1 . Por atos legislativos

Por muito tempo se considerou que, tendo o Parlamento competência de elaborar as leis, não teria ele o dever de se subordinar a elas, como se o Parlamento fosse infalível. No entanto, sabe-se que a Constituição demarca os poderes e os limites do Poder Legislativo.

Quando o Poder Legislativo ultrapassa os limites estabelecidos para sua atuação, elaborando lei inconstitucional que lesione o cidadão, fica claro que deve restitui-lo pelo dano que lhe causar. Assim, quando o governo cobra um imposto baseado em uma lei inconstitucional, após a declaração de inconstitucionalidade da lei, o contribuinte terá o direito de restituição do que pagou indevidamente.

Isso também acontece com relação a ato regulamentar abusivo, que sendo considerado inconstitucional ou ilegal dará ensejo a ressarcimento de eventuais danos.

A questão é saber se leis ou atos normativos constitucionais, que causem danos, possam dar ensejo ao ressarcimento dos prejudicados, já que aqui entram em conflito a soberania do Estado Legislador e o direito do indivíduo que fora lesado. Leon Duguit, Caio Mário da Silva Pereira, José Cretella Júnior e Yussef Said Cahali defendem que sim, enquanto Octávio de Barros, Pedro Lessa, Amaro Cavalcanti defendem que não.

A defesa da irresponsabilidade do Poder Legislativo por sua atividade danosa se fundamenta no fato de que no exercício de seu poder soberano, o legislador pode editar novas normas, revogadoras ou modificadoras das leis anteriores, sem outra limitação senão o interesse sócio-político ditado pelas circunstâncias do momento; se a situação criada pela nova lei causa diretamente prejuízo para certo grupo de particulares, admite-se no máximo que seria de eqüidade indenizá-los; trata-se, porém, de recomendação ao autor da lei e não ao seu aplicador - juiz -, de tal modo que a indenização somente seria autorizada se o legislador tivesse expressamente provido a respeito, não bastando para tanto o silêncio da lei.

A responsabilidade objetiva do Estado, fundada no risco administrativo, defende que se o Estado protege os administrados contra todos os riscos que resultam de sua atividade em geral, não se compreende que essa garantia lhe falhe no caso decorrente da aplicação da lei.

A questão se biparte nos casos em que a lei estabelece a seu benefício um monopólio industrial ou comercial, ficando tal atividade interdita a particulares; e nos casos em que a lei suprime ou diminui as vantagens desfrutadas por um particular, decorrentes de lei anterior.

No primeiro caso, a maioria da doutrina converge no entendimento da admissibilidade da reparação, isso porque, o monopólio deve respeitar os direitos e garantias individuais.

No segundo caso, segundo Yussef Said Cahali, prevalece a regra da irresponsabilidade civil reparatória, desde que a atividade do particular não seja em suas condições de vida e existência, impondo sua supressão, já que deste modo ter-se-á um dano especial, anormal, e, portanto, passível de reparação.

É nesse sentido que caminha boa  parte da doutrina  quando se trata de responsabilidade civil do Poder Legislativo por leis ou atos normativos constitucionais. De fato, existe o fundamento filosófico de que todos os componentes do grupo social devem suportar um sacrifício gratuito em favor da coletividade. Porém, quando há lesão ao direito particular, não se trata de todos os componentes da vida social, e por isso a indenização é devida.

2 . Por atos judiciários

Em primeiro lugar, há que se esclarecer que o juiz é um agente público, e, sendo assim, seus atos são atos estatais. Quando o juiz exercer atividade meramente administrativa, como o contrato de prestação de serviço ou o edital de realização de concurso, a sua responsabilidade também se identifica com a da atividade administrativa.

No entanto, quando o juiz ou tribunal está investido de sua competência jurisdicional, a responsabilidade civil do Estado se defronta com inúmeros problemas decorrentes da divergência de princípios que regem a atividade judicante e a responsabilidade civil.

O que se discute, na verdade, é o dano causado por um erro judicial emanado de uma sentença que já se faz coisa julgada.

A defesa da coisa julgada, ainda que injusta, faz-se mediante argüição do argumento da paz social, defendendo-se que a possibilidade de novo litígio sobre questão já julgada encerraria a subversão da própria justiça.

Com efeito, Pedro Lessa enxerga como únicos meios de reparação de dano  infringido por uma sentença ilegal,  os casos de revisão ou de rescisão de sentença. José de Aguiar Dias também concebe que os atos derivados da atividade jurisdicional não empenham responsabilidade do Estado, salvo as exceções expressamente estabelecidas em lei.

Nesse sentido, não se pode olvidar Pontes de Miranda, quando afirma que, mediante a passagem do tempo, e conseqüente evolução do entendimento jurisprudencial e doutrinário, muito do que fora decidido no passado será considerado equivocado diante de atual entendimento. É por isso que se deve ter cuidado ao se considerar uma decisão judicial errada. 

No entanto, na prática, há casos de responsabilização do Estado por erros judiciais, especialmente quando se trata de matéria criminal, onde o Estado age diretamente, ao contrário da esfera civil, onde o erro judicial, mais se aproxima de decisão errada, que deve ser suportada pelo prejudicado, diante da possibilidade natural de erro e da autoridade da res iudicata. Tais casos de reparação, no entanto, são excepcionais, e, portanto, na função judiciária vige, regra geral, a irresponsabilidade estatal.

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Como citar o texto:

SANDER, Tatiane..Responsabilidade Civil do Estado. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 134. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-responsabilidade-civil/684/responsabilidade-civil-estado. Acesso em 14 jul. 2005.

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