que pretende acrescenta parágrafo ao artigo 1.632 do Código Civil e ao art 3º do Estatuto do Idoso, estabelecendo a indenização tanto para idosos quanto para adolescentes em razão do dano moral causado pelo abandono afetivo. Este projeto descreve que as obrigações não são somente com o auxílio material, mas também há a necessidade do auxílio moral, que garantem a personalidade e a dignidade que são indispensáveis para o crescimento dos filhos, e ao respeito, cuidado e garantia ao idoso. E ainda frisa que não é a obrigação de amar o objetivo do tal projeto, mas sim, o cuidar, devendo ser responsabilizado aquele que gera o dano em favor do abandono.

Este projeto de Lei ainda não foi aprovado, mas já tem parecer pela a aprovação da Comissão de Seguridade Social e Família, da Relatora Jô Morais e do Relator Geraldo Thadeu. E caso o projeto seja aprova, assim, o idoso será compensado com toda a seguridade de que nada poderá lhe falta, o dano moral será certo e determinado, podendo o julgador quantificar o dano moral conforme o caso concreto.

CONCLUSÃO

O fato de todos os seres humanos passarem pelo processo de envelhecimento, não se torna um fato novo, e sim é algo concreto, que permanece em sociedade desde o sua origem. Feito que vem acompanhando a sua evolução ao longo do tempo e que é sentido de formas divergentes e se enquadrando ao período social em questão.

Ocorre que este processo tem mudado e alterado gradativamente a realidade brasileira, pois ouve um aumento do número de pessoas da melhor idade, e com isso, o governo e a legislação não esta preparada para receber as dificuldades, sem o amparo de políticas públicas para tentar resolver este cenário. A princípio, a maior dificuldade foi acreditar que o fato gerador de toda essa situação estava somente relacionado a idade, não observando que abordaria um processo com numerosas razões, das quais não se enquadrariam em uma única causa, padrões ou até em um mesmo tópico.

Portanto, a população também se encontra despreparada para suprir as necessidades da pessoa idosa forma efetiva, não só a população como também o Estado e a própria família. Carências essas que estão vinculadas com a qualidade de vida, que são alcançados por intermédio da educação, saúde, moradia, cultura, alimentos e o mais fundamental o afeto, o cuidado dos filhos, devendo cumprir com o seu papel.

Por mais que existam na legislação atual garantias e direitos constitucionais no âmbito destinado ao idoso, estes se encontram cada vez mais isolados, abandonados por suas famílias, dificuldade com o acesso a saúde, a inexistência de espaço para o mercado de trabalho, a escassez de ambientes educacionais para atender as necessidades destas pessoas, acarretando assim locais e cenários de baixo nível de expectativa de vida, de miséria.

É em meio a esse quadro que se vê a fundamental relevância da imagem jurídica do Abandono Afetivo Inverso, que é quando os filhos deixam os pais enquanto idosos desamparados de maneira negligencial em razão de uma conduta comissiva ou omissiva. A perspectiva do abandono retratado neste trabalho é fundamentado na falta de cuidado, amor e apoio por parte dos filhos.

Diante a não existência de uma legislação específica foi realizado uma análise em torno da Constituição Federal Brasileira de 1988, Estatuto do Idoso – Lei 10.741/2003, a Política Nacional do Idoso – Lei n° 8.842/1994, o Código Civil Brasileiro de 2002, o Código de Processo Civil, Código Penal de 1940, um projeto de Lei nº 4294/2008 e por fim um recurso especial nº 1.159-242/SP.

Com isso, é notório que o legislador não deixou de amparar o idoso, e restou  comprovado que o ordenamento jurídico fornece dispositivos legais de proteção, possibilitando a fruição de seus direitos. Porém a execução destes dispositivos, não é aplicada de forma eficaz e coerente, pois ainda existe uma carência em relação ao idoso, carência da qual o abandono se faz presente através dos responsáveis.

É fato que o afeto não se pode ser obrigado e tão pouco imposto, mas ele vem implícito nos termos legais e consequentemente põe em ação o dever de cuidar, e quando este dever não é obedecido ele contrária diversos princípios, tais como da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade entre outros. E se a uma violação de direitos quando se comprova a falta do afeto relacionado ao cuidado filial-paterno, a que se falar em indenização por meio da responsabilidade civil.

É um instituto que vem com o objetivo de  restabelecer o equilíbrio quando ocorre um dano, mais especificamente o dano moral, para suprir e reparar danos sofridos  injustamente em razão da pessoa idosa, como forma de compensar a dor do sofrimento mediante a contrapartida pecuniária.

O objetivo é que aqueles responsáveis pelo abandono sejam punidos com o intuito preventivo, de conscientizar os filhos em relação ao seu papel dentro da entidade familiar. Mesmo que o amor, o afeto ainda não possa ser valorado no sentido pecuniário, aflora a vontade de se tutelar essa matéria, para que o dever de cuidar não seja violado e posteriormente seja uma medida preventiva para impossibilitar o ato do descuido, diminuindo a frequência do abandono afetivo inverso. Assim, o filho que negligenciar ou deixar de prestar o auxílio preciso por mero deleite, suportará a penalização e indeniza-lo-á pelo Abandono Afetivo Inverso.

REFERÊNCIAS

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Data da conclusão/última revisão: 2/5/2019

 

Como citar o texto:

RIETJENS, Gabriela; MARQUES, Vinicius Pinheiro..Abandono afetivo inverso: responsabilidade civil dos filhos para com os pais. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1619. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/4426/abandono-afetivo-inverso-responsabilidade-civil-filhos-com-os-pais. Acesso em 8 mai. 2019.

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