No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas, quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade (KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1989).

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO – 2 DIREITO À PRIVATIVIDADE – 3 DIREITO À IMAGEM – 4 DIREITO À SEGURANÇA PÚBLICA – 5 CIBERNÉTICA – 6 GEORGE ORWELL, STANLEY KUBRICK, MICHEL FOUCAULT E A CRÍTICA À MODERNIDADE – 7 PRIVATIVIDADE, IMAGEM E SEGURANÇA PÚBLICA – 8 CONCLUSÕES – 9 REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO.

São 6:24h da manhã na Praia de Copacabana, Rio de Janeiro. Na areia, um grupo de assaltantes se reúne. No calçadão, uma turista faz o que ninguém recomenda: passeia, distraída, com a máquina fotográfica à mostra. O grupo se aproxima. Um dos assaltantes dá o bote, arranca a câmera e sai correndo (SANTOS, 2004, p. 01).

      A cena, tão ordinária no Rio de Janeiro, dessa vez tem um desenlace diverso. A ação estava sendo acompanhada pelo sistema de vigilância do 19º Batalhão de Polícia Militar, que opera em toda a orla de Copacabana. Imediatamente, os operadores de plantão comunicam os policiais mais próximos. Conforme detalha o tenente-coronel Cony, comandante do 19º Batalhão: O sistema, de um modo geral, trabalha da seguinte maneira: as imagens são colhidas pelo telão através dos nossos operadores de câmera e, quando se observa algum fato diferente, eles passam para o operador de rádio, que pode acionar as viaturas através do rádio ou mesmo pelo sistema de GPS. O GPS é um sistema de localização por satélite. Na tela do centro de vigilância, o operador vê em que rua está o carro de polícia mais próximo. Os assaltantes acabaram presos e a turista não se machucou (SANTOS, 2004, p. 01).

       O uso de câmeras no controle da criminalidade já é comum em cidades como Londres, Nova York e Jerusalém. Nesta última, existem 480 câmeras por quilômetro quadrado (SANTOS, 2004, p. 01).       Em princípio, as autoridades públicas responsáveis devem oferecer um mínimo de segurança àqueles que estão sob sua tutela político-administrativa, para tanto, há a contrapartida tributária. Uma cidade insegura não atrai investimentos, turismo e não proporciona um nível de vida adequado aos seus concidadãos.       A implantação desse mecanismo, promotor de segurança pública, foi recepcionado, prima facie,  por um movimento de contentamento da população brasileira, constantemente sobressaltada e ameaçada pelas elevadas ondas de violência. Os resultados cariocas têm demonstrado redução significativa da criminalidade, v. g., diminuição, na baixa temporada, em 78% do roubo a turistas; e, na alta temporada, redução em 52% da mesma prática delitiva (SANTOS, 2004, p. 01). Ao que parece, a repressão por parte do Estado enseja o aumento do controle sobre a sociedade:

Desde o início de agosto, o batalhão de Copacabana serve de laboratório para um projeto de monitoramento por câmeras espalhadas pelo bairro. É um equipamento de última geração, com poder de aproximação de 300 metros. Quando tudo estiver funcionando, um software poderá levantar a folha corrida de uma pessoa que apareça diante das câmeras, baseado apenas nos traços do rosto. O policial pode programar a câmera para dar um close numa determinada porta se alguém sair dali. Numa via expressa, pode-se definir que a câmera dê um close toda vez que alguém passar andando no seu campo de visão. Mas, o principal avanço será a identificação de um rosto na multidão, pela medição da distância entre os olhos, nariz e boca – grifei (SSP-RJ, 2004. p. 01).

      Deve-se promover a segurança sem violar demais direitos da pessoa humana. Se o grau de violência é tão intenso que exigiu a instalação de sistema de vigilância eletrônico é porque as autoridades incumbidas da segurança malograram em intento.       A vigilância eletrônica deve ser objeto de legislação específica que anteveja os possíveis eventos de aplicação, a maneira de seu uso, o resguardo das imagens gravadas, a disciplina de sua utilização, guarda e destruição. O busílis não é o emprego da tecnologia ou a presença física de um funcionário encarregado de segurança, mas a ausência de norma que, estabelecendo um sistema harmônico, propicie a vigilância com prudência, exigindo, ao menos, a probabilidade de lesão a bem jurídico para a sua atuação, em vez de total e indiscriminada incidência.       Este artigo propõe desenvolver esta problemática: um patente conflito, consoante o exposto nos excertos supra, o qual se circunscreve às novas políticas brasileiras de segurança pública, face à efetividade constitucional do direito à privatividade e à imagem.

2 DIREITO À PRIVATIVIDADE.       Cumpre ressaltar que a expressão exata, em legítimo vernáculo, é privatividade, que vem de privativo; e não privacidade, que é incôngruo vernáculo e bom anglicismo (derivado de privacy).       Na Antigüidade, o privativo compreendia a esfera da atividade humana concernente à sua condição animal: alimentação, procriação etc. O sentido de privado residia na sobrevivência, no labor, não havendo dimensão própria da liberdade, uma vez que todos estavam submetidos às leis da necessidade. Por outro lado, a dimensão pública da vida humana, correspondia à libertação do espaço da oikia, para se exercer atividade de natureza eminentemente política na polis (discurso, direito, governo, liberdade).       Essa antiga distinção conceitual obnubilou-se no decorrer da Idade Média, perante a fusão entre autoridade privada e pública, típica da falta de clareza entre soberania e propriedade operada pelo feudalismo.       Contudo, os alvissareiros episódios da modernidade resgataram o direito de comando e as relações de poder do Estado. A “totenficação” da propriedade re-significou o conceito de público e privado. Podemos afirmar que a esfera privada passa a corresponder à sociedade civil, ou seja, o campo das relações econômicas do indivíduo e ao domínio do gosto pessoal, do familiar, do afeto; em contraposição, a esfera pública são as relações sociais, institucionais, o Estado.       “Direito ao resguardo” (Adriano de Cupis apud SOUZA, 2003, p. 53), “right of privacy” ou “right to be let alone” (direito anglo-norte-americano), “droit à l a vie privée” (direito francês), “direito à reserva” (direito português) etc. Existem muitas sinonímias para designar esse bem da personalidade que corresponde à cidadela individual, espaço íntimo que exclui do conhecimento dos outros aquilo que somente ao indivíduo se refere.       Sob esse rótulo genérico e amplo, muitos outros direitos da personalidade humana ficam acobertados (a despeito de suas autonomias), uma vez que também tutelam contra interferências externas os fatos da intimidade e da reserva da pessoa que não devem ser levados à seara pública. Assim, temos inclusos o direito à intimidade (círculo mínimo de privatividade), à vida privada, ao sigilo (epistolar, profissional, doméstico, de documentos e escritos particulares), à imagem, à honra. Depreende-se, portanto, a unicidade da personalidade humana e a interconectividade dos direitos a ela associados, o que traz à baila que a violação de um deles poderá ocasionar lesão em demais outros.       O direito à privatividade é resguardado de forma bastante significativa no direito internacional. Proclama a Declaração Universal dos Direitos do Homem que:

ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques (art. XII).

      Enuncia o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos que: ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais a sua honra e reputação e toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas (art. 17).

      Sob o título de proteção da honra e da dignidade, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos dispõe que:

ninguém poder ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação (art. 11, n. 2).

      Em nosso direito pátrio, a Constituição da República de 1988 garante um Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana, visando à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com preponderância dos direitos humanos, sendo invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Ademais, a casa é o asilo inviolável do indivíduo e inviolável é a comunicação entre as pessoas; são inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos; e poderá haver restrição à publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (arts. 1º, III; 3º, I; 4º, II; e 5º, X, XI, XII, LVI e LX, todos da Constituição Federal de 1988).       Complementarmente, temos proteção exercida pelo Código Penal (arts. 150, 151, 152 etc), Código Civil (arts. 12, 21 etc.) e legislação ordinária (Lei de imprensa nº 5.250/1967 etc.).       Mesmo que não houvesse proteção jurídica ao bem da privatividade, haveria em todos os homens um dever moral de o fazer, já que se trata de âmbitos atinentes à dignidade da pessoa e, como tal, aos seus direitos fundamentais, naturais. Se fossemos pessoas apenas pelo reconhecimento da sociedade não haveria nenhuma razão para que se respeitasse a privatividade. Entretanto, resplandece como verídico: a sociedade é para a pessoa, e não a pessoa é para a sociedade. As pessoas têm deveres muito definidos para com seu meio social, mas entre estes deveres não está incluída a sua anulação, a extirpação da sua personalidade e de seu feixe constitutivo.       Nesse contexto, faz-se mister analisar separadamente o direito à imagem, em decorrência do tema que se desenvolve.

3 DIREITO À IMAGEM.       Pela breve análise da figura do homem social, no tópico anterior, depreende-se, dentre diversas inferências, que uma das facetas do progresso tecnológico tem sido dotar a imagem de um poder instantâneo e difuso de comunicação, o que, de forma inexorável, ratifica as proposições de Leonardo da Vinci e de outros, como Charles Darwin, de que o sentido da visão, órgão muito perfeito e complexo, é o que menos se equivoca dentre todos os outros (apud SOUZA, 2003, p. 34).       Com a ostensiva exploração da fisionomia, surge na consciência coletiva a significação da imagem como apanágio de uma pessoa, seja em sua conduta particular ou profissional reiteradas. Assim, percebe-se que a imagem é o liame entre a pessoa em sua intimidade e o meio social.       Urge, contudo, compreender imagem enquanto toda a sorte de representação da pessoa, tal qual exteriorização da personalidade humana física (aspectos fisionômicos, corpo e partes, atitudes, indumentária, gestos, reprodução sonora da fonografia, expressões dinâmicas da personalidade) ou moral reputação etc (CASTRO, 2002, p. 18-19).         Basta sejam divulgados aspectos ou características essenciais da imagem. Não será necessária fidelidade absoluta entre o retrato e a pessoa retratada. É suficiente uma semelhança, desde que se identifique a pessoa representada, para se caracterizar ofensa ao direito à imagem (não autorização ou impedimento de que terceiros venham a conhecer-lhe a imagem). A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de se responsabilizar o agente violador da imagem alheia pelo simples fato da violação (danum in re ipsa) – DINIZ, 1999, p. 207.       Foi a reprodução e a venda de um desenho feito de uma grande atriz, Rachel, efigiada em seu leito de morte, que suscitaram, no ano de 1858, o problema na França (SOUZA, 2003, p. 44).       O impulso das discussões francesas prosseguiu por diversas pátrias e, hoje, o direito à imagem é resguardado por vários diplomas internacionais, como pudemos observar no tópico 2, mutatis mutandis.       Nacionalmente, temos o amparo magno do artigo 5º, em seus incisos X e XXVIII, alínea a. Mais a mais, o Código Civil de 2002 em seus artigos 12, 20, basicamente; legislação penal e civil ordinária (Código Penal; Lei de Imprensa; Lei nº 9.279/96; Lei nº 9.610/98 - a Lei dos Direitos Autorais – etc.) complementam a tutela desse bem da personalidade.       Conforme intelecção precursora de Luiz Alberto D. Araújo (1996, p. 81 e ss.), há três hipóteses distintas de proteção do direito à imagem: a “imagem-atributo” (art. 5º, V), a “imagem-retrato” (art. 5º, X) e a “imagem como direito autoral” (art. 5º, XXVIII, a).       A “imagem-retrato” consiste na proteção jurídica da fisionomia da pessoa, bem como de sua reprodução. A “imagem como direito autoral” visa à tutela da pessoa enquanto autora de uma determinada obra intelectual, especialmente nos casos de participação em obras coletivas, incluindo os eventos desportivos. Já a “imagem-atributo” corresponde ao perfil da pessoa que se constrói a partir de suas relações sociais, seu comportamento distintivo de terceiros; é nesse sentido que temos a caracterização de alguém como intolerante ou condescendente, egoísta ou altruísta, dentre outros (ARAÚJO, 1996, p. 81 e ss.).

4 DIREITO À SEGURANÇA PÚBLICA.       Assim, expostas algumas sumárias reflexões sobre os temas centrais da problemática aventada, cumpre avaliar o direito à segurança pública para termos noção de todos os assuntos pilares.       À guisa de reflexão preambular para a noção de segurança pública, devemos entender o ente que, a priori, promove-a: o Estado.       Diversas teorias tentam explicar a origem do Estado. A perspectiva contratualista, preponderante, aponta para a instituição estatal como criação artificial dos homens, a fim de atender demandas da sociedade da qual se oriunda. Outrossim, temos a teoria de Augusto Comte (a origem estaria na força do número ou da riqueza), a de algumas correntes psicanalíticas (a origem do Estado estaria na morte, por homicídio, do irmão ou no Complexo de Édipo), a de Gumplowicz (o Estado surgiu do domínio de hordas nômades violentas sobre populações orientadas para a agricultura) – apud STRECK, 2002. p. 30.       Enfim, seja qual for a corrente mais plausível, verdade é que temos, hodierna e teoricamente, um Estado cujo conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir simbolicamente como incitador da participação pública, quando o democrático irradia valores sobre todos os seus elementos constitutivos. Assim, convivemos num Estado democrático-constitucional, de sistema tripartido, legalista e que desfralda a bandeira da justiça social, igualdade, direitos fundamentais individuais e coletivos e da segurança (jurídica, nacional e pública).       Ao que nos cabe analisar, o fenômeno da segurança pública pressupõe (ou deveria) liberdade e responsabilidade numa correlação dialética: o ser livre gera o ser responsável. Um ente é livre, não na medida em que é independente de todos os outros e das leis, mas, na medida que é dependente de si mesmo, em que se possui a si mesmo, e nessa relação consigo próprio encontra a razão do seu ser e de seu comportamento (perceba-se vínculo com a privatividade).       Contudo, o homem, enquanto ser que integra uma coletividade, deve atentar para as delimitações que as exigências do viver em conjunto estabelecem.       Em contrapartida, exige-se do Estado um papel ativo no efetivo respeito à privatividade e à imagem dos cidadãos, tanto em interesses de particulares que se enlaçam, quanto do interesse público que se envolve com o de um particular. Atente-se que esse processo deverá ser orientado pela tentativa de equilíbrio entre os interesses em tela, seja público-privado ou privado-privado.         As investidas estatais sob o escopo de promover a segurança pública devem pautar-se nessa orientação. Apenas cite-se, para efeito de correlação com os tópicos anteriores, trecho da declaração da Convenção Européia dos Direitos do Homem que, apesar de não ter o Brasil como signatário, influenciou terminantemente na elaboração do artigo 20 do Novo Código Civil, bem como de legislações esparsas atinentes à matéria:

qualquer pessoa tem o direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência [...]; não pode haver ingerências da autoridade pública no exercício destes direitos senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar econômico do país, a defesa da ordem e a prevenção de infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros (art. 8º) – grifei.

      Desse modo, como interpretar o fenômeno de implantação do sistema de vigilância nos logradouros cariocas (e que em breve grassarão todo o território nacional)? Até que ponto essa via eleita para promover a segurança implica detrimento ao direito de privatividade e de imagem dos transeuntes?       Sem antecipar a discussão de colisão entre princípios que se narrará em item vindouro, cabe, nesta ocasião, elucidar o princípio da publicidade que rege as ações estatais.       A Lei nº 4.355, de 17 de junho de 2004, publicada pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, dispõe sobre a obrigatoriedade de identificação dos freqüentadores de casas noturnas localizadas no estado do Rio de Janeiro, e dá outras providências:

Art. 1º - As casas noturnas localizadas no Estado do Rio de Janeiro ficam obrigadas a instalar equipamento de gravação fotográfica de documento, a fim de identificar os freqüentadores. § 1º - O equipamento deve ser dotado de mecanismo que grava a imagem do documento de identidade, registrando o nome, a foto dos freqüentadores, o dia e a hora do acesso. Art. 2º – As casas noturnas ficam obrigadas a manter listas contendo o nome e a foto de freqüentadores baderneiros, que costumam promover brigas no interior dos estabelecimentos e/ou na fila de entrada. § 1º - As listas citadas no "caput" deste artigo devem ser atualizadas periodicamente, e informadas às autoridades policiais. § 2º – As casas noturnas ficam proibidas de divulgar publicamente a relação dos baderneiros, mas poderão trocar informações entre si através de rede computadorizada, ou não, e manutenção de cadastros em bancos de dados, bem como ficam obrigadas a fornecer as respectivas listas e dados às autoridades policiais competentes (Delegado da Circunscrição Policial onde ocorreu o fato, Delegado responsável pelo inquérito policial, Comandante Geral da Polícia Militar, Chefe da Polícia Civil ou Secretário de Estado de Segurança), membros do Ministério Público e Poder Judiciário, quando solicitados formalmente (grifei).

      Esse excerto de legislação, apesar de versar sobre espaço fechado, uma vez que, a título de pesquisa, nenhuma legislação foi editada para regulamentar o fenômeno que sucede nas ruas do Rio, demonstra como começa a ser ostensiva, viciosa, tendenciosa (passível de mercantilização das listas) a promoção da segurança pública.       No trecho pode-se notar a presença do princípio da publicidade, insculpido no texto constitucional, artigo 37 caput e §1º.       A publicidade estatal – impõe a Constituição – deve ser inspirada pela necessidade de informação, educação ou orientação social. Além do mais, a divulgação dos fatos relacionados com a atuação do Poder Público ganha ainda importância mais especial em nosso regime republicano, no qual os agentes públicos cometem atos em nome do povo e a ele devem satisfações.       A publicidade dos atos dos agentes públicos que atuam por delegação do povo, é a única maneira de controlá-los. Como, então, determinar o modo de uso, o resguardo das imagens gravadas, a disciplina de sua utilização, guarda e destruição das imagens captadas nas ruas do Rio , frente à exigência de publicidade dos atos governamentais para corroborar o princípio republicano, o interesse de segurança social e a efetividade de seus mecanismos de implementação?

5 CIBERNÉTICA.       Colocados os elementos essenciais da privatividade, imagem e segurança pública, passa-se a compreender o fenômeno de afunilamento desses direitos alcançando a colisão entre os mesmos – foco da problemática.       No mundo ocidental contemporâneo as principais ameaças à privatividade e à imagem têm sido: o individualismo exacerbado, a cultura de massas, o totalitarismo estatal e a revolução tecnológica (SOUZA, 2003, p. 56).       Dentre todas essas temáticas afins, a que mais se coaduna com o caso do Rio é a revolução tecnológica, pelo que se tece o conteúdo infra.       A palavra cibernética é vulgarmente empregada para designar informática ou computação, todavia lhe é imanente um significado próprio e distinto. Originada da palavra grega kubernetes (timoneiro), o termo foi utilizado pioneiramente por Nobert Wiener em seu livro Cibernética e Sociedade: o uso humano de seres humanos. O objetivo da cibernética é a sistematização de uma teoria geral do controle, para tanto, estuda as diversas formas de controle e as leis que regem o comportamento da natureza e da sociedade (VIANNA, 2001, p. 04).       A era tecnológica é notoriamente ambivalente. Por um lado, conquistas destinadas a enriquecer a personalidade, aumentando nosso domínio sobre a natureza, dinamizando e enriquecendo nosso conhecimento, conforto, riqueza, rumos. Contudo, nesta mesma moeda, temos a face cega e desordenada, aguda e inquietante, amoral, acrítica e não humanística (VIANNA, 2001, p. 04). É inegável que o desenvolvimento tecnológico criou meios diversos de violação da privatividade e da imagem, daí a preocupação constitucional e infra em tutelar esses bens da personalidade.       Certos engenhos, como os microfones parabólicos, são capazes de interceptar diálogos ocorrendo a 150 metros; máquinas podem captar com nitidez, a partir de uma fresta de janela (!), imagens a enormes distâncias; aparatos a laser; dispositivos miniaturizados de fotografia e gravação; a tecnologia possibilitará em breve a implantação de minúsculos chips no corpo humano capazes de transmitirem para um computador central a exata localização do indivíduo no qual foram implantados, assim como (daqui a alguns anos) conterá número vinculado a cadastro nacional informador dos demais dados sobre o indivíduo (forte afetação no direito à privatividade); monitoramento via satélite; e muitos outros inventos estarrecedores, que, inclusive, já são alvo de supermercados, como na Itália (“Supermercado para Espiões”) - COSTA JUNIOR, 1995, p. 26.       Essas previsões, e outros exemplos já correntes, acima citados, insurgem-se como ameaças, não podendo ser legitimadas por um Estado Democrático de Direito, mas sim, por regimes autoritários. Trocaríamos, até certo ponto, as penas privativas de liberdade por penas restritivas de privatividade. O que não aparenta ser de todo ruim, se devidamente administrado. Mas, deve-se ter em mente que o indivíduo, geralmente, detém o poder de escolher entre realizar uma conduta ilícita e se submeter às sanções estatais, ou então não cometer o ato reprovável.       Um diagnóstico desse nosso tempo identifica o homem como peça insignificante do complexo maquinismo empresarial. O homem é esmagado pelo anonimato, tem sua individualidade diluída nas grandes concentrações urbanas, de sorte que, frente à corrente de desvalorização emocional, ser espionado é, de algum modo, ser importante; voltar-se à vida privada é rotulada e estigmatizada como excentricidade e mediocridade (COSTA JUNIOR, 1995, p. 24).       A privatividade como solidão autêntica (diferente de passividade vegetativa) é a única ocasião que possibilita a reflexão crítica dos laços sociais. Sem ela, nossa comunicabilidade social é inerte, árida e estéril. Por conseguinte, In interiore hominis habitat veritas (no interior do homem habita a verdade); nosso processo de envolvimento social se faz fecundo a partir da incidência reflexiva de nossa esfera privativa sobre aquele.       Cumpre recordar que a crescente veiculação de imagens possui estreito nexo com o progresso tecnológico, uma vez que desse brotou a televisão, o computador, a rede mundial de computadores etc. Nesse processo simbiótico crescente, a imagem também merece desvelo e tutela especiais.       Esta era tecnológica pode anular direitos e garantias conquistados ao longo do tempo por revoluções que envolveram as aspirações e o empenho de muitos. Poderemos extenuar a privatividade, o próprio eu, deixaremos de ser pessoas para sermos membros numérico-abstratos de grupos. A saga pela liberdade é a história da própria civilização. A liberdade é fundamental ao homem, a tecnologia é para o homem, e não o contrário (VIANNA, 2001, p. 06).

6 GEORGE ORWELL, STANLEY KUBRICK, MICHEL FOUCAULT E A CRÍTICA À MODERNIDADE.       Toda essa discussão sobre os reflexos da cibernética sobre os atributos da personalidade humana já vem sendo travada há bastante tempo e em diversas literaturas. Senão vejamos.       O futuro imaginado pelo escritor britânico George Orwell em sua obra 1984 representa os significativos e marcantes traços da nossa presente realidade, que aos poucos revela seus contornos.       Uma excelente obra que retrata um mundo dominado pelo socialismo stalinista no ano de 1984. O Estado (Partido Socialista: “Grande Irmão”) cerceia o livre arbítrio e a crítica da realidade, domina a propriedade, busca controlar as idéias, os pensamentos e a verdade; quem quiser individualizar-se, distinguir-se é punido com a morte dolorosa. Não há história pessoal. Eis alguns trechos relevantes em que qualquer semelhança com o que estejamos a analisar não será mera coincidência:

A realidade não é externa. A realidade só existe no espírito, e em nenhuma outra parte. Enxergar o que temos diante de nossos narizes exige uma luta constante.  Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado. [...] Todas as confissões feitas aqui são verdadeiras. Nós as tornamos verdadeiras. E, acima de tudo, não permitimos que os mortos se levantem contra nós. Obediência não é o suficiente. A não ser que uma pessoa esteja sofrendo, como você pode ter certeza que ela está obedecendo à sua vontade e não à dela? O poder está em infligir dor e humilhação. O poder está em rasgar mentes humanas em pedaços e colocá-las juntas de volta em novas formas escolhidas por você mesmo. Você começa a enxergar agora o tipo de mundo que estamos criando? (grifei). Sempre, a cada momento, haverá o tremor da vitória, a sensação de pisar num inimigo que já está sem esperença. Se você quer uma imagem do futuro, imagine uma bota pisando num rosto humano – para sempre.

      O infortúnio em 1984 não é tanto a coação física, mas a coerção psíquica que é interiorizada pela população como imperativo do próprio Eu. O longus oculus do Big Brother (o de Orwell e o nosso também) paulatinamente ocasiona esse efeito: reprimir-se, em nome de leis sistêmicas descabidas, infundadas e/ou desumanas.       Outro exemplo é o filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick (1971), que nos traz uma satisfatória noção do que seria um controle cibernético de seres humanos e de como sua utilização, sob argumento de ressocialização, poderia se tornar sedutor. O protagonista do filme é forçado a um processo de ressocialização que visava à compatibilização de sua personalidade a padrões socialmente estabelecidos. Algo similar à trama Orwelliana, ferindo o direito de manifestação do pensamento, remodelando a esfera da privatividade e extirpando a essência do livre arbítrio humano.       Por fim, num terceiro exemplo, eis que, em sua obra Vigiar e Punir, Michel Foucault (1987) brinda-nos com a tessitura do fenômeno que intitulou Panoptismo. E mais uma vez: qualquer semelhança com o que estejamos a analisar não será mera coincidência. Percebam-se as nuances.       A utopia da cidade perfeitamente governada adquire contornos mais palpáveis a partir das medidas adotadas pelo governo francês no transcorrer do século XVII a fim de controlar a peste. Era um policiamento espacial estrito; divisão da cidade em áreas controladas; vigilância em cada rua, apoiada num sistema de registro permanente e centralizado; espaços recortados; um modelo compacto de disciplina (e de exclusão também) que responde à peste, cuja disseminação se dá quando “os corpos se misturam sem respeito, os indivíduos se desmascaram, abandonam sua identidade estatutária e a figura sob a qual eram reconhecidos, deixando aparecer uma verdade totalmente diversa” (FOUCAULT, 1987, p. 175).       A figura arquitetural de Bentham, o Panóptico, foi incluída por Foucault na composição supra. Uma estrutura prisional geométrica e engenhosamente elaborada: um anel periférico e uma torre central, unidades espaciais organizadas de forma a promover a observação do detento sem possibilitar a recíproca; assim, a vigilância é permanente em seus efeitos, mesmo se descontínua em sua ação; um poder visível, contudo, inverificável, a consagração da sua automatização e sua desindividualização (FOUCAULT, 1987, p. 177).       O (des)mérito dessa estrutura consiste em ampliar a sua utilização, difundindo-a no meio social. Além de privar a liberdade, permite-se agrupar, a bel-prazer, grupos humanos como em máquinas de fazer experimentos, modificar o comportamento, treinar ou re-treinar os seres, sob o escopo de aumentar a utilidade possível destes. Uma vocação polivalente, uma vez que princípio geral da nova “anatomia política”, baseada na disciplina, não mais na soberania.       Tal como Bentham sonhava, Foucault previa a expansão de uma rede de dispositivos que estariam em toda a parte e sempre alerta, percorrendo a sociedade sem lacuna, nem interrupção (apud KURZ, 2003, p. 02).       Enfim, surgem escolas, fábricas, hospitais, academias militares, todas arranjadas nesse modelo panóptico. O Estado apodera-se, essencialmente, desses mecanismos no decorrer do século XVIII; vide sistema policial: Um olhar sem rosto que transforme todo o corpo social em um campo de percepção; milhares de olhos postados em toda parte.       Daí, então, uma incessante observação vai se acumulando numa série de relatórios e de registros; um imenso texto policial recobre a sociedade, que, diferentemente, da escrita judiciária ou administrativa, transcreve comportamentos, atitudes, virtualidades, suspeitas; uma tomada de contas detalhada do comportamento dos indivíduos.       Em suma, ressalve-se que essa disciplina não se identifica com uma instituição, mas sobretudo como tecnologia, uma “física” do poder, que diversamente dos brilhos dos monarcas, atua insidiosamente sobre nós – principalmente frente a grandes grupos urbanos flutuantes, desorganizados, massificados e industrializados – reduzindo-nos a essência política, e amplificando nossa utilidade. Será, então, especificamente, nossa atual medida de segurança pública (vigilância eletrônica) uma extensão regular da trama infinitamente cerrada dos processos panópticos? O objetivo dessa medida é a segurança ou a maximização de nossa força-utilidade frente ao detrimento de nossa força política?

7 PRIVATIVIDADE, IMAGEM E SEGURANÇA PÚBLICA.       A especificidade dos direitos da personalidade reside no seu caráter inato, que possibilita à pessoa humana se revelar em sua inteireza. Todavia, como adverte Adriano de Cupis (apud DINIZ, 1999, p. 192), não se pode tomar esses direitos como uma reação ao poder estatal. No caso, privatividade e imagem não são antagônicos à segurança. Pelo contrário, uma infra-estrutura que tolhe liberdades civis não oferece segurança real, e sim, putativa.       No estudo em tela, delineia-se uma colisão entre direitos fundamentais. O exercício de um direito fundamental por parte de seu titular colide, choca-se com o exercício de outro direito fundamental por parte de outro titular.       Partindo-se da premissa da unidade do ordenamento jurídico, e que as disposições constitucionais têm a mesma hierarquia, devendo ser interpretadas de forma harmônica, e sendo que não há garantias em termos absolutos, não podemos escolher, frente ao conflito privatividade-imagem versus segurança pública, uma das normas em detrimento incondicional da outra. O raciocínio não é meramente subsuntivo, porém ponderativo, uma vez que os bens jurídicos constitucionalmente assegurados devem ser coordenados de tal modo que na solução do problema todos eles conservem sua identidade.       Em alguns casos existirá previsão constitucional, expressa ou implícita, de reserva de lei restritiva. Para demais colisões, valei-nos das seguintes diretrizes.       Diante das necessidades advindas da sua própria condição, da posição do titular, do interesse negocial e da expansão tecnológica, alguns direitos da personalidade acabaram entrando na circulação jurídica, admitindo-se, em algumas ocasiões, a sua disponibilidade para licenciar melhor sua fruição por parte de seu titular, sem afetar, contudo, seus caracteres intrínsecos. Assim, temos:       1. Em princípio, a Constituição Federal de 1988 garante a privatividade das pessoas, sendo viável a interceptação telefônica, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma da lei, para fins de investigação criminal ou instrução processual (art. 5º, XII, da Constituição Federal de 1988);       2. Infraconstitucionalmente, sobreveio a Lei 9.296/96 que obsta a gravação telefônica quando não houver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal, ou a prova possa ser feita por outros meios disponíveis, ou o fato investigado constitua infração punida, no máximo, com pena de detenção;       3. A imagem pode ser captada e divulgada por terceiro sem a concretização de ato ilícito, desde que haja:             3.1 autorização pessoal, tácita ou expressa, para fim determinado;             3.2 consista no interesse público relativo a imagens de pessoas notórias ou que ocupam cargos públicos (pois nesses casos, entende-se redução da esfera de proteção da imagem e privatividade por conta da notoriedade, desde que em ambiente onde desenvolvam suas atividades e sem constrangimento);             3.3 quando necessárias à administração da justiça ou manutenção da ordem pública (dois termos imprecisos e difusos, que necessitam interpretação constitucional e cautela quanto ao uso); ou             3.4 seja realizada em eventos de natureza pública (desde que a intenção não seja de captar pessoa em particular, atentando-se para o local e natureza do fato, por conseguinte); assim libera-se o autor da fotografia, v. g., de ter de buscar a autorização prévia de inúmeras pessoas;       4. A publicidade estatal deve ser inspirada pela necessidade de informação, educação ou orientação social, estes são seus limites, tudo que ultrapassá-los constituirá ilícito, inclusive, aquela publicidade que atentar contra a respeitabilidade e honra alheias (vide outros princípios da administração pública: legalidade, moralidade, impessoalidade).       Enfim, todas essas enumerações revelam uma tutela direcionada em reprimir o abuso, conforme o artigo 20 do Código Civil atesta. Mais a mais, a lei 5.250/67 – Lei de Imprensa, deverá ser baliza frente aos atos governamentais de vigilância eletrônica.       Seja pelo método da ponderação de interesses (Daniel Sarmento), ou pelos mandados de optimização (Robert Alexy), ou, pelo mais ovacionado dos princípios, o da proporcionalidade (apud BARROSO, 2004, p. 1-118), temos, genericamente, fins judiciais, policiais, científicos, didáticos e culturais limitando o direito à privatividade e à imagem, contudo impõe-se a vedação ao excesso, e, a possibilidade de vigiar e punir não é a alternativa que promove segurança pública com menor detrimento de outros direitos (desproporcionalidade). As pessoas têm deveres muito concretos para com a sociedade, mas entre estes deveres não está incluída a sua anulação, a desaparição da sua personalidade. O interesse coletivo pode se realizar por outra via menos onerosa.       Para muitos especialistas, o problema na proteção à privatividade está em que as autoridades somente são chamadas para agir após ele já existir, depois de cometida a violação, o que, em certos casos, torna difícil a reparação ou a correção da questão. Para eles, uma das melhores maneiras de se garantir um bom nível de proteção à privatividade e à imagem dos cidadãos é apreciar os riscos antes que uma atividade, programa ou sistema (público ou privado) tenha sido implementado. Levantar e sopesar as incertezas ligadas à privatividade logo no começo do desenvolvimento de um novo programa é o melhor método para se impedir embaraços futuros.       Assim, para se assegurar que as questões relativas à privatividade sejam discutidas e resolvidas ab initio de um novo projeto, várias empresas privadas norte-americanas desevolveram a função do "Oficial Chefe para Privatividade" (Chief Privacy Officer). Trata-se de alguém de dentro da organização da empresa que pode ser consultado durante a fase de elaboração de um novo plano que implique a coleta de informações pessoais (privatividade e imagem).       A criação desses cargos, no entanto, não dissolve completamente os problemas relacionados ao processamento de dados das pessoas. Uma contínua modernização das leis protecionistas, para fazer frente aos desafios que cotidianamente se insurgem por conta das transformações sociais, que as tecnologias da informação proporcionam, também é indispensável.       Da mesma forma que a segurança pública é um interesse social relevante, a garantia de proteção à privatividade e à imagem também o é. As autoridades públicas devem combater etiologicamente a violência: melhorar a distribuição de renda, a educação e saúde universais, o sistema penal, ou seja, punir com justiça sem subtrair privatividade e direito à imagem.

8 CONCLUSÕES.       Se bem que alguns dos questionamentos anteriores podem ter sido solvidos em maioria no transcorrer do artigo, ainda creio na reflexão a título de conclusão.       O homem será sempre a sua sociabilidade, mas também, é essencialmente sua íntima individualidade, o seu mistério espontâneo, e mesmo involuntário. Sua tendência social, desde a profissional, à cívica, à cultural etc., efetiva o homem, imprime-lhe significado histórico, dignidade; por outro lado, sua privatividade e imagem são oásis amplamente ricos de história humana dignificante. O ponto principal da dificuldade é a articulação dialética entre esses dois contextos, o público e o privativo.       Impressiona notar que a técnica reservada a garantir o maior tempo disponível para que os homens possam, efetivamente, participar do mundo da cultura, institua uma cultura sem o homem, sem os seus ideais e sem os seus direitos fundamentais – efeitos da cibernética.       Perseguem-se o lucro, o emprego de novas tecnologias quanto mais velozes para que não sejam superadas; deixa-se o individual e se passa ao coletivo no qual importam a empresa, a instituição, em vez da pessoa.       Instalar um sistema de vigilância totalitário (contrariando nosso Estado Democrático de Direito) o qual prive o ser humano de sua natural tendência à sociabilidade trata-se, ainda uma vez, da aplicação da regra da proporcionalidade, isto é, não se pode violar a privatividade que, em princípio, é intangível, salvo a inevitável necessidade de consecução de um bem diverso à própria privatividade e imagem.       Portanto, a vigilância eletrônica deve ser objeto de legislação específica que preveja as hipóteses de aplicação, a forma de sua utilização, a preservação das imagens gravadas, a disciplina de seu uso, guarda e destruição (não cansarei de repetir), sempre sob o escopo de ensejar cautelaridade, exigindo, ao menos, a probabilidade de lesão a bem jurídico para a sua atuação, em vez de total e indiscriminada incidência.       Como preleciona Miguel Reale (1996, p. A2), o Estado Democrático de Direito é um tipo de Estado, cujo ordenamento jurídico é produto de um emaranhado de relações entre partes e o todo e vice-versa, num sistema unitário, visando a atender, ao mesmo tempo, o que há de peculiar nos indivíduos e nas associações, assim como os valores legitimados por todos, na qualidade de condição de realização da comunidade concreta.       Por todo o exposto, ressalte-se que devemos primar pelo espírito constitucional, que não é o ideário patrimonial, mas a nova ordem de compreensão do real papel ocupado pela pessoa humana em suas relações; então teremos a diretiva fundamental para administrar a problemática discorrida.        Caso, essas poucas palavras não tenham abrandado as incertezas que se (im)põem, reflitamos serenamente sobre a célebre mensagem de Kierkgaard (além do insigne pensamento kantiano epigrafado): “... pois o homem é um ser tal que sua felicidade, sua realização, é uma porta que abre para fora; quem a força para abrir para dentro, emperra-a” (apud Luiz Jean Lauand, 1997, p. 12).

9 REFERÊNCIAS. ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional da própria imagem. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional. In: A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. BARROSO, Luís Roberto, (coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 2004. BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. BARROSO, Luís Roberto, (coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 2004. _______________________. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade: critérios de ponderação, interpretação constitucionalmente adequada do código civil e da lei de imprensa. In: Revista trimestral de direito civil, TEPEDINO, Gustavo, (org.), Rio de Janeiro: Padma, ano 4, vol. 16, out/dez de 2003. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 6ª ed./ atualizada por Eduardo Carlos Bianca Bittar, 2003. BORGES NETTO, André L.. A publicidade estatal. In: Revista de direito constitucional e internacional, caderno de direito constitucional e ciência política. ed. Revista dos Tribunais. CARVALHO FILHO, Carlos Henrique de, (resp.), ano 9, n. 35, abr/jun de 2001. CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, imagem, vida privada e intimidade, em colisão com outros direitos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Código Civil. Anne Joyce Angher, coordenação – 6ª ed. – São Paulo: Rideel, 2006. Código Penal. Anne Joyce Angher, coordenação – 6ª ed. – São Paulo: Rideel, 2006. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Anne Joyce Angher, coordenação – 7ª ed. – São Paulo: Rideel, 2006. COSTA JÚNIOR, Paulo José da. O Direito de estar só: tutela penal da intimidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª ed., 1995. DINIZ, Rivanildo Pereira. A proteção constitucional da vida privada e da reparação do dano moral. In: Revista dos tribunais, caderno de direito constitucional e ciência política do instituto brasileiro de direito constitucional. CARVALHO FILHO, Carlos Henrique de, (resp.), ano 7, n. 29, out/dez de 1999. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. RAMALHETE, Raquel (trad.). Petrópolis: Vozes, 24ª ed.,1987. KURZ, Roberto. Quem é o big brother? Disponível em <http:// www.pfilosofia.pop.com.br/03_filosofia/03_07_leia_tambem/leia_tambem.htm - 94k>. Acesso em 23 maio 2004. LARANJA MECÂNICA. Direção, Produção e Roteiro: Stanley Kubrick. Intérpretes: Patrick Magee; Adrienne Corri; Mirian Karlan; Malcolm McDowell e outros. Warner Home Video, 1971. 1 fita de vídeo (138 min), VHS, son., color. Baseado no livro de Anthony Burgess. LAUAND, Luiz Jean. Ética e antropologia. São Paulo: Mandruvá, 1997. LEONCY, Léo Ferreira. Colisão de direitos fundamentais a partir da lei estadual paraense n. 6.075/97. In: Revista de direito constitucional e internacional, caderno de direito constitucional e ciência política. ed. Revista dos Tribunais. CARVALHO FILHO, Carlos Henrique de, (resp.), ano 9, n. 37, out/dez de 2001. NETTO LÔBO, Paulo Luiz. Danos morais e direitos da personalidade. In: Revista trimestral de direito civil. TEPEDINO, Gustavo, (org.), Rio de Janeiro: Padma, ano 2, vol. 6, abr/jun de 2001. ORWELL, George. 1984. São Paulo: Nacional, 23ª ed., 1996. PENTEADO, Jaques de Camargo. Sociedade vigiada. Disponível em .

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2 E mesmo aquelas imagens das boates (inobstante parca proteção da privatividade e da imagem oferecida pelo §2º do artigo 2º supra, vulnerável aos sistemas imperativos de desigualdade e à máquina sórdida, ardil e sagaz da corrupção).

 

Como citar o texto:

RIOS, Sadraque Oliveira.Privatividade, Imagem e Segurança pública. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 248. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/1827/privatividade-imagem-seguranca-publica. Acesso em 11 out. 2007.

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