“A moral da criação e a moral da domesticação se equivalem absolutamente pelos meios de que se servem para atingir seus fins: podemos estabelecer como primeira regra que para fazer moral é necessário absolutamente ter vontade do contrário.” (Nietzsche).

Uma incursão histórica do Humanismo ao Positivismo Criminológico na discussão dos Direitos Fundamentais sob o prisma do delito

Césare Bonnesana, ou melhor conhecido para os mais íntimos como Marquês de Beccaria, inaugurou o marco da Escola Clássica Criminológica com sua obra Dos Delitos e das Penas, numa era em que “castigo” era sinônimo de “espetáculo”. O interstício temporal de 1764 até o atual ano de 2014 é imenso, mas os reflexos de sua tentativa de afastar a pena vinculada aos castigos corpóreos e limitar o ius puniendi do Estado reflexionam até hoje. Von Liszt, ao inaugurar sua obra Programa de Marburgo, percebeu que Direito Penal, Criminologia e Política Criminal possuem os mesmos objetos, mas objetivos e enfoques totalmente diferentes e complementares entre si. Limita-se esse breve espaço a fazer dois tipos de análise da presença da Criminologia na Constituição de 1988: a) Em primeiro plano, as implicações teóricas dos princípios humanistas desembocados no art. 5º e incisos; b) Em segundo plano ver a distância das práticas penais e da política criminal distantes da ótica Iluminista e aproximarem-se de um incisivo positivismo lombrosiano e afins. Pois afinal, o que pode ter instigado a recorrer a leitura deste artigo é o seguinte questionamento: existe, desde a priori, uma Política Criminal dentro de nossa Carta Constitucional? Não ousarei de esboçar uma resposta de pronto para uma questão que, em diversas discussões na busca de argumentos para a escrita deste trabalho, provocou divergências tão contundentes. De forma metodológica, para compreender melhor como se dá o tratamento criminológico pelos Direitos Transindividuais na Constituição, necessitamos abordarmos a história, entendermos o processo de construção dos conceitos da Criminologia e de nosso próprio ordenamento constitucional.

Ipsis litteris o art. 5º, inciso III, diz: “Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.” Abro o estudo dizendo que nossa Constituição consagrou nesse inciso o que mais os humanistas buscavam na época de Beccaria: afastar a severidade das penas e provar que não há relação entre sua eficácia e meios cruéis. Advertia o jovem Marquês que “[...] toda pena que não advier da absoluta necessidade, diz o grande Montesquieu, é tirânica”. (BECCARIA, 2012). A Escola Clássica da Criminologia não era ainda um foco de estudos etiológicos (como posteriormente será o Positivismo). A ideia era de que a pena deveria ser aplicada na mesma medida que sua culpabilidade, portanto a finalidade da pena era a prevenção da violação do contrato social.

Perceba-se que até antes de Beccaria[1] a pena não tinha um fim específico. As concepções de Kant e Hegel como formas justificadoras da pena fundavam-se em auxiliares éticos ou de restaurações morais. Eis que o conceito adequava-se com a retribuição, não melhor chamado, por isso, de Teorias Retributivas. Em Kant a pena reestruturava-se na base de seus imperativos categóricos em uma pena que se fundamentava por si só. Hegel, apesar de sua dialética distanciar-se da perspectiva ética kantiana, encontrando uma defesa mais acentuada na restauração da fundamentação da norma, em que a síntese qualificava-se na aplicação de uma pena com quantum equivalente de negação do Direito, aproximava-se um pouco indiretamente do caráter ético; como Tese, Hegel previa que as pessoas obedeceriam o Direito por ser lei, o que fazia da pena ser uma medida contrafática perante a ação delituosa. Assim, “apenas no século XIX é que os grandes sistemas penais afastaram-se da filosofia do Direito e centrarem-se na discussão dogmática de problemas concretos”.  (BUSATO, 2013, p.745).

Desembocando-se na Escola Clássica, percebe-se que ela “foi construída com fundamentos de uma responsabilidade penal baseada no livre-arbítrio e na culpabilidade individual” (BUSATO, 2013, p.747). Determinar o nascimento dos Princípios da Legalidade e da Culpabilidade foram fundantes para desvincular a pena como expurgo do pecado, tal como era a doutrina da época inquisitorial. Novamente ipsis litteris  os incisos II e LVII do artigo 5º: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei” e “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Duas análises percorreremos daqui.

Em primeiro lugar, o fato típico deve estritamente conter a descrição do verbo núcleo do tipo em lei, fato que a obscuridade já é característica para se afastar uma incidência penal. Então além da Legalidade, é a Taxatividade que necessariamente deve estar presente. O que deve se entender por ação não é o que os homens fazem, se não o significado daquilo que fazem, já que “[...] Vives Antón estabelece que o ponto de partida da estruturação do sistema é a relação entre a norma e a ação a que se resume”. (BUSATO, 2012). Beccaria já discorreu há tempos em sua obra: "O mal será ainda maior se as leis forem escritas em uma linguagem desconhecida pelo povo”. (BECCARIA, 2012)”. [2]

A segunda análise é perante a culpabilidade, assumida na época de Beccaria como fruto do livre arbítrio e decorrente da perspectiva causal-naturalista. Muito se evoluiu até o conceito de Culpabilidade moderno, e notadamente não é esse conceito naturalista que o Direito Penal e a Constituição de 1988 adotam. Por outro lado, o gérmen para afastar uma pena desmedida e arbitrária estava lá, desde o século XVIII e XIX. Von Liszt adotava a bipartição modular do injusto em objetivo e subjetivo, compreendendo a culpabilidade como elemento do sujeito, sendo elemento de união entre conduta e autor (BUSATO, 2013). A primeira construção teórica de culpabilidade foi ela como princípio. O Marquês no capítulo de sua obra nominado de “Da Tortura” dizia que “[...] ninguém pode ser condenado criminoso até que seja provada sua culpa, nem a sociedade pode retirar-lhe a proteção pública”. (BECCARIA, 2012). Já dentro da Culpabilidade de Beccaria extraímos a própria proporcionalidade e a presunção de inocência. O art. 5º, inciso LVII, é o reflexo desse humanista em nossa Constituição: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”.

Parece que fica claro, diante do discurso apresentado anteriormente a clara influência dos postulados da Escola Clássica nos Direitos e Garantias Fundamentais. Descontruindo todo esse raciocínio, surge a Escola Positiva ou Positivismo Criminológico, famoso pelo seu expoente Césare Lombroso, foco do nosso estudo por aqui. O efervescer das ciências como Antropologia, Biologia e a Frenologia fez nascer uma Criminologia Científica, voltada não mais para o delito e sim para o delinquente. Lombroso expõe em sua obra O homem delinquente que o criminoso passou por um processo chamado Regressão Atávica, portanto era evolutivamente inferior ao homem comum. Temos o desembocar do delinquente nato. Compreendia até um núcleo específico de características físicas. Lombroso afirmava ser o crime um ente biológico e não um ente jurídico como os Clássicos afirmavam, razão pela qual “[...] o delinquente era submetido ao método indutivo e a etiologia criminal poderia ser encontrada nas características físicas dos mesmos”.  (SHECAIRA, 2008).

Quando escrevi no título “discussão dos Direitos Fundamentais sob o prisma do delito”, quis ressaltar duas construções teóricas que se encontram até hoje conviventes juntas, a dizer: uma desembocadura principiológica normativa construída em parâmetros humanitários e uma prática ainda reverberada por atitudes do Positivismo citadas. Resume-se em: utilização da medida de segurança, conceito de personalidade concebido pelo Poder Judiciário e a forma de como o exame criminológico é realizado. Essa introdução histórica foi necessária para eu mostrar em que bases criminológicas fundamenta-se nossa Constituição, bases claramente garantidoras dos pressupostos humanistas, e como ela se encontra positivada no próprio texto constitucional. Descrevendo a Escola Positiva, fica claro para qualquer leitor em como a realidade da sociedade brasileira, eis que a análise do trabalho tem objeto delimitado e específico, está distante da teoria. Portanto isso é Política Criminal? Os Direitos Fundamentais não são normas de Política Criminal, mas para a construção presente neste artigo, estão intrinsecamente relacionados com as bases que a Constituição moldará para um Estado garantidor de seu próprio fundamento na dignidade da pessoa humana, bases que mais a frente comentarei.

A construção do Estado de Direito ao Estado Constitucional de Direito

Se quero construir Política Criminal, então preciso construir um Estado que garanta a efetividade dessas políticas públicas. Se a acepção penal e criminológica da história fora explicada no título anterior, é necessário falar agora em como o Estado sob sua forma constitucional se construiu para finalmente chegarmos até a Constituição de 1988 e seu constituinte originário. Zagrebelsky define Estado de Direito como “Estado bajo em régimen de derecho”. Parto dessa premissa para que entendamos o Estado de Direito representado historicamente através das Constituições Liberais e que se definia como um “Estado da Razão”.

Ao construir-se toda uma doutrina política para um Estado, estamos, na verdade, determinando razões para a atuação de determinado segmento e os limites dessa atuação, contrariando a premissa lex facit regem para rex facit legem. Direito como ordenamento jurídico num acento de que o Soberano legítimo atuava predeterminado pelas leis. Especificamente, a forma de Estado tratada dessa forma era o Estado Liberal de Direito, que “tenía una conotação sustantiva, relativa a las funciones y fines del Estado”. (ZAGREBELSKY, 2011, p.23). Essa conotação que Zagrebelsky coloca é sobre a atuação do Parlamento, um discurso trazido da conformação do rule of law, pois haveria uma supremacia da lei frente à Administração e que apenas a lei poderia trazer os poderes autônomos do Soberano e sua atuação incidente sobre os cidadãos. Essa foi a forma encontrada de confrontar o princípio do rule of law inglês com o princípio da legalidade presente na Europa continental. Ora, veja-se por Sieyès, numa França revolucionária em que a soberania da lei apoiava-se na doutrina da soberania nacional (“O que é o Terceiro Estado?). Assim, utilizo-me para concluir sobre o Estado de Direito o que Zagrebelsky conclui em sua obra El Derecho dúctil como suas características:

“[...] la idea del Rechtsstaat, en cambio, se reconduce a um soberano que decide unilateralmente. [...] El Rechtsstaat, por cuanto concebido desde um punto de vista jusnaturalista, tiene en mente un derecho universal y atemporal. [...] Según el Rechtsstaat, por el contrario, el derecho tiene la forma de un sistema en el que a partir de premissas se extraem consecuencias, ex principiis derivationes.  [...] La concepción del derecho que subyace al Rechtsstaat tiene su punto de partida em el ideal de justicia abstracta. [...]” (ZAGREBELSKY, 2011, p.26).

O período dos conflitos bélicos da II Guerra Mundial e a insurgência dos regimes totalitários acenderam o debate da possibilidade de definir tais regimes como Estados de Direito. O Totalitarismo culminava não como uma ruptura do movimento doutrinário concebido pelo Estado de Direito, e sim como uma elevação máxima do princípio da legalidade, como uma vontade exclusiva da lei positiva e que atuava com eficácia para a imposição do direito nas relações sociais. O mote do respeito à lei poderia ser organizado para aplicar-se em qualquer situação, mesmo em nome de arbitrariedades do poder estatal, pois era lei. Isso é o que Zagrebelsky afirma em sua obra como “[...] la primera y más rigurosa concepción del principio de legalidade, el poder ejecutivo que dependía íntegralmente de la ley [...].” (ZAGREBELSKY, 2011, p.27).

Assim, ao dizer que a lei possuía a superioridade mais alta, não havia nenhuma regra jurídica que servisse para limitar essa tal “supremacia das leis”. Colocando a lei exclusivamente no mundo jurídico, a lei poderia tudo por estar materialmente vinculada ao contexto político da época, e ao retratarmos de um liberalismo, estamos tratando dos ideais de liberdade burgueses. E era nos ideais políticos que a lei se via limitada, já que era fruto da atividade de um Parlamento previamente eleito e legitimado, sem a menor necessidade que houvesse uma medida jurídica que colocasse uma barreira para a supremacia da lei. “Una sociedad política monista, o monoclasse, como era la sociedad liberal del siglo pasado, incorporaba en sí las reglas de su próprio orden.”. (ZAGREBELSKY, 2011, p.31).

A concepção do Estado de Direito ao ser criticada e repensada levava à própria reconstrução do positivismo jurídico, especificamente um positivismo ideológico. Kelsen operava em sua Teoria Pura do Direito sobre dois planos, o da ciência do Direito e do Direito como atuação prática. O que deveria ser observado era a aplicação do direito simplesmente por ser direito, indiferente do seu conteúdo. Os juízes deveriam aplicar um único princípio moral: o do direito vigente. (STRECK, 2014, p.38).[3] Por isso adverte Zagrebelsky que o Estado Constitucional de Direito é muito mais que a presença de uma Constituição, pois “está en contradición con esta inercia mental.” (ZAGREBELSKY, 2011, p.33).

Então com o advento do Estado Constitucional de Direito surge a novidade de que a lei, pela primeira vez na história da época moderna, vem submetida a uma relação de adequação (leia-se subordinação) frente à Constituição. Diante de um pluralismo de forças políticas e sociais conduz a heterogeneidade de valores e interesses que virão a ser expressados numa carta de compromisso. Não diferente, nosso processo constitucional de 1988 traduz essa realidade pluriaxiológica. Segue Zagrebelsky posicionando-se de que a Constituição propõe um direito mais alto e dotado de força obrigatória para o legislador e os atores políticos, acrescento eu. Dessa forma, temos o estabelecimento de uma nova noção de Direito mais profunda do que aquela proposta pelo positivismo legislativo e exegético (uma forma totalmente reducionista).

Com isso, creio que fica claro que as diretivas do Estado Constitucional de Direito visam dar um giro ontológico em o que se define por atuação estatal e quais seus limites. Mais do que isso, quando Zagrebelsky afirma ser uma união dos valores plurais da sociedade, é cabível entendermos como um compromisso de interesses. E dentro desse compromisso de interesses, não está ausente o que se espera da sociedade como forma de Política Criminal. E como tudo dentro do sistema constitucional, possui diretivas, limites e garantias pela própria Constituição. Chega agora o momento de começarmos a falar especificamente do tema proposto como cerne do trabalho deste artigo.

Direitos Difusos e Coletivos como bases para construção de uma Política Criminal na Constituição de 1988

Serviu-me de base a construção teórica do desenvolvimento do Estado de Direito e do Estado Constitucional de Direito, bem como a evolução da Criminologia,  para chegarmos a um dos objetivos que coloquei da Constituição perante a sociedade e seus políticos (mas não único): de uma carta de “compromissos”.

Retornando aos conceitos de Franz Von Liszt, política criminal dá fundamento jurídico e orienta os fins estatais do poder punitivo do Estado, sendo uma forma de manipular melhor e de uma maneira mais eficaz os possíveis remédios que o Estado tem a possibilidade de escolher na prevenção criminal e na sua repressão. Saliento: prevenção e repressão são faces de uma mesma moeda, mas que não devem conceitualmente misturar-se em sua aplicação. E as limitações, de forma como já apresentei e ainda tenho outros argumentos a dissertar, encontram-se balizadas pela Constituição: seja no art. 5º como princípios limitadores e fundamentadores da pena e da repressão do Estado ou através de uma diretriz de políticas públicas num cenário do facere estatal para a garantia dos Direitos Difusos e Coletivos como forma de prevenção criminal.

Diz Nilo Batista em sua obra Introdução crítica ao direito penal brasileiro que se entende melhor a política criminal como o conjunto de princípios e recomendações que orientam as ações da justiça criminal em dois momentos: na elaboração legislativa e na aplicação e execução da disposição normativa. Assim, seria possível compreendermos o conceito de Direitos Difusos e Coletivos como também (além das muitas outras garantias) bases legislativas para a Política Criminal brasileira? Os titulares desses direitos são indetermináveis, mesmo que estimados numericamente, e possuem uma relação impossível de individualizar os prejuízos. Superadas as definições clássicas do crime como ente jurídico de Carrara, não há como não enxergar os prejuízos oriundos da relação delituosa como apenas direcionados a uma única vítima, como com uma possível parcela de culpa e efeitos dentro da própria sociedade.[4] Ademais, adverte em artigo sobre o tema o Profº da Universidade Federal de Viçosa, Fernando Galvão, que “os doutrinadores há muito discutem sobre ser a política criminal uma técnica ou uma ciência.” (Galvão, 1997). A proposição tratada nesse trabalho não visa conceber a política criminal como acientífica, pois faltaria pressupostos legitimantes para a própria atuação do Estado nesse sentido. E o que legitima essa atuação do Estado se faz presente inteiramente dentro da Constituição de 1988 no caso brasileiro.

A proposição do conjunto dos Direitos Difusos e Coletivos indica um conjunto de elementos que o constituinte originário valorizou para a construção da sociedade brasileira mais justa, livre, solidária e pautada na dignidade da pessoa humana, que desde logo legitimam um caminhar distante de uma sociedade avançada pelo medo, desconfiança e criminalidade. O Capítulo III da Educação, Cultura e Desporto pode ser citado como uma das formas propostas pelo legislador constituinte, porém não únicas, visto que o Meio Ambiente, a Saúde, Lazer, Ordem Econômica e Social são as demais bases diretivas dessas políticas. Exemplifico pelo enunciado do art. 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

O que quero concluir é que a Constituição é ilustrada por inúmeras políticas públicas e de cooperação social para afastar a incidência criminal através da prevenção primária e do controle social informal, e compartilho do auxílio da hermenêutica para os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário no entendimento e sentido de aplicação de cada enunciado normativo presente na Constituição nesse caminho. “As instâncias sociais do controle social informal operam educando, socializando o indivíduo, por fazer assimilar nos destinatários valores e normas de uma dada sociedade sem recorrer à coerção estatal”. (SHECAIRA, 2008). Dentro das Atas dos Atos da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88, discursos justificantes da escolha coadunam com a posição aqui adotada:

“Cabe a um processo pedagógico interétnico, via legislação ordinária, onde o etnocentrismo seja eficazmente combatido, potencializar  todos  os  segmentos raciais em seus múltiplos aspectos. Até porque, entre nós, todos somos negros de alguma forma. O Brasil formal necessita se reencontrar com o Brasil real. O cotidiano é onde a vida flui. E este é, inequivocamente, um modus vivendi híbrido, atípico. Vale dizer, brasileiro. Onde Europa e África se equivalem e onde, mais recentemente, grupos étnicos minoritários vieram enriquecer a nacionalidade. Esta mescla de coisas que somos é marcadamente negra. Com o reconhecimento constitucional se permitirá o fortalecimento do negro e do não-negro. É que no Brasil a discriminação ao negro humilha este por um lado e ironiza ao branco por outro; tendo em vista o que este último tem de negro e não sabe.” ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE (ATAS DE COMISSÕES).

A política criminal deve ser instrumento para realização do bem comum e não pode permitir que o legislador se aventure em experienciar elementos arbitrários e sem diretrizes ou justificativas. Esclarece Roxin que a “[...] política criminal deve definir o âmbito da incriminação bem como os postulados da dogmática jurídico penal [...]”. (ROXIN, 1992). Os detentores das ferramentas de atuação política escolhem, baseados portanto na Constituição, quando e em que devem colocar a ótica da prioridade, seja em diretrizes públicas para educação, para saúde, cultura ou outro elemento social, tais instâncias configuradas como elementos da prevenção primária mencionadas por Shecaira. Prevenir também é elemento de política criminal e quem detém um papel fundante na expressão da construção de uma sociedade de valores mais coesos é o Estado. Volto a embasar-me até mesmo em Zagrebelsky pelo princípio da constitucionalidade, que diz ser “[...] el principio que debe assegurar la consecución de este objetivo de unidad.” (ZAGREBELSKY, 2011)[5].

Direito Penal Simbólico, política criminal repressiva e supremacia do dogmatismo: a Constituição de 1988 como folha lassaliana

Consegui abordar até esse ponto dois dos três marcos teóricos propostos no título: o da construção dos Direitos e Garantias fundamentais com Beccaria e os Humanistas e o que se entende por Política Criminal e como ela pode ser formulada a partir dos pilares normativos da Constituição de 1988. Falta agora a análise da prática lombrosiana. Eu deixo o meio normativo-jurídico e até mesmo o filosófico para mudar o objeto de estudo agora para uma pauta sociológica e de fatos, pois apenas com uma empreitada empírica é que se pode analisar a realidade na abordagem aqui proposta.

A política criminal adotada por uma sociedade, nos dizeres de Hassemer, não resulta apenas da observação sobre causas da criminalidade ou violência, mas também dos múltiplos fatores que influenciam a percepção social do delito. Se é política, é fruto de poder, portanto capitaneada por grupos majoritariamente dominantes na política ou na expressão social. E com grupos pode-se entender a presença de ideologias.

Ao Estado que caberia pacificar o convívio, faz o contrário: institucionaliza uma política lombrosiana de medidas de segurança indeterminadas e uma definição de personalidade criminosa cheia de preconceitos e certezas mais que incertas, haja vista que o melhor ramo para dissertar sobre assunto não é o do jurista, e sim a psicologia. A sociedade também continua com essa perspectiva através dos constantes linchamentos e do movimento criminológico que chamamos de cárcere e consumo. “O mundo de hoje conta com outras dicotomias de inclusão-exclusão, muito mais vinculadas à questão do consumo”. (BUSATO, 2013).

Modernamente, o paradigma da política criminal é acerca da intervenção mínima e de um Direito Penal de ultima ratio. Outrora, assim seria se a prática caminhasse em consonância dos fundamentos esboçados em linhas anteriores desse artigo. Distante do Funcionalismo de Malinowski ou Talcott Parsons, aproximamos nossa prática penal da elaboração que Merton dá para o conceito de anomia.[6] “O insucesso em atingir as metas culturais devido a insuficiência dos meios institucionalizados pode produzir o que Merton denomina de anomia: manifestação de um comportamento no qual as ‘regras’ do jogo social são abandonadas.” (SABADELL, 2008). E por que analisar questões de cunho sociológico para a criminalidade se faz necessária numa abordagem constitucional da Política Criminal? A resposta vem pelos efeitos propagados numa sociedade dominada pela anomia. Não me posiciono totalmente a favor da construção teórica de Merton e como sendo o único autor para poder se basear, mas de sua premissa pode-se concluir, dentre os vários comportamentos previstos pela sua Teoria da Anomia, o da evasão, “que se caracteriza pelo abandono das metas e dos meios institucionalizados”. (SABADELL, 2008).

O que Merton põe em cheque é a concepção psicológica de Freud sobre o indivíduo e a origem do delito em seu comportamento egoísta e individual, e procura demonstrar que sua origem é social e cultural. (BUSATO, 2013, p. 780). O Direito Penal Simbólico explica-se nesse diapasão, pois é uma insurgência de uma realidade social cansada da atuação delituosa, mas que esquece de raciocinar frente ao campo científico da Criminologia e das bases do Estado Constitucional de Direito para aumentar os mecanismos de punição incisiva, num sentimento de prazer egoístico tão parecido quanto o do tempo da Autotutela.

Nesse cenário é que se coleciona histórias e formas de uma política criminal repressora, distante dos pressupostos daquela prevenção primária idealística presente na Constituição. A questão, em verdade, vai bem mais além do que uma institucionalização da repressão para um conflito entre anomia e poder. O grupo que não respeita as normas jurídicas vivencia muitas vezes um conflito entre convicções e prescrições do sistema jurídico oficial, e nesse caso em específico, do sistema penal. É nesse sentido que Ana Lúcia Sabadell confirma minha posição de uma política criminal constitucional como folha lassaliana:

“Nesse contexto, a anomia também pode se relacionar com a ausência do Estado que, ao não cuidar da efetivação dos direitos sociais, abandona parcelas da população à sua sorte. Isso propicia o aparecimento de grupos de poder, em geral relacionados com práticas delitivas, que ocupam o espaço deixado pelo Estado. Um exemplo é o tráfico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro. Os traficantes resolvem os conflitos entre moradores e assistem famílias desamparadas pelo Estado. Por isso, os laços de solidariedade que se desenvolvem entre jovens traficantes de drogas são muito mais fortes e aquilo que é percebido como comportamento anômico a partir da perspectiva da legalidade estatal não o é no âmbito da estrutura social na qual estão inseridos esses jovens.” (SABADELL, 2008).

Cito como exemplo ainda mais concreto dessa distância o modo como foram implementadas as UPP’s no Rio de Janeiro. Em teoria, a proposta da UPP visa integrar comunidade e Estado nos moldes da prevenção primária, criando vínculos sociais maiores que o vínculo entre sociedade e atores dos delitos. É uma forma de reconquistar uma confiança social já abalada e fragmentada pelo descaso e esquecimento de décadas e de opressões violentas contra grupos específicos e marginalizados, posturas certamente definidas pelas teorias do labbeling approach ou das Teorias do Conflito. Em real, a tomada dos morros foi nada mais que uma incursão bélica num molde não muito distante das criticadas intervenções militares estadunidenses, uma forma de colocar a bandeira nacional no topo do morro e mostrar, através da força, quem detém o maior domínio de poder, expulsando aquele considerado “marginalizado”.

Políticas como essas são frutos do movimento neoconservador da década de 70, com Nixon nos EUA e Tatcher na Inglaterra; e posteriormente na década de 80 nos EUA com Ronald Reagan. Criminalizar até o banal não parece ser o melhor caminho, e dados mostram a ineficácia desse modelo equiparador de consumidor a traficante.[7] No caso específico brasileiro, em se falando das drogas, critica-se o art. 33 da Lei 11.343/06 definindo-o como expressão de um direito penal do inimigo, a seguir a teoria de Jakobs. É dessa necessidade que surge a polícia comunitária, que ouve as necessidades da comunidade local, resolvendo seus problemas sociais, não ficando adstrita ao objeto-crime, o que lhe retira o caráter exclusivamente repressivo. (Barroso, 2009).

Ainda na temática lassaliana de uma política criminal constitucional, cabe aqui eu concluir o título com três concepções: antecedentes criminais, personalidade e conduta social. Superada a doutrina das teses etiológicas do crime em uma culpabilização única do delinquente e este como fruto de uma irreversibilidade determinística e biológica, a Justiça Penal ainda limita-se a utilizar esses vagos conceitos da forma arcaica como surgiu em meados de séculos passados.

Os antecedentes ao possuírem as características do subjetivismo, negatividade e perpetuidade contribuem para o estigma de uma característica marginal na sociedade, desvinculando-se do que a Constituição objetiva como uma sociedade “livre e digna”, em que até enunciei pelos transcritos dos Atos da Assembleia Constituinte. A personalidade, critério do art. 59 do Código Penal, exige do magistrado uma qualificação em que ele não se mostra possuidor. O conceito de personalidade carece de boas definições até mesmo nas ciências que o estudam mais detidamente, como a Antropologia ou a Psicologia. Lombroso que pontuou diversas características para seu delinquente nato não se diferencia do juiz que hoje determina ao seu arbítrio características psicossociais que lhe induzem a um tipo criminógeno. A conduta social, ainda no art. 59, incidem nos mesmos questionamentos e críticas que a personalidade, por isso resguardo-me de maiores redundâncias.

Se o Estado é legítimo para se apropriar de conceitos tão personalíssimos, então temos uma inversão do que propõe o Estado Constitucional de Direito para um retorno ao modo de intervenção arbitrária pautada na mera legalidade pelo Estado de Direito do século XIX. As formas de sustentar um “direito penal do sentimento” e de um afastamento de grupos sociais não estão distantes de nossa realidade e presentes apenas em discursos de uma história recente totalitária, visto o acontecido e noticiado nacionalmente em 2007 no Paraná, cidade de Apucarana:

No dia 23 de Março de 2007, a Gazeta do Povo publicou em seu sítio a notícia de que a Prefeitura de Apucarana (PR) expulsou, em um ano, quase 60 pessoas por serem mendigas. Quem capturava os mendigos eram os policiais e assistentes sociais. Todos foram fichados, mesmo os que não tinham antecedentes criminais. [...] Sobre o caso há ainda outra reportagem publicada, na data de 27 de Setembro de 2006, no mesmo sítio, onde padre Adelir fez a denúncia desses abusos. [...] Um dos mendigos alega que ficou nu e que foi agredido. Os agressores revestiram o material da agressão com borracha, para não aparecer hematomas. [...] O padre afirma que tratam essas pessoas assim porque sujam a cidade.

Conclusão: possíveis diretivas de uma política criminal eficaz com base na Constituição de 1988

O cárcere ainda retrata um estigma para o preso. A despeito de possuirmos uma Carta Constitucional avançadíssima em termos de tutela dos direitos fundamentais, o tratamento do réu no processo, bem como do homem como “delinquente” mostra que o crime em nossa sociedade ainda é fruto de uma rotulação, uma mostra do que os criminólogos chamam de Labbeling Approach. É comum ter-se noticia por todo país sobre presos em condições sub-humanas, tal como ocorre na crise penitenciária em Pedrinhas e outras localidades do Nordeste do país. O direito ao trabalho externo e a frequência em aulas, que é garantia da atual Lei de Execuções Penais e mostra-se uma ferramenta extremamente condizente com o pensamento humanista de Beccaria, é denegado ao preso, por muitas vezes, pela inércia estatal em efetivar a construção das políticas públicas necessárias para transformar a realidade normativa de nossa própria Constituição e outras leis infraconstitucionais em uma realidade fática. O retrato é de um in dubio pro societati em Direito Penal do autor, e não do fato.

“A política criminal é, enquanto disciplina que oferece aos poderes públicos as opções científicas concretas mais adequadas para controle do crime, a ponte eficaz entre Direito Penal e a Criminologia.” (SHECAIRA, 2008). Que os legisladores olhem a atuação política sob dois aspectos: uma fonte subjacente da sociedade e seus conflitos (Criminologia) e por outro lado da construção dogmático-jurídica e das penas (Direito Penal), e sem esquecer que a ponte eficaz chamada política criminal encontra-se com suas diretrizes positivadas nos artigos de nossa profícua Constituição.

Assevero que perante as escolas criminológicas, se considerarmos seu estudo histórico, há de percebermos que já existem inúmeras contribuições teóricas para uma política criminal longe do arbitrarismo e do punitivismo de prima ratio. Sendo que essa seara plasma-se em concretas políticas públicas ou mesmo enunciados de cogente diretriz para o legislador pós-constituinte ou mesmo os operadores do direito no que concerne à escolha da melhor política criminal para o combate de determinados delitos na sociedade. A saber: o crime não pode ser tratado de forma equânime e como algo único para todas as classes, pessoas ou fatos típicos. E por isso finalizo a exposição com algumas conclusões de como a política criminal poderia ser eficaz nas bases constitucionais e quais argumentos teóricos da Criminologia como ciência posso me embasar.

A Escola de Chicago concentra seus esforços em realçar a prioridade do controle social informal, “[...] dando-se menor importância ao controle social formal, que tem uma posição acessória em relação ao controle primário. Além das contribuições na esfera de política criminal, especialmente no que concerne à criminalidade das massas.” (SHECAIRA, 2008). Ora, não ficou mais claro por esse trabalho em como a Constituição está permeada de políticas públicas referentes ao controle primário dentro de seus direitos difusos e coletivos. Uma sociedade com desenvolvimento em educação, saúde, lazer, desporto e valorização das manifestações culturais contribui para nossos objetivos da República de uma sociedade mais justa, livre, solidária e pautada na dignidade da pessoa humana.

O impacto que a teoria da Associação Diferencial causou foi na definição mais científica dos crimes cometidos pelas classes de maior poder econômico, tornando-se famosa pelo cunho da expressão “crimes de colarinho branco”. Sutherland[8] tece um mosaico específico das características desse crime e no plano penal “[...] a teoria da associação diferencial permite compreender o direito penal econômico, com todas suas especificidades, mostrando como a empresa pode ser um centro de imputação.” (SHECAIRA, 2008). Dever do Estado, colaciono eu, de garantir o funcionamento do mercado de uma forma livre e justa, permitindo que se afaste os comportamentos desviantes da norma, demonstrando que os que seguem um comportamento lícito corroboram para um melhor funcionamento da sociedade e contribuem para a própria função social que a Constituição plasma. Isso em detrimento dos que seguem pelo caminho das condutas desviantes. Nesse diapasão, impossível não concordar que os pilares de princípios presentes no que a Carta Magna compõe como a “Ordem Econômica e Financeira” não são também diretivas para como o Estado deve gerir e tratar os crimes contra a sua própria ordem econômica. É o que se compreende de uma interpretação sob a ótica criminológica do art. 170 e seus incisos da Constituição de 1988: defesa do consumidor, meio ambiente e redução das desigualdades sociais são caminhos próprios que desde a Escola de Chicago na análise da ecologia criminal traçam para o afastamento do crime e explicação de sua existência.

Tanto acirrou-se nos últimos cenários eleitorais o debate da diminuição da maioridade penal, num caminho do já citado direito penal simbólico e do sentimento da ineficiência dos meios estatais para combate ao crime, que a criminalidade juvenil passou a ser tratada como uma típica criminalidade, sem suas próprias ressalvas que desde a introdução do Estatuto da Criança e do Adolescente no ordenamento brasileiro pedem para serem observadas na persecução e imputação. As manifestações juvenis “[...] não se combatem com pura repressão, mas sim com um processo de cooptação dos grupos, envolvendo-os com o mercado de trabalho e com acesso à sociedade produtiva.” (SHECAIRA, 2008). Mais uma vez a repressão possui uma função acessória ao conceito de prevenção primária.

A teoria da anomia contribuiu para a formulação do conceito de pena funcional, com três funções básicas: meio de intimidação dirigida ao criminoso, instrumento de reinserção social e neutralização do criminoso incorrigível, com as pertinentes ressalvas e críticas. Ademais, a própria Constituição recepciona a nossa Lei de Execução Penal que traz um caráter da pena com uma proposição similar a essa da funcionalidade e assegurando através dos próprios Direitos Fundamentais aquilo que seria minimamente digno para uma reinserção do condenado ao meio social, ou mesmo com os próprios Direitos Sociais ao garantir um efetivo exercício do trabalho como forma de (re)integração.

O que se percebe no cenário do mundo real é uma intensa proliferação de afastar para institucionalizar (ou nossas prisões não seriam “instituições totais?”). A diferença entre o delinquente e o homem normal é que “[...] o delinquente apenas se distingue do homem normal devido à estigmatização que sofre, particularmente aquela decorrente das instituições totais, em especial a prisão.” (SHECAIRA, 2008).

Clara é a posição que a Constituição propõe para que o Estado assuma: coibir as práticas criminais nas classes sociais dominantes garantindo que se faça políticas sociais tangendo a segurança, amplo acesso ao trabalho, saúde pública, meio ambiente, ordem econômica e financeira, patrimônio coletivo, bem como a cultura de cada região ou grupo. A teoria da ultima ratio determina uma maximização da intervenção punitiva no mínimo possível dos casos. Se o Direito Penal fora chamado, é a última das soluções após tentativas reintegrativas, conciliativas e educativas; portanto uma atuação em último grau, mas que deve ser em seu grau máximo de eficiência e força.

Referências            

Barroso, D. V. (2009). Criminologia: Do Estado de Polícia ao Estado de Direito. Florianópolis-SC: Conceito Editorial.

Beccaria, C. (2012). Dos Delitos e Das Penas. São Paulo: Hunter Books.

Busato, P. C. (22 de Novembro de 2012). A evolução dos fundamentos da teoria do delito. Fonte: Grupo Nacional de Membros do Ministério Público: http://www.gnmp.com.br/publicacao/156/a-evolucao-dos-fundamentos-da-teoria-do-delito

Busato, P. C. (2013). Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Atlas.

Dantas, P. R. (2013). Curso de Direito Constitucional. São Paulo-SP: Atlas.

Galvão, F. (1997). Política Criminal para o Estado brasileiro. Revista Jurídica do UNIARAXÁ, 55-85.

Nietzsche. (s.a.). Crepúsculo dos Ídolos. São Paulo: Escala.

Roxin, C. (1992). Politica criminal y estructura del delito - Elementos de delito en la base a la politica criminal. Barcelona: PPU.

Sabadell, A. L. (2008). Manual de Sociologia Jurídica. São Paulo - SP: Revista dos Tribunais.

Semer, M. (2014). Princípios Penais no Estado Democrático. São Paulo-SP: Estúdio Editores.

Shecaira, S. S. (2008). Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais.

Streck, L. L. (2014). Verdade e Consenso. São Paulo-SP: Saraiva.

Zaffaroni, E. R., & Pierangeli, J. H. (2011). Manual de Direito Penal V.1. . São Paulo-SP: Revista dos Tribunais.

Zagrebelsky, G. (2011). El derecho dúctil. Madrid: Trotta.

  

[1] Cito contundentemente o Marquês por ser o expoente de maior impacto com sua obra Dos Delitos e das Penas, mas se deve ressaltar que não fora o único contratualista a desembocar princípios humanistas relacionados com a prevenção tirânica das penas, podendo-se achar argumento até mesmo em Rosseau para tal.

[2] Ademais, não fruto de discussão deste trabalho, não se deve apegar à Legalidade e Taxatividade como dogmas inquestionáveis e subsídio universal da resolução de todos os problemas penais através da Constituição. Lenio Streck afirma em sua obra Verdade e Consenso que “literalidade e ambiguidade são conceitos intercambiáveis não esclarecidos numa simples análise abstrata dos signos” (STRECK, 2014, p.37). O problema é da polissemia das palavras, trabalho hoje muito bem desenvolvido pela Filosofia da Linguagem e que questiona desde Kelsen e Hart sobre a discricionariedade no âmbito dos valores da atuação do jurista na pragmática do Direito, e não da ciência do Direito (se é que realmente superamos essa ambivalência ou ainda insistimos em separar funções que se complementam, e na verdade não se antagonizam). Discurso para a Teoria do Direito e a Hermenêutica.

[3] Extraí essa observação do capítulo da obra Verdade e Consenso em que o autor conceitua baseado na obra de Bobbio os positivismos ideológico, teórico e metodológico/conceitual. Citando Rodriguez Puerto, afirma que para Kelsen o juiz é criador do direito por delegação do soberano, uma ideia já presente em Hobbes, Bentham e Austin. Acontece que ao observarmos as anotações do autor sobre Kelsen, dizendo que o comando determinante da redução da atividade jurídica ao que estava adstrito às normas vigentes, adequadas por uma norma hipotética fundamental, é de natureza epistemológica e aplica-se como tal apenas a ciência do direito, podemos perceber uma certa confusão. A prática mostrada pelos Totalitarismos demonstrou uma atuação dos operadores do Direito dentro da sociedade da mesma forma que Kelsen enxergava a prática jurídica da ciência do direito.

[4] Aqui me refiro ao que Zaffaroni nomeia como Teoria da Coculpabilidade ou vulneração dos agentes sociais, em que o conceito de culpabilidade transcende o indivíduo e se alastra pela sociedade como “parte do banco dos réus”, eis que pelas condições socioeconômicas, culturais, educacionais, saúde, lazer e dentre outras, não há que mensurar uma mesma culpabilidade ou assimilação do comando normativo de forma equânime na sociedade.

[5] O que trato aqui é de que o legislador, ao determinar suas diretrizes políticas, e até mesmo legislar sobre a dogmática penal, tudo se trata de ordem infraconstitucional, o que configura a natureza de unificação que Zagrebelsky escreve em sua obra, pois no Estado Constitucional não há mais um “estado das coisas” unificado e reduzidos à lei como no século XIX (ver Zagrebelsky, p.40).

[6] Merton é considerado por muitos estudiosos como aquele que fez a ponte entre as Teorias Funcionalistas e as Teorias do Conflito Social.

[7] Dados do Instituto Avante Brasil (IAB) demonstram que em 1986, os EUA aprovaram uma lei que aumentava em 100% a porcentagem de condenações por uso de crack. Antes da lei, 5mil pessoas estavam presas por posse daquela droga. Dados de 2009 demonstram que já passam de 100mil os encarcerados por esse motivo. E não houve majoritária redução do consumo de drogas, especialmente do crack.

[8] Ver SUTHERLAND, Edwin H. Criminologia comparada. Trad. Faria Costa e Costa Andrade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbelkian, 1985. 

 

 

Elaborado em fevereiro/2015

 

Como citar o texto:

HENRIQUE JÚNIOR, Moacir; MENDES, Marco Aurélio Souza..Política criminal na Constituição de 1988: dos direitos e garantias fundamentais beccarianos ao resquício lombrosiano na efetiva aplicação. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1239. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/3490/politica-criminal-constituicao-1988-direitos-garantias-fundamentais-beccarianos-ao-resquicio-lombrosiano-efetiva-aplicacao. Acesso em 12 mar. 2015.

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