Resumo: Para compreender a dogmática do direito constitucional português, é necessário o entendimento do sistema jurídico como um sistema normativo aberto de regras e princípios. Para tanto, Canotilho trata dos princípios e das regras no direito constitucional, e trata dos critérios de distinção entre as referidas espécies de normas. Após elencar as diferenças entre as regras e os princípios, o autor ressalta a importância de o direito constitucional ter por base os princípios que, diante de suas características e abrangência, merecem lugar de destaque no ordenamento jurídico.

O sistema jurídico como sistema normativo aberto de regras e princípios

Na obra “Direito Constitucional e Teoria da Constituição” Canotilho propõe-se a estabelecer o fundamento da compreensão dogmática do direito constitucional português: o entendimento que o seu sistema jurídico é “um sistema normativo aberto de regras e princípios” (CANOTILHO, 1998, p. 1123).

Ao mesmo tempo que a multifuncionalidade das normas constitucionais é proporcional à variedade de formas, mostra-se necessário esclarecer os tipos da estrutura normativa. A metodologia jurídica tradicional distinguia entre normas e princípios. Essa distinção é substituída pela idéia que norma é o gênero, no qual as regras e os princípios são espécies.

Para distinguir entre regras e princípios, há diversos critérios a serem utilizados. Quanto ao grau de abstração, os princípios são normas com um grau de abstração mais elevado, enquanto as regras têm sua abstração reduzida. De maneira que, em função dos princípios serem vagos e indeterminados, necessitam de intervenções que os concretizem, já as regras, diante de sua precisão, podem ser aplicadas diretamente. Os princípios estabelecem padrões juridicamente vinculantes, estabelecidos em função da justiça ou da própria idéia de direito; as regras podem ser normas vinculativas com conteúdo apenas funcional (CANOTILHO, 1998, p. 1124).

Os princípios têm caráter fundamental no sistema de fontes, pois são normas que têm papel essencial no ordenamento, devido à sua posição hierárquica, ou porque determinam a própria estrutura do sistema jurídico. Ademais, os princípios são fundamento das regras, constituindo a base ou a razão das regras jurídicas.

Para facilitar a distinção entre princípios e regras, é necessário diferenciar princípios jurídicos e princípios hermenêuticos. Os princípios hermenêuticos exercem uma função argumentativa, auxiliando no desenvolvimento, integração e complementação do direito, ao expressar cânones de interpretação ou revelar normas que não estão expressas em nenhum dispositivo legal. Cabe esclarecer que os princípios que Canotilho procura distinguir das regras são os jurídicos, verdadeiras normas, e não apenas fornecedores de subsídios interpretativos.

Os princípios são normas compatíveis com vários graus de concretização, conforme os condicionalismos fáticos e jurídicos, enquanto que as regras impõem, permitem ou proíbem uma conduta, de forma imperativa, que é ou não cumprida. No caso de conflito, os princípios podem ser harmonizados, pesados conforme seu peso e seu valor em relação a outros princípios. Já as regras, se têm validade, devem ser cumpridas exatamente como prescritas, pois não permitem ponderações. Se não estão corretas, devem ser alteradas. Isso demonstra que a convivência dos princípios é conflitual – coexistem –, enquanto a das regras é antinômica – excluem-se (CANOTILHO, 1998, p. 1125).

É a existência de regras e princípios que permite a compreensão do direito constitucional como um sistema aberto. Se o modelo jurídico estivesse formado apenas por regras, estaríamos restritos a um sistema fechado, com uma disciplina legal exaustiva de todas as situações, alcançando a segurança, mas impedindo que novas situações fossem abarcadas pelo sistema. Por outro lado, a adoção somente de princípios seria impossível, pois diante de tal indeterminação (sem a existência de regras precisas), o sistema mostrar-se-ia “falho de segurança jurídica e tendencialmente incapaz de reduzir a complexidade do próprio sistema”. (CANOTILHO, 1998, p. 1126). Diante da impossibilidade de se constituir um sistema formulado apenas com princípios ou regras, é que se propõe o sistema formado por regras e princípios.

Construir o direito constitucional com base em princípios, além de possibilitar a solução de certas questões metódicas, permite maior abertura, legitimidade (os princípios consagram valores que fundamentam e justificam a ordem jurídica), enraizamento (referência sociológica a valores, programas, funções e pessoas) e possibilidade de concretização do próprio sistema, seja o texto constitucional garantístico ou programático (CANOTILHO, 1998, p. 1127-1128).

À guisa de conclusão

No sistema normativo, as normas são gênero, do qual os princípios e as regras são espécies. Para a distinção entre as espécies de normas, há vários critérios, o que não significa que seja fácil tal tarefa.

Mas resta claro que um sistema não pode ser formado exclusivamente por regras, nem unicamente por princípios. No primeiro caso, pretendendo prever todas as situações, a eficiência prática seria limitada. No segundo, a indeterminação, a imprecisão poderiam tornar o sistema muito complexo, e falível do ponto de vista da segurança jurídica.

Por essa razão apresenta-se o sistema aberto, formado por regras e princípios, como a forma mais equilibrada na constituição de um sistema jurídico, para que seja possível acompanhar a constante evolução social.

Referências

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000.

 

Como citar o texto:

GOMES, Daniela Vasconcellos..A distinção entre regras e princípios na visão de J. J. Gomes Canotilho. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 180. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/1290/a-distincao-entre-regras-principios-visao-j-j-gomes-canotilho. Acesso em 31 mai. 2006.

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