Resumo: O Estado, na sua ânsia de arrecadação tributária, acaba por ferir princípios jurídicos de proteção do cidadão, extrapolando limites jurídicos estabelecidos. A Constituição Federal, ao instituir o Sistema Tributário Nacional, estabeleceu como um de seus princípios, a indelegabilidade da competência tributária. Este artigo analisa o Imposto Territorial Rural e sua incompatibilidade com o princípio referido. O legislador delegou ao Poder Executivo competência para realização de atos administrativos capazes de gerar alteração da carga tributária que incide sobre os imóveis rurais, o que é incompatível com o Sistema Constitucional Tributário. Ao criar o sistema de alíquotas progressivas, condicionando a escolha da alíquota ao grau de utilização da terra, e dando competência ao Poder Executivo para o estabelecimento dos critérios de avaliação desse grau de utilização, o legislador permitiu a esse poder alterar a carga tributária incidente sobre os imóveis rurais. Essa permissão é incompatível com o Sistema Tributário Nacional, previsto na Constituição Federal.

Palavras-chave: Tributação – Imposto Territorial Rural - Princípio da Indelegabilidade da Competência Tributária – Delegação Legislativa Disfarçada - Sistema Tributário Nacional.

1. Diferença entre Competência Tributária Legislativa e Capacidade Tributária Ativa:

            A competência tributária legislativa diz respeito à aptidão que é dada às pessoas políticas, pela Constituição Federal, para elaborar regras jurídicas tributárias inovadoras no ordenamento jurídico, por meio de procedimento legislativo, criando ou majorando tributos. As pessoas jurídicas de direito público exercem a competência tributária mediante lei.

            A capacidade tributária ativa, por seu turno, está relacionada às funções de fiscalização e arrecadação tributárias. A lei que institui o tributo indica o sujeito ativo, outorgando-lhe atribuições para arrecadar e fiscalizar o tributo.

            O detentor da competência tributária tem o poder de legislar, desenhando o perfil jurídico do tributo. O detentor da capacidade tributária ativa, por seu turno, possui atribuições para fiscalizar e arrecadar tributos.

            É comum acumularem-se a competência e a capacidade tributária ativa em uma só pessoa. Entretanto, isso não significa que o desenho do perfil jurídico do tributo possa ser deslocado da esfera do poder legislativo dessa pessoa, par o seu poder executivo. A este poder só se justificam as atribuições de fiscalização e arrecadação.

            Repassar, por meio de lei, ao poder executivo, poderes para desenhar o perfil jurídico do tributo, acaba por ferir a regra implícita na Constituição Federal, da indelegabilidade da competência tributária, constituindo-se em uma forma de delegação legislativa disfarçada, totalmente incompatível com o Sistema Tributário Nacional.

            Vejamos a disposição do artigo 6º caput do Código Tributário Nacional:

Art. 6º A atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, e observado o disposto nesta Lei.

            Importa verificarmos também a disposição do artigo 7º caput do Código Tributário Nacional:

Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.

            Os dispositivos devem ser conjugados ainda com o artigo 97 do Código Tributário Nacional, que assim dispõe:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.

            Há que se admitir, pela análise dos dispositivos citados, que a delegação de competência para legislar em matéria tributária, do poder legislativo para o poder executivo, ainda que dentro da mesma pessoa jurídica, é inadmissível.

2. A Lei nº. 9.393/1996 realizou uma delegação disfarçada de competência tributária:

Ao instituir qualquer tributo, deve o legislador esgotar todos os seus contornos, estipulando na regra-matriz todos os requisitos para a caracterização da obrigação tributária.

À Administração Pública cabe apenas o exercício de atividades administrativas relacionadas à capacidade tributária, ou seja, fiscalização e arrecadação tributária.

O princípio da indelegabilidade da competência tributária, implícito no conjunto normativo constitucional, albergado na Lei Complementar nº. 5.172/66, é de capital importância no que diz respeito à segurança jurídica para os cidadãos.

A elaboração de normas tributárias capazes de exigir ou aumentar tributos só pode acontecer através de processo de elaboração próprio, pelo Poder Legislativo.

A competência para instituir ou aumentar o Imposto Territorial Rural é privativa da União (art. 154 – VI da Constituição Federal), que a exerce através do seu Poder Legislativo.

No caso da Lei 9.393/96, no entanto, o legislador delegou competência para o delineamento de elementos quantitativos do tributo, à Secretaria da Receita Federal, órgão da Administração Tributária da União, por instrução normativa.

No presente estudo, verifica-se que a lei nº. 9.393/96, ao permitir a fixação de critérios e índices para apuração da área efetivamente utilizada em imóveis rurais, como previsto no art. 10, § 1º, V, e § 3º, delegou competência legislativa a órgão administrativo, dando-lhe poder para atuar na esfera quantitativa da obrigação tributária.

Como está o Imposto Territorial Rural atualmente, com a delegação de competência à Secretaria da Receita Federal, para fixação de índices de apuração da área efetivamente utilizada e, conseqüentemente, do grau de utilização da terra, como previsto no art. 10 § 1º, V e VI, e § 3º, há um risco para os contribuintes enquadráveis nessa norma tributária. Da forma como a delegação está prevista na lei, o quantum da obrigação tributária ficou dependente do arbitramento de critérios de valoração da efetiva utilização da terra por instrução normativa, atribuída pela lei a órgão administrativo da União – Secretaria da Receita Federal.

Acontece que as alíquotas variam dentro do quadro progressivo instituído na lei, de 0,03% a 20%, a depender do tamanho da área do imóvel e do seu grau de utilização. Este último critério, com a delegação de competência instituído, ficou a cargo da Secretaria da Receita Federal.

Ainda que de forma sutil, mas capaz de gerar grande impacto na obrigação tributária, as delegações presentes no art. 10 § 1º, V e art. 10 § 3º, à Secretaria da Receita Federal, geram uma anomalia de competência. A Secretaria adquiriu poder não compatível com o Sistema Tributário Nacional, capaz de interferir com profundidade na carga tributária a ser suportada pelos contribuintes.

À Secretaria da Receita Federal cabe apenas fiscalizar ou arrecadar tributos. Alterar índices de apuração da área efetivamente utilizada, por emissão de instrução normativa, permite ao órgão majorar ou minimizar a carga tributária a ser suportada pelo contribuinte, dentro do quadro de alíquotas progressivas instituídos na lei, o que é inadmissível no nosso sistema tributário.

3. Conclusão:

A Lei 9.393/96 autoriza a Secretaria da Receita Federal, a fixar índices para apuração de áreas efetivamente utilizadas. Abriu assim precedente, ampliando o leque de discricionariedade da administração, possibilitando à Secretaria da Receita Federal interferir nos critérios de quantificação tributária.

Há, portanto, delegação de atividade legislativa disfarçada. Ao referir-se, no art. 10 § 1º - V, à área efetivamente utilizada, a lei não estabelece os detalhamento necessários. Assim procedendo, abre uma lacuna quanto à apuração do critério de área efetivamente utilizada e, por conseguinte, da quantificação tributária a ser suportada pelo contribuiente. O preenchimento dessa lacuna fica diferido, para preenchimento por atividade administrativa, em instrução normativa.

Portanto, a Lei 9.393/1996 não é exaustiva. O perfil do Imposto Territorial Rural é incompleto, ficando na dependência de complementação por instrução normativa, verdadeira afronta ao Sistema Constitucional Tributário.

Referências:

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed., São Paulo: Malheiros, 1997.

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 9. ed., São Paulo: Saraiva, 1997.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 1999.

PIRES, Adilson Rodrigues. Manual de direito tributário. 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1993.

BRASIL. Código Tributário Nacional. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2003.

(Concluído em 26 de maio de 2005)

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Como citar o texto:

ANGIEUSKI, Plínio Neves..O Imposto Territorial Rural e a Delegação Legislativa Disfarçada de Competência Tributária. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 138. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/711/o-imposto-territorial-rural-delegacao-legislativa-disfarcada-competencia-tributaria. Acesso em 8 ago. 2005.

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