Resumo: O presente texto analisa os efeitos repristinatórios da extinta legislação especial que regulava os crimes praticados por meio da imprensa antes da revogação da Lei 5.250/67 pelo Supremo Tribunal Federal. Além disso, busca estudar a aplicação da parte benéfica em que a Lei de Imprensa não foi enfrentada como não recepcionada pela Constituição de 1988, no sentido que sejam aplicados os prazos prescricionais que favorecem o imputado, de modo a identificar as falhas que podem prejudicar os infratores condenados no decorrer ou após a extinção da lei especial.

 

Abstract: This paper analyzes the reverting effects of the special legislation that regulated crimes committed through the press before the repeal of Law 5.250/67 by the Federal Supreme Court. Furthermore, it also seeks to study the application of the beneficial part in which the Press Law was not challenged as not received by the Constitution of 1988, in regards to applying the prescriptive periods that favor the accused, in order to identify gaps that may harm offenders convicted during or after the termination of the special law.

Palavras-chaves: lei penal no tempo; ultratividade e extratividade da lei penal; abolitio criminis e prescrição.

Sumário: 1. Um breve estudo da aplicação do extinta Lei de Imprensa. 2. A posição dominante dos Tribunais Superiores. 3. Da visão da doutrina penal. 4. Do fenômeno da ultratividade ante a extinção da lei. 5. Da modulação dos efeitos da declaração de argüição de preceito fundamental.

Segundo Jorge de Figueiredo Dias, que teve a responsabilidade de presidir à grande reforma da lei penal que vigorava em Portugal desde 1852 e que resultou nos Códigos Penal e de Processo Penal de 1987 daquele país, já prescrevia que: “a maioria das pessoas não tem consciência do que é de difícil, de complexo e de perigoso mudar que seja uma vírgula a uma lei.”

Certamente, a aplicação de qualquer sanção penal deve levar em conta o ferimento do ordenamento penal mediante a análise da antinomia entre a conduta do agente e a lei vigente à época do fato delituoso. Dito isto, verifica-se que a extinção da Lei de Imprensa (Lei n.º 5.250/67) efetivado pelo pretório Excelso em 30.04.2009, através da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. º 130 -7/DF, tem gerado no seio da jurisprudência nacional incontestável insegurança jurídica.

Efetivando-se uma análise acerca do que este julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal representa no atual contexto dos julgados dos tribunais pátrios, observam-se alguns aspectos que sobressaem, notadamente merecendo uma maior reflexão quanto à aplicação ou não da extinta Lei de Imprensa (extra ou ultratividade) nos processos criminais.

O alerta acerca da insegurança jurídica causada ante a falta de modulação dos efeitos da extinção da Lei de Imprensa partiu do Ministro Luiz Fux, em um debate efetivado no Plenário do STF por ocasião de o julgamento de um caso de crime de calúnia tipificado na extinta legislação especial Lei n.º 5.250/67, eis que aduziu Fux que: “há um confronto entre a situação de fato existente no momento da prática do ilícito: havia uma ordem normativa em vigor, e, posteriormente, houve um pronunciamento da Suprema Corte com relação à não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição de 1988.”

Não há dúvida que a falta de modulação dos efeitos da extinção da Lei de Imprensa acarreta insegurança jurídica, hoje observada nas esparsas decisões de juizes monocráticos e nos colegiados dos Tribunais Federais e Estaduais, e até mesmo no Superior Tribunal de Justiça, havendo decisões para toda e qualquer forma de (livre) interpretação, visto que a Corte Suprema limitou-se a remeter ao disposto no Informativo n° 544/ STF: “[...] a posteriori, com o direito de resposta e a reparação pecuniária por eventuais danos à honra e à imagem de terceiros, sem prejuízo, ainda, do uso de ação penal também ocasionalmente cabível, nunca, entretanto, em situação de maior rigor do que a aplicável em relação aos indivíduos em geral.”

Importante anotar que não houve postulação, em sede de embargos de declaração, do autor da ADPF 130 acerca da modulação dos efeitos da extinção da Lei de Imprensa. Aliás, válido lembrar que o autor da ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental, que extirpou a legislação especial, deputado Miro Teixeira (PDT), já defendia a aplicação da abolitio criminis ainda no decorrer do julgamento da ação no STF, eis que aduziu o parlamentar: “o destino das ações baseadas exclusivamente na Lei de Imprensa não pode ser outro, senão o arquivo. Não há alternativa.”

Daí insurge notória insegurança jurídica que tem atormentado os magistrados, assim como provocado discussões nos meios judicial e acadêmico. É possível aplicar-se o Código Penal aos dispositivos da Lei de Imprensa declarados não recepcionados pela Constituição de 1988, sem levar em conta os princípios da anterioridade e/ou da legalidade ?!

Há quem diga que sim, fundando o argumento na inexistência de qualquer óbice de vedação a aplicação do Código Penal, ante o fenômeno da ultratividade, posicionamento que conta com o respaldo de decisão do STF, em acórdão de lavra do eminente Min. Gilmar Mendes , que aduz em abono à perspectiva desta posição que “em face da extinção da Lei de Imprensa, aplicam-se às disposições do Código Penal”. Existe, no entanto, magistrados do Superior Tribunal de Justiça que se posicionam contrariamente, tal como a Min. Laurita Vaz que aduz em sentido oposto daquela posição anterior que “A exclusão da norma incriminadora que fundamenta a denúncia do ordenamento jurídico nacional implica abolitio criminis, perdendo seu objeto o processo penal proposto em desfavor do acusado.” .

A interpretação do STJ pela aplicação da abolitio criminis - posição hoje majoritária naquela Corte de Justiça - tem por base a argumentação na existência da vedação ante o principio da legalidade (art. 5º, XXXIX e XL da CF), e pela circunstancia de não ser possível à lei penal retroagir em malefício do acusado (art. 5º, XL, da CF). Em verdade, faz-se necessário o estudo aprofundado de diversos aspectos, conjuntamente, a fim de se definir (modular) os efeitos da aplicação do Código Penal nos feitos em curso (ou findos) que estavam vinculados (rito especial) à extinta Lei de Imprensa (Lei 5.250/67).

Ante o anotado principio da legalidade, pode-se buscar amparo nas Disposições Finais do Código Penal que prevê de forma expressa:

“Art. 360 - Ressalvada a legislação especial sobre os crimes contra a existência, a segurança e a integridade do Estado e contra a guarda e o emprego da economia popular, os crimes de imprensa e os de falência, os de responsabilidade do Presidente da República e dos Governadores ou Interventores, e os crimes militares, revogam-se as disposições em contrário.”

Ou seja, pode-se observar que o Código Penal Brasileiro preservou expressamente as disposições de a legislação especial sobre os crimes de imprensa, porquanto declara da seguinte forma: “em se tratando de crime de imprensa este Código não é aplicável.”

Assim, buscar-se a adequada interpretação jurisprudencial, quais sejam, os de aplicar em tais casos o instituto da abolitio criminis, negando-se a aplicação automática do Código Penal ante o principio da legalidade (art. 2º, do CP), ou admitir-se a aplicação do Código Penal, acatando-se os efeitos da repristinação e da ultratividade da lei, consubstancia-se no estabelecimento de uma Justiça atenta às próprias decisões da sua mais Alta Corte e as suas exigências constitucionais.

Abstraído o tema: abolitio criminis, cuja complexidade comporta interpretações discrepantes, ainda se aponta no âmbito da necessária uniformização da jurisprudência aplicada a este fenômeno jurídico da extinção em bloco da lei especial que regulava os delitos de imprensa (Lei 5.250/67), podendo-se buscar soluções definitivas para orientar o (livre) convencimento dos magistrados da República.

Assentados tais aspectos acerca da (não) modulação dos efeitos da revogação da Lei de Imprensa, tem-se que os paradoxos do Direito Penal concernentes à aplicação da lei penal (no tempo) se verificam na coexistência de duas vertentes hoje bem definidas: a possibilidade de aplicar-se o Código Penal sem qualquer óbice (STF), e a tendência à descriminalização da conduta (STJ), advinda da imposição dos princípios da legalidade (art. 5º, XXXIX e XL, da CF).

Para melhor esclarecer tal interpretação, pode-se invocar o artigo 77 da Lei 5250/67: “Art . 77. Esta Lei entrará em vigor a 14 de março de 1967, revogadas as disposições em contrário.”

Observe-se, portanto, que Código Penal declarou não ser aplicável aos crimes de imprensa - e a Lei de Imprensa (Lei n.º 5250/67) taxativamente afirma que revoga as disposições contrárias ao seu texto - ou seja, dentro do conceito de ‘crime de imprensa’ cabem as penas, o rito, os prazos, enfim o que for referente aos delitos de (ou por meio) imprensa está no corpo da extinta lei, se não estiver ali não é crime de imprensa.

Como anotado por Darcy Arruda Miranda acerca da elaboração da Lei 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, “As infrações previstas na Lei 5250/67, também são encontradas em outras leis especiais, mas não podem ser confundidas com estas. Do mesmo modo, as figuras delituosas previstas no Código Penal, ou noutro diploma legal qualquer, com as expressamente numeradas nos arts. 12 e 14 daquele diploma.”

Convém salientar a advertência do jurista René Ariel Dotti, pois aduz o renomado autor que: “lei que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a anterior’ (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 2º, §§1º e 2º), porquanto havia antes da revogação da lei especial (Lei 5250/67), duas normas penais concorrentes.

Igualmente, o jurista Darcy Arruda Miranda já ressalvava em seu livro ‘Comentários à Lei de Imprensa’ - hoje ainda considerada uma das obras mais importante acerca da anotada lei - que a partir da publicação da Lei 5.250/67 estavam revogadas as disposições em contrário, eis que a alerta o autor que: “Trata-se, no caso de revogação tácita, uma vez que não se discriminam as leis revogadas (art. 2º, § 1º, da LICC)”.

Assim, apesar de tratar-se de caso de revogação tácita, deveria ser afastada a discussão acerca de aplicação ou não da retroatividade da lei (artigo 5°, inciso XL da Constituição Federal ), quiçá em repristinação da lei (artigo 2°, §3°, da Lei 4657/42 - Introdução de Introdução as Normas do Direito Brasileiro ), pois o Código Penal não revogou as disposições concernentes aos delitos de imprensa.

Tampouco, segundo este entendimento, são aplicáveis os institutos da extratividade da lei penal, entenda-se o que tange ao fenômeno da ultratividade, pois, desde o início verifica-se que a Lei de Imprensa não foi revogada, mas, sim, declarada como não recepcionada pela Constituição Federal de 1988, e os efeitos da não recepção diferem drasticamente da revogação, pois é como se aquela lei extravagante não (ou nunca) existisse no ordenamento jurídico.

2. A POSIÇÃO DOMINANTE DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Concretamente, descortinando o horizonte atual sobre a (in) aplicabilidade da extinta lei de imprensa (Lei 5.250/67), verifica-se que o posicionamento predominante no Superior Tribunal de Justiça, é pela aplicação da abolitio criminis, notadamente pela sua Quinta Turma, consoante o teor de arestos recentemente julgados pela Alta Corte .

Importante ressaltar que foi publicado em 02.09.2011 o Acórdão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no qual se decidiu pela aplicação da abolitio criminis, em julgamento de o Agravo Regimental na APn° 547/DF, de relatoria do Ministro Castro Meira.

A respeito desta importante decisão da Corte Especial do STJ, cabe anotar o voto do ministro relator Castro Meira neste ponto específico: “O Pleno do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 130, de relatoria do Eminente Ministro Carlos Britto, declarou que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela nova ordem constitucional inaugurada com a Carta Política de 1988 (Dje de 06.11.2009). Por isso, como não existe mais no mundo jurídico a norma incriminadora que fundamenta a queixa-crime, é de rigor a sua rejeição liminar, face à ocorrência da abolitio criminis.”

Contudo, tal entendimento hoje predominante no STJ não é unânime, porquanto a Ministra Maria Thereza de Assis Moura entende não ser este o caminho mais acertado acerca de a aplicação da lei penal no tempo, eis que na decisão acima colacionada da Corte Especial, a magistrada fez questão de declarar em seu voto vista a não concordância em aplicação da tese da abolitio criminis, nestes termos: “ Sobre a discussão, com a devida vênia do Ilustre Relator, não faço a mesma ponderação no tocante à Lei de Imprensa. Isso porque, a hipótese não recomenda a aplicação da abolitio criminis, na medida em que os fatos podem, em tese, acomodar a aplicação do tipo incriminador previsto no Código Penal, o que permitiria, em princípio, a continuidade da persecução penal depois de realizados os acertos necessários.”

Inobstante este entendimento restar vencido na Corte Especial do STJ, cabe observar o posicionamento daquela julgadora que entende ser aplicável o Código Penal em caso de as condutas se amoldarem ao tipo, diante sobremaneira a importância nos meios jurídico e acadêmico da professora e doutora em direito penal, a Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura .

Por outro lado, projeta-se, também, a posição majoritária da Seção Criminal do STJ, elaborada a partir de fundamentação judicial da eminente Ministra Laurita Vaz, qual seja, de aplicação da abolitio criminis, em face do expurgo da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal, que tornou atípicos as condutas tipificadas na extinta legislação (Lei 5.250/67).

3. DA VISÃO DA DOUTRINA PENAL

Para Jorge Coutinho Pachoal e Marina Pinhão Coelho Araújo (doutora em Direito Penal pela USP), em artigo publicado pelo IBCCRIM em maio de 2010, não há maior dificuldade em aplicar o Código Penal a fatos praticados por meio de imprensa, posteriores ao julgamento do STF que extinguiu a lei de imprensa (Lei 5.250/67).

Contudo, estes mesmos criminalistas alertam acerca da aplicação do Código Penal a fatos ocorridos antes do julgamento da ADPF 130 –7, porquanto deve ser observado que a Lei de Imprensa era muita mais benéfica ao imputado, eis que prescrevem: “deve-se aplicar o Código Penal para os fatos criminosos aos quais, anteriormente, entendia-se aplicável a Lei de Imprensa, observando-se que, para os ocorridos após o julgamento de mérito da ADPF –130-7, pelo Supremo Tribunal Federal, incide o Código Penal, sem maiores questionamentos; já para as condutas antes do julgamento definitivo desta ação, aplica-se o Código Penal, fazendo-se a ressalva de que devem ser observados os limites (prazos de decadência e prescrição) e penas anteriormente previstos na sepultada Lei, muito mais favorável aos cidadãos.”

Para Luiz Flavio Gomes , o Supremo Tribunal Federal tem acertado em orientar no sentido de não mais se aplicar a Lei de Imprensa, porquanto aduz o jurista que: “Se ela não foi recepcionada pela nova ordem constitucional, não pode ser aplicada. Nem tudo que é vigente é válido. Se sua validade não foi reconhecida pelo Supremo, não há que falar em sua aplicabilidade a fatos que ocorreram após 1988.”

Portanto, verifica-se que a doutrina tem apresentado inequívoca preocupação quanto à aplicação das normas do Código Penal a fatos delituosos (crimes de imprensa) em que anteriormente incidia a Lei n.º 5.250/67, em tese, mais benéfica ao acusados.

4. DO FENOMENO DA ULTRATIVIDADE ANTE A EXTINÇÃO DA LEI

Para se contrapor a corrente majoritária do Superior Tribunal de Justiça, e de acordo com o pensamento da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, a decisão da extinção (em bloco) da Lei de Imprensa não implicou na atipicidade das condutas previstas naquela extinta legislação especial, vez que tais fatos encontram-se previstos no Código Penal. Entretanto, como já observado também por parte da doutrina , não se vê maiores problemas para que seja aplicado aos fatos que antes incidia a Lei de Imprensa (Lei 5.250/670).

A ultratividade da lei penal benéfica restou ressalvada pelo Ministro Relator Carlos Ayres Britto ao final de seu voto na ADPF-130 que revogou a Lei de Imprensa, conforme o Informativo n° 544, do Supremo Tribunal Federal.

Aplicar-se-ia, em tese, o princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais benéfica (artigo 5°, inciso XL, da Carta Magna):

“A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.”

Tal interpretação literal do preceito parece ser matéria de fácil compreensão no meio jurídico, mas, na verdade, não é matéria tão simples na prática como sugere o dispositivo constitucional.

De se ver que, no julgamento do mérito da ADPF-130 o então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, já demonstrara alguma preocupação acerca deste fenômeno jurídico, sendo acompanhado pelo Ministro Marco Aurélio, pois, enfatizara o ministro Gilmar: “este é um fenômeno que não excluo nesse cenário; ou venhamos a ter outra situação, um caso estranho de ultratividade dessa lei que não foi recebida.”

Destarte, cabe razão o Ministro Gilmar Mendes, pois, sem qualquer equivoco, trata-se de um caso estranho de ultratividade da Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), que foi declarada pelo pretório Excelso integralmente não recebida pela Constituição Federal de 1988.

A meu ver, observando manifestação neste sentido do Ministro Luiz Fux, o Supremo Tribunal Federal não modulou os efeitos quanto á extinção da Lei de Imprensa, sobremaneira sobre a aplicação dos institutos da prescrição e da decadência, visto que a Lei n°5.250, em seu artigo 41 estabelecia prazos mais benéficos aos infratores que aqueles contidos no atual art. 109, do Código Penal.

Observe-se que a Lei de Imprensa previa o prazo da prescrição retroativa e superveniente, bem como as causas interruptivas, e ainda o prazo decadencial das ações privadas e públicas condicionas (não é por acaso que a lei revogava todas as disposições em contrário).

5. DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECLARAÇAO DE ARGUIÇÃO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

Em julgado recente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Gilmar Mendes novamente se mostrou bastante preocupado sobre os efeitos da extinta Lei de Imprensa, sendo acompanhado pelos Ministros Celso Mello e Carlos Ayres Britto, vale a transcrição do debate travado no plenário daquela Corte:

“O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Presidente, só uma observação. Na verdade, duas observações. Quando do julgamento da ADPF, eu me lembro que nós já tínhamos manifestado a preocupação quanto a essa situação, que restou realmente estranha - eu cheguei, acho, até a me manifestar nesse sentido - em relação ao modelo da prescrição.

Como fizemos a opção pelo sistema de rejeição em bloco da lei, que foi considerada não recebida, acabamos também levando de roldão a cláusula prescricional, que nesse caso é mais favorável para os crimes de imprensa.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Claramente mais favorável, pois a Lei de Imprensa consagrava, em sede de prescrição "in abstracto", o modelo do biênio prescricional, qualquer que fosse o "quantum" penal cominado ao delito.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO - É mais favorável.”

Atente-se que o Ministro Ayres Brito, que se notabilizou ante a relatoria da ADPF 130 que revogou integralmente e em bloco a Lei de Imprensa, admitiu naquele debate claramente que a lei revogada (Lei 5.250/670), consagrava, em sede de prescrição em abstrato, o modelo bienal mais favorável que aquele contido no Código Penal.

Em que pese o debate não haver exaurido o tema sobre a aplicação ou não da prescrição da extinta Lei de Imprensa, o Ministro Luiz Fux manifestou preocupação acerca da aplicação dos prazos prescricionais que favorecem os imputados.

Imperioso transcrever trechos do debate em exame:

“O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - “[...]” “Senhor Presidente, desde o inicio da análise desse caso, me chamou a atenção o fato especifico da não recepção da Lei de Imprensa sem que tenha havido uma especificação das questões que significam um beneficio para o réu.”

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITO - “Não houve modulação dos efeitos na decisão.”

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - “[...] “Não houve. Pois bem, então, anotei, no momento em que analisava o voto, que o princípio maior regente do Direito Penal é exatamente aquele que visa o melhor beneficio em relação ao réu, quer quando estão em confronto duas normas jurídicas, duas leis, quer quando estão em confronto duas sentenças, que também são ordens normativas sobre o mesmo fato.

No meu modo de ver, aplicando a regra do tempus regit actum neste caso específico, à época em que o imputado praticou o fato, se se aplicasse a ele aquele regime jurídico, haveria a prescrição da pretensão punitiva do Estado. Diante dessa lógica, de acordo com a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal à Lei de Imprensa, com o entendimento de que ela não foi recepcionada pela Constituição – esse entendimento, porque isso também é uma ordem normativa exarada pelo Judiciário -, há um confronto entre a situação de fato existente no momento da prática do ilícito: havia uma ordem normativa em vigor, e, posteriormente, houve um pronunciamento da Suprema Corte com relação à não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição de 1988.

Entretanto, essa questão foi benéfica porque, na realidade, a Lei de Imprensa não foi recepcionada tendo como ratio essendi que ela era mais rigorosa e, evidentemente, com um debate tão amplo quanto esse, não se atentou para o fato de que, no que concerne à prescrição, a Lei de Imprensa é mais favorável.

Eu realmente verifico que há dois precedentes que enfrentam essa questão, mas entendo que esse entendimento não está, digamos assim, devidamente solidificado em virtude desses debates agora travados no Plenário. Então, como não participei do julgamento dessa Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, eu entendo que hoje a jurisprudência goza da mesma presunção de legitimidade de que gozam as leis. Qualquer profissional do Direito, hoje, quando vai iniciar qualquer trabalho, em um primeiro momento, ingressa na rede mundial de computadores para verificar com anda a jurisprudência dos tribunais superiores, porque ele sabe que os recursos são inadmissíveis se atentarem contra a jurisprudência dos tribunais superiores. Então, a jurisprudência tem a presunção de legitimidade de que tem as leis. Se assim o é, deve-se aplicar à jurisprudência os mesmos princípios que regem as leis no campo penal.

Se a lei não pode retroagir para prejudicar o réu, essa manifestação do Supremo Tribunal Federal, que no caso é maléfica ao indiciado e que o beneficiaria se não houvesse essa declaração do preceito fundamental, induz efetivamente a engendrar esse raciocínio e a sugerir como proposta de voto, que, na parte benéfica em que a Lei de Imprensa não foi enfrentada como não recepcionada pela Constituição de 1988, sejam aplicados aqueles prazos prescricionais que favorecem o réu. Seria a hipótese claríssima, no meu modo de ver, de uma não aplicação maléfica contra o réu de uma decisão que goza da mesma presunção de legitimidade do que as leis.”

Ao que parece, na visão do eminente Ministro Luiz Fux cabe ao pretório Excelso pacificar o entendimento jurisprudencial acerca da aplicação (mais benéfica) da extinta Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), notadamente quanto aos prazos prescricionais que favorecem os acusados em geral.

É notável que o decano do pretório Excelso, Min. Celso de Mello já tenha se manifestado no sentido de salvaguardar o principio da lei penal mais benéfica (art. 5º, LX, da CF), por ocasião do julgamento de ações reclamatórias ajuizadas no STF imediatamente após o julgamento da ADPF 130. Contudo, apesar das ressalvas expressas do atual decano, o importante tema ainda não foi pacificado pela Alta Corte.

Por fim, deverá caber a Ministra Rosa Weber pacificar a discussão acerca da (in) aplicação (automática) do Código Penal ante a extinção da legislação especial (Lei n.º 5.250/67), em sede de Reclamação envolvendo um processo penal em que foram condenados dois jornalistas e um advogado no decorrer do julgamento da ADPF130 pelo Supremo Tribunal Federal.

Em resumo: a modulação dos efeitos da ADPF-130 que revogou a Lei de Imprensa não foi proferido de forma adequada e clara pelo Supremo Tribunal Federal, eis que se pode concordar plenamente com a manifestação ponderada e atenta do Ministro Luiz Fux que aduz que: “Se a lei não pode retroagir para prejudicar o réu, essa manifestação do Supremo Tribunal Federal, que no caso é maléfica ao indiciado e que o beneficiaria se não houvesse essa declaração do preceito fundamental, induz efetivamente a engendrar esse raciocínio e a sugerir como proposta de voto, que, na parte benéfica em que a Lei de Imprensa não foi enfrentada como não recepcionada pela Constituição de 1988, sejam aplicados aqueles prazos prescricionais que favorecem o réu. Seria a hipótese claríssima, no meu modo de ver, de uma não aplicação maléfica contra o réu de uma decisão que goza da mesma presunção de legitimidade do que as leis.”.

*Vanessa Silotti é bacharel em Direito pela FAMEC –

Data de elaboração: novembro/2012

 

Como citar o texto:

SILOTTI, Vanessa..Lei de Imprensa: a aplicação da parte benéfica em que a revogada Lei n.º 5.250/67 não foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1033. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/2669/lei-imprensa-aplicacao-parte-benefica-revogada-lei-n-5-25067-nao-foi-enfrentada-pelo-supremo-tribunal-federal. Acesso em 5 dez. 2012.

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