Resumo: Em razão da violência que vem tirando o sono da população, esta tem exigido dos poderes públicos soluções cada vez mais repressivas. Diversas políticas criminais vêm sendo adotadas nesse sentido, até mesmo para satisfazer a vontade popular. Como consequência, garantias fundamentais são cada vez mais relativizadas. Na medida que o problema não cessa, piora o cenário e aumenta a repressão. Aliás, alimentar a cultura do medo tem demonstrado ser uma importante estratégia para garantir o controle e legitimar a violência, na medida em que o aval popular permite uma atuação estatal sem limites. A mentalidade colonialista parece cegar parte da população que deseja a paz pregando a violência, não percebe que é sobre ela mesma que recai a mão de ferro do Leviatã.

 

 

Palavras Chave: Criminalidade - Violência – Política Criminal – Repressão – Reprodução – Autoflagelação.

1 INTRODUÇÃO

A preocupação com a ausência de soluções efetivas para o problema da criminalidade vem tirando o sono da população. Não só no meio acadêmico, mas em diversos grupos e setores sociais, a questão tem esquentado os debates, ainda mais por se tratar de um tema polêmico. Posicionamentos dos mais variados são apontados a fim de tentar entender e resolver este problema. Dentre as principais soluções, destacam-se a expansão da criminalização, o aumento das penas, a antecipação da punição e a relativização de garantias fundamentais.

No atual cenário mundial, agora, globalizado, repleto de incertezas, instabilidades e, primordialmente, de inseguranças, as políticas de repressão tem ganhado força e o que já não era bom parece tender a piorar e não só no Brasil, mas em diversos outros Estados que também aderiram à tendência repressiva.

Embora ineficaz diante do problema, a velha fórmula repressiva continua a ser utilizada. A visão simplificada em torno do problema da violência tem provocado o desencadeamento de um sem número de problemas decorrentes desta política criminal de urgência. A equação matemática utilizada, rigidez, mais pena elevada ao quadrado, menos garantias é igual à sociedade livre, pacífica e justa vem se perpetuando como um dogma, apesar do completo absurdo.

A violência, enquanto fenômeno social complexo, precisa ser analisada por diversos aspectos, sob pena de se ter uma visão deturpada, míope, desajustada, senão, manipulada pelos interesses ocultos. Devem sim haver ações que, pelo menos, reduzam a violência, orientadas não por políticas repressivas urgentes, mas sim por políticas de longo prazo, sólidas e acima de tudo, efetivas.

Criminalidade e violência são resultados e não causas. Para tratar dessas questões é preciso, acima de tudo, bom senso. Não é preciso ofender direitos e garantias fundamentais, sob a justificativa de que para garantir a paz social, vale tudo. Afinal, direitos e garantias são ditames que o Estado está vinculado e não pode se afastar para atingir seu fim, qual seja, o bem comum.

Infelizmente, diante do apelo popular, midiaticamente fomentado, de maior repressão, o Estado tem atuado, legitimamente, de forma enérgica. Aliás, como poderiam os detentores do poder político negar aos seus eleitores o cabresto e o chicote tão requisitados? A alienação social disfarça os problemas que a sociedade possui. Estes os verdadeiros problemas, sendo a violência apenas a ponta o iceberg e é disso que me ocupo.

2 O CENÁRIO ATUAL E A VIOLÊNCIA

 

 

Onde quer que se vá, a violência tem sido o assunto predileto nos debates. Apesar do enorme sofrimento e aparente repúdio da população, o assunto parece agradar, haja vista a freqüência com que se repete. Na imprensa, não há tema de maior repercussão e audiência como a violência. Repetidamente, em telejornais, telenovelas, jornais impressos, rádios, as notícias parecem convergir em torno do mesmo assunto.

Tal situação tem causado uma verdadeira balbúrdia social, impulsionando um sentimento coletivo de insegurança e de impunidade. Achar o culpado e puni-lo já não é o suficiente. Deve haver um algo mais que satisfaça essa sede social de justiça, ou melhor, sede de vingança. A noção do que seja justiça, pelo menos no sentido aristotélico da expressão, vem paulatinamente sendo substituído pela noção vingança.

Não obstante a punição do autor do crime, a sociedade clama dos poderes públicos um aditivo à punição. A pena privativa de liberdade – a prisão, já não mais agrada a sociedade que quer um algo mais.

Espera-se com isso que milagrosamente diminuam os crimes ou que com o encarceramento por um prazo interminável do autor do crime, ou melhor, do autor de um fato, se resolva o problema da violência.

Chama atenção o fato de que a solução punitiva, expressão máxima da violência estatal, seja tão desejada pela população, justamente quando o que se repudia é a própria violência. Que contradição, buscar aquilo que não se quer. Ora, como se pode diminuir a violência pela violência? Como se pode ter a paz como valor quando se quer a violência?

A percepção falseada da sociedade acerca do que seja violência ou mesmo de suas formas tem sido o principal combustível para alimentar esse equívoco. Não se reconhece outras formas de violência, senão, aquelas que em razão do entretenimento que se faz em torno delas, garantem o show business.

Situações de um cotidiano suburbano são massivamente veiculados nos diversos meios de comunicação, induzindo-se ao entendimento de que há um descontrole dos órgãos públicos diante da violência. Neste ponto, verifica-se um problema de ordem ideológica que proporciona a proliferação da cultura do medo, excelente estratégia para reprodução e perpetuação do controle social rígido.

Como bem explica Louis Althusser

O papel do aparelho repressivo do Estado consiste essencialmente, como aparelho repressivo, em garantir pela força (física ou não) as condições políticas da reprodução das relações de produção, que são em última instância relações de exploração[...]É neles que se desenvolve o papel da ideologia dominante, a da classe dominante, que detém o poder do Estado.

Aliás, são precisas as lições de André Franco Montoro Filho quando aduz

[...] Mas existe um ponto que foi levantado, mesmo que de forma distorcida, por todos os especialistas, como um fator-chave a explicar a transgressão no Brasil atual. É a existência de um Estado centralizado e incapaz de mediar a convivência social. As razões apontadas para essa anomalia derivam desde a dimensão continental do Brasil à rapidez de nosso processo de urbanização, passando por nossa tradição ‘legisferante’ e nossa herança (ou prática), de políticas públicas patrimonialistas.

Finalidade comercial ou não, o discurso midiático tem público-alvo definido. São sempre os mesmos atores sociais que participam do show business. Outras situações distantes desse contexto social, raramente são noticiadas ou quando noticiadas, não se garante a mesma publicidade, já que esse entediante drama pós moderno não deixa a platéia do circo televisivo impressionado e sedento pela vindita.

Apesar de trágica e lastimável as situações que constantemente são apresentadas, merece ser destacado a fim de elucidar essa questão, o mecanismo de influência coletiva que é explorado pelos meios de comunicação e pela ideologia dominante.

Nas lições de Luis Flávio Gomes

Com o aumento da violência, pode explodir o “populismo penal” do legislador. Tudo depende do comportamento da mídia, que retrata a violência como um ‘produto’ de mercado. A criminalidade (e a persecução penal), assim, não somente possui valor para o uso político (e, consequentemente, para uso “do” político), senão que é também objeto de autênticos melodramas cotidianos que são comercializados com textos e ilustrações nos meios de comunicação

Alberto Marques dos Santos sobre o mesmo tema afirma

Não só no Brasil, mas também no Brasil, a imprensa se converteu no Grande Juiz, que promove investigações-relâmpago e julgamentos sumários, irrecorríveis e quase sem defesa. O que vale não é o fato e sim a versão. O publicado se converte em verdade. O noticiário do crime faz boas manchetes, vende muito, gera repercussão [...]

Embora o entendimento dominante aponte para a influência ou certa persuasão dos meios de comunicação de massa sobre a sociedade, entendemos que a questão se encontra além desta discussão.

Isto porque, deve-se ter em mente que os meios de comunicação vendem um produto a um consumidor determinado a comprá-lo, ou seja, a mídia estimula, alimenta, instiga, aquilo que o público deseja ou tem necessidade. Assim, a pergunta que se deve fazer é porque as pessoas são tão afeitas a determinadas notícias?

As lições de Alberto Marques do Santos são no sentido de que “A sociedade clama por polícia firme, dura, e quer a solução do crime a qualquer custo: velada ou abertamente, parte da opinião pública apóia a polícia que bate” .

Não é outro o entendimento de Osvaldo Bastos, quando analisando a questão afirma que

Numa sociedade de tendência autoritária, em certos casos, a autoridade busca o reconhecimento impondo-o pela arbitrariedade. Temos então mais um motivo que explica a violência policial contra os pobres, já que, são estes que não conhecem seus direitos, estão acostumados com várias outras formas de negação dos direitos perpetrados pelo próprio Estado e por isso, acostumaram-se simplesmente a obedecer. Ou melhor, submeter-se

Historicamente, diversos horrores foram praticados pela humanidade contra pessoas indesejáveis, despossuídos, desviantes, opositores, anormais, enfim, diferentes. Ao seu tempo, toda a barbárie possuía sua própria justificante ideológica e contatava com o apoio popular e parece que ainda não se percebeu isso.

3 A POLÍTICA CRIMINAL

A mera leitura do texto legislativo não seria suficiente para entender e explicar a verdadeira política criminal que se vem adotando não só no Brasil, mas em boa parte do mundo. Isto porque, a política criminal possui diversos instrumentos para sua efetivação, dentre os quais temos as normas penais e processuais penais. Todavia, uma coisa é a política e outra é o instrumento que ela utiliza. Como exemplo, a política criminal que adota o direito penal do inimigo fica evidenciada pelo adiantamento da punição, na expansão da criminalização, na exasperação das penas, e consequentemente, na relativização de algumas garantias, principalmente, processuais como a prisão preventiva que vem sendo utilizada como carta coringa para antecipar a pena. Tudo isso, sob a justificante de defesa social.

Note, portanto, que a política criminal é a ideologia que sustenta a forma com que o Estado irá lidar com as questões criminais, ou dito de outra forma, são o conjunto de objetivos ou princípios que orientam o Estado a administrar os assuntos criminais.

Nos dizeres de Alberto Binder

A política criminal é, portanto, um conjunto de decisões (técnico-valorativas) relativas a determinados instrumentos. Seus instrumentos são muitos, porém são, sem dúvida, as normas penais (que definem as condutas proibidas e as sanções a elas impostas) e as normas processuais (que definem o modo como o Estado determinará que essas infrações existam, quais serão seus personagens principais deste segundo processo de definição, quem será apenado e qual será a classe ou gravidade dessa pena) .

Não bastaria, portanto, a menção aos dispositivos legais para que se efetivasse uma política criminal, pois, como bem salientou Ihering [...]A essência do direito consiste na sua realização prática. Uma norma jurídica que nunca tenha alcançado essa realização, ou que a tenha perdido, já não faz jus a esse nome [...].

Tomemos como exemplo o regime democrático. Não importa que se diga Democrático e pronto, lá está efetivado o regime político como num passe de mágica. É preciso, antes e primordialmente, que se afaste o ranço autoritário e que as ações sejam conduzidas e inspiradas no regime democrático e que esse seja efetivo. Da mesma forma, não importa afirmar que determinado sistema é acusatório ou inquisitório, pois a afirmação por si só não garante a implementação de um ou de outro. O que vale não é o discurso, mas sim o resultado das ações.

A política criminal depende do contexto histórico que se insere e pode ser identificada a partir do conflito entre a eficiência do direito penal e a garantia do indivíduo, expressa no binômio eficiência–garantia .

Sobre essa questão, Eduardo Diniz Neto aduz

A dicotomia acima consignada, entretanto, é só mais um exemplo dos aparentemente intermináveis e inconciliáveis pontos nevrálgicos e de tensão dialética entre o direito penal em expansão (e sua base funcionalista) e os entendimentos teóricos reducionistas/garantistas, que levam, no contexto da sociedade pós-industrial, à insustentabilidade do direito penal sem uma profunda e sistemática revisão de seus fundamentos, acentuadamente de ordem conceitual-analítica (no âmbito das categorias ou elementos constitutivos do delito) e político-criminal

Segundo Binder, “na vida em uma sociedade, a eficiência e garantia funcionam de maneira muito diferente para os diferentes grupos sociais” .

Salienta Manuel Câncio Meliá que

[...] o Direito penal do inimigo se caracteriza por três elementos: em primeiro lugar, constata – se um amplo adiantamento da punibilidade, isto é, que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva (ponto de referência: o fato futuro), no lugar, as penas previstas são desproporcionalmente altas: especialmente, a antecipação da barreira de punição não é considerada para reduzir, correspondentemente, a pena cominada. Em terceiro lugar, determinadas garantias processuais são relativizadas ou inclusive suprimidas

No entendimento expresso em Jackobs

[...]Quem não presta uma segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, não só não pode esperar ser tratado ainda como pessoa, mas o Estado não deve tratá-lo, como pessoa, já que do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas[...]

O problema de tal política consiste justamente em identificar dentro de uma coletividade indeterminada quem é ou não inimigo. Inclusive, são imprescindíveis as lições de Zaffaroni quando aduz

Portanto, admitir um tratamento penal diferenciado para inimigos não identificáveis nem fisicamente reconhecíveis significa exercer um controle social mais autoritário sobre toda a população, como único modo de identificá-los e, ademais, impor a toda a população uma série de limitações à sua liberdade e também o risco de uma identificação errônea e, conseqüentemente, condenações e penas a inocentes.

Em parte, constitui-se o direito penal do inimigo numa tentativa alucinada de se encontrar formas de prevenção, porém, utilizando para isso de medidas urgentes.

Paralelamente, vem sendo identificada uma expansão do direito penal, em especial, com a criação alucinada de novos tipos penais sob o manto de uma modernização do direito penal que teria por fim atuar sobre condutas prejudiciais à sociedade ainda não previstas pelo direito penal tradicional .

O Direito Penal do Autor, por sua vez, abandona os próprios fundamentos do direito penal em busca de uma criminalização não de fatos que envolvem uma pessoa, mas sim de pessoas envolvidas em determinados fatos. Trata-se de uma inconsequente adoção urgente de repressão em face de pessoas determinadas. É a utilização manifestamente discriminatória e fascista de aplicação da repressão. É a forma mais eficaz, rápida e consistente de levar a cabo a higienização pretendida por uma política criminal repressiva.

De igual forma, o aumento indiscriminado das penas previstas para alguns crimes tem demonstrado alguns aspectos obscuros dessa política criminal repressiva. A pergunta que se deve fazer é qual a diferença entre o indivíduo que cometeu determinado crime ficar privado de sua liberdade por 10 ou 30 anos? O que importa em matéria punitiva é a quantidade de pena ou a qualidade da pena? O que alguém que é privado de sua liberdade vai fazer quando sair da prisão depois de 30 anos? A pergunta que talvez seja a mais importante é: ainda existe algum vínculo social, se é que algum dia existiu, entre um sujeito condenado a uma pena de elevados anos e a sociedade? Qual a diferença entre uma pena de 30 anos e uma pena de banimento, sob um ponto de vista prático?

As garantias individuais, cada vez mais são suprimidas, relativizadas ou mesmo extirpadas do ordenamento jurídico em prol de um discurso de garantia coletiva. A defesa dos Direitos Humanos, frutos de conquistas históricas e de uma universalidade de povos, muitas vezes conquistados a pesados fardos, vem sendo jocosamente tratado por entusiastas do coronelismo. Vale ressaltar que a violação de preceitos fundamentais, põe em xeque não só o Estado Democrático de Direito, mas da própria ideia de contrato social.

Inclusive, em uma lúcida explanação, as lições de Ihering ensinam que

[...]Podemos afirmar sem o menor receio que o amor que um povo dedica ao seu direito e a energia despendida na sua defesa são determinados pela intensidade do esforço e trabalho que lhes custou. Os elos mais sólidos entre um povo e seu direito não são forjados pelo hábito, mas sim pelo sacrifício[...]

Nas lições de Rousseau “tirano é um rei que governa com violência e sem respeito à justiça e às leis”.

Todos estes questionamentos são imprescindíveis, já que sem as perguntas certas não há respostas certas. Apesar de saber ser a ressocialização da pena uma falácia, apesar de se ter plena convicção de que penas elevadas não obstam a prática de crimes, que o direito penal do autor discrimina parcela da população, que a relativização das garantias fundamentais constitui o sepultamento do Estado Democrático de Direito, que aumentar os tipos penais é inútil à prevenção criminal, continua-se a adotar a mesma política criminal repressiva. E o pior, nada acontece. Melhor propaganda não haveria para alimentar o sentimento de vingança e garantir um bom marketing eleitoreiro. Não se verificam quaisquer benefícios ao corpo social, nem no curto nem no longo prazo. A sociedade é quem, ao final é a maior prejudicada, vítima de si mesma.

Um Estado que faz uso indiscriminado de leis penais, onde impera a repressão penal, deixa de ser um Estado Social e passa a ser um Estado Penal, o qual é ilegítimo, pois que não é crível que a sociedade tenha como valor a própria opressão.

4 TENDÊNCIAS REPRESSIVAS NO SÉCULO XXI

 

 

Desde os primórdios da humanidade, a adoção de políticas repressivas nunca se mostrara como uma efetiva ferramenta de diminuição do crime ou mesmo um instrumento de violência gratuita, mas sim como uma ferramenta de controle social pela imposição dos interesses ocultos dos detentores do pode político e econômico sobre determinados grupos sociais. Já alertava FOUCAULT que o que estava em jogo era

[..] Uma ‘anatomia política’, que é também igualmente uma ‘mecânica do poder’, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos ‘dóceis’.

A atual tendência repressiva, no entanto, é bem diferenciada das utilizadas em outros tempos, ainda mais, em razão das profundas transformações ocorridas com o advento da globalização. Como bem adverte Zaffaroni

Esse novo autoritarismo, que nada tem a ver com o velho ou entre - guerras, se propaga a partir de um aparato publicitário que se move por si mesmo, que ganhou autonomia e se tornou autista, impondo uma propaganda puramente emocional que proíbe denunciar e que, ademais – e fundamentalmente -, só pode ser caracterizado pela expressão que esses mesmo meios difundem e que indica, entre os mais jovens, o superficial, o que está na moda e se usa displicentemente: é cool

As incertezas crescem na medida em que pensamos no mundo globalizado. Este fenômeno complexo que não se sabe ao certo a extensão e o impacto que tem na vida social. Com a globalização, não poderia ser outro o resultado da nova dinâmica social, senão a supervalorização do novo, do atual, do fugaz. Como consequência, certos valores até então consolidados e instituições sociais vêm decaindo, saíram de moda, sendo modificados, transformados, ou mesmo, sendo substituídos por outros.

Tudo isso vem também afetando o direito, afinal, como reafirmar ou reproduzir valores incertos, insólitos, heterogêneos, de sociedades diversas e que a todo tempo surgem e se modificam? As mudanças têm sido tão constantes e meteóricas que não dá tempo, sequer, de atribuir valor a algo, reforçando a idéia da fugacidade, típica da sociedade do consumo.

O direito é uma instituição social cujo objetivo principal é a manutenção e a reprodução de valores sociais. Logo, as incertezas oriundas do processo globalizante, transformacional das relações sociais se consubstanciam num grande desafio ao direito desse século.

A resistência e a manutenção das tradições e dos valores sociais é uma das vertentes que em parte, se pode atribuir o crédito pela atual política criminal repressiva, amedrontada e resistente ao novo, ao diferente, próprio do processo de identidade. O novo é desconhecido, perigoso, gera incerteza e insegurança e, portanto, deveria ser afastado, excluído. Já o tradicional é conhecido, é seguro, gera certeza e conformação.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A falta de tolerância é um sério indicativo de uma democracia em risco. A democracia se funda no respeito ao cidadão, à multiplicidade, à diversidade, à diferença. A relativização das garantias se constitui num verdadeiro retrocesso, haja vista serem conquistas, realidades históricas absorvidas a duras penas no que se costuma dizer, processo civilizatório, se é que houve algum.

Há que se estabelecer um direito penal mais atual e moderno sim, mas não às custas de uma política criminal ofensiva ao indivíduo que integra a coletividade, seja por meio de penas de banimentos, antecipações de penas e muito menos às custas de práticas abolicionistas de quaisquer garantias fundamentais.

É preciso repensar o próprio direito penal, seus fundamentos e finalidades. Não existirá coesão social e muito menos valores sendo respeitados enquanto estes mesmos valores forem violados. O mesmo se diga se não houver uma convergência de interesses e soluções sociais efetivas que propiciem aos indivíduos o exercício pleno de sua cidadania.

Buscar soluções alucinadas ou utilizar de práticas autoritárias em nada espelha o espírito democrático. A melhor forma de se esquivar das próprias responsabilidades é atribuir a culpa a outro. O Estado, enquanto ente juridicamente criado, portanto, fictício, não pode ser responsabilizado pela falta de solução dos problemas. Afinal, quem opera o Estado? Se cada pessoa, componente desse jogo pudesse olhar no espelho e ver a verdade, o reflexo das próprias ações que reproduzem a realidade, o resultado seria outro.

Os atores sociais não perceberam seus papéis, querem a paz, mas pregam a violência. Contradições que permitem a reprodução do ciclo da violência. São carrascos e vítimas de si mesmos. O autoflagelo parece ter atingido a visão e cegado os indivíduos que não perceberam o chicote nas mãos.

 

 

 

 

 

Data de elaboração: fevereiro/2011

 

Como citar o texto:

MUNIZ, Adriano Sampaio ..A Repressão criminal como reproducão da violência . Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/2250/a-repressao-criminal-como-reproducao-violencia-. Acesso em 28 abr. 2011.

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