Resumen

El ámbito penal debe ser tratado como un medio residual para se trabajar com los problemas sociales, limitando la intervención del Estado sobre la vida privada a los parámetros mínimos, buscando, sim embargo, tornar tal intervención más efectiva, más eficiente en este sentido. Entonces, las funciones del derecho penal deben ser sintetizadas como, por un lado, el controle social, atraves de los mecanismos simbólicos de prevención, e, por outro, la garantía del individuo frente al Estado e sus pretensiones de intervenir sobre la libertad individual. En el contrapunto entre estas facetas de la esfera criminal es que el derecho penal se direcciona para el enaltecimiento del hombre como referencia, como razón más alta de las relaciones sociales.

SUMÁRIO: 1 Direito penal e sociedade; 2 O Direito Penal como subsistema jurídico; 3 As funções do Direito Penal; 3.1 O controle social; 3.2 Funções político-normativas.

1 DIREITO PENAL E SOCIEDADE

A vida em sociedade é uma marca da civilização. O existir humano no mundo desenvolveu-se ao longo da história através de mecanismos de convivência social, organizada sob diversos símbolos e códigos. A vida em sociedade mais e mais foi se mostrando encadeada em torno de símbolos e de códigos de convivência (religiosos, de etnia, geográfico-culturais etc), e isso de uma maneira tal que se pode falar na existência de um sistema de vida em sociedade – de um sistema social.

O Direito contemporâneo compõe o sistema social, e dentro dele é um subsistema - faz parte das relações sociais (sistema social), mas possui uma matriz própria (símbolos e códigos próprios), ou seja, a normatividade (subsistema social). A teoria e a prática jurídicas são definidas e organizadas em torno do paradigma da normatividade – ou seja, o objeto básico do Direito são as normas jurídicas. É a partir da normatividade que o Direito interage com outras ‘áreas’ do sistema social.

Social e politicamente pensado, é inegável o papel de controle social exercido pelo Direito (também, em específico, pelo Direito Penal). Na história da humanidade, o Direito funcionou e funciona sempre, em alguma medida, como um modo de relativizar as tensões sociais que nascem ou poderiam nascer dos conflitos interindividuais ou intergrupais, apresentando-se a solução jurídica como um mecanismo pretensamente racional e evoluído para a solução dos conflitos.

Nesse sentido, o papel exercido pelo Direito Penal seria singular (mais simbólico do que material): trataria ele daquelas situações em que as pessoas extrapolam os limites do razoável, agindo no exercício de sua liberdade com tal demasia que os danos a direitos de terceiros teriam uma magnitude maior. Por decorrência disso, a resposta jurídica não poderia ser de mediação de interesses, mas sim de punição dos ‘desvios’. É interessante perceber que esse papel simbólico tem ficado enfraquecido nas últimas décadas (embora continue tendo relevância), em que se desnuda a inflação legislativa penal (exagero de figuras previstas como crimes) e a inoperância do sistema penal para responder às condutas criminosas.

Essa percepção do Direito Penal enquanto fenômeno social não deve, entretanto, ser limitada a visuá-lo como mero instrumento de controle da sociedade. Ele paralela e paradoxalmente funciona como garantia de direitos que são cada vez mais estendidos (mesmo que plano meramente formal, normativo) a todos os indivíduos. Desse modo, o Direito é palco de contradições dialéticas de funções (controle e garantia), contradições essas que devem ser solucionadas na conjunção de sua análise externa (filosofia política do Direito) - priorizando o ideal de um Estado Democrático Social de Direito(2) - com sua análise interna, priorizando a supremacia dos direitos humanos.

2 O DIREITO PENAL COMO SUBSISTEMA JURÍDICO

Internamente pensado, em relação às suas áreas específicas (penal, civil, tributário etc) o Direito é um sistema próprio, um sistema jurídico com vários subsistemas, pelos quais a proteção aos direitos humanos transita e exerce (ao menos potencialmente) um condicionamento de conteúdo. Isso porque tais subsistemas jurídicos estão interligados através de princípios jurídicos gerais (por vezes comuns a todas as áreas, como o princípio da igualdade de tratamento, por exemplo), e por uma referência jurídico-normativa necessária, superior às regulações jurídicas de cada área: a Constituição Federal (na qual parte dos princípios jurídicos gerais está incluída).

O Direito Penal, nesse contexto, nada mais é do que um subsistema jurídico com regras, princípios, conceitos próprios. Porém, como faz parte de um todo, nunca estará desconectado dos demais subsistemas jurídicos. Veja-se, por exemplo, as relações entre Direito Penal e Direito Civil quanto aos danos causados pelo fato considerado crime: a decisão na esfera penal, condenando o indivíduo, faz coisa julgada na esfera cível, assegurando o direito à indenização. Tem-se o Direito Penal, portanto, como um subsistema jurídico próprio, mas interligado aos demais.

O próprio conceito de Direito Penal não pode ser, por decorrência, desconectado do conceito de Direito, sendo, isto sim, derivado dele. É, portanto, um conceito derivado, pois deve se basear no objeto geral do direito, na matriz normativa que é comum a todo o Direito. Para que se possa, então, conceituar o Direito Penal é necessário que se resgate o conceito de Direito.

Nesse intuito, destaca-se que, enquanto objeto epistemológico(3) de estudo, o Direito é um conjunto de normas jurídicas. Entretanto, será apenas isso? Não, pois há a presença constante de aspectos valorativos e finalísticos, abertos a procedimentos interpretativos gerais ou contingenciais. Ademais, no que respeita às normas contidas em leis, a redação deve ser localizada historicamente, de modo a facilitar a contextualização interpretativa com o momento da aplicação jurídica.

Portanto, deve-se agregar ao aspecto meramente normativo outro aspecto que registre a marca sistemática valorativa e finalística do Direito. Nisto é decisivo o papel dos princípios jurídicos, pois indicam as diretrizes para a interpretação e aplicação dos conteúdos jurídicos (além de serem diretrizes para a própria criação de novas normas). Partindo dessa concepção, agregando-se os princípios à definição antes enunciada, define-se o Direito como o conjunto de princípios e regras jurídicos que regulam a vida em sociedade.

Entende-se que tanto os princípios quanto as regras (de conduta, procedimento, forma e competência) são normas. Assim, o gênero normas é dividido nas espécies princípios e regras. Não se deve ignorar, no entanto, o fato de que as abordagens convencionais do Direito Penal ordinariamente em vez de falar em regras fala em normas, não percebendo que com isso implicitamente com isso estar-se-ia negando (ou ao menos enfraquecendo a idéia) que os princípios também são normas (a isso se voltará no terceiro capítulo dessa unidade, em abordagem específica).

Por outro lado, O conceito de Direito aqui enunciado não procura firmar uma definição exaustiva do Direito, mas sim uma definição instrumental. Explique-se: o conceito enunciado não pretende ser completo e definitivo. Procura-se apenas apreender o que pode haver de minimamente comum a qualquer área do Direito – é aí que emerge o papel das normas e princípios jurídicos.

Em síntese, a definição de Direito deve buscar congregar o aspecto normativo-formal do Direito (conjunto de regras) com o seu aspecto valorativo-material (e princípios). E, independente da função ideológica a que se dê primazia, a definição há de ser aplicável.

Partindo-se daí, como o Direito Penal constitui-se como um subsistema jurídico, seu conceito deve ser derivado do conceito geral do Direito, agregando-se-lhe o que há de específico. Por conseguinte, como objeto de estudo e como concepção político-jurídica, ele deve ser definido a partir dos princípios e regras jurídicos, e de como estes regulam a vida social.

Conceitua-se o Direito Penal, então, como o conjunto de princípios e regras jurídicos que definem as condutas criminais, as penas a elas correspondentes e as condições para que tais penas sejam aplicáveis.

3 AS FUNÇÕES DO DIREITO PENAL

3.1 O controle social

Pode-se indicar que a regulação da vida em sociedade, pano de fundo de qualquer definição do Direito e de suas áreas específicas, de acordo com a postura ideológica adotada teria como funções principais possíveis:

a) possibilitar a dominação de uma classe por outra - as regras e os princípios jurídicos serviriam apenas como instrumentos de dominação de uma classe sobre outra (visão marxista ortodoxa). Esta é uma visão que não deixa de ter razão quanto à circunstância de que o Direito é instrumento de dominação de classe. Reduzir, entretanto, a função do Direito a isso é dizer que a sociedade só pode ser livre sem o Direito e, portanto, anárquica, o que, realisticamente, levaria à sobrepujança de uns em relação a outros pela força.

b) promover a paz social - ao regular a vida em sociedade as regras e princípios jurídicos levariam à harmonia social (liberalismo). Trata-se de um discurso ideal, fantasioso, imaginando que todos os interesses da sociedade têm o mesmo sentido, esquecendo que a sociedade é dividida em classes e que o interesse de uma classe dominante não é o da classe dominada.

c) possibilitar a dominação estatal sobre a sociedade e, como contraponto, à limitação estatal pela sociedade - o Direito é, sim, dominação estatal da sociedade (modo do Estado controlar e coordenar a sociedade), mas no outro lado da balança está a limitação do Estado pela sociedade (face e contraface). Por um lado, há interesses conflitantes na sociedade, que é eminentemente política, e o Direito serve para que o Estado controle e coordene a sociedade. Por outro lado, para que a sociedade não fique jogada à possibilidade do arbítrio estatal, o Direito serviria para definir a limitação do poder do Estado sobre a sociedade. É uma posição afinada ao garantismo jurídico constitucionalista, por isso adotada aqui.

Destaque-se que a posição dos princípios é fundamental dentro de tal idéia. Eles abrem espaço para que se possa tentar construir uma racionalidade prática do Direito Penal voltada para o homem como centro das ações sociais.

Com inspiração em Luigi Ferrajoli(4), trata-se de entender que a forma de se evitar que o Direito Penal seja apenas um instrumento de controle social (ou ao menos um instrumento de controle social dos mais fortes sobre os mais débeis) está em se garantir que a dignidade de todos e de cada um seja normativamente consagrada como indispensável para qualquer atuação jurídico-penal.

Isso implica que cada um e todos que atuam no Direito Penal repensem seu papel: em vez de favores pessoais, a dignidade da conduta; em vez de estoques de presos, prisões racionalizadas (inclusive quantitativamente) e adoção maior de penas alternativas; em vez de uso das penas alternativas como válvula de escape, a implementação de mecanismos eficazes de implementação, cumprimento e fiscalização de tais penas; em vez do fácil discurso demagógico do punitivismo, uma opção racionalizadora do sistema penal, resguardando-o para questões que relevantemente atinjam direitos humanos fundamentais. É importante, nesse sentido, que se diferenciem claramente as respostas do Direito Penal aos crimes de baixo e médio potencial ofensivo e aos crimes de alto potencial ofensivo. Tal distinção hoje não é clara, o que leva à sensação social de que nem mesmo normativamente há respostas adequadas aos crimes.

Um tal repensar não afastaria o papel de controle social exercido (o que, aliás, nem é exatamente desejável), mas ajudaria a torná-lo racionalmente balizado por parâmetros centrados num caráter democrático e humanitário.

3.2 Funções político-normativas

Entende-se, por força da inquestionável vinculação jurídica aos direitos humanos - especialmente àqueles que são consagrados como direitos fundamentais(5) - que se há de buscar tornar efetivas as possibilidades normativas e políticas de que o Direito Penal possa auxiliar a sociedade a repensar os seus modos de construir a idéia de cidadania para cada um de nós. Trata-se de fazer do Direito, ao menos potencialmente, um instrumento útil para a qualificação da vida humana em sociedade.

Preconiza-se, assim, uma abordagem garantista do Direito Penal. Uma abordagem articulada em torno da preservação e efetivação dos direitos humanos, em torno da centralidade do ser humano no mundo, garantindo-o contra o arbítrio e a coisificação. Externamente, a abordagem garantista está focada na legitimação do Direito frente à centralidade do ser humano no mundo, a partir de parâmetros de política criminal minimalista. Internamente, trata-se de desenvolver e consolidar a interpretação crítica da dogmática penal, igualmente focada nos direitos humanos.

Dessa forma, baseando-se em parâmetros garantistas, deve-se possibilitar a reflexão crítica no estudo dogmático do Direito Penal – em uma abordagem interna(6). Nesse quadro, o instrumental teórico e prático do jurista penal pode indicar alguns caminhos de lógica e argumentação jurídica voltadas para um Direito Penal centrado no ser humano, baseado em valores éticos de humanidade e consagrando a defesa de direitos humanos fundamentais.

Além disso, deve-se discutir as mais adequadas formas para que a intervenção jurídica sobre os problemas decorrentes da criminalidade. Esta é entendida como o conjunto de fatos sociais que violam a lei penal, incluindo-se tanto aqueles que são levados às raias policiais e penais quanto aqueles que ficam à margem da intervenção estatal.

Ressalte-se, entretanto, que o Direito Penal tem um papel muito limitado em termos sociais para o combate à criminalidade. A capacidade intimidatória da esfera penal (prevenção geral), que é simbólica, tem muito pouca efetividade no meio social. E, ainda assim, está mais localizada na convicção de diante do cometimento de crimes haveria punição (superando-se a sensação ou expectativa de impunidade) do que na gravidade abstrata das penas (a quantidade ou dureza das penas previstas em lei).

Devido a isso, importa que a esfera penal seja tratada como um meio residual para tratar os problemas sociais, em que se deve limitar a intervenção do Estado sobre a vida privada aos parâmetros mínimos necessários, buscando-se, no entanto, torná-la mais efetiva e eficiente(6) nesse sentido.

As funções do Direito Penal, assim, podem ser sintetizadas como, por um lado, o controle social, através de mecanismos simbólicos de prevenção. Por outro lado, paralela e paradoxalmente, a garantia do indivíduo frente ao Estado e suas pretensões de intervir sobre a liberdade individual. É no contraponto entre essas duas faces da esfera penal que se pode destacar que o Direito Penal contemporâneo caminha para ser uma esfera jurídica centrada no enaltecimento do ser humano como referência e razão principal das relações sociais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO JÚNIOR, João Marcelo de (org.). Sistema penal para o terceiro milênio. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1991.

CARVALHO, Márcia Dometila L.. Fundamentação constitucional do Direito Penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1992.

CARVALHO, Salo de. Pena e garantias: uma leitura do garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.

COELHO, Edihermes Marques. Direitos humanos, globalização de mercados e o garantismo como referência jurídica necessária. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.

_______. Manual de Direito Penal parte geral: a dogmática penal sob uma ótica garantista. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.

COELHO, Edihermes Marques (org.). Direitos fundamentais: reflexões críticas: teoria e efetividade. Uberlândia: IPEDI, 2005.

COELHO, Edihermes Marques; MESQUITA, Gil Ferreira de. Metodologia da pesquisa jurídica. Uberlândia: IPEDI, 2005.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 17. ed. Petrópolis: Vozes, 1987.

GALVÃO, Fernando. Política criminal. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001.

ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

NOTAS:

**       Este artigo teve publicação impressa em: Cidadania e Justiça. Revista de Direito, Ano 7, nº 13. Ituiutaba: Universidade do estado de Minas Gerais, Campus Fundacional Ituiutaba, 2004.

(2)      Sobre o Estado de Direito e suas configurações, vide FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão – teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp. 687-696.

(3)      A epistemologia define-se como a área de estudo dos paradigmas, parâmetros e diretrizes para que se possa desenvolver um conhecimento teórico – pretensamente científico – válido, aceitável em uma determinada área do conhecimento humano. Trata-se, portanto, de uma ‘teoria da ciência’, uma teoria sobre como produzir conhecimento.

(4)      FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão – teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, passim.

(5)      Sobre tal nomenclatura vide COELHO, Edihermes Marques. Direitos humanos, globalização de mercados e o garantismo como referência jurídica necessária. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, capítulo 3.

(6)      Tal não dispensa a ‘abordagem externa’ do Direito Penal – antes pelo contrário. Ocorre que não há como se estudar a área penal num Curso de Direito sem que seja feita a abordagem ‘dogmática’ (teórico-técnica). Assim, entende-se ser necessário se atacar os problemas em duas frentes: externamente, em reflexões criminológicas de política criminal; internamente através da dogmática crítica. E, necessariamente, as abordagens externa e interna devem se dar de forma complementar. Assim, o foco na dogmática crítica faz parte de uma postura garantista engajada, tanto quanto os estudos criminológicos podem ser.

(7)      Sobre as noções de efetividade e eficiência vide COELHO, Edihermes Marques. Direitos humanos, globalização de mercados e o garantismo como referência jurídica necessária. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, capítulo 1.

 

Como citar o texto:

COELHO, Edihermes Marques..As funções do Direito Penal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 146. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/810/as-funcoes-direito-penal. Acesso em 3 out. 2005.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.