1. INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho visa desenvolver o debate sobre tipos penais que, pela sua natureza mais grave, possam justificar o afastamento do princípio da dignidade humana do infrator a luza da Constituição Federal de 1988. Seriam os tipos indicados, tais como, crimes que imponham restrições a liberdade, e considerados inafiançáveis, insuscetíveis de graça e indulto, tendo como exemplo destes: o terrorismo, racismo, tortura, estupro, homicídio e pedofilia.

Dos indicados, alguns se destacam como crimes hediondos, ou equiparados, e em sua essência estabelecidos na Carta Magna, que os assevera de modo a atribuir valoração penal especial, que, na aplicabilidade das penas de modo mais severo, levanta a questão se não estaria obstruindo a dignidade da pessoa humana, um dos princípios fundamentais estabelecidos no art. 1º, inciso III da CF/88, correlacionada aos Direitos e Garantias Fundamentais em sua essência, cláusula pétrea tal como disposto no art. 60, inc. IV de nossa Lei Maior.

Tal abordagem temática pretende como escopo, observar se a aplicação de sanções ao infrator, no que diz respeito à proteção à dignidade humana, estaria juridicamente justificada à luz da Constituição Federal de 1988.

2. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Elencada entre os princípios fundamentais dispostos no art. 1º, inciso III da CF/88, tal princípio relacionado à matéria penal encontra outros dispositivos na Carta Magna que, visa assegurar sobre tudo a integridade física e moral do apenado, tal como os dispostos no art. 5º, III e XLIX.

Tais direitos fundamentais são classificados pela doutrina em gerações ou dimensões, que aqui será mencionado apenas duas que convém citar: na primeira geração, os direitos humanos com relação à liberdade individual; na quinta geração preconiza a possibilidade de limitação, entendendo-se que não seja os direitos humanos em si absolutos, quando estiverem em colisão direta com outros direitos fundamentais que mais valorados, como exemplo, a manutenção da paz social, está última, classificada por Karen Vasak tal como observa Pedro Lenza .

De modo esclarecedor, o jurista Alexandre de Moraes leciona sobre a dignidade humana que:

“[...] se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais [...]”.

Nessa linha de entendimento, a CF/88 introduz correlação direta dos bens jurídicos, com todos os ramos do Direito, e, em analise que aqui importa – o Direito Penal, de modo a valorar os bens jurídicos mais importantes a serem salvaguardados, por este. Tal como indicado por Lopes na doutrina de Häberle, que importa colacionar:

[...] o conteúdo essencial dos direitos fundamentais deve circunscrever-se por meio de limites imanentes que envolvem esse conteúdo essencial frente a bens jurídicos de igual ou superior valor, mediante o princípio da ponderação de bens jurídicos.

Essa formulação se expressa adequadamente como a relação interna, imanente, na qual se encontram os direitos fundamentais com a Constituição como um todo e com os bens jurídico-constitucionais particulares. Estes se situam dentro da totalidade do sistema de valores jurídico-constitucionais.

Observado que a dignidade humana seja preceito expresso no art. 1º, III da CF/88 e implícita no art. 5º dos Direitos e Garantias Fundamentais dispostos no Título II, assevere-se que, necessariamente uma ponderação de valores se faça quando haja bens jurídicos maiores em risco, em detrimentos do direito a dignidade humana de apenas um indivíduo, tal como a liberdade, motivo pelo qual, nas vastas tipificações penais, as medidas restritivas de liberdade se sobreponham a liberdade individual de quem possibilite o risco social.

Para elucidar melhor, segundo a doutrina de Prado quanto ao referido princípio: “Apresenta-se como uma diretriz garantidora de ordem material e restritiva da lei penal, verdadeira salvaguarda da dignidade pessoal, relacionando-se de forma estreita com os princípios da culpabilidade e da igualdade.”

Da dignidade humana nascem outros princípios os quais norteiam o Direito Penal, regendo sua aplicabilidade e limitação de imposição de penas, entre os principais: a subsidiariedade, responsabilidade pelo fato e penal subjetiva, ne bis in idem, adequação social e insignificância.

Compreende-se pelo exposto, que a aplicação do Direito Penal deverá funcionar como ultima ratio, ou seja, quando não houver outros ramos do Direito, capazes de garantir a segurança e interesse público, quando assim, ter-se-á justificativas que firmem a interferência na dignidade da pessoa humana, tal qual seja nesta discussão, a liberdade, uma vez que, regras de convívio social tenham sido infringidas a ponto de imputem penas restritivas a determinado infrator, tal como exemplos tipos penais a seguir expostos.

3. RESTRIÇÕES A LIBERDADE E A DIGNIDADE HUMANA DO INFRATOR A LUZ DA CF/88.

3.1 Previsões Legais:

Cumpre colacionar inicialmente, previsões legais de modo indicativo sobre os crimes anteriormente já exemplificados, quais sejam: o terrorismo, racismo, tortura, estupro, homicídio e pedofilia, entre os quais, alguns hediondos e outros equiparados, que imponham restrições a liberdade, inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, tal como preceitua o art. 5º, incisos XLII e XLIII da CF. Vejamos:

Art. 5º

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; (Grifei).

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; (Grifei).

De outro modo, tal como destacado nos incisos acima, há Leis Especiais que tratam da matéria, definindo a aplicação das penas, dispondo do modo que se imporá a restrição à liberdade como punibilidade pela prática de cada crime.

Apenas a título de observação, e sem alastrar a discussão apresentada na doutrina e jurisprudência no que se referem aos termos insuscetíveis, tais Leis prescrevem modo mais restritivo em comparação à CF/88, impossibilitando a concessão de indulto, tal como prevê os arts. 1º e 2º da Lei n. 8,072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), além de insuscetíveis de anistia, graça e a fiança, o que já levantou o questionamento de sua constitucionalidade.

Desta forma, Rogério Sanchez Cunha em sua obra de Legislação Penal Especial observa precedentes do STF no sentido de firmar a constitucionalidade da lei, no que diz respeito ao indulto ser insuscetível, colacionando tal jurisprudência. Vejamos:

Habeas corpus – Vedação ao benefício da comutação da pena – Constrangimento ilegal – Inocorrência – Habeas corpus indeferido. O disposto no art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, bem como o art. 2º, inciso I, da Lei 8,072/90, vedam a concessão de graça ou anistia aos condenados pela prática dos crimes definidos como hediondos. A questão de presente writ já foi largamente discutida por esta Corte, encontrando-se pacificado, em ambas as Turmas, o entendimento de que, sendo a comutação da pena espécie de indulto parcial, o Decreto Presidencial 3.266, de 29.10.1999, não se aplica ao condenado pela prática de crime hediondo. Precedentes. Ordem indeferida. (HC 86.615/RJ, 2.ª T., rel. Min. Joaquim Barbosa, Dj 24.11.2006).

A mesma linha de raciocínio é corroborada por Damásio Evangelista de Jesus e Leuiz Vicente Cernicchiaro, como Junqueira e Fuller ao citar decisão do STF no sentido de:

[...] a legitimação da proibição inscrita no artigo 2º, inciso I, da Lei n. 8,072/90, entendendo-se que a Constituição Federal empregou o termo “graça” sem sua acepção ampla, compreendendo a graça em sentido (medida de ordem individual) e o indulto (medida de ordem coletiva). Ademais, argumenta-se não ter sentido a limitação da clemência individual (graça) e a permissão da clemência de alcance coletivo (indulto), de maior abrangência.

3.2 Discussões doutrinárias e dos Tribunais Superiores:

Muitos são os entendimentos apresentados pelo STF no sentido de sopesar o princípio da dignidade da pessoa humana com a restrição a liberdade nos crimes que ensejem tal penalidade, quando na incorrência de crimes mais gravosos que firam os bens jurídicos mais salvaguardados pelo Direito Constitucional e Penal, quais sejam, a vida e segurança pública.

No entanto, mesmo com a observância de proteger bens maiores e de âmbito social, em detrimento dos direitos humanitários de determinado paciente que possa impor certo risco a toda a população, ou a pessoas que estejam direta ou indiretamente relacionados a este, os direitos mínimos da dignidade humana deverão ser respeitados, mesmo que, alguns sejam abdicados para que toda a política criminal surta efeito, tal como a restrição a liberdade, com a busca pelo Poder Judiciário no balanceamento do sentimento de justiça.

Tais situações que ensejem a obstrução à liberdade, deverão ter base sólidas e fundamentadas sob pena de inviolabilidade das garantias constitucionais e alcance do chamado “direito penal do inimigo”. É o entendimento firmado pelo STF no HC 85.531:

Estipulação do cumprimento da pena em regime inicialmente fechado. Fundamentação baseada apenas nos aspectos inerentes ao tipo penal, no reconhecimento da gravidade objetiva do delito e na formulação de juízo negativo em torno da reprovabilidade da conduta delituosa. Constrangimento ilegal caracterizado. Pedido deferido. O discurso judicial, que se apoia, exclusivamente, no reconhecimento da gravidade objetiva do crime – e que se cinge, para efeito de exacerbação punitiva, a tópicos sentenciais meramente retóricos, eivados de pura generalidade, destituídos de qualquer fundamentação substancial e reveladores de linguagem típica dos partidários do ‘direito penal simbólico’ ou, até mesmo, do ‘direito penal do inimigo’ –, culmina por infringir os princípios liberais consagrados pela ordem democrática na qual se estrutura o Estado de Direito, expondo, com esse comportamento (em tudo colidente com os parâmetros delineados na Súmula 719/STF), uma visão autoritária e nulificadora do regime das liberdades públicas em nosso País. (HC 85.531, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-3-2005, Segunda Turma, DJ de 14-11-2007.) Vide: HC 100.678, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-5-2010, Primeira Turma, DJE de 1º-7-2010.

Note-se que a preocupação em procurar indicativos que afirmem a necessidade de penas mais severas e não apenas no reconhecimento da gravidade objetiva do delito, necessitando a sentença de uma fundamentação mais concisa para não incorrer em nulidades ou sujeitar a recursos. Tal obrigatoriedade de fundamentação possui seus alicerces na CF/88 em seu art. 93, inc. IX, tal como asseverado acima, sendo essa a preocupação do legislador que reforçou a ideia com a Nova Lei de Prisões (12.403/11), que alterou dispositivos do Código Penal e Processo Penal, de modo a expor tal obrigatoriedade motivacional.

Sem alastrar demasiadamente a importância de decisões fundamentadas, outra questão de relevante importância discutida na doutrina, diz respeito à Lei 7,210/84 (Lei de Execuções Penais – LEP), que segundo o entendimento de Junqueira e Fuller:

[...] em eu artigo 3º,garante ao condenado todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei, trazendo assim maior resguardo à dignidade do condenado. Os artigos 40 e seguintes regulamentam, ainda que de forma não exaustiva (até mesmo pela fórmula genérica do artigo 40), os direitos do condenado, impedindo assim, em maior âmbito de concreção, violação aos direitos humanos.

Além disso, nos Tribunais Superiores, atentam-se a aplicação da Lei de Execução Penal de modo não apenas de impor uma retribuição ao infrator pelo danos causados e como medida de prevenção, mas também, no cumprimento desta como meio de proporcionar reintegração social, tal como observado no HC 99.652 do STF. Vejamos:

A LEP é de ser interpretada com os olhos postos em seu art. 1º. Artigo que institui a lógica da prevalência de mecanismos de reinclusão social (e não de exclusão do sujeito apenado) no exame dos direitos e deveres dos sentenciados. Isso para favorecer, sempre que possível, a redução de distância entre a população intramuros penitenciários e a comunidade extramuros. Essa particular forma de parametrar a interpretação da lei (no caso, a LEP) é a que mais se aproxima da CF, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos (incisos II e III do art. 1º). A reintegração social dos apenados é, justamente, pontual densificação de ambos os fundamentos constitucionais. (HC 99.652, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 3-11-2009, Primeira Turma, DJE de 4-12-2009).

Porém, aqui se encontra uma das grandes mazelas e descaso do Poder Público, pois, é de notório conhecimento que o sistema penitenciário brasileiro não encontra consonância ao que a lei estipula, tendo uma precariedade em diversos sentidos, que obstruem os direitos humanos assegurados pela CF/88. Casos tais quais os de pessoas encarceradas em contêineres (o exemplo ocorrido no estado do Espirito Santo), ou as diversas rebeliões nas cadeias sucedidas sem o mínimo de segurança para que isso se impeça, entre tantos outros mais que poderiam ser exemplificados. Esse entendimento é o plenamente explorado por Luiz Flávio Gomes:

Cuida-se de um novo modelo de prisão (como diz M. Sozzo) “que abandona completamente como finalidade declarada a ‘correção do criminoso’, abraçando outros objetivos como legitimação da sua própria existência. Por um lado, a retribuição do dano gerado pelo delito por meio da produção intencionada de dor no preso. Por outro, de forma prioritária, a incapacitação ou neutralização do preso, durante um lapso de tempo mais ou menos prolongado, de forma tal que não possa reincidir no delito, ‘protegendo o público’, gerando ‘segurança’. Os presídios e as cadeias, como latrinas do sistema criminal brasileiro, passam a ser centros sanguinários e violentos de distribuição de dor e de sofrimento excessivo (abusivo)[...].

Muitas outras discussões podem surgir sobre a violação que uma pena e o cumprimento desta possam proporcionar em relação aos direitos humanos. Importa ressaltar como já mencionado acima, que, as penas que obstruam o direito de liberdade ferindo direitos humanos em suas bases, no estado social em que se vive, justificam-se em muitos casos devido à segurança que se quer proporcionar a sociedade. O problema maior não está na imputação das penalidades que ensejam tal violação, mas sim, na forma que tal pena será aplicada, ou cumprida, visto que, como explanado, a LEP busca formas de inserção dos delinquentes egressos nos meios sociais, mas o sistema carcerário encontra-se falido e não proporciona esta ressocialização da pena.

Não se pode pensar também que, devido a esse déficit do sistema carcerário, deva-se singularizar as condenações de modo a torna-las mais brandas, pois, o intuito maior é coibir a prática de novos delitos, sujeitando os infratores a determinadas penas com seu cumprimento como forma de conscientização das permissivas sociais.

Mesmo nos casos de incorrência de crimes hediondos ou equiparados, pelos quais se impõem medidas de cumprimento de penas mais severas, a jurisprudência possuem posicionamentos no sentido de concessão de regimes de cumprimento mais benéficos ao sentenciado, mas admitidos com as devidas peculiaridades. Um exemplo nítido dessa linha de pensamento é o apresentado no HC 83.358 do Supremo:

O fato de o paciente estar condenado por delito tipificado como hediondo não enseja, por si só, uma proibição objetiva incondicional à concessão de prisão domiciliar, pois a dignidade da pessoa humana, especialmente a dos idosos, sempre será preponderante, dada sua condição de princípio fundamental da República (art. 1º, III, da CF/1988). Por outro lado, incontroverso que essa mesma dignidade se encontrará ameaçada nas hipóteses excepcionalíssimas em que o apenado idoso estiver acometido de doença grave que exija cuidados especiais, os quais não podem ser fornecidos no local da custódia ou em estabelecimento hospitalar adequado.” (HC 83.358, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 4-5-2004, Primeira Turma, DJ de 4-6-2004).

O mesmo tem sido o entendimento quando não haja estabelecimento penal para cumprimento da pena no regime que o apenado tenha direito em virtude de sua progressão de regime, tal como exemplificado pelo HC 216.828-RS , em que a benesse do HC foi concedida para o cumprimento em regime domiciliar.

A análise de cada caso em concreto deverá ser atentada no cumprimento da pena, uma vez que, em muitos casos, sua aplicação na se justificará pelo fato de o crime ser tipificado como hediondo tal como os tipos penais expostos no subitem anterior, e pelas circunstâncias apresentadas do caso, permitirão progressão de regime, ou mesmo o cumprimento em regime menos severo, preservando o princípio da dignidade humana.

3.3 Crimes hediondos e os direitos humanos:

Cumpre ressaltar que, como já explorado, a CF/88 estabelece um rol de direitos e garantias fundamentais inerentes a toda pessoa. Porém, como esclarece Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino , tais direitos não podem ser revestidos de caráter absoluto, quando observados motivos de interesse público que justifiquem e legitimem ao Estado, a imposição de medidas restritivas à liberdade individual, com intuito maior de proteção aos valores que a sobreponham.

Assim, tais autores ainda ressaltam que: “[...]normas infraconstitucionais – lei, medida provisória e outras – podem impor restrições ao exercício de direitos fundamentais consagradas na Constituição.”

Conforme previsão legal na Lei 8,072/90 (Lei de crimes hediondos), em seu art. 2º, § 1º, o cumprimento da pena pelos crimes previstos nesta lei, será o de inicialmente fechado, possibilitando progressão de regime ou apelar em liberdade da seguinte forma:

§ 2o A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007). (Grifei)

§ 3o Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007)

Diferentemente do Código Penal que estipula cumprimento de pena no regime fechado, aos crimes com penas superiores a 8 anos (art. 33, § 2º, a), nota-se que, pela leitura dos dispositivos da Lei de crimes hediondos, a intensão do legislador foi impor regime de cumprimento de penas mais severas, em virtude da gravidade dos delitos e por serem mais reprováveis. A questão já ganhou debates sobre sua constitucionalidade entre os Tribunais Superiores e a doutrina.

A doutrina de Julio Fabrini Mirabete já foi posicionada no sentido de constitucionalidade, uma vez que, não haja qualquer infringência na individualização da pena, pelo que prevê o art. 5º, XLVI da CF, e sendo assim, cabendo a lei especial a determinação das regras de cumprimento de pena.

No entanto, essas explanações iniciais sobre o cumprimento de pena, remete aos dizeres estabelecidos na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica) firmada pelo Brasil, que em seu art. 5º estabelece:

Artigo 5º - Direito à integridade pessoal

1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. (Grifei).

Aqui, cria-se todo o problema no sentido já explorado da aplicação das penas, quanto aos crimes hediondos especificados em suas espécies. As decisões dos Tribunais sempre pesarão no sentido de quais valores estejam em maior risco e devam ser valorado; a liberdade individual e com total respeito à dignidade da pessoa humana ao apenado, com direito a regimes de cumprimento de pena menos severos pela progressão, ou a proteção social com mantença deste conforme previsão legal, visto que, com análise do caso, a possibilidade concreta de o apenado vir a cumprir sua pena em regimes mais brandos, possibilitando a continuidade da prática de delitos, ou mesmo outros, impondo riscos como insegurança coletiva, aos seus julgadores, testemunhas, etc. Daí, a discussões recentes da Lei de Proteção aos Juízes (Lei n. 12.694/12) – “Lei do juiz sem rosto”, sancionada no intuito de proporcionar medidas de segurança aos julgadores.

Mas essas observações servem apenas para demonstrar as proporções que são alcançadas e toda a discussão gerada na aplicação e cumprimento das penas, principalmente nos crimes hediondos, quando se é questionado as justificativas utilizadas pelo Poder judiciário.

De certa forma, surgem entendimentos da incorrência a violação aos preceitos constitucionais como a dignidade da pessoa humana, tal como o direito de apelar em liberdade, ou regime de cumprimento inicial da pena mais brando, não admitido conforme as previsões legais e pela gravidade do delito, uma vez que, denota-se a exposição de valores maiores que o poder público visa assegurar em prejuízo dos individuais.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das explanações apresentadas sobre os crimes de maior gravidade, que imponham restrições à liberdade, tais como, inafiançáveis, insuscetíveis de graça, anistia, ou indulto, terão sempre posicionamentos no sentido de buscar formas de balancear os valores maiores em risco.

Do teor exposto da referida Convenção Americana sobre Direitos Humanos, surge o debate constante de como aplicar as medidas protetivas sociais, em detrimento dos direitos a dignidade humana do apenado, uma vez que, como indicado nas legislações colacionadas anteriormente, o regime fechado de cumprimento de pena, e as possibilidades de livramento condicional em casos peculiares, identificam contrassenso aos preceitos constitucionais dos direitos fundamentais, tal como o aludido pacto ratificado pelo Brasil.

Fere a dignidade humana, onde a inserção de condenados em um sistema carcerário precário obstrui a possibilidade de ressocialização destes, transformando-os em criminosos mais qualificados, em total inversão de valores do sistema, que se torna autor e vítima de si mesmo.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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______. Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto São José da Costa Rica. Disponível em: .

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1: parte geral (arts. 1º a 120). 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005.

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JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz e FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação Penal Especial. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Premier Máxima, 2005.

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LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado / Pedro Lenza. 15. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

MIRABETE, Júlio Fabrini. Execução Penal, Comentários à Lei 7.210 de 1984, 9º ed. - São Paulo: Atlas, 2000.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus. 2007.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro – parte geral, arts. 1º a 120. V. 1. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

 

Data de elaboração: agosto/2012

 

Como citar o texto:

GOMES, Gustavo Henrique Comparim..Crimes inafiançáveis, insuscetíveis de graça, anistia ou indulto e justificativas para afastar a proteção da dignidade humana do infrator a luz da CF88. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1017. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/2604/crimes-inafiancaveis-insuscetiveis-graca-anistia-ou-indulto-justificativas-afastar-protecao-dignidade-humana-infrator-luz-cf88. Acesso em 2 out. 2012.

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