O presente trabalho tem por objetivo demonstrar ao leitor, de forma clara e objetiva, como o Direito brasileiro trata a questão das prorrogativas do Advogado garantidas por lei e pela Constituição de 1988, inerentes ao exercício da advocacia.

Para tanto, abordaremos assuntos de extrema importância para a compreensão do tema, tais como: o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, a posição da Constituição de 1988 na hierarquia das normas, a inserção da advocacia no texto constitucional como Função Essencial à Justiça, quais as possíveis medidas administrativas e/ou judiciais que podem ser utilizadas quando da violação das prerrogativas e os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional com o objetivo de transformar a violação de prerrogativas do advogado em crime.

Esperamos com isso, esclarecer a importância do advogado dentro do Estado Democrático de Direito, e quais os possíveis mecanismos administrativos e jurídicos de proteção, utilizados contra eventuais abusos cometidos por autoridades públicas quando do exercício da advocacia.

Boa leitura a todos.

Introdução

Na hierarquia das normas, a Constituição Federal, dentro de um Estado Democrático de Direito e de uma forma Republicana de governo, está acima das leis e dos demais textos ou atos normativos. É o texto constitucional, norteado por diversos princípios e normas, que traz os direitos fundamentais e as garantias individuais de cada cidadão.

Após um longo período de ditadura militar (que durou de 1964 a 1985), marcada pela censura e pela restrição de direitos fundamentais, o Brasil democratizou-se com o advento da Constituição Federal de 1988.

A Constituição cidadã, assim apelidada pelo então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses de Guimarães, promulgada em 05/10/1988, surgiu num contexto de busca pela defesa e realização dos direitos fundamentais do indivíduo e da coletividade, nas mais diferentes áreas.

Assim, o texto constitucional está acima das leis, como um verdadeiro garantidor desses direitos, de modo que, já no preâmbulo da Carta Constitucional, ficou muito claro que o Brasil passou de um Estado opressor, ditatorial, para um Estado garantidor e protetor de direitos fundamentais, senão vejamos:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”.

O Brasil, ao tornar-se um Estado Democrático de Direito, passou a respeitar e a preservar as liberdades civis, os direitos humanos, os direitos fundamentais e as garantias individuais, através do estabelecimento de um sistema de proteção jurídica, norteado por vários mecanismos que garantem a efetivação e a concretização desses direitos, com vistas ao bem-estar, ao desenvolvimento, à igualdade e à justiça social, seguindo, assim, a tendência do constitucionalismo contemporâneo, ao incorporar, expressamente, no seu texto, o princípio da dignidade da pessoa humana como valor supremo, definindo-o como fundamento da República, conforme prevê o art. 1º, III, senão vejamos:

“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana”.

O avanço e a modernização do Direito Constitucional no Brasil é resultado, de certa forma, da afirmação dos direitos fundamentais como ponto central da proteção da dignidade da pessoa humana, consubstanciada na ideia de que a Constituição Federal, em uma República Federativa, é o local adequado para positivar normas assecuratórias dessas pretensões, com força vinculativa máxima, observância e aplicação em todo território nacional.

Pietro Alarcón de Jesús, por exemplo, ensina que: “A tendência dos ensinamentos constitucionais é no sentido de reconhecer e valorizar o ser humano como a base e o topo do direito” (ALARCÓN. Pietro de Jesús Lora. Patrimônio Genético Humano: e Sua Proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Método, 2004). O princípio da dignidade da pessoa humana, também previsto em vários Tratados Internacionais, como por exemplo, o Pacto de San José da Costa Rica, assinado em 22/11/1969, ratificado e promulgado no Brasil através do Decreto 678/92, dentre tantos outros, é princípio fundamental e reitor do Estado Brasileiro.

Assim, para proteger aquele que se sentir ameaçado ou tiver direito seu lesado, o artigo 5º, XXXV, da CF, consagrou o Princípio da Inafastabilidade da Prestação Jurisdicional, onde, “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça de direito”.

Trata-se de princípio de Direito Processual Público subjetivo, também cunhado como Princípio da Ação ou Acesso à Justiça, de modo que a Constituição garante a necessária tutela estatal aos conflitos ocorrentes na vida em sociedade, na qual qualquer pessoa pode se valer do Poder Judiciário quando se deparar com uma lesão ou até mesmo uma ameaça de lesão a direito seu.

O Brasil, aliás, com a promulgação da CF/88, adotou o sistema de jurisdição única, onde somente o Poder Judiciário pode, de forma definitiva, declarar o direito diante de um caso concreto, quando provocado por alguém que se veja diante de uma pretensão resistida, ou seja, de um conflito de interesses, onde, de um lado, busca-se a reparação de um direito próprio ou de outrem que supostamente foi ameaçado ou violado, e do outro, alguém tentando provar que não violou ou ameaçou direito algum.

Nesse contexto, a profissão de Advogado, tão importante para o Estado Democrático de Direito, foi inserida na Constituição Federal, com a nova redação trazida pela EC nº 80/2014, como Função Essencial à Justiça, conforme o disposto no art. 133, senão vejamos: “o Advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Da mesma forma, a Constituição do Estado de São Paulo também tratou da profissão do advogado e também a inseriu no Capítulo reservado às Funções Essenciais à Justiça e da inviolabilidade do advogado no exercício da profissão, ressalvadas as exceções decorrentes da própria lei.

O Artigo 104 da Carta Estadual Paulista  diz que: “O advogado é indispensável à administração da justiça e, nos termos da lei, inviolável por seus atos e manifestações, no exercício da profissão”.

E continua no parágrafo único – “É obrigatório o patrocínio das partes por advogados, em qualquer juízo ou tribunal, inclusive nos juizados de menores, nos juizados previstos nos incisos VIII e IX do art. 54 e junto às turmas de recursos, ressalvadas as exceções legais”. Já o artigo 105 ensina que “O Poder Executivo manterá, no sistema prisional e nos distritos policiais, instalações destinadas ao contato privado do advogado com o cliente preso”.

Muito importante destacar também que, de acordo com o artigo 106, os membros do Poder Judiciário, as autoridades e os servidores do Estado zelarão para que os direitos e prerrogativas dos advogados sejam respeitados, sob pena de responsabilização na forma da lei.

Por este motivo, a advocacia não pode e não deve ser considerada apenas e tão somente uma profissão, pois na verdade, o exercício da advocacia é uma vocação, uma função essencial em um Estado Democrático de Direito, indispensável à administração da Justiça, que se destina primordialmente a proteger, preservar e resgatar os direitos fundamentais e as garantias individuais prevista na Constituição e a defender a sociedade assim como o próprio cidadão contra abusos cometidos pelo poder público.

Com isso, o exercício assíduo da advocacia, muitas vezes, pode gerar atritos com outros operadores do Direito, como, magistrados, membros do Ministério Público, Delegados de Polícia, Serventuários da Justiça, dentre tantos outros representantes do poder público.

Estes atritos podem acarretar situações de animosidade constrangedoras, que, como veremos, não atinge só os envolvidos, atingem essencialmente a própria categoria profissional.

Mas, afinal, quais são as prorrogativas dos advogados e o que deve ser feito quando esses “direitos especiais” forem violados? É o que veremos a seguir.

 

Das Prerrogativas do Advogado e dos Mecanismos Administrativos e Jurídicos que Podem ser Utilizados Quando da Sua Violação

Prerrogativa, de modo geral, é um direito, uma autorização, um mandamento, um benefício, ou até mesmo uma dispensa, concedida a alguém que faz parte de uma determinada classe, para que possa atuar com inviolabilidade e independência, dentro dos limites estabelecidos em lei, de forma diferenciada, relativamente a determinadas situações ou um determinado assunto.

No tocante à advocacia, essas prerrogativas, esses “direitos”, jamais devem ser confundidos com privilégios, devem sim, ser compreendidos como um instrumento garantidor, permitido por lei e pela própria Constituição, do exercício do direito de defesa, onde o advogado deve atuar com independência e inviolabilidade, a serviço da sociedade e dos cidadãos, respeitando sempre os limites éticos e normativos.

Assim, além do texto constitucional (art. 133), que inseriu a advocacia como função essencial à justiça, outros Diplomas Legais tratam das prerrogativas do advogado, formando um completo sistema regulatório, cuja observância é obrigatória por todos os poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário) e, consequentemente, por todas as esferas da Administração Pública.

Desta forma, a lei que regulamenta e traz as prerrogativas dos advogados é a Lei Federal nº 8.906/94, conhecida como Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil - EAOAB.

Além disso, o Novo Código de Ética e Disciplina da OAB (Resolução n. 02/2015 do Conselho Federal da OAB), que entrou em vigor em 1º de Setembro de 2016, fez questão de reforçar o texto constitucional ao dispor no art. 2º que: “O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes”.

Pois bem, as prerrogativas descritas no EAOAB, garantem ao advogado o direito pleno de defender seus clientes, contando com independência e autonomia, sem temer a autoridade judiciária ou quaisquer outras autoridades que porventura tentem usar de constrangimento ou outros artifícios que possam levar à diminuição de sua atuação como defensor da liberdade e dos direitos fundamentais previstos na Constituição.

Os advogados são o escudo de proteção, a linha divisória, que separa uma pessoa comum, investigada ou acusada de um delito, do poderoso aparato coercitivo do Estado, representado pelo juiz e demais serventuários, pelos membros do Ministério Público e pela autoridade policial, por exemplo. Sem direitos e garantias especiais, sem prerrogativas para o advogado defender os interesses dos seus clientes, não haveria equilíbrio de forças.

O advogado exerce um verdadeiro papel de serviço público e de função social ao atuar na defesa dos direitos do cidadão. As pessoas confiam sua vida, seus interesses aos advogados, outorgando-lhes poderes, fornecendo informações e documentos muitas vezes sigilosos para que sejam defendidas e vejam seu direito sendo garantido ou reparado.

E mais, ao contrário do que possa parecer, “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”. Isso vem muito bem definido no art. 6º do EAOAB, que no seu parágrafo único ainda reforça: “as autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho”.

Por isso, ao dispor sobre a ausência de hierarquia no art. 6º, logo após, no artigo 7º, a Lei 8.906/94, fez questão de trazer uma gama de direitos/prerrogativas em 21 incisos, com vários desdobramentos, inerentes à profissão do advogado que devem ser observados e respeitados, dentre os quais merecem destaque:

  • ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB?
  • a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia? (Redação dada pela Lei nº 11.767, de 2008)
  • comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis?
  • examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos?
  • examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos?
  • ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais?
  • ser publicamente desagravado, quando ofendido no exercício da profissão ou em razão dela.

As prerrogativas do advogado, portanto, a exemplo das prerrogativas asseguradas aos magistrados, membros do MP, autoridades policiais e parlamentares, são primados previstos em lei que servem, acima de tudo, para que estes profissionais exerçam com independência seu mister, seu ofício, visando assegurar os direitos dos cidadãos. Sempre que um advogado tiver violada alguma de suas prerrogativas profissionais, a Ordem dos Advogados do Brasil atuará em seu favor, seja por meio de intervenções judiciais, seja por meio de manifestações públicas de solidariedade, como ocorre nas sessões públicas de Desagravo promovidas pela entidade.

Este “Desagravo” tem por objetivo dar uma resposta à altura ao agressor, ou seja, aquele que ofendeu o advogado no exercício de sua profissão, visa, portanto, denunciar publicamente agressões contra o exercício da advocacia e, com esta, a restauração da dignidade da classe dos advogados, injustamente ofendida. Segundo o Dicionário Aurélio, “Agravo” é ofensa, injúria, afronta, prejuízo, dano, sofrido por alguém. “Desagravar”, então, é reparar essa ofensa. O Estatuto da OAB, no seu art. 7º, § 5º, concede ao advogado a prerrogativa de ser publicamente desagravado, quando ofendido no exercício da profissão ou em razão desta.

O desagravo não é realizado para desafrontar o advogado ofendido, mas sim a própria classe que este integra, tanto que pode ser feito sem a autorização e a presença do ofendido.

Por isso, é importante que a defesa das prerrogativas do advogado, deve ser feita pelo próprio advogado inicialmente, que deve conhecer com profundidade o seu Estatuto, para evitar que esses direitos sejam violados, quando se deparar com situações de desrespeito causadas por autoridades diversas.

Por exemplo, o advogado que foi desrespeitado e teve sua prerrogativa violada por um juiz, deve denunciá-lo imediatamente ao Conselho Nacional de Justiça, que exerce papel fundamental na apuração de fatos ou atos atentatórios praticados por juízes e serventuários da justiça, como Escreventes, Oficiais de Justiça, assim como se o ofensor for membro do Ministério Público, o advogado deve denunciá-lo ao Conselho Nacional do Ministério Público, se delegado à Corregedoria da Polícia Civil, e assim sucessivamente.

Mas, como funciona esse “Desagravo”? O Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei Federal 8.906/94), no inciso XVII de seu artigo 7º, prevê que todos os inscritos nos quadros da Ordem têm direito ao Desagravo público quando ofendidos no exercício da profissão, ou em razão dela, vale dizer, o direito ao desagravo também é uma prerrogativa do advogado, visto que previsto de forma taxativa no art. 7º do EAOAB, que trata exatamente do rol de prerrogativas.

Quem traz os procedimentos para a concretização do desagravo é o Regulamento Geral da OAB, dos artigos 15 a 19, no Capítulo voltado aos direitos e prerrogativas do advogado, senão vejamos:

Art. 15. Compete ao Presidente do Conselho Federal, do Conselho Seccional ou da Subseção, ao tomar conhecimento de fato que possa causar, ou que já causou, violação de direitos ou prerrogativas da profissão, adotar as providências judiciais e extrajudiciais cabíveis para prevenir ou restaurar o império do Estatuto, em sua plenitude, inclusive mediante representação administrativa.

Parágrafo único. O Presidente pode designar advogado, investido de poderes bastantes, para as finalidades deste artigo.

Art. 16. Sem prejuízo da atuação de seu defensor, contará o advogado com a assistência de representante da OAB nos inquéritos policiais ou nas ações penais em que figurar como indiciado, acusado ou ofendido, sempre que o fato a ele imputado decorrer do exercício da profissão ou a este vincular-se.

Art. 17. Compete ao Presidente do Conselho ou da Subseção representar contra o responsável por abuso de autoridade, quando configurada hipótese de atentado à garantia legal de exercício profissional, prevista na Lei nº 4.898, de 09 de dezembro de 1965.

Art. 18. O inscrito na OAB, quando ofendido comprovadamente em razão do exercício profissional ou de cargo ou função da OAB, tem direito ao desagravo público promovido pelo Conselho competente, de ofício, a seu pedido ou de qualquer pessoa.

§ 1º Compete ao relator, convencendo-se da existência de prova ou indício de ofensa relacionada ao exercício da profissão ou de cargo da OAB, propor ao Presidente que solicite informações da pessoa ou autoridade ofensora, no prazo de quinze dias, salvo em caso de urgência e notoriedade do fato.

§ 2º O relator pode propor o arquivamento do pedido se a ofensa for pessoal, se não estiver relacionada com o exercício profissional ou com as prerrogativas gerais do advogado ou se configurar crítica de caráter doutrinário, político ou religioso.

§ 3º Recebidas ou não as informações e convencendo-se da procedência da ofensa, o relator emite parecer que é submetido ao Conselho.

§ 4º Em caso de acolhimento do parecer, é designada a sessão de desagravo, amplamente divulgada.

§ 5º Na sessão de desagravo o Presidente lê a nota a ser publicada na imprensa, encaminhada ao ofensor e às autoridades e registrada nos assentamentos do inscrito.

§ 6º Ocorrendo a ofensa no território da Subseção a que se vincule o inscrito, a sessão de desagravo pode ser promovida pela diretoria ou conselho da Subseção, com representação do Conselho Seccional.

§ 7º O desagravo público, como instrumento de defesa dos direitos e prerrogativas da advocacia, não depende de concordância do ofendido, que não pode dispensá-lo, devendo ser promovido a critério do Conselho.

Art. 19. Compete ao Conselho Federal promover o desagravo público de Conselheiro Federal ou de Presidente de Conselho Seccional, quando ofendidos no exercício das atribuições de seus cargos e ainda quando a ofensa a advogado se revestir de relevância e grave violação às prerrogativas profissionais, com repercussão nacional.

Parágrafo único. O Conselho Federal, observado o procedimento previsto no art. 18 deste Regulamento, indica seus representantes para a sessão pública de desagravo, na sede do Conselho Seccional, salvo no caso de ofensa a Conselheiro Federal.

Assim, tem-se que a sessão de desagravo tem dupla finalidade: promover uma reparação moral ao advogado ofendido no exercício profissional e conclamar a solidariedade da classe na luta contra atos ilegais e abusos de autoridades que violam a liberdade de prática da advocacia, para assegurar as prerrogativas do profissional e permitir o exercício do seu trabalho, de sua função essencial à justiça, dentro de um Estado Democrático de Direito.

O desagravo público, portanto, consiste em um ato solene, no qual após o trâmite processual ocorrido na Seccional da OAB e posterior julgamento procedente pelo acolhimento do pedido de desagravo, o Presidente lê a nota a ser publicada na imprensa, encaminhando a mesma ao ofensor e às autoridades, registrando ainda tal feito nos assentamentos do advogado.

Com isso, se um advogado for preso indevidamente por suposto desacato ao juiz durante uma determinada audiência, o desagravo público será a medida justa e cabível a ser promovida pelo Conselho Seccional da OAB competente, sem prejuízo de eventuais responsabilidades da autoridade judicial nas esferas cível, criminal e administrativa.

É de se destacar, que o advogado, para ser desagravado, deve estar no exercício de sua função e ter sido ofendido por estar agindo como advogado, pois a OAB não admite o desagravo quando a ofensa for de cunho pessoal ou de modo que não atinja a reputação da classe da advocacia. O desagravo, portanto, ao ser julgado pelo Conselho competente, deve atender sempre aos requisitos da proporcionalidade e da razoabilidade, de modo que deverá ser promovido quando necessário, tornando público o ato solene no qual se manifesta a OAB em prol do ofendido e de toda a classe dos advogados.

Historicamente, no âmbito da OAB Paulista, a primeira sessão de desagravo foi promovida em 24 de junho de 1965, para desagravar atos cometidos contra dois advogados por um juiz de direito. De lá para cá, a Seccional Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil tem realizado inúmeros de desagravos para se solidarizar com os colegas injustiçados, e, desde 2004, tem realizado Desagravos em praça pública, para mostrar à sociedade as arbitrariedades cometidas e a união da classe.

Em 2004, inclusive, a OAB SP propôs a criminalização das violações dessas prerrogativas, encaminhada à Reunião de Presidentes das Seccionais e acatada. Este projeto foi enviado ao Congresso Nacional, e ainda continua em tramitação.

Outrossim, a mesma proposta foi incluída no projeto de reforma do Código Penal, elaborado por uma comissão de juristas no Senado. O objetivo é punir penalmente aqueles que desrespeitarem o advogado no exercício profissional. Este assunto será melhor tratado no tópico a seguir.

Não podemos deixar de reiterar que, ofender um advogado no exercício da sua profissão é ofender toda a classe da advocacia, pois violar uma prerrogativa é colocar em risco o próprio direito de defesa previsto na Constituição como direito fundamental e uma garantia individual, e, portanto, como cláusula pétrea, conforme o art. 60, § 4º, IV, da Carta Maior. Violar prerrogativa de um advogado é violar o próprio Estado Democrático de Direito.

Em relação à eventual medida judicial cabível contra violação de prerrogativas do advogado no exercício da profissão, à luz do artigo 5º da Constituição Federal, que é um marco na implementação de direitos fundamentais e individuais, podemos citar o Mandado de Segurança, previsto nos incisos LXIX e LXX e regulamentado pela Lei 12.016/2009, como remédio constitucional apto a cessar esta violação.

O Mandado de Segurança é um importante mecanismo judicial à disposição de toda pessoa física ou jurídica, que visa proteger direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por Habeas Corpus ou Habeas Data, contra lesão ou ameaça de lesão, por ato ilegal ou abuso de poder praticado por autoridade pública ou particular que exerce função pública.

Direito líquido e certo é aquele incontestável, ou seja, contra o qual não se podem impor motivos ponderáveis, mas sim, meras alegações, cuja improcedência ou procedência se reconhece de pronto, sem necessidade de provas ou exame mais detalhado.

Com isso, o próprio texto constitucional, que traz a inviolabilidade do advogado, e o Estatuto da OAB que trata do rol de prerrogativas do advogado, já são o suficiente para o advogado que sofrer ou se vir ameaçado de sofrer lesão ou abuso de poder praticado por uma autoridade, impetre um Mandado de Segurança, sem prejuízo, é claro, de eventual ação civil ou penal cabível, conforme o caso.

 

Dos Projetos de Lei que Tornam Crime a Violação das Prerrogativas do Advogado e o Exercício Ilegal da Profissão de Advogado

A violação das prerrogativas do advogado, e a sua consequência natural, ou seja, a censura ética feita na sessão de Desagravo, para inibir a ofensas, infelizmente, não causa muito efeito na prática. Após várias discussões sobre o tema, a OAB de São Paulo, com o apoio de suas Subseções, encaminhou à Câmara dos Deputados, proposta de Projeto de Lei com o objetivo de criminalizar a conduta de violar prerrogativas de advogados.

Essa proposta foi aceita e vários projetos de Lei foram criados no Congresso Nacional, como os Projetos de Lei n. 4.915 e n. 5.762, de 2005 (Câmara dos Deputados), e os Projetos de Lei n. 83, de 2008 e 141 de 2015 (Senado Federal), para instituir o crime de violação de direitos e prerrogativas do advogado, sendo que todos estão disponíveis e podem ser acompanhados através dos sites da Câmara e do Senado.

Atualmente, o mais avançado é o PL n. 8.347/2017, em tramitação na Câmara dos Deputados, originado do PL n. 141/2015, do Senado Federal, que recentemente (em 05/12/2017), foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, onde, além de criminalizar os atos violadores das prerrogativas da advocacia, também torna crime o exercício ilegal da profissão, que ainda é tratada pela Lei brasileira (Dec-Lei n. 3.688/41, art. 47) como contravenção penal e não como crime.

Se aprovado definitivamente, o projeto de lei incluirá os artigos 43-A e 43-B no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994). O primeiro dispositivo define como violação de prerrogativas:

  • impedir o exercício da profissão;
  • impedir o auxílio da OAB em caso de prisão;
  • impedir o acesso de documentos judiciais;
  • impedir a retirada dos autos de processos finalizados por até 10 dias, mesmo sem procuração;
  • impedir de ter vista dos processos judiciais ou administrativos;
  • impedir o profissional de auxiliar seus clientes durante investigação;
  • ser preso, antes do trânsito em julgado, em local que não seja Sala de Estado Maior;
  • afrontar a inviolabilidade do escritório ou o sigilo entre advogado e cliente.

Além disso, determina que, caso o advogado seja conduzido ou preso arbitrariamente, o agente público responsável pelo ato poderá perder o cargo e ser proibido de exercer função pública por até três anos.

Já o segundo, tipifica o crime de exercício ilegal da advocacia como: “Exercer ou anunciar que exerce, ainda que a título gratuito, qualquer modalidade de advocacia, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício, ou sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites”. Importante destacar que o texto também insere no exercício ilegal aquele que atua como advogado mesmo estando suspenso pela OAB ou pela Justiça, ao dispor “Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se cumulativamente multa”.

O projeto ainda prevê que a OAB será a responsável por pedir às autoridades investigação e diligências sobre eventual violação de prerrogativas. Também poderá solicitar junto ao Ministério Público sua admissão como assistente na ação e apresentar ação penal de iniciativa privada.

 

Conclusão

A Constituição Federal de 1988, foi um grande avanço na implementação e na consolidação de direitos fundamentais e garantias individuais no Brasil. A profissão do advogado foi inserida nesse contexto, como função essencial à justiça, e tem a sua importância dentro do Estado Democrático de Direito.

Os advogados possuem prerrogativas estabelecidas no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, e no próprio texto constitucional, cuja observância e aplicação são obrigatórias em todo o território nacional. Essas prerrogativas garantem ao advogado o direito de defender seus clientes com liberdade e plenitude, com independência e autonomia, sem temer a qualquer autoridade, judiciária ou não.

A OAB possui um importante instituto, mas que geralmente, e infelizmente, não gera muito efeito na prática. O chamado “desagravo” não é realizado para desafrontar o advogado ofendido, mas sim a própria classe da advocacia, por isso, a defesa das prerrogativas do advogado, começa com cada advogado, que deve conhecer seus direitos, suas prerrogativas, seu Estatuto, seu Código de Ética e Disciplina, seu Regulamento Geral, ou seja, todos os diplomas legais voltados ao exercício da sua profissão, de modo a evitar que esses direitos sejam violados pelas demais autoridades.

Também é possível ao advogado, impetrar, diante do princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, Mandado de Segurança, com fundamento no art. 5º, LXIX e LXX, da CF/88 e na Lei 12.016/09, um remédio constitucional, uma ação judicial, célere e eficaz no combate à violação das suas prerrogativas, cuja comprovação do direito líquido e certo, se faz através do próprio texto constitucional, e das disposições previstas no Código de Ética e Disciplina e no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil.

Atualmente, tramita no Congresso Nacional, projeto de lei, voltado à criminalização da violação das prerrogativas do advogado e ao exercício ilegal da advocacia.

Se aprovado, representará um marco histórico no avanço da advocacia, na sua valorização como profissão, e, principalmente, como função essencial à justiça, na proteção do direito de defesa, dos direitos humanos, dos direitos fundamentais e das garantias individuais do cidadão, dentro de um Estado Democrático de Direito.

Data da conclusão/última revisão: 15/12/2017

 

Como citar o texto:

CARLUCCI, Stéfano Di Cônsolo..As prerrogativas do advogado à luz do ordenamento jurídico vigente. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1498. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/pratica-forense-e-advogados/3844/as-prerrogativas-advogado-luz-ordenamento-juridico-vigente. Acesso em 9 jan. 2018.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.