Resumo:

O Direito prevê causas que excluem a antijuridicidade do fato típico (causas excludentes da criminalidade, causas excludentes da antijuridicidade, causas justificativas, causas excludentes da ilicitude, eximentes ou descriminantes). São normas permissivas, também chamadas tipos permissivos, que excluem a antijuridicidade por permitirem a prática de um fato típico. 

A lei penal brasileira dispõe que não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito (art. 23). Além das normas permissivas da parte geral, todavia, existem algumas na parte especial, como por exemplo, a possibilidade de o médico praticar aborto se não há outro meio de salvar a vida da gestante ou se a gravidez resulta de estupro (art. 128). 

O autor, para pratica fato típico que não seja antijurídico, deve agir no conhecimento da situação de fato justificante e com fundamento em uma autorização que lhe é conferida através disso, ou seja, querer atuar juridicamente.

                                                                                                                                              

Palavras-chaves: Antijuricidade. Excludentes. Estado de necessidade. Legítima defesa. Estrito cumprimento do dever legal. Exercício regular de direito.

  

Sumário: Introdução. 1. Das excludentes de antijuridicade. 1.1) Do estado de necessidade. 1.2) Da legítima defesa. 1.3) Do estrito cumprimento do dever legal. 1.4) Do exercício regular de direito. Conclusão.

Introdução:

              Todo crime se caracteriza por ser um fato típico, antijurídico e culpável.

              A expressão antijuridicidade é tratada pela lei penal como ilicitude. Esta terminologia – antijuridicidade - é utilizada de modo amplamente majoritário tanto na doutrina quanto na jurisprudência.

              A antijuridicidade é todo comportamento humano que descumpre, desrespeita, infringe uma lei penal e, consequentemente, fere o interesse social protegido pela norma jurídica. Ela é uma conduta injusta que afronta o senso comum. As pessoas quando tomam conhecimento desta conduta, reprovam-nas veemente.

              Por exemplo, se uma pessoa revelar a alguém, sem justa causa, um segredo e cuja revelação possa produzir dano a outra pessoa é uma conduta antijurídica.

              Em suma, todas as condutas típicas - previstas em lei - como: matar alguém, estuprar, furtar, roubar, etc - são, a princípio, antijurídicas, porém, havendo a presença de alguma excludente de antijuridicidade, esta conduta deixa de ser criminosa. As causas de exclusão de antijuridicidades são tratadas como justificativas, e nesta hipótese o agente pode ser absolvido do crime que cometeu.

              O art. 23 prevê todas as excludentes de antijuridicidade. Elas também podem ser chamadas de descriminantes, eximentes, causas de exclusão de crime, tipos permissivos.

1) Das excludentes de antijuridicidade

             

              A antijuridicidade não é um conceito apenas do Direito Penal.

              A antijuridicidade é o mesmo que ilicitude, ou seja, é a contrariedade da conduta aos ditames do ordenamento jurídico.

              Assim, praticar a usura, ou seja, cobrar juros exorbitantes, sem a devida autorização legal, como no caso dos bancos, é uma conduta ilícita civil e como tal, pode ser anulada pelo Poder Judiciário afim de adequar a relação ao equilíbrio imposto pela Lei.

              Assim, não basta que a conduta seja moralmente reprovável ou mesmo aética. Ela deve contrariar uma norma posta.

              O art. 121 do Código Penal traz em si, de forma indireta, a norma de não matar alguém.

              A conduta de matar alguém justamente contraria esta norma implícita, no que passa a ser formalmente antijurídica.

              Interessante é a distinção feita pela doutrina entre conduta formalmente e materialmente antijurídica.

              Na antijuridicidade formal, existe mera contrariedade do fato a norma posta, sendo desnecessária a análise sequer de perigo para o bem juridicamente tutelado. Seu afastamento somente é possível pela presença de algum fato justificante.

              Já na antijuridicidade material, a conduta deve atentar ao sentimento comum de Justiça, estabelecido pelo homem médio na fixação da norma. Há uma lesividade social na conduta reprovada, atentando ao sentimento comum social.

              Esta distinção, no entanto, tem efeito meramente acadêmico, já que o Direito Penal prevê crimes de mero perigo abstrato.

              Por exemplo, a conduta de conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, prevista no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro não gera efetivo perigo para autorizar a incidência da pena.

              Afinal, por mais explícito que possa parecer o perigo, nos crimes de perigo concreto, este deve ser demonstrado, ou seja, deve ser provado que o bem juridicamente tutelado foi efetivamente exposto a perigo.

              No crime do art. 306 da Lei 9.503/97, basta somente a conduta para autorizar a incidência da pena, independentemente de se mostrar que o bem juridicamente tutelado foi efetivamente exposto a perigo.

              Caracterizada a conduta como antijurídica, não incidirá pena se estiver presente alguma de suas excludentes. São as causas justificantes.

              As justificantes gerais estão previstas no art. 23 do Código Penal. São elas, a legitima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito. Além destas, existem outras justificantes especiais na parte especial do Código e em legislação extravagante.

              Além das causas legais de excludente de ilicitude, existem aquelas não previstas no Código Penal ou mesmo que sequer são positivadas, quando decorrem dos costumes, analogia e dos princípios gerais do direito. Exemplo é o consentimento.

              Vale lembrar que as justificantes não estão restringidas pelo Princípio da Reserva Legal, essencial aos tipos legais, já que são causas que justamente o oposto, excluir o crime.

              Também vale destacar que as causas excludentes de ilicitude não incidem apenas para excluir os tipos penais, mas para qualquer forma de ilicitude, como por exemplo, para excluir a responsabilidade civil.

1.1) Do estado de necessidade

              De acordo com o art. 24 do Código Penal, o agente estará em estado de necessidade para salvar direito próprio ou alheio, não sacrificável diante das circunstâncias, de perigo atual que não provocou, nem poderia evitar.

              No estado de necessidade, existe um conflito entre dois bens juridicamente tutelados: o do agente e o do agredido.

              Neste conflito, a análise, que pode ser meramente subjetiva, é de que o bem do agente é mais importante que o bem do agredido, o que justifica que o agente sacrifique o bem do agredido para salvar o seu próprio.

              A análise meramente subjetiva porque a Lei, literalmente, autoriza que valha a Lei do mais forte, do mais hábil ou simplesmente do mais sortudo, que tem a disposição os meios para salvar seu bem, ainda que por sacrifício do bem alheio.

              Para incidir o estado de necessidade, é imprescindível que o bem esteja em perigo concreto, não sendo suficiente uma hipotética possibilidade de dano. Devem estar presentes elementos claro que põe em risco do bem do agente.

              Observa-se que a iminência do perigo não é admitida.

              Diferentemente da legítima defesa que apenas não admite ameaça futura, meramente hipotética, não se admite a lesão ao bem juridicamente tutelado de outrem por mera ameaça iminente, já que existe a chance dela não se concretizar. Somente na ocorrência atual do perigo, permite-se a atual em estado de necessidade.

              Evidentemente que o perigo não pode ter sido provocado pelo próprio agente. Se este deu causa ao perigo, deve sofrer as consequências de sua conduta.

              Por outro lado, ainda que não tenha causado o perigo, o agente deve verificar, primeiramente, se este não pode ser afastado. Ou seja, o sacrifício do bem do ofendido deve ser a única forma de preservar o bem do agente. Se existe uma forma de afastar o perigo, é evidente que a realização do sacrifício do ofendido era desnecessária e, portanto, não incidente a excludente do estado de necessidade.

              Deste modo, tem-se que o perigo deve ser necessariamente causado por agente externo, com um evento da natureza ou a ação de um terceiro, porque se o próprio agente causou o perigo, não pode utilizar a excludente. Já se o perigo é causado pelo ofendido, o agente estará, na verdade, em legítima defesa.

              Assim como o causador do perigo não pode alegar estado de necessidade, aquele que, de alguma forma, tem a obrigação de enfrentar o perigo, também não pode invoca-lo.

              O ordenamento jurídico brasileiro normalmente impõe o dever de enfrentar o perigo àqueles que voluntariamente contraíram esta obrigação. Exemplo típico é o do bombeiro. Ninguém é obrigado a ser bombeiro, mas se decide sê-lo, deverá enfrentar o perigo quando este se apresentar.

              Existem duas razões para isto: primeiramente, espera-se que a pessoa que contraiu esta obrigação a cumpra; segundo que as demais pessoas contam com estas pessoas para enfrentar o perigo, já que assumiram esta obrigação.

              Hipótese em que não se contraiu a obrigação voluntariamente, mas que deve enfrenta-lo é o do prestador do serviço militar obrigatório. Numa situação extrema que houvesse a necessidade de sua atuação militar, por mais perigosa que seja, não é lhe autorizado deixar de enfrentar o perigo sob alegação de que foi forçado a prestar o serviço.

              A doutrina classifica as situações de estado de necessidade.

              No estado de necessidade defensivo, o perigo acompanha o bem que será sacrificado; No estado de necessidade ofensivo, o perigo acompanha o bem que será salvo.

              Esta classificação é útil para demonstrar que a situação de sacrificante e sacrificado realmente só depende das forças e sorte dos dois participantes, pois ambos se encontram em situação que poderiam alegar estado de necessidade, já que não causaram o perigo – lembrando que, caso um deles tenha causado, estaremos diante da legítima defesa. Porém, um deles, por questão de força, habilidade ou mesmo sorte, terá seu direito protegido e o do outro, sacrificado.

              No estado de necessidade justificante, o bem sacrificado é de menor ou igual valor ao sacrificado. No estado de necessidade exculpante, o bem sacrificado é de maior valor.

              Quanto a esta classificação, em verdade, somente o primeiro é verdadeiramente um estado de necessidade, pois a Lei exige que bem salvo não possa ser sacrificado diante das circunstâncias.

              Se o bem sacrificado era de maior valor, nos termos do § 2º do art. 24 do Código Penal, incidirá a pena, mas com redução de um a dois terços.

              Há quem defenda, no entanto, que incide a excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa, pois não seria razoável exigir-se outro comportamento do agente, ou seja, aguardar que o agente sacrifique seu próprio bem, igualmente tutela pela Lei.

              Entretanto, esta interpretação contraria a previsão do citado § 2º do art. 24 do Código Penal, que prevê tão somente a atenuação da pena.

              Existe o estado necessidade próprio, quando o bem juridicamente tutelado é do agente ofensor e o estado de necessidade alheio, quando o agente protege bem alheio.

              Neste ponto, vale esclarecer que o perigo está atrelado ao bem salvo ou ao sacrificado, sendo o terceiro, mero substituto do agente ofensor.

              Por fim, existe o estado de necessidade real, em que estão presentes concretamente todos os elementos do art. 24 do Código Penal, como existe o estado de necessidade putativo, em que o agente, por algum equívoco, tem, em seu subjetivo, que todos os elementos estão presentes, quando, na verdade, algum ou alguns decorrem de erro de sua análise.

              Se o erro era justificável, incide a excludente do erro de proibição, afastando o crime.

              Já se o erro era evitável, incidirá a culpa, respondendo o agente pelo crime, mas na modalidade culposa, se houver.

              O excesso no estado de necessidade é plenamente punível.

              Embora não previsto expressamente no art. 24 do Código Penal, o agente deve atuar com meios moderados, bem como somente deve realizar o sacrifício necessário para preservar seu bem. Assim, se a mera lesão ao bem sacrificado era suficiente para preservar o salvo, sua perda caracteriza excesso no estado de necessidade, devendo o agente responder por este excesso.

1.2) Da legítima defesa

              Segundo o art. 25 do Código Penal, está em legítima defesa quem repele injusta agressão a bem próprio ou de terceiro, ocorrendo no momento atual ou de forma iminente, desde que o faça de forma moderada.

              Os elementos da legítima defesa estão claros no dispositivo legal do art. 25 do Código Penal.

              O primeiro elemento é a agressão deve ser injusta.

              Diferentemente do estado de necessidade, na legítima defesa, a pretensão do agressor não é tutelada pelo Direito. É clara a situação de que apenas o agredido tem o direito de atuar, utilizando-se dos meios necessários para repelir a injusta agressão.

              Além disso, a agressão é sempre uma ação humana, causada pelo agente ofensor. No estado de necessidade, a agressão pode vir de um evento da natureza, pondo os dois direitos, do agressor e do ofendido, em situação de pé de igualdade em relação ao direito de tentar defender o seu direito. Na legítima defesa, o agressor não tem o seu direito tutelado, pois pratica uma agressão injusta contra o ofendido.

              Justamente pela existência da agressão injusta que inexiste a chamada legítima defesa recíproca real, ou seja, quando as duas partes agridem-se e se defendem simultaneamente, cientes de que praticam uma agressão injusta, porque nenhuma agressão injusta é tutelada pelo direito.

              Diferente é a legítima defesa recíproca putativa, pois nela, o agente agressor, por erro, imagina que a atuação da parte contrária é uma injusta agressão. Neste caso, sendo desculpável, o erro, o ofensor não responderá pela agressão, pois crê que está agindo em legítima defesa. Neste caso, haverá uma legítima defesa real e outra putativa.

              Deve-se deixar claro que deve haver uma agressão, ou seja, uma ação direta e lesiva contra o ofendido. Assim, meros atos injustos, não impactantes contra o ofendido ou terceiro, não autoriza a legítima defesa, por mais violenta que seja a emoção gerada pelo ato. Ou seja, mero inconformismo com uma atitude ilegal de alguém não autoriza a prática de qualquer ato lesivo por parte do “ofendido”, pois não lhe está agredindo diretamente.

              O segundo elemento é a atualidade ou iminência da agressão.

              Diferentemente do estado de necessidade, o ofendido não precisa aguardar que a agressão se torne atual. Havendo indícios claros da iminência da agressão, o ofendido já pode tomar as medidas necessárias para afastá-la.

              A agressão apenas não pode ser futura, pois uma ameaça futura ainda pode ser debelada ou mesmo desistida, de modo que a precipitação na prática da conduta defensiva não se mostra razoável, já que ainda pode ser evitada.

              Não se pode confundir, no entanto, a obrigação de evitar a agressão.

              A doutrina e a jurisprudência apontam o entendimento de que o ofendido não é obrigado a atuar para evitar a agressão.

              Como o bem jurídico do agressor não é protegido pelo Ordenamento Jurídico, o ofendido tem o “direito” de atuar para repelir a agressão, bastando que ela seja iminente.

              É o direito de “não acovardar”.

              Por exemplo, se o ofendido sabe que seu desafeto o espera na esquina próxima para agredi-lo, não precisa mudar seu percurso. Tem o direito de enfrenta-lo, pois assim também impedirá que o desafeto atue num momento futuro, mas que o ofendido não espera. É claro que somente poderá utilizar dos meios moderados.

              Do mesmo modo, a agressão não pode estar finda. Se o agente ofensor já terminou de se conduzir pela conduta ofensiva e a consumou, qualquer ato do ofendido será mera vingança. Afinal, se a agressão já se findou, não pode mais ser repelida, não caracterizando legítima defesa.

              Igualmente ao estado de necessidade, o direito defendido pode ser próprio ou alheio. Ou seja, admite-se a substituição do real ofendido pelo defensor que deve usar dos meios moderados a sua disposição para repelir a injusta agressão.

              Na verdade, trata-se nada menos do que a permissão legal da atuação em solidariedade de terceiros, pois, na maioria das vezes, o titular do direito não tem condições físicas ou mentais para realizar a defesa, de modo que apenas a intervenção de um terceiro mais capaz tornará possível repelir a injusta agressão.

              Vale destacar assim que inexiste a necessidade de relação de parentesco ou qualquer outro liame prévio. Autoriza-se que qualquer um aja em defesa de um terceiro, mesmo que absolutamente desconhecido.

              Vale também mencionar que qualquer titular de direito pode ser defendido. Por exemplo, se o ofendido é a coletividade, como nos crimes contra a incolumidade pública, art. 250 e seguintes do Código Penal. Qualquer um pode intervir para impedir a prática de um incêndio, ainda que não se possa caracterizar as potenciais vítimas.

              Para a realização da legítima defesa, é necessária a prática de tão somente os atos necessários para repelir a injusta agressão.

              Meios necessários são comumente os suficientes para repelir a injusta agressão, sem provocar dano ao agressor além do razoavelmente esperado.

              É claro que esta análise é totalmente circunstancial, pois o ofendido tem o direito de utilizar os meios a sua disposição no momento da agressão. Assim, por exemplo, se o ofensor utiliza de sua força física para agredir de forma contundente e o ofendido tem apenas uma arma à disposição, obviamente que poderá utilizá-la, não sendo obrigado a atuar igualmente com as mãos.

              Haverá excesso de legítima defesa, por exemplo, para repelir um crime não violento contra o patrimônio, por exemplo, um furto, utilizando-se de uma arma de fogo. Somente não haveria excesso se o agente, descoberto na prática do furto, insistir no furto, mas agora utilizando de violência. Neste caso, admite-se utilizar de violência para afastar, agora, o roubo.

              Interessante mencionar a possibilidade de defesa da honra, quando agredida nos crimes previstos nos arts. 138 e seguintes do Código Penal.

              Como consequência da previsão da utilização dos meios moderados, o parágrafo único do art. 23 do Código Penal prevê que o excesso de legítima defesa será punido, a título de dolo ou culpa.

 

1.3) Do estrito cumprimento do dever legal

              Diferentemente do estado de necessidade e da legítima defesa, tanto o estrito cumprimento de dever legal, quanto o exercício regular de direito não possuem regulamentação própria no Código Penal.

              Sua definição acaba sendo extraída da sua própria denominação.

              Assim, atua em estrito cumprimento do dever legal, literalmente, quem é determinado, por Lei, a praticar um fato típico, desde que haja dentro dos estreitos limites da permissão legal.

              O estrito cumprimento do dever legal decorre da necessidade de se manter a congruência de todo o ordenamento jurídico. Afinal, não podem coexistir duas normas, sendo que uma determina a conduta e outra, incrimina-a.

              A opção do legislador foi afastar a constituição do crime, indicando que toda a vez que a Lei determina uma conduta, esta não pode ser indicada como criminosa.

              É evidente que não é qualquer conduta determinada por Lei que autoriza a prática de uma infração penal. Apenas condutas voltadas a satisfação do interesse público acabam autorizando tal conduta.

              Por exemplo, o art. 150, § 3º do Código Penal justamente afasta o crime de violação de domicílio para autorizar a prisão em flagrante.

              O cumprimento do dever legal deve se estrito, ou seja, tanto o meio utilizado, quanto os fins almejados devem estar de acordo com a Lei.

              A observância do estrito cumprimento revela a necessidade de ferir o mínimo possível, o bem jurídico tutelado pelo tipo penal violado.

              Assim, o destinatário da obrigação legal, por exemplo, que recebe resistência no cumprimento da sua obrigação, não pode tomar todos os meios necessários para sua satisfação. Ele deve apenas utilizar os meios necessários e suficientes para suplantar a oposição, lesando o direito do outrem no mínimo possível. Afinal, o direito lesado é penalmente tutelado.

              Igualmente, não basta praticar a conduta prevista em Lei. Esta também deve ser coadunada com a Constituição Federal e os Princípios Gerais de Direito.

              Por consequência, naquilo que o agente atuar além da estrita determinação legal, responderá por excesso, culposo ou doloso, por força do parágrafo único do art. 23 do Código Penal.

 

1.4) Do exercício regular de direito

              A excludente de ilicitude do exercício regular de direito também não tem disposição legal própria, como o estrito cumprimento do dever legal. Contudo, a lógica é exatamente a mesma, ou seja, extrair do Ordenamento Jurídico, a contradição entre uma norma que autoriza a satisfação de um direito e a tipificação da mesma conduta.

              A diferença entre o estrito cumprimento do dever legal e o regular exercício de um direito está na facultatividade, vez que o dever é imposto e o agente não tem escolha. Já no exercício regular de direito, o agente tem a opção de praticar ou não a conduta.

              Para o exercício regular do direito, é necessário a indispensabilidade da conduta, ou seja, não se admite a prática da conduta típica se outra conduta era possível para atingir a satisfação do direito, sem a realização do fato típico.

              A conduta também deve ser limitada, tanto no meio utilizado, quanto os fins almejados devem estar de acordo com a Lei.

              Classificamente, aponta-se, com exercício regular de direito, a utilização do direito de correção dos pais. Entende-se que é permitido aos pais realizar a conduta típica da lesão corporal contra os filhos, o famoso “tapinha”, desde que o faça de forma moderada e com a intenção de corrigir.

              No entanto, este direito foi bastante restringido pela disposição dos arts. 18-A e 18-B do Estatuto da Criança e do Adolescente, incluídos pela Lei 13.010/14, conhecida como “Lei da Palmada”.

              Existe exercício regular de direito na prática de atividades esportivas em que se aplica a violência, como o boxe e o MMA, nos quais as normas próprias regulamentam a aplicação da violência.

              A contrário sensu, nas atividades em que as normas não autorizam a violência, como, em tese, no caso do futebol. Neste esporte, no entanto, tem-se entendido que, por ser um esporte de contato, as condutas lesivas acabam ocorrendo sem sequer a concorrência de uma das modalidades de culpa.

              Outro ponto interessante são os ofendículos, ou seja, os obstáculos mecânicos colocados para defender um bem, como um imóvel. São os casos os cacos de vidro, cerca elétrica, etc.

              Há, no entanto, discordância quanto a espécie de exclusão de ilicitude que se aplica para os ofendículos. Há quem entenda que não se trata do exercício regular do direito de defesa, mas de legítima defesa pré-ordenada, pois os ofendículos somente tem atuação quando ocorre a agressão atual. Até então, os ofendículos são inertes.

              Certo, no entanto, que os ofendículos devem ser aparentes, ou seja, uma cerca eletrificada deve ter o aviso desta condição. Caso contrário, haverá dolo de lesar o indivíduo, o que caracteriza excesso, seja do exercício regular de direito, seja da legítima defesa.

 

Conclusão:

              Observa-se que em muitas situações que nos deparamos no nosso dia-a-dia, como na atividade profissional de um cirurgião ou no ato de dois lutadores de MMA se baterem até que um deles caia desmaiado, são atos que praticados por qualquer outra pessoa que não habilitada profissionalmente para isso se tornaria um ato ilícito e com a devida punição penal, porém ao ser praticado por quem deva ser se torna um ato lícito amparado pelas excludentes de ilicitude, e se não tem ilicitude nesse ato, não haverá crime, como também não haverá punição uma pessoa que cometa um ato doloso contra a vida de outra por estar recebendo uma injusta agressão dessa mesma.

              Com base na pesquisa que foi realizada para montagem desse artigo podemos dizer que se um dos três elementos que compõe o crime que são fato típico, antijurídico e culpável não estiver presente não há que se falar na possibilidade da punição do agente, porém esse tema deve ser muito discutido pois sempre haverá casos em que o agente agiu com dolo e alegará a legítima defesa para escapar da punição de seu ato cometido.

Referências bibliográficas:

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

JESUS, Damásio de. Direito penal. V. 2. 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

 

RODRÍGUEZ, Víctor Gabriel. Fundamentos de direito penal brasileiro: lei penal e teoria geral do crime. São Paulo: Atlas, 2010.

 

Data da conclusão/última revisão:06/09/2017

 

Como citar o texto:

ITO, Lilian Cavalieri; ITO, Michel..Das excludentes de antijuricidade. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1474. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/3724/das-excludentes-antijuricidade. Acesso em 4 out. 2017.

Importante:

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