I  - INTRÓITO

Nos ensinamentos de Paulo Brossard de Souza Pinto em sua monografia sobre o tema, destacamos toda a razão da existência do  impeachment.

“ Nos regimes democráticos não existe governante irresponsável, Não há democracia representativa sem eleição. Mas a só eleição ainda que isenta, periódica e lisamente apurada, não esgota a realidade democrática, pois, além de mediata ou imediatamente resultante de sufrágio popular, as autoridades designadas para exercitar o governo devem responde pelo uso que deli fizerem uma que governo irresponsáveis embora originário de eleição popular, pode ser tudo, menos governo democrático  ‘ .

II – CONCEITUAÇÃO

                                                 In Primis, o impeachment é um processo destinado a apurar e punir condutas antiéticas graves, instaurado, processado e julgado por um órgão legislativo, contra um agente do Estado, para impedi-lo de continuar na função pública, mediante sua remoção do cargo ou função atual e inabilitação para qualquer outro cargo ou função por um certo tempo.

                                                 Segundo Carlos Maximiliano, o impeachment, tem por fim impedir que o indivíduo continue no exercício do cargo, no qual está prejudicando o país.

                                                 Nos ensinamentos de David Mervin , sobre o processo de impeachment inglês, faz o seguinte comentário:  In England, prior to the development of ministerial responsability to Parliament, impeachment was used as a means whereby the legislature soyght to call to account ministers who saw themselves as answerable primarily, if not exclusively, to the Crown. ( Oxford Concese Dictionaru of Politics, verbete “ Impeachment”, p.235 )

                                                 Típico do direito ocidental, nasceu na Inglaterra como processo criminal. Daí, passou aos Estados Unidos, onde perdeu a natureza criminal, tornando-se um procedimento estritamente político. Esses países lhe marcaram o desenvolvimento, gerando as duas espécies históricas de impeachment, o criminal e o político.

III -  ORIGEM  E  EVOLUÇÃO  NO DIREITO INGLÊS

                                                 O processo de impeachment,tem a sua origem primeira na Inglaterra, aos séculos XIII e XIV, quando ele despontou como um meio de se abrir nas casas parlamentares uma investigação com vistas a prover a punição de alguém que era acusado pelo clamor público.

                                                 Naquele tempo, a Câmara dos Comuns promovia a acusação formal dos ministros reais, que ao final seriam submetidos ao julgamento perante a Câmara dos Lordes. Em 1283 houve um procedimento tal – que alguns apontam como o pioneiro – contra um certo David, conhecido como “o irmão de Llewellyn”. Outros se seguiram, como o de Thomas, Conde de Lancaster, em 1322, o de Roger Mortiner e o de Simon de Beresford, em 1330, e o do Arcebispo de Cantuária, John Stratford, que em 1341 foi acusado ante o Parlamento com base em denúncias notoriamente difamatórias. Esses casos pioneiros ainda não eram o impeachment propriamente dito. Mas aí ele despontava.

                                                 Destacamos outros casos mais típicos se configuraram na segunda metade do século XIV. Em 1350, o de Thomas de Barclay. Em 1376, o procedimento instaurado contra um mercador de Londres, chamado Richard Lyons, atingiu a pessoa de William, Lorde Latimer, o que além de dar-lhe bem maior repercussão – iniciou uma característica que mais tarde se reafirmou e persistiu: os réus do impeachment são políticos. Ademais, esse foi o primeiro caso em que Parlamento racionalizou o impeachment, convertendo-o em processo e julgamento definitivos, tendo os Comuns como acusadores e os Lordes como julgadores. Nessa mesma conjuntura, também se afirma o impeachment contra a mulher: Alice Perrers, em 1377. De qualquer modo, variam as conclusões quanto à data em que o processo surgiu e à personagem que o inaugurou.

                                                 Outrossim, após a acusação de William de la Pole, Duque de Suffolk, em 1450, e o julgamento de William, Lord Stanley, em 1459, a freqüência das acusações diminuiu. Em 1529 e 1549 foram atacados, respectivamente, o Cardeal Wolsey e Sir Thomas Seymour. O impeachment caiu em desuso até o século XVII. Foi reativado em 1620, quando serviu aos Comuns para atacar os monopólios de Sir Giles Momperson. Os Comuns entenderam que não o poderiam processar senão com base em uma competência política própria das Casas do Parlamento e, para isso, sugeriram aos Lordes a restauração do impeachment, ao que se opôs o rei, Jaime I, mas sem êxito. Cada vez mais cônscios do poder de sua nova arma, os Comuns passaram a atacar altas personalidades do Reino, como Francis Bacon, o Visconde de Saint Albans, o Conde de Middlesex e outros, inclusive os ministros do rei que perdiam a confiança dos parlamentares. No processo de Danby, decidiu-se que o impeachment, procedimento próprio das casas parlamentares, não era alcançado pelo poder de perdão, prerrogativa própria do rei, o que o impediu de salvar os ministros. Confirma-se, dessa maneira, o impeachment, como um instrumento de pressão sobre os ministros do rei.

                                                 Assim, neste país o instrumento do impeachment, foi gradativamente perdendo a importância, devido à evolução parlamentar do sistema inglês, tendo se em vista que a noção de desconfiança passou a ser o instrumento de responsabilidade política dos ministros.

                                                 Insta elucidar que no impeachment, a Casa dos Lordes, que é o mais alto tribunal do Reino Unido da Grã-Bretanha, funciona com tribunal judiciário. Por simples maioria, pode condenar a penas terríveis – multas, confisco de bens, desonra, exílio, prisão e, até mesmo, morte – que implicavam, obviamente, o afastamento do cargo. Para evitar tais punições, os ministros renunciavam antes de ser instaurado o impeachment, fugindo à simples ameaça de serem processados.

                                                  Entre 1621 a 1715, em cerca de cinqüenta julgamentos realizados, foi rechaçada a tentativa de restringir o objeto e as conseqüências do processo. Mas, ao atacar pessoalmente os ministros, de fato os Comuns estavam atacando a política do ministério. Aí se firmou o costume de atender o ministério às políticas discutidas e traçadas nas casas parlamentares, sobretudo pelos Comuns, e de renunciar o ministro ao perder a confiança parlamentar. Com isso, desviando do rei para o parlamento a responsabilidade política do ministério, o impeachment se tornou um dos principais instrumentos institucionais pelos quais se forjou o parlamentarismo na Inglaterra.

                                                 O impeachment, do mesmo modo que o veto, que foi usado pela última vez em 1703, pela Rainha Ana caiu definitivamente em desuso na Inglaterra a partir do caso em que Lorde Melville, em 1806, foi acusado de malversação das finanças do Almirantado.

IV- O IMPEACHMENT NOS ESTADOS  UNIDOS

                                                 Inspirados na experiência inglesa e na teoria da independência dos Poderes, os Estados Unidos criaram um sistema presidencial onde o chefe do Poder Executivo não presta contas de seus atos ao Congresso, sendo somente responsabilizado em casos de extrema gravidade elencados na própria Constituição. Nestes casos, o Presidente pode perder o seu cargos, mediante um processo de acusação formal, em que o agente público é acusado de praticar crimes no exercício de sua atividade ou deveres essenciais.

                                                 É necessário ressaltar, que a evolução americana se deu em virtude do constitucionalismo que a priori, insurgindo contra o absolutismo dos reis, na passagem da era moderna para a era contemporânea, buscou controlá-lo por dois mecanismos, então havidos por necessários e suficientes para essa finalidade: a separação de poderes, mecanismo interno, disposto no interior do poder, e a declaração de direitos, mecanismo externo, oposto do exterior ao poder. Ambos surgiram com o empirismo inglês, de forma natural, ao longo do seu constitucionalismo costumeiro.

                                                 Com o governo colonial, os americanos haviam entrado em contato com alguns aspectos da divisão e separação e, depois, da colaboração e integração de poderes praticadas empiricamente  pelos ingleses. Mas, sobretudo, a respeito da excelência da separação rigorosa de poderes, tiveram uma notícia racionalizada e entusiástica na leitura de Montesquieu. Adotaram-na com todo o rigor. Entretanto, para aprimorá-la, em face da peculiar necessidade de limitar o poder federal, desenvolveram o que chamaram de checks and balances, que embora já esboçados por Montesquieu, só vieram a ser  incrementados teórica e praticamente nos Estados Unidos.

                                                 Para tanto, valeram -se de institutos e instituições que embora vários de origem e finalidade souberam genialmente adaptar num só organismo estatal. Tais, como The Senate, inspiração romana, que conjugaram com The House of Representatives, herança das colônias, para formar The Congress of de United States of America. Do mesmo modo, hauriram da Inglaterra e da França aqueles dois mecanismos de limitação do poder: a separação de poderes e a declaração de direitos.

                                                 Foi com o objetivo específico de aprimorar a separação de poderes que os constituintes norte-americanos retomaram dois institutos que há muito estavam em desuso na Inglaterra, o veto e o impeachment, que introduziram entre os checks and balances. Para esse fim, tiveram desvirtuar o impeachment, dando-lhe uma finalidade exclusivamente política. Portanto, a descriminação ou descriminalização do impeachment nos Estados Unidos deveu-se ao seu aproveitamento e inclusão como uma das peças do mecanismo de checks and balances entre os Poderes.

                                                 Nos Estados Unidos é uníssona a crítica ao impeachment de ser um procedimento tumultuado, favorecendo discussões paralelas e evasivas, incompatíveis com a linearidade e celeridade requeridas diante de fatos político - administrativos tão graves como a traição, o suborno e outros. Não obstante, não têm logrado êxito as tentativas de emendar a Constituição para reformar ou substituir o impeachment, por ser ele considerado um dos mais importantes checks and balances (freios e contrapesos) da separação de poderes nos Estados Unidos

                                                 Ocorreram três importantes casos de tentativa de impeachment de presidentes da história norte – americana. Em 1868, foi autorizada pela Câmara a abertura de processo de cassação do Presidente Andrew Johnson. Julgado pelo Senado, foi absolvido por apenas um voto. Em 1974, Richard Nixon foi acusado de abuso de poder, entretanto revolveu renunciar, depois de haver sido informado de que a sua condenação seria inevitável.

                                                 Em 1998 a Câmara autorizou abertura de processo de impeachment contra o Presidente Bill Clinton por crime de perjúrio, ao mentir em juízo acerca de sua comprovada infidelidade conjugal, e de obstrução da justiça, quando foi alegado que o mesmo se utilizou do cargo para prejudicar as investigações sobre o caso. Em fevereiro de 1999, Clinton acabou sendo absolvido de ambas as acusações, literalmente perdoado pelo Senado Federal. 

V - O IMPEACHMENT NO BRASIL

                                                 No Brasil, o impeachment chegou com constitucionalismo e desde o início, fugindo ao modelo anglo-saxônico, que não limitava a um ou outro, mas estendia a quase todos os agentes públicos o alcance do instituto. Primeira constituição brasileira, a do Império, de 1824, admitiu impeachment apenas para os Ministros de Estado, responsabilizando-os “por traição, por peita, suborno, ou concussão, por abuso do Poder, pela falta de observância da Lei, pelo que obrarem contra a Liberdade, segurança, ou propriedade dos Cidadãos, por qualquer dissipação dos bens públicos” (art. 133). “Uma Lei particular especificará a natureza destes delitos, e a maneira de proceder contra eles” (art. 134). Foi essa a finalidade da Lei de 15 de outubro de 1827. Enfim, “não salva aos Ministros da responsabilidade a ordem do Imperador vocal, ou por escrito” (art. 135). Durante o Império, o impeachment se praticou esporadicamente, nunca chegando à condenação.

                                                 Na Constituição Republicana Brasileira, de 1891, reserva-se o impeachment para o Presidente da República e para Ministros de Estado em crimes conexos com o Presidente, competindo à Câmara dos Deputados declarar a procedência ou não da acusação (arts. 29 e 53). Funda-se o impeachment em crimes de responsabilidade (art.53) definidos na Constituição em termos básicos e genéricos (art. 54). Declarada a procedência, o Presidente era afastado de suas funções (art. 53, parágrafo único) e cabia ao Senado o julgamento (arts. 33 e 53), a cuja deliberação presidia o Presidente do Supremo Tribunal Federal (art. 33, 1o).

                                                 O quórum de deliberação era de dois terços dos membros presentes (art. 33, 2o). Não se previam “outras penas mais que a perda do cargo e a incapacidade de exercer qualquer outro”, mas “sem prejuízo da ação da justiça ordinária contra o condenado” (art. 53, 3o). Nesses termos, assumiu o impeachment o contorno básico que conserva até hoje no constitucionalismo brasileiro, perpassando com pequenas variações pelas sucessivas constituições (a de 1934, a de 1937, a de 1946, a de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969).

                                                 No Brasil, diversas tentativas foram feitas ao longo da República Velha, contra os presidentes Floriano Peixoto em 1893, Campos Sales em 1901 e 1902, Hermes da Fonseca em 1912, todas infrutíferas.

                                                 Em 1992, mas precisamente aos 30 de setembro, com 105 votos a mais do que os 336 necessários, a Câmara aprovou o pedido de impeachment do Presidente Collor de Mello, que havia sido o primeiro presidente eleito pelo povo, após o término de duas décadas de regime autoritário militar. Entretanto, em 1994, os ministros do STF, manchando a reputação da Casa e contrariando os interesses da Nação, acabaram por absolver o presidente renunciante.

                                                 Em relação a Constituição de 1988, é possível desdobrar o impeachment em dois tipos. O primeiro tipo é o impeachment propriamente dito, tradicional, cujos possíveis acusados são o Presidente e o Vice-Presidente da República em crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica em crimes da mesma natureza conexos com aqueles.

                                                 O segundo tipo destacamos sobre o impeachment dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, do Procurador-Geral da República e do Advogado-Geral da União. Ambos os tipos são processados e julgados privativamente pelo Senado Federal (art. 52, I e II), devendo, também privativamente, a Câmara dos Deputados autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração do impeachment previsto no inciso I do art. 52. A Constituição considera crimes de responsabilidade, passíveis de dar ensejo ao impeachment, “os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal” e, em especial, os atos que arrola (art. 85, caput e incisos). Admitida a acusação, o Presidente da República ficará afastado desde a instauração do processo pelo Senado até cento e oitenta dias, quando então, se não houver terminado, o processo continuará com o Presidente de volta às suas funções (art. 86, §§ 1o e 2o).

                                                 Enfim, nos casos de impeachment, o Senado será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, decidirá por quórum de dois terços dos votos, e a pena se limitará à perda do cargo, com inabilitação por oito anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das sanções judiciais cabíveis  nos moldes do art. 52, parágrafo único da Lex Legum.

V – CONCLUSÃO

                                                 Segundo Laurence Tribe, que o objetivo da cassação do mandato não é exatamente o de punir o indivíduo investido do cargo de Presidente, mas fundamentalmente de proteger a Nação de uma grave ameaça ou de traição do agente público que abusa do poder ou subverte a Constituição. Para Tribe, nestas ocasiões excepcionais, o processo de impeachment poderá servir até mesmo para a restauração da crença popular na integridade e legitimidade dos representantes políticos.

VI - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MOURA AGRA, Walber. Manual de Direito Constitucional. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 2002.

ZIMMERMANN, Augusto. Curso de Direito Constitucional. 3ª edição, Revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional nº 42. ed. Lúmen Júris.

TRIBE, Laurence. American Constitucional Law, Nova York: Foundation  Press, 2000.

BARBOSA, Ruy. Ruínas de um governo. 1931.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O parlamentarismo. São Paulo: Saraiva, 1993.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 25. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1999.

PINTO, Paulo Brossard de Souza. O impeachment: aspectos da responsabilidade política do Presidente da República. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 201.

(Concluído em agosto de 2005)

 

Como citar o texto:

VELLOSO, Leandro..Reflexões sobre o Impeachment no Direito Brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 142. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/760/reflexoes-impeachment-direito-brasileiro. Acesso em 6 set. 2005.

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