1.                Conceito de anticrese

A origem da palavra anticrese vem do grego, de anti (em lugar de ou contrário) + chresis (uso), significando, etimologicamente, uso em lugar de ou uso contrário, assim sendo, pode-se considerar a anticrese como:

a)      um contrato; e

b)      uma limitação de garantia à propriedade.

Na primeira acepção acima, constitui-se em um contrato pelo qual um devedor transfere a um credor a posse de seu imóvel, para o fim de este perceber seus frutos e rendas, com o encargo de os imputar sobre o débito, até o completo pagamento deste.

Na segunda acepção, trata-se de um direito real (ius in re) sobre imóvel alheio (aliena), em que o credor apropria-se da coisa, a fim de perceber-lhe os frutos (rendimentos), deduzindo-os do montante da dívida, até sua integral quitação, na proporção entre capital e juros, em alguns casos podendo ser somente para quitação dos juros. È dessa acepção que vamos tratar nesse trabalho.

Insere-se a anticrese, como uma das espécies de direito real de garantia, no mesmo degrau em que estão o penhor, a hipoteca e a alienação fiduciária em garantia. No art. 1.419 do Código Civil de 2002 diz o seguinte: “Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real (grifo nosso), ao cumprimento da obrigação.”

Os Direitos Reais estão protegidos por ações reais (actiones in rem) que se intentam, não contra uma pessoa determinada (devedor), como sucede no Direito Pessoal, mas contra quem quer que tenha turbado a sua utilização (erga omnes), de acordo com Ricardo Gomes da Silva[1].

Conceitua Limongi França[2], anticrese é a limitação da garantia, à propriedade de um bem imóvel de determinado devedor, ou de outrem para ele, limitação essa que se caracteriza pela transferência da posse do mesmo bem ao credor, com o escopo de este lhe auferir frutos e rendimentos, para levá-los à conta de obrigação principal e dos juros, ou apenas dos juros.

Por sua vez, Maria Helena Diniz[3], no mesmo sentido, diz que, a anticrese é o direito real sobre imóvel alheio, em virtude do qual o credor obtém a posse da coisa, a fim de perceber-lhe os frutos (rendimentos) e imputá-los no pagamento da dívida, juros e capital, sendo, porém, permitido estipular que os frutos sejam, na sua totalidade, percebidos à conta de juros.

Desta forma, anticrese é um direito real sobre coisa alheia, o que vale dizer que se trata de uma espécie de garantia de uma dívida. É um direito real de garantia autônomo, com bem diz o mestre Orlando Gomes[4]. Para o mesmo, há discussões acadêmicas a respeito de ser a anticrese um direito pessoal ou real, porém, entende que prevalece a tese da realidade, porque é um direito sobre a coisa, sendo os direitos de garantia sempre acessórios aos direitos que visam assegurar. Assim, a dívida é um direito pessoal, a garantia é um direito real.

A anticrese autoriza, dessa maneira, que o credor se aposse do imóvel, para perceber seus frutos e rendimentos, com o escopo de compensar o débito dos juros e amortizar o capital da dívida (CC art. 1.506), não tendo, todavia, o direito de promover a venda judicial do imóvel dado em garantia, em caso de inadimplemento, como ocorre com a hipoteca.

No ordenamento jurídico pátrio, o instituto da anticrese está configurado nos artigos 1.506 a 1.510 do Código Civil.

Hodiernamente, há que se considerar que esse instituto está praticamente em desuso diante de sua fragilidade em face do poder que remanesce com o devedor (ou o terceiro) de dispor do bem, visto que há outros modelos de garantia mais bem aparelhados para que o direito do credor seja preservado. Conforme opinião de Caio Mário da Silva Pereira[5], embora vigente, é de rara aplicação prática, sendo bem provável que venha no futuro perder a categoria de direito real, subsistindo como contrato de natureza creditícia, ou ainda, como cláusula adjeta ao contrato hipotecário, como era no Direito Romano.

Ratifica esse entendimento Sílvio Rodrigues[6], para o qual a anticrese apresenta tamanhos inconvenientes, que pequena tem sido sua repercussão na vida dos negócios.

2.                Objeto da anticrese

Nos termos do Código Civil de 2002 (art. 1.506), o objeto da anticrese é sempre um imóvel, um bem de raiz.

Admite-se a coexistência entre a anticrese e a hipoteca, dadas às circunstâncias limitadoras da primeira, assim, o imóvel gravado pela anticrese pode ser hipotecado, e vice-versa.

Assevera Washington de Barros Monteiro[7] que nada impede que o devedor hipotecário dê o imóvel hipotecado em anticrese ao credor hipotecário, a fim de, com os rendimentos, amortizar a dívida e que o devedor anticrético hipoteque o imóvel anticrético ao credor anticrédito

3.                Características básicas da anticrese

Tratando-se a anticrese de um direito real de garantia, caracteriza-se por:

a) adere ao imóvel para percepção de seus frutos, rendimentos ou utilidades pelo credor;

b) aplicação direta dos frutos para saldamento da dívida (capital e juros, ou somente juros);

c) necessária à posse efetiva para poder o credor gozar e perceber os frutos, direta ou indiretamente; arrendando a terceiros, salvo expresso ao contrário;

d) é indivisível, pois quando existe uma coisa comum pertencente a dois ou mais proprietários, estes não poderão dar em garantia senão em comum acordo, atende-se à regra geral que rege os direitos reais de garantia;

e) requer capacidade das partes, inclusive no que diz respeito ao devedor anticrético de dispor do imóvel, não havendo vedação de que um terceiro ceda imóvel seu para solver a dívida do devedor (art. 1506, CC – Pode o devedor ou outrem por ele,...);

f) é acessória, posto que presume existência de uma obrigação principal do devedor, da qual vem acostar-se, como um reforço, uma garantia de pagamento;

g) uma vez que acessória, segue igual sorte do principal, prescrita a ação que protege o direito principal do credor contra o devedor, não pode subsistir a ação que assegura a garantia acessória do mesmo credor contra o devedor (art. 1.423, CC).

4.                Forma

Considerando tratar-se de um bem imóvel envolvido, e de acordo com os limites impostos pela lei, viabiliza–se a anticrese por instrumento público ou particular (contrato), portanto forma solene, sendo o registro no órgão compete (transcrição) uma exigência para surtir efeito erga omnes, a tradição real também se faz necessária, pois como poderia o credor auferir os frutos sem a mesma.

Segundo Orlando Gomes[8], no contrato deverão constar o valor da dívida, o prazo fixado para pagamento, a taxa de juros e as especificações do imóvel dado em garantia.

Para que seja constituída a anticrese, é requisito indispensável que o imóvel esteja desembaraçado, ou seja, haja disponibilidade para sua alienação, pois não podem ser objeto da anticrese os imóveis indisponíveis.

Milton Rafael Latorre[9] afirma que, nos contratos onde aparece a anticrese, há duas naturezas jurídicas envolvidas, a primeira delas é pessoal obrigacional, no caso a dívida, a segunda é obrigacional real, no caso a garantia dada para cumprimento dessa.

5.                Obrigações e direitos do credor

Dentre as obrigações do credor, a principal é a de devolver (restituir) o imóvel, uma vez solvida a dívida (capital e juros), cabendo-lhe a responsabilidade pela baixa do ônus junto ao cartório de registro de imóveis.

Segundo Caio Mário da Silva Pereira[10], responde o credor pelas deteriorações que, por sua culpa, o imóvel sofrer (art. 1.510, CC), assim como pelos frutos que se deixarem de perceber por negligência, com igual sorte se destinar o imóvel para finalidade diversa daquela avençada.

O credor anticrético tem também a obrigação de prestar contas de suas atividades (art. 1.507, CC), porquanto os frutos percebidos irão para saldar a dívida que originou a anticrese (salvo as despesas de conservação e reparos da coisa).

Um dos principais direitos do credor é a preferência (art. 1.509, CC), no caso de insolvência do devedor, no que diz respeito ao rateio dos credores, entretanto, esse direito de preferência não prevalece em se tratando de indenização de seguro por destruição ou no caso de desapropriação do bem (art. 1.509,§ 2º, CC).

Também tem o credor direito de seqüela (ius sequendi), o que vale dizer que, por ser aderente ao imóvel, a anticrese acompanha-o em caso de transmissão inter vivos ou causa mortis, isso significa que, uma vez devidamente constituída acompanha a mutação da propriedade do imóvel. Da mesma forma, o direito de seqüela garante ao credor preferência diante de outros credores do devedor, assim como utilizar-se de Embargos de Terceiro diante de uma penhora do imóvel gravado pela anticrese, por parte desses outros credores.

Segundo Sílvio de Salvo Venosa[11], o credor tem, no contrato de anticrese, um título executivo extrajudicial (art. 585, III, CPC), valendo-se dele na hipótese de não se concretizar a esperada produção de frutos do imóvel, ou mesmo se ocorrer à inadimplência.

6.                Obrigações e direitos do devedor

Para Sílvio de Salvo Venosa[12], dentre as obrigações do devedor, a principal é a da tradição (entrega) do imóvel ao credor, permanecendo essa posse até o saldamento da dívida.

Observar o prazo do contrato, resguardando-se de turbar ou esbulhar o imóvel, de forma que o credor possa exercer plenamente sua capacidade de gerar os rendimentos para pagar-se, também é uma obrigação do devedor.

Como direito, o de, a qualquer tempo, resgatar a anticrese (desoneração do gravame e devolução do bem), por meio de pagamento da dívida.

Também é um direito do devedor permanecer com a propriedade do bem, podendo inclusive aliená-lo, embora, na prática, se considerado quase que um imóvel fora do comércio, porquanto dificilmente alguém irá comprá-lo com o gravame e restrições de uso que tem, às vezes por longo tempo.

O devedor tem o direito de exigir do credor o uso para a finalidade prevista, a conservação, cabendo ressarcimento pelos danos causados pelo credor, com culpa.

Deve ainda, pedir contas ao credor, para acompanhamento da evolução do saldamento da dívida.

7.                Inconveniências

De acordo com o já manifestado no item nº 1 deste trabalho, vários autores concordam que o instituto da anticrese não faz parte dos contratos de larga utilização nos mundo dos negócios, dadas as inúmeras desvantagens que o mesmo apresenta, conforme a seguir elencaremos, segundo nos ensina Sílvio Rodrigues[13]:

a) o primeiro desses inconvenientes implica em que a anticrese acarreta um deslocamento da posse do bem, das mãos do devedor para o credor, podendo, em face dessa transferência, acarretar uma ameaça de prejuízo ao devedor, em razão de menor produtividade empreendida pelo credor;

b) a transferência da posse, e o gravame que pesa sobre o imóvel, pode dificultar uma eventual necessidade de alienação do mesmo, pois dificilmente alguém haverá de se interessar por um imóvel que tem uso e gozo garantido para alguém por prazo relativamente longo (de até 15 anos, conforme art. 1.423, CC);

c) constituída a anticrese, praticamente esgota-se para o devedor a possibilidade de obter novos créditos dando como garantia o imóvel gravado, exceto na modalidade de garantia hipotecária, o que dificilmente alguém, fora o credor anticrético, aceitará;

d) dadas às limitações de preferência, também o credor tem desvantagens na anticrese comparativamente à hipoteca.

8.                Extinção

Extingue-se a anticrese pelo pagamento integral da dívida, inclusive antecipada (remição), sendo que a posse do bem por parte do credor passa a ser injusta após o desaparecimento da obrigação.

Também extingue-se pela renúncia, a transmissão da posse do bem ao devedor implica em renúncia tática, pois não há anticrese sem que a posse esteja com o credor.

Pelo instituto da decadência, passados 15 anos do registro da anticrese no respectivo cartório de imóveis (art. 1.423, CC) caducando a mesma. Há que se ressalvar, porém, que na pendência da garantia anticrética não há curso de prescrição da dívida, podendo esta ser cobrada a qualquer momento, pelas ações pertinentes, iniciando-se o prazo prescritivo para a dívida somente quando o credor deixa de ter a posse do bem.

Igualmente nos casos de desapropriação ou perecimento do imóvel (art. 1.509 ,§ 2º, CC), extingue-se a anticrese, permanecendo, porém a dívida na íntegra (computando-se , no caso, os frutos já percebidos até o momento).

Poderá, ainda, ser extinta a anticrese, se o credor não opuser seu direito de retenção diante de outros credores (embargos de terceiro).

9.                Exemplo de contrato de anticrese

ESCRITURA PÚBLICA DE ANTICRESE

VALOR R$ 000.000,00 

                                                  SAIBAM quantos a presente Escritura Pública de Anticrese virem que, sendo no ano de dois mil e dois da era cristã, aos 31 (trinta e um) dias do mês de Maio do dito ano, nesta Cidade e Comarca de Tal lugal, do Estado de Tal, neste serviço notarial, perante mim, Tal tabelião, compareceram partes entre si justas, avindas e contratadas a saber:- DE UM LADO, COMO OUTORGANTES DEVEDORES, a Sra. F M M, brasileira, viúva, pecuarista, portadora da carteira de identidade Rg. nº 00.000 SSP/, inscrita no CPF. sob o nº 000.000.000-00, residente e domiciliada nesta cidade, na Rua C., n.º 000; e o Sr. O M M e sua esposa a Sra. L N M, brasileiros, casados sob o regime da separação de bens, antes da vigência da Lei nº 6.515/77, ele pecuarista, portador da carteira de identidade Rg. nº 000.000-SSP/, inscrito no CPF sob o nº 000.000.000-00, ela de lides do lar, portadora da carteira de identidade Rg. nº 000.000-SSP/, residentes e domiciliados nesta cidade, na Rua C., 000, doravante denominados como OUTORGANTES; DE OUTRO LADO, COMO OU­TORGADO CREDOR, o Dr. H, brasileiro, casado, advogado, inscrito na OAB/MS sob o nº 0.000, portador da carteira de identidade Rg. nº 000.000-SSP-/, inscrito no CPF sob o nº 000.000.000-00, residente e domiciliado na cidade de J., doravante nesta escritura denominado como OUTORGADO. PROCURAÇÃO:- Neste ato o Outorgante, Sr. O está representado por sua es­posa e bastante procuradora, nos termos da procuração por instrumento particular outorgada em data de 0 de Maio do ano de 0.000, devidamente registrada neste Registro de Títulos e Documentos sob o número 0.000, Livro 00. To­dos maiores, capazes, reconhecidos como os próprios por mim, tabelião, de cuja identidade e capacidade jurídica dou fé. E, pelas partes contratantes, falando cada uma por sua vez, me foi uniforme e sucessivamente dito que têm plena e acertada a presente escritura, para se reger pelas cláusulas e condições seguintes, que reciprocamente aceitam, a saber:- PRIMEIRO:- Que os OUTORGANTES são e se confessa solidariamente devedores ao OUTORGADO da dívida líquida e certa no valor de R$ 000.000,00 (por escrito) provenientes dos honorários advocatícios calculados a razão de 15% (quinze por cento) sobre o valor das ações, corrigidos até a presente data, referentes a prestação de seus serviços profissionais na defesa dos direitos dos OUTORGANTES, nos processos findos, todos em trâmite pelo Fórum desta Comarca, a seguir relacionados:- 1)- AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS número 000/00, proposta pelo Sr. N. 2)- AÇÃO DE EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA INCERTA número 000/00, proposta pela Sra. E. 3)- AÇÃO DE EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA INCERTA número 000/00, proposta pelo Sr. N. 4)- AÇÃO DE EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA INCERTA número 000/00, proposta pelo Sr. N. 5)- Várias Ações de Execução e seus respectivos Embargos, propostas pelo Banco tal S/A. SEGUNDA:- Fica convencionado entre as partes que o valor da dívida confessada, será corrigido, a partir desta data, pelos índices oficiais; TERCEIRA:- Em compensação da dívida confessada e seus acréscimos, nos termos do que determina o artigo 000 e seguintes do Código Civil Brasileiro, os OUTORGANTES dão ao OUTORGADO, em ANTICRESE, ressalvados direitos de terceiros, o imóvel rural de sua propriedade, constituído de:- 00.000,0000ha (por escrito) de terras pastais e lavradias, em condomínio dentro do imóvel rural constante de:- 00.000,0000ha (por escrito) de terras pastais e lavradias, localizados no município de C. neste Estado e Comarca, com a denominação atual de “Fazenda B.”, dentro dos seguintes limites e confrontações de acordo com o Mapa, Memorial Descritivo e competente ART número 000000, elaborados e assinados pelo Sr. J., Eng. Agr. Crea número 0000000000/D-SP, visto número 0000/MS:-  LIMITES:- Partiu-se do marco denominado M 0, cravado a 0,00 metros da margem direita do Rio A. e em comum com terras de C.. Deste, segue com vários rumos magnéticos e distancias, rio A. abaixo, até o M 0, estando este cravado a 00,00 metros da referida margem, obtendo-se as seguintes resultantes magnéticas e distancias: M-0/D-0 = 00º00’00’’NE e 000,00 metros;  D-0/D-00 = 00º00’00’’NW e 0.000,00 metros;  D-00/D-00 = 00º00’00’’NW e 0.000,00 metros; D-00/D-000 = 00º00’00’’NW e 0.000,00 metros;  D-000/M-0 = 00º00’00’’NW e 0.000,00 metros. Segue do M 0, confrontando com terras de O., até o M 0 com os seguintes rumos magnéticos e distancias: M-0/M-0 = 00º00’00’’NE e 0.000,00 metros; M-0/M-0 = 00º00’00’’SE e 000,00 metros; M-0/M-0 = 00º00’00’’NE e 0.000,00 metros. Do m 0, segue confrontando com terras de V. até o M 00, com os seguintes rumos magnéticos e distancias:  M-0/M-0 = 00º00’00’’NE e 0.000,00 metros; M-0/M-0 = 00º00’00’’SE e 0.000,00 metros;  M-0/M-0  =  00º00’00’’SE e 0.000,00 metros; M-0/M-0  =  00º00’00’’NE e 0.000,00 metros; M-0/M-00  =  00º00’00’’SE e 000,00 metros;  M-00/M-00  =  00º00’00’’SE e 00,00 metros. O M 00 esta cravado a 0,00 metros da mar­gem esquerda do Córrego T. e deste segue com vários rumos magnéticos e distancias ligado pela resultante de 00º00’00’’SE e distancia de 000,00 metros, até o M 00, cravado a 0,00 metros da margem esquerda do Córrego T..  Segue deste confrontando com terras de V. até o M 00, com os seguintes rumos magnéticos e distancias:  M-00/M-00 = 00º00’00’’NE e 000,00 metros;  M-00/M-00  =  00º00’00’’SE e 000,00 metros; M-00/M-00  =  00º00’00’’SE e 000,00 metros; M-00/M-00  =  00º00’00’’SE e 00,00 metros. Do M 00, segue confrontando com terras de J., com o rumo Magnético de 00º00’00’’SW e 0.000,00 metros, até o M 00. Daí segue confrontando com terras de C., (área desmembrada), com rumo magnético de 00º00’00’’SW  e  00.000,00 metros, até alcançar o M 0, ponto de partida e consequentemente o fechamento deste roteiro. CONFRONTANTES:- NORTE  -  Terras de V.;  SUL  -  Rio A;  LESTE  -  Terras de J. e terras de C.; OESTE  -  Terras de O. QUARTA:- Que dito imóvel está devidamente matriculado, no Registro Imobiliário desta Comarca, sob o número 00.000, e se encontra onerado com os ônus averbados sob o número 00 da referida matrícula, todas do conhecimento do OUTORGADO; Que contra os OUTORGANTES foram propostas diversas ações, também do conhecimento do OUTORGADO. QUINTA:- Que o prazo da anticrese ora constituída é de 00 () anos, a contar desta data e a terminar no dia 00 () de Maio do ano de 0.000 (), podendo o OUTORGADO, nesse prazo, alugar, arrendar ou usar o imóvel da maneira que julgar conveniente, recebendo seus frutos e rendimentos. Parágrafo Primeiro:- Fica desde já convencionado que o OUTORGADO poderá apascentar no imóvel, até o número total de 0.000 ()  cabeças de animais, ao valor de R$ 0,00 ( reais), por cabeça, ao mês, valor esse corrigido monetariamente pelo mesmo índice aplicado para a correção da dívida. SEXTA:- O OUTORGADO se compromete a devolver a posse e uso do imóvel, em sua totalidade ou de parte dele, aos OUTORGANTES, a quem estes indicarem ou a quem de direito, quando vencido o prazo contratual, ou, a qualquer tempo quando determinado judicialmente.  SÉTIMA:- O OUTORGADO se obriga, a partir do momento que tomar posse do imóvel até a sua devolução, nos termos estabelecidos na cláusula anterior, a manter o imóvel no estado de conservação e produtividade que se encontra na data que recebeu a posse. OITAVA:- O OUTORGADO, por este instrumento, fica com o direito de arrendar o imóvel, assinar contratos, receber os valores dos arrendamentos, dar recibos e quitação, acordar, transigir, requerer res­cisão contratual ou despejo, usando de todos os recursos legais, tudo sob sua inteira e exclusiva responsabilidade. NONA:-A parte que for obrigada a recorrer aos meios judiciais para pleitear o cumprimento de qualquer das cláusulas ora ajustadas terá direito, contra a outra, a uma multa não compensatória de 00% (por cento) sobre o valor da dívida, respondendo ainda por perdas e danos, honorários advocatícios, custas processuais, despesas judiciais e demais cominações legais. DÉCIMA:- Fica eleito o Foro desta Comarca de B., com exclusão de qualquer outro. DÉCIMO Foram-me apresentados os seguintes documentos que ficam arquivados neste tabelionato na pasta própria:- DÉCIMA PRIMEIRA:- O Outorgado confessa e declara que está ciente e de pleno acordo com as restrições, quanto a vindicação de seus direitos, estabelecidas pelo artigo 000 do Código Civil Brasileiro. 1)- Certificado de Cadastro de Imóvel Rural no INCRA-CCIR, exercícios 0.000/0.000, contendo:- Código do Imóvel 000.000.000000-0; área total 00.000,0ha; módulo fiscal 00,00ha; número de módulos fiscais 000,00; mod. Rural 00.0ha; N. de Módulos rurais 000,00; fração mínima de parcelamento 0,0, com a taxa de cadastro devidamente quitada. 2)- Certidão Positiva de Débito com Efeitos de Negativa, expedida pelo Instituto Nacional do Seguro Social, sob o número 000000000-00000000, expedida em data de 00 de Maio de 0.000, com validade para 00 () dias. Tendo em vista as características da presente escritura e do negócio realizado por seu intermédio, o OUTORGADO dispensou a apresentação das certidões elencadas no parágrafo 2º do artigo 1º da Lei 7.433/85, regulamentada pelo Dec. Fed. 93.240/86, inclusive negativas de distribuição de feitos perante a justiça federal, estadual e do trabalho, responsabilizando-se pelas conseqüências desta liberalidade, declarando expressamente que têm pleno conhecimento que a anticrese constituída por intermédio da presente escritura somente será registrada com a apresentação dos comprovantes de pagamento do ITR referentes aos exercícios de 0.000 até 0.000. Pela OUTORGANTE, Sra. F. me foi ainda dito, sob as penas da lei, que não é nem nunca foi obrigada a vincular-se a nenhum órgão da Previdência Social na qualidade de empregadora, não têm empregados, nunca industrializou sua produção, nem nunca efetuou venda de seus produtos diretamente a consumidor no varejo, nem a adquirente domiciliado no exterior, sendo assim, isenta da apresentação de Certidão de Regularidade perante a previdência social. Assim me disseram do que dou fé. A pedido das partes lavrei a presente escritura a qual feita e lhes sendo lida, aceitaram-na, outorgaram-na e a assinam, dispensando expressamente a presença e assinatura de testemunhas, con­forme lhes faculta a Lei. B., 00 de Maio de 0.000. Eu, _____________________ (fulano), tabelião a digitei, subscrevo e assino em público e raso.  Emolumentos desta escritura R$ 0.000,00. Tabela J  R$ 0,00. Funjecc a ser recolhido pela serventia R$ 000,00. =/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/-

__________________________________________                  

PP. O..                               

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L.                           

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F.

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H.

EM TEST.º_ _ _ _ _ _ _DA VERDADE

O  Tabelião

Fonte: Escritório de Advocacia, Consultoria e Assessoria

Dr.ª Maria Celeste da Costa e Silva

Dr. Fernando Miceno Pineis

Tel/fax 326-0384

e-mail: Advogados.adv@hotmail.com

10.              Comentário da Apelação Cível nº 599437092 do TJ/RS

Comentário à Apelação Cível nº 599437092, oriunda da 1ª Câmara de Férias Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Relator Dês. Genaro José Baroni Borges – j. 14/12/1999 – Apelação não provida, carência de ação.

10.1            Ementa do Acórdão

TIPO DE PROCESSO:

Apelação Cível

NÚMERO:

599437092

RELATOR:

Genaro José Baroni Borges

EMENTA:  CONTRATO DE ANTICRESE - MUTUO - NULIDADE - CARENCIA DE ACAO DE DESPEJO. PARA CONSTITUICAO DO CONTRATO DE ANTICRESE DEVEM ESTAR PRESENTES TODOS OS REQUISITOS DE SUA DISCIPLINA LEGAL, ENTRE OS QUAIS A FORMA. CUIDANDO-SE DE CONTRATO CONSTITUTIVO DE DIREITO REAL SOBRE IMOVEIS DE VALOR SUPERIOR AO MINIMO LEGAL, E DA SUBSTANCIA DO ATO A ESCRITURA PUBLICA (CODIGO CIVIL - ART. 34, II). FEITO POR INSTRUMENTO PARTICULAR, E DE VALIDADE NENHUMA A DECLARACAO DE VONTADE, POR DESATENDIDA A FORMA ESPECIAL QUE A LEI EXPRESSAMENTE EXIGE (CODIGO CIVIL - ART. 129). E NULO "PLENO JURE" CONTRATO QUE A PRETEXTO DE CONFERIR DIREITO REAL DE GARANTIA, FOI CELEBRADO AO EFEITO DE GARANTIR CONTRATO CIVIL DE MUTUO COM ESTIPULACAO ONZENARIA (MEDIDA PROVISORIA 1914-8). NULO O CONTRATO DE ANTICRESE, RAZAO PORQUE NAO SE OPEROU A TRADICAO DO IMOVEL, NAO HA FALAR EM LOCACAO, CARECENDO DA ACAO DE DESPEJO O SEDIZENTE ANTICRESISTA. (7FLS.) (Apelação Cível Nº 599437092, Primeira Câmara de Férias Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 14/12/1999)

TRIBUNAL:

Tribunal de Justiça do RS

DATA DE JULGAMENTO:

14/12/1999

Nº DE FOLHAS:

ÓRGÃO JULGADOR:

Primeira Câmara de Férias Cível

COMARCA DE ORIGEM:

PORTO ALEGRE

SEÇÃO:

CIVEL

ASSUNTO:

CARENCIA DE ACAO.

REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS:

CC-134 INC-II. CC-129.

10.2            Análise da decisão

10.2.1         Doutrina

A queastio versa sobre contrato de anticrese celebrado na forma particular, com efeito de garantir contrato civil de mútuo com estipulação onzenária (medida provisória 1419/99), querendo o anticresista despejar pessoa ocupante do imóvel objeto do suposto contrato de anticrese, na qualidade de titular do direito de posse.

A doutrina brasileira, majoritariamente, define a anticrese como uma garantia real, dentre os requisitos para sua validade, os mais importantes são:

·        Escritura pública, para os contratos que estão acima do limite legal estipulado no Código Civil;

·        a tradição do bem (transferência da posse); e

·        a transcrição do contrato no competente registro de imóveis.

Conceitua Limongi França[14], anticrese é a limitação da garantia, à propriedade de um bem imóvel de determinado devedor, ou de outrem para ele, limitação essa que se caracteriza pela transferência da posse do mesmo bem ao credor, com o escopo de este lhe auferir frutos e rendimentos, para levá-los à conta de obrigação principal e dos juros, ou apenas dos juros.

Assim, não se opera de pleno direito o contrato de anticrese que não esteja atendendo ao mesmo tempo os três requisitos essenciais acima elencados, o primeiro deles diz respeito ao ponto de vista legal, sem a escritura pública, em determinados casos, o contrato não tem validade no mundo jurídico (art. 108, CC). No segundo, do ponto de vista prático, sem a tradição não tem como o credor anticrético usufruir dos rendimentos que porventura o bem possa produzir, o terceiro, também na esfera legal, não feita a transcrição, não há como o credor se valer das ações possessórias e do seu direito de retenção diante de outros credores.

10.2.2         Legislação

A legislação brasileira prevê que as transações envolvendo imóveis acima de trinta vezes o valor do salário mínimo (art. 108, CC), deva ser operada por meio de escritura pública.

Por sua vez, o artigo 107 do Código Civil diz que: “Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”

Assim, para que o contrato de anticrese seja válido, deverá observar esse preceitos legais, razão pela qual a apelação em comento careceu do “direito de ação”, conforme previsto .

Por sua vez, o art. 129, CC, diz que: “Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento.”

Destaca-se ainda que, no Código de Processo Civil, somente é legítimo para propor ação aquele que é titular do direito (art. 267, III).

10.2.3         Jurisprudência

Conforme acórdão à folha 14 retro, a decisão havida no caso em concreto seguiu as linhas da doutrina e aplicando a legislação vigente.

10.2.4         Conclusão

Entendemos, data venia, ter sido correto o não provimento da apelação em análise, visto que o autor não poderia propor ação de despejo, porquanto não possuidor título que lhe garantisse a posse do bem, na qualidade de anticresista.

Referências Bibliográficas (artigos e obras consultadas)

BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de Direito Civil, 18ª ed. São Paulo, Saraiva, 1979. v.3

DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2004.v.4

FRANÇA, R. Limongi, Instituições de Direito Civil, São Paulo, Saraiva. 1988

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http://www.tj.rs.gov.br/jurisprudência – 31/10/2005

Notas:

 

 

[1] Direito da Posse, http://www.coladaweb.com/direito/posse.htm - 17/10/2005

[2] Instituições de Direito Civil, São Paulo, Saraiva, 1988, p. 560

[3] Curso de Direito Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2004, v.4.p. 516

[4] Direitos Reais, 19 ed. Rio de Janeiro, Foense, 2004. p.405

[5] Instituições de Direito Civil, 16 ed. Rio de Janeiro, Forense. 2001. p. 267-268

[6] Direito Civil-Direito das Coisas, 20 ed. São Paulo, Saraiva. 1993, v.5. p. 369

[7] Curso de Direito Civil, São Paulo, Saraiva, 1979, p. 390

[8] op. cit., p. 408.

[9] Eficácia dos contratos, artigo http://www.uv.es/~ripj/8nil.htm - 17/10/2005

[10] op. cit., p. 269.

[11] Direito Civil : Direitos Reais, 3 ed. São Paulo, Atlas, 2003, p. 510

[12] op. cit., p. 508-509

[13] op. cit. , p.369-370.

[14] Instituições de Direito Civil, São Paulo, Saraiva, 1988, p. 560

(Elaborado em outubro/2005)

 

Como citar o texto:

RAMOS, Érico Martins..Considerações sobre a anticrese. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 177. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/1247/consideracoes-anticrese. Acesso em 7 mai. 2006.

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